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Comentários sobre a permanência dos empregados nas organizações

ARTIGOS

Comentários sobre a permanência dos empregados nas organizações

Rubens Sant'anna Filho

Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre

1. FUNÇÃO-MANUTENÇÃO: INTRODUÇÃO

Ao tratarmos de qualquer aspecto referente aos membros de uma organização, estaremos de alguma maneira atuando em uma das funções da administração de recursos humanos. As transformações que têm ocorrido e as mudanças em processamento na vida organizacional, no todo social e ao nível do indivíduo, principalmente no que se refere à ampliação do campo do conhecimento, à crescente complexidade nas tarefas organizacionais e à elevação do nível médio de instrução da população estão levando os responsáveis pelas organizações a revisarem certos conceitos e princípios consagrados no passado. O determinismo científico da Escola Clássica e a contra-resposta do Movimento de Relações Humanas estão cedendo terreno a uma nova concepção em administração, entre cujos frutos identificamos contingencialismo e o contextualismo.

Aceitemos ou não os postulados estruturalistas, é bem verdade que vivemos numa sociedade de organizações. A organização é um fenômeno social presente em qualquer atividade em que nos envolvermos, e como elemento central da organização está o indivíduo.

Cabe à administração de recursos humanos a tarefa de dotar a organização de uma forma de trabalho condizente com suas necessidades e atentar para a satisfação das necessidades individuais de seus membros. O quadro 1 mostra as relações entre os aspectos mais essenciais da administração de recursos humanos.


Nossa preocupação neste trabalho consiste em analisar a função manutenção, ou seja, os aspectos conceituais e práticos que permitem a uma organização manter em disponibilidade e conservar em condições de utilização os recursos humanos que compõem sua força de trabalho.

Verifica-se nas organizações em geral certa preocupação quanto às causas da rotatividade do pessoal, com a intenção maior de descobrir por que os empregados saem. A idéia que norteia esta preocupação é a de que, uma vez identificadas as razões de saída, é possível trabalhar-se para reduzi-las e, assim, minimizar o turnover. Em nossa opinião a questão básica - permanência - uma vez analisada desta forma, não estará sendo devidamente considerada. Em concordância com Flowers e Hughers (4), vemos neste tipo de abordagem dois claros defeitos:

a) ela examina apenas um lado da moeda - o da saída. Se a organização pretende manter seus empregados, deveria também estudar as razões de sua permanência e continuação, e trabalhar para reforçá-las. Do ponto de vista de políticas de recursos humanos, as razões por que os empregados permanecem em seus empregos são tão importantes quanto aquelas que os levam a abandoná-los;

b) ela tende a assumir uma perfeita correlação entre insatisfação no trabalho e turnover, que não é necessariamente verdadeira. A rotatividade do pessoal depende de outros fatores além do grau de satisfação experimentado pelo indivíduo na performance de suas atividades.

2. PERMANÊNCIA

A permanência de um empregado na organização depende da compreensão e do crédito individual de que as vantagens de ficar são maiores que as de sair. Assim sendo, este aspecto da vida organizacional deve levar a um exame do que os empregados querem de seus empregos e do que promove satisfação no trabalho, bem como chamar atenção para aquelas áreas que causam insatisfação e podem levá-los a abandonar a organização.

É pouco provável que muitos empregados estejam de todo satisfeitos com as condições relacionadas ao seu emprego, mas, a menos que uma força adicional atue, apenas alguns tomarão a iniciativa de se demitir.

Existe uma série de fatores que podem concorrer para o surgimento desta força. Uma análise geral das áreas-chave que influenciam a permanência no trabalho deveria incluir os seguintes tópicos:

- níveis e tipos de compensação e benefícios;

- existência de possibilidades de treinamento e desenvolvimento;

- avaliação precisa dos conceitos mantidos pelos empregados sobre o valor como indivíduos neles depositado pela organização e sobre quão bem a organização os trata;

- qualidade da liderança e relação entre chefes e subordinados;

- condições físicas de trabalho;

- grau em que talentos e potenciais são plenamente utilizados mediante o sistema de promoção e transferências;

- tipos e quantidade de informação que o empregado, por meio das várias formas de comunicação na organização, recebe e considera acreditáveis;

- grau de compreensão que o empregado tem relacionado ao seu trabalho, resultados esperados e maneira pela qual sua performance será julgada e recompensada;

- confiança depositada pelo empregado na organização e em seus líderes (6).

A inclinação do empregado para permanecer no emprego ou para abandoná-lo raramente resulta de apenas um desses fatores; em geral, é produto de uma mistura entre eles. Mais ainda, esses são apenas alguns dos fatores controláveis pela organização. Como veremos adiante, existem outros fatores externos à organização que atuam de modo significativo sobre o empregado, reforçando ou eliminando sua tendência a permanecer com a organização.

Passaremos, a seguir, à análise do processo de manutenção, no qual organização e indivíduo se defrontam e procuram, por negociação, obter como resultado a satisfação de suas respectivas necessidades. Do grau de sucesso obtido nessa negociação, teremos a permanência ou o desligamento do empregado da organização.

3. O PROCESSO DE MANUTENÇÃO

O processo de manutenção será analisado, de início, sob o ponto de vista das partes isoladas, e a seguir, como um todo dinâmico.

3.1 O enfoque organizacional

A organização é um sistema social voltado para a realização de objetivos definidos pela administração. Para a consecução desses objetivos, são utilizados recursos materiais e técnicos, e recursos humanos. Nos recursos humanos busca-se, basicamente, conhecimentos, habilidades, saúde, disponibilidade e atitudes que permitam o desempenho das tarefas organizacionais.

Por outro lado, para haver essa utilização dos recursos humanos, a organização deve procurar satisfazer as necessidades individuais daqueles que integram sua força de trabalho. Nesse sentido, oferece como compensação investimentos em áreas que deverão concorrer para a satisfação dessas necessidades.

Dois aspectos são fundamentais, do ponto de vista da organização, na definição das áreas de investimento em recursos humanos: a filosofia gerencial da direção quanto a recursos humanos, e a cultura organizacional.

Conforme o modelo conceituai e o sistema gerencial da direção da organização, podem haver concepções diversas de recursos humanos e, conseqüentemente, investimentos que evidenciarão maior ou menor valorização dos indivíduos. Em adição, a própria cultura da organização, ou seja, o sistema de crenças e valores nela predominante, também atua como determinante dos tipos de investimentos que serão efetuados.

A natureza da organização e os objetivos definidos pela administração irão estabelecer, por seu turno, as tarefas a serem desempenhadas, e assim especificar os conhecimentos, habilidades e atitudes que devem apresentar seus empregados para executá-las.

3.2 O enfoque individual

Quando o indivíduo ingressa em uma organização, traz consigo um conjunto de necessidades a serem satisfeitas e certos talentos que irá oferecer como contribuição para a performance organizacional.

Os seres humanos existem a diferentes níveis de desenvolvimento psicológico, sendo esses níveis expressos nos valores relacionados a seu trabalho que mantêm. O conjunto desses valores constituirá a ética de trabalho de cada indivíduo. Esta, aliada à cultura individual, determinará os tipos de necessidades a serem satisfeitas e a que niveis, bem como as atitudes que irá apresentar perante a organização. Um indivíduo toma decisões baseado no que acredita ser correto. O que é certo para ele dependerá de seus valores.

Para uma melhor análise das necessidades dos empregados, vinculando estas necessidades ao contexto organizacional, consideraremos, com Herzberg, que o homem tem dois conjuntos de necessidades: a necessidade de evitar desconforto (higiene) e a necessidade de crescer psicologicamente (motivação). O ponto é que, mantendo-se as necessidades de higiene a níveis aceitáveis, minimizar-se-á a insatisfação, mas a satisfação irá resultar apenas do atendimento das necessidades de motivação. Assim, satisfação-insatisfação não são extremos de um mesmo continuum - antes representam dois continua separados. Dessa forma, encontramos nos indivíduos dois conjuntos de necessidades que devem ser satisfeitos pela organização:

a) necessidades de higiene

- econômicas

- segurança

- orientação

- status

- físicas

- sociais

b) necessidades de motivação

- crescimento

- realização

- responsabilidade

- reconhecimento

No primeiro grupo encontram-se as necessidades que correspondem ao contexto de trabalho, enquanto as necessidades de motivação derivam do conteúdo do trabalho em si.

O modelo motivação/higiene de Herzberg, conquanto seja alvo de críticas generalizadas, fornece algum esclarecimento quanto às tendências humanas relacionadas à motivação e serve como base para nossa análise das possíveis áreas de investimento em recursos humanos.

Contudo, assim como o indivíduo traz à organização necessidades a serem atendidas, também esta apresenta necessidades próprias. E, para satisfazê-las, precisa de recursos produtivos, de talentos contributivos de parte de seus empregados. Os cinco talentos que habilitam o empregado a contribuir para a satisfação das necessidades organizacionais são: conhecimentos, habilidades, saúde, disponibilidade e atitudes.

3.3 O enfoque dinâmico

O quadro 2 representa uma tentativa de reunir os dois enfoques anteriores, organizacional e individual, em um processo dinâmico de negociação, em que as partes apresentam necessidades a serem satisfeitas e em que temos, de um lado, investimentos, e de outro, talentos, para satisfazê-las.


O esquema representado no quadro 2 salienta alguns tópicos fundamentais que gostaríamos de analisar mais detalhadamente, o que será feito nas próximas etapas deste estudo:

- a permanência dos empregados depende da adequação dos investimentos realizados, em face das necessidades dos indivíduos;

- esta adequação, assim como as próprias necessidades individuais, são determinadas pela ética e pela cultura individual, dependendo, também, da filosofia e da cultura organizacional;

- a adequação dos talentos às necessidades da organização depende da capacidade da administração para definir as tarefas a serem desempenhadas e os talentos necessários a sua performance;

- o grau de satisfação das necessidades organizacionais e individuais pode ser avaliado por meio de certos indicadores.

A estes tópicos acrescentaremos outro fator importante que é o ambiente externo, propondo de início uma questão relevante: existem fatores externos à organização que afetam a permanência dos empregados e, em caso positivo, como pode a organização agir de modo a controlá-los? O reconhecimento da existência destes fatores externos e a posterior identificação dos mesmos pelos dirigentes permitirão que a administração aja de forma decisiva para reforçá-los, anulálos ou preveni-los, conforme veremos posteriormente no item 5.2.

4. OS TRÊS NÍVEIS DE AÇÃO

Conforme nos alerta Killian (6), embora os programas para a conservação do capital e do ativo fixo de uma organização sejam sistemáticos, deliberados e bem planejados, programas similares para a proteção e preservação dos recursos humanos são quase inexistentes. A perda de pessoal de talento e o custo de sua substituição podem representar uma despesa considerável. Mas essa perda pode ser antecipada e controlada dentro de limites aceitáveis. A saída de empregados não é uma coisa que acontece; é causada por uma série de condições que motivam o empregado a abandonar a organização em busca de melhores condições de trabalho. O desligamento, seja voluntário ou por iniciativa da organização, representa em geral uma falha anterior à atual decisão de separação - falha da organização na contratação inicial, várias colocações e oferecimento de um ambiente de trabalho adequado ou falta de habilidade em administrar fatores externos à organização.

Assim, além de planejamento deficiente, verifica-se nas organizações uma postura negativa no que se refere à manutenção dos recursos humanos disponíveis.

De modo geral, as organizações atuam a um nível de ação denominado por Ackoff de reativo, ou seja, há preocupação apenas em corrigir um estado de coisas que já estava errado. Tal atuação envolve a atitude espere-e-veja, o nível de aspiração do satisfatório e o uso da exequibilidade como critério básico. Procedese em termos da arte do possível. É o que ocorre normalmente nas organizações que se alarmam quando os índices de turnover e similares atingem proporções elevadas e surge a preocupação em apontar possíveis causas para o fenômeno. Uma organização que atue nesse nível de ação jamais poderá certificar-se da adequação dos investimentos realizados para fazer face às necessidades de seus empregados e agirá sempre de modo a ocorrerem erros que poderiam ter sido evitados.

Menos comum de se encontrar são as organizações que, preocupadas com a preservação e manutenção de sua força de trabalho, atuam a um nível de ação préativo. Com o auxílio de tecnologias instrumentais, a programação dessas organizações vai mais além. Reflete a atitude preveja-e-prepare, e procura proceder à sua otimização em termos de um critério quantitativo - retorno sobre o investimento, por exemplo. Procede-se em termos da arte do calculável. É o caso das organizações que, considerando quaisquer gastos em recursos humanos como investimentos, procuram prever as áreas mais adequadas em que investir, visando melhor atender às necessidades de seus empregados. Nesse tipo de organização existe uma tentativa de administrar o turnover, não se limitando a administração em esperar que os índices atinjam níveis elevados para depois procurar identificar as possíveis causas dessa elevação e, então, tentar soluções. Age-se no sentido de minimizar a rotação de pessoal por meio de investimentos programados em áreas consideradas importantes pela administração.

Se o nível pré-ativo, por si só, representa uma quase-exceção em termos organizacionais, o nível pró-ativo é ainda mais difícil de se encontrar entre as organizações. O planejamento pró-ativo de recursos humanos abre um mundo muito diferente, sendo baseado na atitude faça-acontecer, isto é, em assumir o papel ativo para fazer com que aconteça um futuro aspirado, escolhido como desejado, a partir do conhecimento amplo das variáveis em consideração. É necessário que se proceda em termos de pesquisa de ação, ou seja, planejamento, execução, avaliação, correção, planejamento, execução, ao longo de cada etapa do processo. Só assim, acreditamos, será possível à organização otimizar o processo de negociação e atender às reais necessidades de seus empregados com investimentos certos e de retorno garantido. Como idéia central no planejamento pró-ativo temos a pesquisa e, a nosso ver, esta é essencial a toda organização que pretenda bem administrar seus recursos humanos.

5. OS INDICADORES

Levantamos, anteriormente, a existência de certos indicadores que nos permitem avaliar os resultados da negociação organização-indivíduo, em termos de satisfação de necessidades. No item anterior, foram colocados três níveis de ação possíveis e seus reflexos na administração de recursos humanos. Procuraremos, agora, examinar os indicadores mais utilizados, e apresentaremos uma nova proposição no que tange à permanência dos empregados em uma organização.

5.1 Indicadores tradicionais

Dados os propósitos deste estudo, limitar-nos-emos à análise dos indicadores que normalmente são utilizados para a avaliação dos resultados da negociação sob o ponto de vista da permanência, quais sejam: turnover, absenteísmo e atrasos.

O fenômeno da flutuação da força de trabalho de uma organização, determinado por desligamento de um certo número de empregados e admissão de novos para preencher os claros deixados na organização, é designado comumente, no Brasil, como "flutuações da mão-de-obra da empresa" (5). Como medida desta mobilidade ou flutuação é utilizado o turnover ou taxa de rotatividade do pessoal. Existem várias modalidades de cálculo, mas talvez a mais expressiva seja aquela que nos fornece o turnover de afastamento, cujo índice significa o movimento de pessoal determinado pelos afastamentos definitivos de empregados, do quadro de pessoal da organização.

Serson (9) advoga a validade de se manter como atividade constante na organização o estudo do turnover de afastamento. O objetivo principal seria verificar, mediante apuração e o tratamento estatístico das taxas de movimentação e sua posterior interpretação, se as condições de trabalho são satisfatórias e conseguem manter o pessoal em estado de contentamento, indispensável à boa produtividade, sendo indicados os fatores prejudiciais, se existentes. Da determinação do turnover, acrescenta, deflui como conseqüência imediata o estudo de suas causas, a análise e a classificação de seus motivos.

Lucila Herrmann (5) mantém-se um tanto mais cautelosa ao afirmar que as taxas de turnover, desde que elaboradas com cuidado, servem como parâmetros das tendências e das relações dos empregados para com a organização; mas não convém esquecer que medir quantitativamente dados qualitativos, fatores relativos às atitudes e desejos dos indivíduos, é processo que requer muita prudência na interpretação.

Os dois autores acima citados resumem o posicionamento corrente da literatura disponível e, também, a real percepção dos administradores das organizações em geral. Acreditamos que o cálculo e a interpretação das taxas de turnover são um instrumento de eficiência limitada, que pode facilmente levar à má interpretação e utilização dos Índices apurados, quando considerados isoladamente.

Como alerta Killian (6), algum turnover é desejável e salutar, possibilitando a eliminação de empregados improdutivos e a contratação de novos, mais brilhantes e criativos, e abrindo canais para a promoção. Algum turnover é inevitável, sendo até necessário quando ocorrem recessões econômicas, ou quando resultem do impacto cíclico de mudança do produto ou mudança no mercado. Turnover excessivo, por outro lado, pode resultar em custos elevados na recolocação e pode ter um efeito adverso em esforços de recrutamento ou sobre aqueles que permanecem, criando a sensação de que talvez alguma coisa esteja errada. Outro aspecto negativo deste indicador é a dificuldade em se precisar uma taxa ideal para a organização.

Se os dois defeitos inicialmente apontados, relativos à tendência que se verifica nas organizações em abordar o fenômeno permanência sob o prisma do turnover, não foram suficientes para estabelecer as limitações deste, acreditamos que, com o exposto acima, as dúvidas que existiam tenham sido eliminadas. Na verdade, as informações e conclusões que podemos obter por meio da análise da rotatividade do pessoal são importantes, porém insuficientes por se limitarem a apresentar possíveis razões de saída, que nem sempre refletem uma percepção generalizada e permitem que se aja de forma preventiva.

Quanto aos índices de falta e atraso, sua contribuição é pouco expressiva, havendo em geral uma preocupação mínima por parte dos administradores a esse respeito. A função maior destes índices assume características antes disciplinares do que de alerta, não sendo interessante maiores comentários a respeito.

Índices de turnover, absenteísmo e atrasos elevados podem, de fato, indicar que existe alguma coisa errada na organização, porém falham pela falta de objetividade. A saída, falta ou atraso de um empregado é tão pouco expressiva, sem o conhecimento das causas que o levaram a tal, como a permanência, em si, de um empregado na folha de pagamento, sem que se conheça as razões dessa permanência.

5.2 Investigação da inércia

Para estudar as causas da permanência dos empregados na organização, é necessário que se introduza o conceito de inércia. Os empregados tendem a permanecer em uma organização até que alguma força os impila a abandoná-la. O conceito aqui é muito semelhante ao conceito de inércia nas ciências físicas: um corpo permanece como está até ser movido por uma força.

Que fatores afetam a inércia? Acreditamos na existência de dois fatores relevantes dentro da organização e, também, de dois fatores relevantes fora da organização.

Primeiro, dentro da organização, existe a questão da satisfação no trabalho. Segundo, está o ambiente organizacional e o grau de conforto experimentado pelo indivíduo. A inércia de um empregado é fortalecida ou enfraquecida pelo grau de compatibilidade entre sua própria ética de trabalho e os valores que sustentam a organização (4). Uma separação entre estes dois pontos enfraquece a inércia; um estreitamento entre eles, fortalece-a.

Como metodologia de análise dos fatores ligados ao ambiente interno da organização, podemos utilizar o já mencionado trabalho de Herzberg. Ao analisarmos a satisfação experimentada pelo empregado no trabalho, temos os fatores de motivação, referentes ao conteúdo do trabalho. Os fatores de higiene, relativos ao ambiente de trabalho, nos permitem analisar a compatibilidade entre a ética do empregado e a cultura da organização. Conforme a percepção do empregado, terá este razões para ficar ou para sair da organização.

Além dos erros na concepção do trabalho e das causas relacionadas com a própria organização, os valores que a sustentam e as condições ambientais de trabalho, convém salientarmos a existência de dois tipos de fatores, ao nível do indivíduo e do ambiente externo, que também podem contribuir para o fortalecimento da inércia do empregado, ou que acarretam problemas individuais de desajuste no trabalho.

A desadaptação profissional, que gera a instabilidade nos empregos e as insatisfações, nem sempre traduz falha na organização do trabalho. Certos empregados podem sofrer frustrações em um tipo de trabalho adequado a suas aptidões, mas que não corresponde a seu nível de aspirações. Outros problemas também podem surgir por causa do caráter difícil de um empregado ou de características de sua personalidade. Outro fator de desajuste pessoal é o representado por conflitos afetivos ou familiares, que geram preocupações constantes, distração e desinteresse.

Fora da organização, também deve ser considerada a percepção pelo empregado de oportunidade de emprego em outras organizações. Esta percepção é influenciada por mudanças reais no mercado de trabalho e por restrições auto-impostas e critérios pessoais.

Estes e outros fatores ligados ao ambiente externo da organização exercem, igualmente, influência na permanência do empregado e podem implicar pressões para ele ficar ou sair da organização.

Importaria saber se os empregados permanecem devido à satisfação no trabalho ou por pressões ambientais? Acreditamos que sim, pois faz uma grande diferença para a organização se o empregado quer ficar ou tem de ficar.

No quadro 3 são apresentados os quatro estados básicos de permanência, resultantes das combinações entre os fatores internos e externos à organização.


Uma análise rápida do quadro nos permite identificar as características de cada estado:

1. Estável - o empregado permanece na organização porque quer, ou seja, seu trabalho lhe traz satisfação e as condições ambientais lhes são favoráveis; ao mesmo tempo, sua inércia é fortalecida por fatores externos, que exercem pressões para sua permanência.

2. Semi-estável - o empregado não permanece porque quer, mas porque tem de ficar, ou seja, os fatores internos não estão atendendo suas necessidades de higiene e/ou motivacionais a contento; no entanto, sente-se preso à organização por pressões externas a esta.

3. Em movimento - embora o nível de satisfação experimentado pelo empregado reforce sua inércia, fatores externos exercem pressões que o predispõem a abandonar a organização se passar a experimentar menor satisfação no trabalho ou se surgirem outras alternativas mais compensatórias. O empregado tem menos possibilidade de permanecer a médio prazo na organização.

4. Instável - neste estado, o empregado está por abandonar a organização. O trabalho não lhe traz satisfação e as pressões para sair enfraquecem sua inércia. Está por se tornar mais um caso de desligamento.

A investigação de inércia é um instrumento que possibilita à organização identificar as causas de permanência de seus empregados, assim como classificá-los segundo os quatro estados apresentados. No entanto, a simples identificação e classificação sugerida não é por si só suficiente para a organização reforçar a inércia de seus empregados. Constitui uma etapa inicial no processo de manutenção e aproveitamento dos recursos humanos disponíveis.

6. O PAPEL DAS ORGANIZAÇÕES

Como pode a permanência ser estimulada? Uma organização pode conseguir isso reforçando as razões certas de permanência. Daí a grande importância de conhecer por que os empregados ficam. Por certo, aqui, entendemos uma combinação entre satisfação no trairalho e razões ambientais que se ajustam aos objetivos da organização e atendem às necessidades de seus empregados. Uma vez identificada esta combinação, a questão no que e como investir estará sendo respondida, e com maior probabilidade da organização obter um retorno favorável sobre o investimento. Por razões erradas entendemos qualquer combinação de razões de permanência que não são benéficas nem para a organização, nem para os empregados. Assim, se a organização reforçar as razões certas de permanência e se abstiver de reforçar as razões erradas, seu turnover deverá ser mais satisfatório.

Em outras palavras, se a administração se concentrasse em entender por que os empregados ficam, poderia assumir uma abordagem positiva para a administração da retenção, que será mais eficaz a longo prazo do que a abordagem negativa corrente, de simplesmente reduzir o turnover.

Como pode a organização reforçar as razões certas? Uma vez identificada a combinação adequada, pode fazê-lo oferecendo condições compatíveis com os valores de trabalho e de vida de seus empregados.

Num primeiro passo nesse sentido, pode ser útil para uma organização revisar todos os benefícios, pagamentos e outros investimentos efetuados em recursos humanos, verificando se estes são compatíveis com as razões apontadas por seus empregados como favoráveis à sua permanência. Procura-se, também, identificar os investimentos errados e levantar novas áreas de investimentos necessários.

Os benefícios são, hoje, parte integrante da compensação oferecida pela maioria das organizações pelos serviços prestados por seus empregados. Sabe-se que os empregados trabalham por dinheiro; em princípio irão trabalhar mais por mais dinheiro e provavelmente abandonarão o emprego se o pagamento não for satisfatório. Mas os empregados não devem ser pagos apenas em dinheiro - também necessitam de outras formas de compensação física ou de satisfação no trabalho. E justamente por ser esta uma concepção generalizada em nossas organizações, e por estas organizações não atentarem ao que foi proposto anteriormente, muitos dos investimentos que efetuam em recursos humanos apresentam retornos insatisfatórios.

Preocupado em verificar a adequação dos benefícios prestados pelas organizações a seus empregados, Rattner (8) desenvolveu uma pesquisa entre operários de Indústrias de um município do estado de São Paulo. Algumas de suas constatações serão extremamente úteis para comprovar nosso ponto de vista.

Rattner comprovou que o aproveitamento geral dos benefícios oferecidos era muito reduzido, tendo sido apontados como motivos mais importantes do não-aproveitamento:

- alguns desses beneficios não são necessários aos operários nem a suas famílias;

- não há interesse em aproveitar alguns deles;

- alguns outros são concedidos em base seletiva.

Por outro lado, benefícios considerados essenciais pelos operários não eram oferecidos pelas organizações. Em outras palavras, conclui Rattner, os benefícios mais desejados e considerados essenciais pelos operários eram os menos oferecidos pelas organizações. Conforme coloca o autor citado:

"(...) benefícios considerados absolutamente essenciais pelos operários não são oferecidos pelas empresas, conforme verificamos pelas respostas às perguntas 27 e 27a:

• 62% dos entrevistados reclamam por um posto de abastecimento ou cooperativa de consumo;

• 29% por bolsas de estudo;

• 26% por assistência dentária;

• 24% por habitações adequadas;

• 33% pedem financiamentos ou empréstimos.

Em seguida, por ordem decrescente, aparecem colônias de férias, transporte, assistência social, refeitório, creche, berçário, etc." (8), p. 31).

Outra constatação alarmante possibilitada pelos dados apresentados é que, do total de empregados entrevistados que gozavam de benefícios em suas organizações, apenas 37,4% deles utilizavam os benefícios oferecidos.

Concluindo, em concordância a Killian (6), lembramos que, uma vez estabelecidos, os benefícios são muito difíceis de serem reduzidos ou eliminados. Como qualquer outro investimento de uma organização, constituem uma área em que deve ser mantida extrema precaução no que diz respeito à definição e administração de planos.

Os benefícios são utilizados como motivadores, mas podem tornar-se negativos se não forem apropriadamente definidos e administrados, balanceados e comunicados.

7. CONCLUSÃO

A preocupação com o cálculo e a interpretação dos índices de turnover constitui hábito da maioria dos gerentes interessados na manutenção de seu quadro de pessoal. Embora não sejam fáceis de eliminar, hábitos podem ser mudados. É o que sugerimos: que haja uma transferência de atenção para se descobrir as razões de permanência dos empregados nas organizações, ao invés de se pesquisar prováveis causas de abandono. É tempo de as organizações analisarem suas políticas de recursos humanos, dedicando-se à pesquisa e identificação daquelas razões que mantêm seus empregados nos cargos que ocupam. Se passarmos a reforçar as razões certas, não só melhoraremos as estatísticas de turnover, como também garantiremos maior retorno sobre os investimentos efetuados em recursos humanos.

Tendo por objetivo o planejamento pró-ativo de recursos humanos e o desenvolvimento de um programa para administrar a permanência dos empregados, certas questões devem ser respondidas pela administração das organizações:

- por que os empregados ficam?

- qual sua ética de trabalho e valores de vida?

- quais são as razões certas e erradas para a permanência dos empregados em seus empregos?

- como o insatisfeito é insatisfeito?

- serão os investimentos efetuados compatíveis com as necessidades dos empregados?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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5. Herrmann, Lucila. Alguns aspectos do problema turnover: estabilidade da organização. Revista de Administração, São Paulo, 5(25, 26, 27, 28): 3-22, jan./dez. 1953.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Set 1979
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