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O treinamento do administrador para os níveis médio e superior da organização

ARTIGOS

O treinamento do administrador para os níveis médio e superior da organização

Ary Ribeiro de Carvalho

Professor-Adjunto da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo, Departamento de Administração Geral e Relações Industriais

Uma vez que também da qualidade da administração depende a sobrevivência da empresa, o treinamento de executivos não deve ser deixado ao aceso.

As emprêsas reconhecem, atualmente, que os supervisores dos níveis mais baixos da organização desempenham papel relevante na determinação do moral e da lealdade dos subordinados e que êstes fatores, por sua vez, afetam a produção, a rotatividade da mão-de-obra e as relações humanas no trabalho. Com o fim de facilitar a tarefa dêsses supervisores, a administração tem desenvolvido programas de treinamento em que se lhes fornecem meios de melhor compreender a complexa tarefa de lidar com pessoas e desenvolver sua capacidade técnico-administrativa.

O mesmo não acontece, entretanto, com relação aos escalões mais altos da organização, daí resultando que, embora melhorando a qualidade de supervisão, os programas de treinamento tenham seus benefícios rápidamente exauridos. Verifica-se, pois, que, ao esperar que os supervisores nos níveis mais baixos saibam tratar seus subordinados de acordo com os modernos preceitos da administração e ao negar-lhes o mesmo tratamento, os administradores de cúpula põem a perder os esforços expendidos em custosos e prolongados programas de treinamento.

É nosso propósito abordar, neste artigo, os diferentes aspectos relacionados ao problema do treinamento de administradores de cúpula e de nível médio, iniciando com as razões pelas quais êsse problema deve receber a atençao da emprêsa, para, em seguida, analisar as diferentes técnicas de treinamento à luz da experiência com elas obtida e dos resultados que podem trazer à administração da emprêsa, qualquer que seja seu tamanho. Por administrador de cúpula se entende aquêle que primordialmente trata do estabelecimento das diretrizes gerais da emprêsa; administrador de nível médio é aquêle que trata principalmente da implementação das diretrizes traçadas pela hierarquia superior.

TREINAR VERSUS CONTRATAR

Sabemos que muitas emprêsas recorrem a polpudos salários para induzir altos administradores a mudar de firma. Todavia, sabemos também que certos ramos de negocios enfrentam o problema de violar constantemente suas escalas de remuneração, pois, tendo necessidade de admitir executivos com salários muito mais elevados do que aqueles pagos a seus administradores, desorganizam sua politica salarial e criam desníveis injustos, difíceis de sanar.

Ademais, nem sempre o executivo contratado satisfaz e, na melhor das hipóteses, precisa passar por um período de adaptação no qual pouco produz.

A solução para êste problema parece ser evidente: preparar, dentro da própria emprêsa, homens destinados as posições de maior responsabilidade, aproveitando, sempre que possível, a "prata da casa. " Contudo, não devemos esquecer que a adoção de uma diretriz rígida de promoções internas à base de treinamento traria, certamente, ausência de "sangue nôvo" e idéias diferentes. Por esse motivo, não é nossa intenção sugerir que jamais se admita um executivo estranho à emprêsa. Desejamos isto sim, deixar claro que a emprêsa não pode, impunemente, negligenciar o treinamento de seus executivos e que somente um programa adequado de desenvolvimento pode dar aos administradores a possibilidade de escolha de sucessores capazes e qualificados, sem os azares inerentes à procura externa e contínua de executivos e as dificuldades internas - acima apontadas - que os elementos estranhos à emprêsa podem ocasionar.

QUEM DEVE SER TREINADO?

O planejamento de um programa de treinamento e desenvolvimento de executivos deve estar relacionado às necessidades presentes e futuras da organização e às próprias habilidades e possibilidades do candidato. De acordo com êsses critérios, algumas emprêsas selecionam, dentro de seu quadro de empregados, candidatos que lhes pareçam promissores e apresentem potencial para promoção. Outras, diferentemente, preferem submeter a treinamentos todos os que ocupem posições de chefia na emprêsa e revelem desejo e capacidade de melhorar.

Quanto ao primeiro método devemos lembrar que, apesar de relativamente barato, é bastante desencorajador para os empregados que, mostrando-se embora hábeis e ambiciosos, não tenham sido selecionados. O segundo método, se bem que exija mais despesas e esforços, por ser mais amplo, tende a apresentar, em geral, melhores resultados.

Nas emprêsas em rápida expansão, é recomendável que, além dos candidatos que para ela trabalhem, sejam recrutados, para treinamento, por meio de testes e entrevistas, formandos de diversas faculdades - direito, engenharia, administração de emprêsas, economia etc. - a fim de que haja um número suficiente de candidatos a promoção. Isto pode também fazer-se necessário nas firmas em que o grupo de jovens que são candidatos a promoção revele falta de idéias e limitações que tornem difícil seu densenvolvimento.

Outro meio de atrair os formandos é proporcionar empregos (estágios) aos alunos dos dois últimos anos, durante os períodos de férias escolares. O estágio durante as férias, em regime de tempo integral, permite ao estudante completar seu curso sem prejuízo, familiarizando-o, ao mesmo tempo, com a emprêsa que quer aproveita-lo.

TÉCNICAS DE TREINAMENTO: SUAS VANTAGENS E LIMITAÇÕES

As emprêsas têm feito uso de várias técnicas para desenvolvimento de administradores. Dentre as mais conhecidas, tanto na experiência americana, como entre nos, podemos mencionar as seguintes:

1. Treinamento no trabalho. Êste sistema tem por ob ietivo expor o futuro executivo à experiência real, a tare a de administrar um determinado departamento ou de desempenhar determinada atividade. Trata-se, nesta hpótese, e experiência administrativa adquirida unilateralmente, isto é orientada para um determinado serviço ou setor de atividade.

Ao permitir que o executivo se prepare através de experiência no trabalho de direção ou de simples desempenho, corre-se o risco de vê-lo influenciado por um outro aspecto dessa experiência. Nesta eventualidade, o treinamento nao atingirá plenamente suas finalidades, pois nao havera possibilidade de desenvolver tôdas as habilidades necessarias ao administrador eficiente.

2. Rotação em vários cargos. Êste método é comumente encontrado nas grandes emprêsas brasileiras. (1 (1 ) Algumas das emprêsas que usam o sistema são a"Esso Brasileira de Petróleo", a "Texaco", a "Antarctica Paulista", o "Moinho Santista" e a "Ford". ) Seu pressuposto é o de que os cargos administrativos demandam uma visão muito ampla e experiências as mais variadas, o que, evidentemente, não pode ser proporcionado pelo desempenho em um só cargo.

Parece ter-se verificado, entretanto, que a simples rotação de cargo para cargo não favorece a noção de conjunto tão necessária ao administrador medio e de cupula - e que a mera permanência do futuro executivo por algumas semanas em cada cargo não traz, por si so, os resultados almejados, pois, ali estando de passagem apenas, não tem o candidato a responsabilidade e o incentivo de que necessita para desenvolvimento pleno. Êste sistema é, além do mais, por muitos considerado como meio de seleção e não de treinamento.

3. Comitês, seminários e cursos na emprêsa. Êste recurso de treinamento tem sido empregado para suplementar o sistema pôsto em uso para o desenvolvimento de futuros executivos na emprêsa.

a) O trabalho em comitês - técnica que é ainda praticamente desconhecida entre nós - oferece aos futuros executivos oportunidade de conhecer alguma coisa sôbre os problemas e pontos de vista dos que dirigem os diversos departamentos.

Se o futuro executivo é chefe de uma seção ou departamento da emprêsa, sua participação e defesa de idéias podem tornar-se boa fonte de experiência administrativa.

b) Os seminários têm ampla utilização como meio dedesenvolvimento, sendo geralmente adotados para esclarecer temas específicos, tais como auditoria, dissídio coletivo, parlamentarismo, treinamento de vendedores, conta bilidade de custos etc.(2 (2 ) Êste método já vem encontrando relativa aceitação entre nossos administradores, como se pode observar pelo sucesso de seminários organizados por entidades diversas para atender à demanda e às necessidades de nossas empresas. )

O seminário é um meio de estimular discussões sôbre pro blemas técnicos e de proporcionar troca de idéias e de experiências. É uma técnica destinada a melhorar a competência em grau de especialização.

c) Os cursos na emprêsa podem variar quanto ao assunto, duração, nível etc. Podem concorrer para a aquisiçãode conhecimentos gerais e específicos, cobrindo tópicos de administração geral, controle, motivação, ou alguma técnica específica.(3 (3 ) O sistema é usado quando o porte da emprêsa justifica manter um corpo de instrutores internos ou cursos próprios destinados ao seu pessoal. A "Ford", a "Esso" e outras fazem uso desta técnica. )

Para alguns, as aulas técnicas, embora úteis, constituem um sistema incompleto, pois tem sido verificado que se aprende melhor o que atende às necessidades presentes, negligenciando-se o que não resolva problemas imediatos.

4. Orientação Individual. O uso desta técnica pressupõe um trabalho constante de acompanhamento junto ao homem a ser aproveitado. Uma vez reconhecidas as qualidades e o potencial do candidato e verificado seu interesse caberá a um dos executivos da empresa burila-lo e orientá-lo no sentido de sanar certas deficiências.

Esta técnica pressupõe também grande dose de compreensão e tato por parte do administrador que orienta, pois, do contrário, sua atitude poderá intimidar o futuro executivo a ponto de roubar-lhe a iniciativa ou aborrece-lo tanto que êle decida deixar a emprêsa. Se o executivo que está encarregado de guiá-lo não se interessa por ele ou teme a concorrência de mais um candidato a um cargo que também almeja, a orientação individual perde sua substância e deixa de surtir efeitos positivos.

5. Cursos de extensão em escolas de administração, cursos intensivos para administradores etc. O objetivo, neste caso, é propiciar ao futuro executivo uma visão teórica e de conjunto das atividades empresariais: mercadologia, produção, relações humanas, organização, tomada de decisões, comunicações, contabilidade, finanças, direito fiscal, direito do trabalho etc. Êste é um método atual de treinamento, que vem complementar a experiência unilateral do administrador, propiciando-lhe ensejo de tomar posições emrelação a problemas, de forma integrada.

Muitas emprêsas - e não apenas as maiores - estão dando especial atenção a êste aspecto, sendo várias as que incentivam a prática entre seus colaboradores, encorajando sua freqüência a cursos de diferentes durações e amplitude, a fim de que sejam supridas as deficiências das demais técnicas de treinamento.(4 (4 ) Dentre as inúmeras emprêsas que adotam o sistema, podemo s citar a "Antarctica", a "Anderson Clayton", a "Petrobrás", a "Usiminas" , a "Ford" , a "Esso" e o "Moinho Santista". )

6. Assessoria a executivos de cúpula. A criação de cargos de assessoria a executivos da emprêsa permite ao candidato desenvolver-se progressivamente, de acordo com a dificuldade das tarefas que lhe são atribuídas.

Pode, por outro lado, fracassar em seu objetivo quando as tarefas atribuídas não são adequadas ou o executivo não tem interesse em manter o assessor ou assistente.

SUGESTÕES DE TREINAMENTO PARA FUTUROS EXECUTIVOS

Para o candidato a promoção que já trabalhe na emprêsa, deve ser estabelecido um programa de treinamento que vise, em primeiro lugar, suprir deficiências verificadas em seu desempenho e capacidade e, indo mais longe, desenvolver aquelas qualidades que o auxiliarão em seu papel de homem-chave.

Neste caso, o primeiro passo a dar será submeter o candidato a treinamento básico na emprêsa (T. W. I.).(5 (5 ) "Training Within Industry", programa em quatro fases, destinado a supervisores de primeira linha, ministrado pela "Comissão de Mão-de-Obra da Secretaria do Trabalho" mediante convênio com a "CEBAI". ) O instruendo deverá, em seguida, ter oportunidade de pôr em prática os princípios assimilados nesse treinamento, agora sob orientação de um superior que verificará seu progresso.

Se estas duas etapas do programa tiverem surtido efeitos satisfatórios, o treinamento prosseguirá através de um curso intensivo e integrado de administração. Já na fase mais avançada de treinamento, a emprêsa submeterá o candidato a trabalho em comitês internos e dará a um executivo a responsabilidade pelo desenvolvimento do futuro homem-chave. Caberá a êsse executivo delinear o programa de desenvolvimento, treinar e acompanhar o progresso do instruendo, pondo-o à disposição da alta administração quando julgue que a preparação se completou.

Quando o candidato a promoção é contratado em escola superior, a emprêsa deve, em primeiro lugar, dar-lhe oportunidade para que se familiarize com sua história, seus objetivos, diretrizes e estrutura organizacional. O instruendo poderá, então, vir a assessorar um executivo de cúpula e, nessa qualidade, participar de trabalho em comitês.

À medida que se desenvolva como assessor, ao candidato serão atribuídas tarefas de complexidade crescente, devendo o executivo encarregado de observar o instruendo em seu progresso indicar à alta administração que o desenvolvimento atingiu seus objetivos tão logo julgue que o candidato está preparado para assumir cargo de direção.

Êstes programas, é evidente, não pretendem apresentar um "modêlo" infalível de solução aos problemas de treinamento de todos os candidatos a postos de direção média e de cúpula da emprêsa. Como já dissemos, cada homem terá suas deficiências e seus "fortes". No entanto, o roteiro que descrevemos nos parágrafos anteriores pode servir de base e exemplo para o treinamentode diferentes homens.

CONCLUSÕES

O grande desenvolvimento industrial do país já exige muito mais do que temos, em matéria de administradores. Junte-se a êsse desenvolvimento o número de aposentadorias, de afastamentos por motivo de saúde e outros dos que atualmente dirigem nossas emprêsas e será fácil prever, no futuro próximo, a necessidade premente de renovação e ampliação do quadro de administradores do país.

O próprio crescimento de uma emprêsa lhe traz problemas sérios, pois, ao precisar aproveitar elementos de baixo gabarito para encargos mais importantes de direção, o aprendizado "por cabeçadas" que forçosamente se estabelece se não leva a firma à insolvência num mercado vendedor, certamente o fará no mercado competitivo que ora se desenvolve entre nós. Por outro lado, contar exclusivamente com elementos treinados e desenvolvidos em outras emprêsas é deixar ao azar matéria que deve ser cuidadosamente planejada.

É dentro dêsse esquema que julgamos necessário o imediato cuidado, por parte da emprêsa, na seleção e treinamento de seu futuro homem-chave. Tem sido nossa experiência, ao consultar muitos de nossos dirigentes sôbre o assunto, que, embora não lhe tenham dado séria atenção, sabem que o problema existe e é premente. Outras atividades que lhes parecem mais urgentes, entretanto, têm absorvido o tempo de que dispõem, ficando a matéria da continuidade da administração deixada para o futuro. Sabemos, entretanto, que sem essa continuidade a emprêsa está fadada a desaparecer.

A seleção do homem a ser desenvolvido para maior responsabilidade deve ser feita com base em fatores tais como capacidade de liderança, inteligência, ambição etc. e não tempo de serviço ou anos de casa. Enquanto, por um lado, continua sendo praticada entre nós a promoção dos elementos mais antigos na emprêsa, começa a difundir-se o sistema de recrutar os jovens formandos de escolas superiores, prática esta já há muito seguida para o desempenho de funções técnicas.

As técnicas de treinamento podem, quando combinadas adequadamente, formar execelente cabedal de que fará uso o executivo em tôda sua carreira. Tomadas as precauções devidas, o programa adequado de treinamento pode fornecer à emprêsa o talento administrativo de que necessite para ter garantida sua sobrevivência.

  • (1
    ) Algumas das emprêsas que usam o sistema são a"Esso Brasileira de Petróleo", a "Texaco", a "Antarctica Paulista", o "Moinho Santista" e a "Ford".
  • (2
    ) Êste método já vem encontrando relativa aceitação entre nossos administradores, como se pode observar pelo sucesso de seminários organizados por entidades diversas para atender à demanda e às necessidades de nossas empresas.
  • (3
    ) O sistema é usado quando o porte da emprêsa justifica manter um corpo de instrutores internos ou cursos próprios destinados ao seu pessoal. A "Ford", a "Esso" e outras fazem uso desta técnica.
  • (4
    ) Dentre as inúmeras emprêsas que adotam o sistema, podemo s citar a "Antarctica", a "Anderson Clayton", a "Petrobrás", a "Usiminas" , a "Ford" , a "Esso" e o "Moinho Santista".
  • (5
    ) "Training Within Industry", programa em quatro fases, destinado a supervisores de primeira linha, ministrado pela "Comissão de Mão-de-Obra da Secretaria do Trabalho" mediante convênio com a "CEBAI".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 1962
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