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A decisão de exportar e a escolha de mercados de exportação: dos aspectos conceituais às práticas gerenciais nas empresas brasileiras produtoras de manufaturados

ARTIGO

A decisão de exportar e a escolha de mercados de exportação: dos aspectos conceituais às práticas gerenciais nas empresas brasileiras produtoras de manufaturados

Paulo F. FleuryI; Rivanda Almeida MeiraII; Angelo M. R. SchmidtIII

IProfessor da COPPEAD/UFRJ

IIProfessora da UFSE

IIIProfessora da COPPEAD/UFRJ

1. INTRODUÇÃO

A contínua participação dos manufaturados na pauta das exportações brasileiras faz parte integrante da estratégia governamental para equilibrar o déficit de nosso balanço de pagamentos. O momento econômico internacional, e em particular a situação brasileira, tem levado nossos dirigentes a buscar novos mecanismos que acelerem o crescimento de nossas exportações neste importante segmento econômico. Este crescimento, no entanto, depende fortemente da entrada de novas empresas no setor exportação, objetivando a conquista de novos mercados e de maiores fatias dos mercados já alcançados. Este é um processo que só alcançará bons resultados na medida em que, individualmente, as empresas tomem decisões corretas e bem estruturadas, relacionadas com a decisão de exportar, com a forma de operação e com a escolha dos mercados onde irão atuar. Estas são decisões fundamentais para a garantia de êxito no processo de internacionalização do qual a exportação pode ser vista como uma etapa inicial.

Embora exista um significante volume de literatura internacional a respeito do processo de internacionalização das empresas, nada ou quase nada se conhece sobre este processo nas empresas brasileiras. De onde parte a primeira iniciativa de exportar? Quais os principais motivos que levam as empresas a decidir exportar? Quantos e que tipos de mercados são considerados pelas empresas ao decidir exportar? Como é feita a seleção dos mercados para exportação? Qual a base informacional utilizada para a seleção de mercado? Estas são questões de grande importância para o entendimento do processo decisório de exportação na empresa brasileira produtora de manufaturados, e cujas respostas poderão servir de suporte para a orientação da política governamental para o setor. Este estudo procura responder a estas perguntas, contribuindo assim para dois aspectos principais: a teoria gerencial sobre exportação, através da análise do processo decisório, e o maior conhecimento do processo das exportações, pela investigação de como os diversos aspectos de tal processo ocorrem em empresas brasileiras, produtoras e exportadoras de manufaturados.

Para tanto, foram entrevistados gerentes de topo de 153 empresas brasileiras, produtoras e exportadoras de manufaturados, retirados aleatoriamente de uma população de 3.611 empresas exportadoras privadas, segundo consta do Anuário da Cacex de 1976.

Estas empresas se encontram espalhadas por oito estados brasileiros, representam os mais variados setores industriais e apresentam os mais diversos tamanhos, sendo que 19,1% possuem menos de 100 empregados, 33,6% entre 100 e 250 e 47,3% mais de 250 empregados.

2. A EXPORTAÇÃO E O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO

Existem, teoricamente, três alternativas básicas para atuação no mercado internacional: exportação, empreendimento em conta de participação e investimento direto.

Diversos autores (Sallenave, 1977; Davidson & Harrigan, 1977; Tookey, 1975; Robinson, 1973; Keegan, 1974) procuraram conceituar a problemática da atuação no mercado internacional, dando ênfase ao processo que caracteriza as mudanças que ocorrem quando a empresa evolui de um mercado puramente doméstico para o mercado internacional, passando por etapas que representam graus de risco e sofisticação crescentes. Dentro deste contexto, a exportação é geralmente identificada como o primeiro estágio no desenvolvimento dos negócios internacionais. No Brasil, o processo de internacionalização das empresas nacionais é bastante recente. Talvez por isso mesmo a esmagadora maioria das empresas que entraram no mercado internacional se encontre no estágio de exportação. Mas mesmo a exportação pode se dar com diferentes graus de envolvimento, graus estes que estão geralmente relacionados com a importância estratégica que ela representa para a firma. Não parece haver dúvidas de que uma simples extensão do marketing doméstico ao mercado internacional não é suficiente para garantir o sucesso a longo prazo nas atividades internacionais. É preciso que se tomem decisões estratégicas que envolvam mudanças do produto, políticas de comercialização, know-how do corpo técnico e gerencial e atitudes dentro da empresa. Basta lembrar que a internacionalização representa uma separação entre produtor e consumidor em termos geográficos, culturais, sistemas legais, ambiente político, linguagem e instituições. Em outras palavras, representa uma passagem de um único ambiente para múltiplos ambientes. De qualquer forma, é possível entrar no mercado internacional sem uma mudança substancial na estratégia de marketing da empresa, e isto tende a ocorrer sempre que a empresa não esteja orientada internacionalmente. Examinemos, por exemplo, as diferentes alternativas de envolvimento que são empregadas pelas empresas que decidem exportar.

Em primeiro lugar, existe a exportação indireta que pode ser realizada através de tradings, cooperativas ou de agentes exportadores. Esta é a forma que exige o menor envolvimento da empresa, poucos investimentos, pois toda ou quase toda a operação de exportação é feita pelos intermediários que já possuem know-how suficiente do assunto.

Existe ainda a alternativa da exportação direta, onde a empresa assume integralmente a responsabilidade por suas atividades de exportação. Aqui, novamente, surgem formas variadas de a empresa efetuar a exportação, como por exemplo através de um departamento de exportação, de uma filial ou subsidiária de vendas no exterior ou de vendedores "itinerantes" de exportação. A exportação direta é mais utilizada pelas empresas cujo mercado no exterior cresceu o suficiente para que ela assuma sua própria atividade de exportação.

Os dados conhecidos (Coutinho, 1978) indicam que apenas 19% das empresas brasileiras produtoras e exportadoras de manufaturados praticam a exportação direta, enquanto os restantes 81% exportam apenas indiretamente, sendo 41% através de agentes comerciais, 31% através de pedidos de importadores, 8% através de trading companies e 1% através de cooperativas. Os dados indicam, portanto, o pequeno envolvimento e, conseqüentemente, pequeno grau de controle que as empresas brasileiras possuem sobre seu canal de exportação. Indicam também uma participação extremamente reduzida das cooperativas e das tradings companies com a exportação de manufaturados.

3. A DECISÃO DE EXPORTAR: DOS ASPECTOS CONCEITUAIS À PRÁTICA NACIONAL

Qualquer discussão sobre o processo decisório relativo à entrada de empresas nas atividades de exportação não pode deixar de considerar as duas principais abordagens conceituais; a primeira, que pressupõe um processo estruturado baseado unicamente em fatores de negócios, tais como objetivos da empresa, lucratividade etc, e a segunda, que dá ênfase aos fatores de natureza psicológica ou comportamental, em complemento aos fatores economicamente racionais. Exemplos da abordagem estrutural podem ser encontrados, entre outros, cm Kotler (1974) e Tookey (1975), que apresentam modelos bastante elaborados do processo decisório de exportação. Para Kotler, a decisão de exportar faz parte da decisão de marketing internacional, pois ela é uma de suas etapas. Esta decisão deveria basear-se na existência de oportunidades no exterior e nos recursos existentes na empresa, concluindo-se daí pela atratividade ou não de se envolver em atividades de marketing no exterior. Estas atividades podem se desenvolver de duas maneiras distintas: a empresa é procurada por alguém interessado em importar os seus produtos ou ela mesma toma a iniciativa de analisar o mercado externo como uma opção para seus negócios. Neste último caso, a empresa necessita tomar uma decisão relativa à seleção de mercado onde deverá entrar, que deveria contemplar a estimativa de potencial dos mercados em perspectiva, a previsão de participação nesses mercados, a previsão de custos e lucros e uma estimativa da taxa de retorno sobre o investimento a ser realizado. À seleção de mercados deveriam seguir-se as decisões de entrada e operação e de composto de marketing, englobando produto, preço, distribuição e promoção para o mercado externo. A última decisão a ser considerada refere-se à organização interna da empresa para tratar de suas operações no exterior. Tookey, por seu lado, além de apresentar um modelo de decisão seqüencial à semelhança de Kotler, chama a atenção para os diferentes níveis hierárquicos onde certos tipos de decisão são tomados. Assim, por exemple, enquanto a decisão inicial de entrada nas atividades de exportação deveria ser tomada pelo mais alto nível hierárquico nas empresas, as decisões de mercado ficariam por conta do gerente de marketing.

Essas abordagens racionais não eliminam, no entanto, ã percepção generalizada de que associados ao processo estruturado de decisão estarão sempre presentes isto se adiciona o fato de que a situação do comercio internacional tende a mudar rapidamente, o que torna desejável que a empresa não se envolva em processo decisório muito lento. É por estas razões que diversos autores, entre os quais Deschampneuf (1967), Leroy (1978) e Tookey (1975), sugerem uma análise em etapas, partindo de uma seleção preliminar por grupos de mercado. Um exemplo desta abordagem seria iniciar a análise através de pesquisas e dados já publicados (secundários) sobre os mercados mundiais, dividindo-os em grupos:

a) aqueles que oferecem poucas oportunidades para a empresa, seja porque os produtos ou serviços da firma não estão sendo importados para estes mercados, seja por falta de demanda em virtude de restrições governamentais a essas importações, seja por falta de maior potencial de desenvolvimento;

b) aqueles onde existe demanda dos produtos e/ou serviços, alguma facilidade para importar e, provavelmente, alguma importação em andamento. Contudo as diferenças entre as características desses mercados e do mercado doméstico seriam substanciais, requerendo maiores modificações no produto ou nas práticas de marketing. Esses mercados seriam viáveis, mas não deveriam ser a primeira escolha da empresa;

c) aqueles mercados que oferecem potencial imediato do ponto de vista da empresa; mercados onde os produtos ou serviços possam ser vendidos com pequena ou nenhuma modificação, que ofereçam algum potencial para crescimento futuro e sejam razoavelmente acessíveis.

Outra abordagem para a pré-seleção seria através do nível de desenvolvimento do país, do tamanho do mercado e do grau de concorrência. Desse modo, a empresa poderia, por exemplo, escolher entre penetrar em países industrializados, com mercado já desenvolvido, consumidores exigentes e forte concorrência, ou, ao contrário, em países onde o mercado fosse pouco desenvolvido, com consumidores menos exigentes e concorrência mais fraca.

Estes passos dependem, no entanto, de uma base informacional que suporte o processo decisório. O conjunto de informações que deveriam ser coletadas e analisadas é bastante amplo, como indicam diversos autores (Cateora & Hess, 1971; Stobaugh Jr., 1953; Slipjer, 1972; Tookey, 1975).

A melhor referência, contudo, parece ser o documento do Internacional Trade Center (1970) que, de certa forma, resume os diversos autores referenciados. Assim, as informações fundamentais para estudar as perspectivas de um produto em um determinado mercado poderiam ser agrupadas em seis categorias principais: a) fatores básicos; b) acesso ao mercado; c) potencial do mercado; d) exigências do mercado; e) distribuição; f) promoção de vendas.

Os fatores básicos considerados abrangeriam as informações a respeito das características físicas e quaisquer fatores geográficos que pudessem exercer influência na demanda do produto, além de outras informações, tais como número de habitantes, distribuição de renda, recursos naturais, situação econômica atual e balanço comercial. O acesso ao mercado seria verificado através de informações a respeito das restrições às importações, regulamentos específicos para os produtos, conversibilidade da moeda, impostos e acordos bilaterais de comércio. O potencial de mercado seria estimado através da demanda corrente e potencial do produto, da produção local do produto, das estatísticas das importações dos produtos e dos países de origem, do preço dominante, do controle de novos produtos. As exigências do mercado que devem ser consideradas são o sistema de normas técnicas adotado pelo país, a base preferida para as cotações de preço (FOB, CIF), as condições de créditos adotadas pelo país (carta de crédito, letras á vista, etc), as preferências quanto ao estilo e à qualidade de produto, a necessidade de se ajustarem certos padrões dos produtos, a embalagem e condições de embarque. A distribuição consideraria como variáveis os importadores usuais, os agentes, os tipos de comissão a forma mais adequada de distribuir o produto. Com relação a promoção de vendas, verificar-se-iam quais os tipos de mídia utilizados normalmente no país, seu custo e a existência de exposições ou feiras de amostra.

A listagem citada anteriormente oferece uma noção concreta do grande volume de informações possíveis de serem utilizadas como suporte informacional para a escolha de mercado. E a empresa brasileira? Como estará tomando a decisão de escolha de mercado e que tipo de informações estará utilizando?

Abordaremos primeiramente o problema de amplitude da análise. Isto é, quantos países são inicialmente considerados pelas empresas antes de decidirem para qual exportar? Nosso estudo indicou que das 153 empresas entrevistadas 47,7% jamais estiveram envolvidas com o problema de pré-seleção de países para a escolha entre mercados, seja porque nunca analisaram a hipótese de exportar para mais de um país, seja porque só exportam quando recebem pedidos do importador. Para .estas empresas não existe um processo decisório estruturado de escolha de mercado, pois apenas reagem à oportunidade que surge. As demais empresas da amostra estiveram aparentemente envolvidas com o problema de decisão sobre mercado de exportação, porque consideraram, de princípio, mais de um país, um continente ou um conjunto de países (Alalc, Comunidade Européia, etc).

Mas quais seriam os motivos que levaram empresas a decidir exportar para um determinado mercado sem jamais analisarem outras alternativas viáveis? As empresas da amostra que se encontram neste caso alegaram três motivos para tal decisão: a) a oportunidade de mercado parecia boa; b) já havia contato feito pela empresa ou pelo comprador; c) outros concorrentes já exportavam para aquele país. Isto é, estas empresas obtêm informações informais e bastante incompletas e tomam a decisão baseadas numa estratégia de satisfação de condições mínimas em vez de procurarem a melhor alternativa (estratégia maximizante).

componentes comportamentais que refletem os valores dos indivíduos, da empresa e da própria sociedade na qual a empresa desenvolve suas atividades. Isto está evidentemente nos estudos de Gronhaug (1977) e Robinson (1973). Gronhaug, por exemplo, mostra como a tomada de decisão de marketing de exportação em firmas norueguesas estava predominantemente ligada a valores e atitudes da gerência. Robinson, por outro lado, defende o ponto de vista de que muitas decisões não são tomadas formal e conscientemente pelas empresas envolvidas em negócios internacionais. Por exemplo, a escolha da estratégia de vendas é freqüentemente uma simples extensão da estratégia doméstica, testada com sucesso durante anos. Não se questiona, porém, se esta é a melhor estratégia para atingir os objetivos internacionais da empresa. Isto porque dados o ambiente doméstico, o ambiente sócio-econômico do mercado externo e a estrutura do sistema político-econômico internacional, que geram as limitações legais, e os recursos da empresa, que geram o potencial de atuação, existem quatro fatores básicos que interferem na habilidade da empresa em comunicar e responder adequadamente às oportunidades: a experiência passada da empresa, a estrutura atual da empresa, a qualidade do sistema de comunicação e as preferências e percepções pessoais. Estas variáveis estão inter-relacionadas e relacionadas com a forma pela qual a gerência percebe as variáveis ambientais e os recursos da firma, produzindo um conjunto de pressões e riscos percebidos.

É no contexto destes parâmetros que a gerência define os objetivos da empresa, reconhece estratégias alternativas e percebe as variáveis relevantes para a tomada de decisões internacionais.

Embora estruturalmente bem organizados, estes modelos de processo decisório carecem de evidência empírica que os comprovem. Um dos poucos estudos empíricos conhecidos é o da Grub (1971), que analisou, em 1969, mais de 300 empresas produtoras de manufaturados nos EUA, procurando verificar o processo decisório de exportação. A idéia inicial de se exportar pode ser considerada como a primeira instância deste processo. De acordo com Grub, em dois terços das empresas estudadas esta idéia originou-se de um membro da alta gerência, sendo um fato tanto para as pequenas empresas de origem familiar e gerência centralizada como para as grandes firmas descentralizadas e com gerência profissional. As duas principais motivações que levaram estas empresas a decidir exportar foram: a) uma demanda visível para seus produtos no exterior; b) um desejo expresso de obter maiores lucros. Existiam outros motivos de menor peso, tais como capacidade ociosa de produção e existência de firmas competidoras envolvidas com atividade de exportação. O patriotismo e os incentivos governamentais não eram considerados como uma motivação significativa para a decisão de exportar. De qualquer modo, ficou evidenciado que o nível geral de motivação necessária para se entrar no mercado de exportação é maior que o necessário para se decidir expandir as operações domésticas. Uma evidência é que 62% das firmas analisadas buscaram assistência externa à empresa quando de sua entrada nas atividades de exportação, sendo o governo norte-americano a mais importante fonte de auxílio. Já no Brasil a situação é bastante diversa no que se refere à decisão de exportar. Basta dizer que, em 52% dos casos, a primeira iniciativa de exportação não surgiu dentro da própria empresa, mas fora, seja através dos importadores, seja através do governo brasileiro.

Além disso, ao analisarmos os principais motivos que levaram nossas empresas a decidir exportar, veremos que a busca de soluções para problemas circunstanciais internos, os incentivos governamentais à exportação e os pedidos diretos de importadores foram, nesta ordem, os mais citados, correspondendo à resposta de 71% de todas as empresas entrevistadas. Exemplos de problemas circunstanciais que levaram as empresas a procurar uma solução no mercado externo foram: a) crises no mercado interno; b) excedentes de produção; c) crise econômica financeira da empresa; d) saturação do mercado interno.

Observa-se, portanto, que, em sua grande maioria, as empresas brasileiras produtoras de manufaturados encaram a exportação de uma forma passiva, reagindo a estímulos internos negativos (crises financeiras ou de mercado) ou a estímulos positivos (incentivos governamentais, pedidos de importadores), ao contrário das empresas norte-americanas, que têm uma atitude ativa, percebendo na exportação uma oportunidade a mais para incrementai os seus negócios (maiores lucros, aumento do mercado). Este comportamento contraria também a teoria gerencial sobre exportação, discutida anteriormente e que prescreve uma atitude racional e estruturada, onde as decisões são tomadas, seqüencialmente, em função de análises objetivas e racionais.

Se a decisão de entrar no mercado internacional é tomada com base em tais estímulos, suspeita-se de que as decisões que deveriam seguir-se a ela, tais como a escolha do número e do tipo de mercado, assim como de base informacional a ser utilizada, sofrerão também o efeito da decisão inicial de entrada, contrariando uma vez mais os conceitos apresentados na literatura internacional.

4. A DECISÃO DE MERCADOS E SUA BASE INFORMACIONAL

O problema básico da escolha de mercados de exportação se centra no dilema existente entre o nível de detalhamento e a qualidade de análise versus os custos e o tempo envolvidos no processo decisório; isto porque o estudo sistemático dos mercados internacionais apresenta grandes dificuldades. Em primeiro lugar, existe o problema de coletar informações sobre um grande número de mercados (cerca de 200), o que em princípio tornaria o trabalho extremamente lento e caro. Além disso, o envolvimento de várias pessoas com conhecimentos e habilidades diversos, para interpretar as informações e contribuir para a tomada de decisão, tende a tornar o processo mais demorado, além do que a análise e as discussões podem resultar na necessidade de se realizar em pesquisas adicionais para aumentar a base de informações. A

Por outro lado, existem aquelas empresas que, antes de escolherem um determinado mercado, analisaram um conjunto de países como potenciais importadores. Existem motivos diversos que as levaram a tal comportamento. Ao todo, cerca de 10 motivos foram citados, sendo que quatro deles correspondem a 89% de todas as citações. Em ordem decrescente do percentual de citações, são os seguintes os principais motivos:

a) já havia contato entre a empresa e os compradores (39%);

b) a empresa não tinha informações para decidir (21%);

c) outros concorrentes já exportavam para aqueles mercados (17%);

d) os países considerados eram próximos e semelhantes (12%).

O primeiro e mais citado dos motivos leva-nos a suspeitar de que a consideração de mais de um mercado tenha sido fortuita, ou seja, não deriva de uma análise comparativa de oportunidades de mercado como sugerem os autores analisados. O segundo motivo, por outro lado, parece indicar a existência de um processo decisório racional, pois parte-se do pressuposto de que não se tendo informações suficientes para decidir, torna-se necessário analisar um conjunto de alternativas para escolher a que mais convém ao interesse da empresa naquela situação. O terceiro motivo denota um processo decisório pouco elaborado, porque o fato de concorrentes estarem exportando para determinados locais não implica que aqueles locais sejam os mais indicados. Por outro lado, fica a indicação de que estas empresas fazem uma análise relativa do meio-ambiente através do conhecimento dos mercados dos concorrentes. Finalmente, ao quarto motivo está associado certo grau de estruturação de análise, pois indica uma preocupação de ser tirado proveito da escala de mercado, ou seja, a possibilidade de utilizar o mesmo produto, os mesmos esquemas promocionais, os mesmos canais de distribuição, etc.

Os seis motivos restantes foram indicados por um número tão pequeno de empresas que não merecem maior atenção. Exemplo disso é o fato de que apenas três empresas alegaram que a necessidade de diversificar risco foi o que as levou a examinar mais de um país antes de decidirem para onde exportar e que somente um indicou como razão o desejo de impedir o acesso de concorrentes àqueles possíveis mercados.

Estas informações servem para nos dar uma idéia inicial das possíveis motivações para as empresas brasileiras analisarem alternativas de mercado de exportação antes de tomarem uma decisão definitiva. Mas, uma vez selecionado um conjunto de países para análise, que procedimentos são adotados para a tomada de decisão final sobre mercado e quais as informações que são utilizadas durante esses procedimentos?

Das 153 empresas da amostra apenas 80, ou 52,3%, se defrontam com estas questões, pois as restantes não fazem uma análise para decidir sobre mercado, ou porque só vendem quando procuradas pelo importador, ou porque escolheram, de início, um determinado país, sem comparar alternativas. Cinco procedimentos para escolha de mercado foram citados pelas 80 empresas que responderam a esta pergunta. Em ordem decrescente de percentual de respostas, são eles:

(%)

a)

experiência/intuição da Diretoria 39,4 b) estudos comparativos dos mercados 21,2 c) estudos detalhados de cada mercado 17,4 d) consultas/contatos informais 13,6 e) visitas e/ou participação em feiras 8,3

Tais dados indicam que mais da metade das empresas consideradas (53%) toma sua decisão com base em análises subjetivas, seja através da intuição de seus dirigentes, seja através de contatos informais. Apenas 47% dessas empresas procuram adotar procedimentos mais explícitos, tais como análise detalhada de mercado (17,4%), comparação entre os diferentes mercados (21,2%) e visitas aos locais ou participação em feiras (8,3%).

Quanto às informações específicas que são utilizadas durante o processo decisório, pudemos verificar que elas podem ser reunidas em nove grupos, de acordo com as respostas obtidas junto às empresas da amostra, sendo que cada empresa poderia indicar mais de um tipo de informação. Em ordem decrescente de respostas temos:

(%) a) potencial de mercado 75,4 b) valor das importações efetuadas pelos países 35 c) condições de transporte 28 d) grau de sofisticação tecnológica dos países 25 e) barreiras impostas pelo país importador 19 f) fatores culturais 11 g) informações através de contatos pessoais 3 h) atuação dos concorrentes 2 i) pagamento à vista 2

Tais dados indicam que as informações sobre mercados (potencial de mercado e valor das importações) são as mais utilizadas pelas empresas, justificando-se isto pelo fato de estarem normalmente disponíveis a nível secundário, o que as torna, portanto, de fácil acesso. O mesmo é verdade para as três informações que se seguem em importância. Condições de transporte, grau de sofisticação tecnológica e barreiras à importação são informações razoavelmente fáceis de serem obtidas. No conjunto, estas seis informações correspondem às respostas de mais de 90% dos entrevistados. Se compararmos, agora, estas informações com o conjunto de informações recomendadas pela Unctad/Gatt, veremos que as empresas brasileiras tomam decisões de seleção de mercado baseadas em um número limitado de informações. Interessante, por exemplo, é notar que nenhuma informação sobre distribuição e promoção é utilizada. Isto pode ser um reflexo de que pouquíssimas são as empresas brasileiras que praticam a exportação direta, restringindo-se, assim, à produção e, no máximo, ao transporte da mercadoria até o porto de destino. Isto implica uma perda muito grande de controle das empresas sobre seus produtos, o que sugere a existência de uma deficiência que poderia ser sanada com a melhoria das informações disponíveis ao exportador. Este talvez deva ser um ponto onde o governo possa atuar com grande retorno para o setor de exportação.

5. ANALISE E CONCLUSÕES

A comparação entre as práticas adotadas pelas empresas brasileiras e as sugeridas pela literatura internacional, no que tange à decisão de exportar e à escolha de mercados de exportação, revela uma discrepância acentuada. Tal constatação nos leva a questionar o porquê da disparidade e de sua conveniência, considerando o objetivo permanente de aperfeiçoar nosso desempenho em exportação.

Examinemos, primeiramente, o desempenho de nossas empresas representado pelo percentual do faturamento advindo da exportação e pelo tipo de país importador, definidos como desenvolvido ou em desenvolvimento.

A tabela a seguir apresenta os percentuais de faturamento em exportação relativos ao faturamento total das empresas. Pode-se observar aí um quadro bastante negativo, pois 63,1% das empresas exportam menos de 3% de seu faturamento bruto, enquanto somente 12% das empresas exportam 20% ou mais de seu faturamento total. Isto mostra claramente o pequeno envolvimento que estas empresas possuem com as atividades de exportação, pois para a grande maioria o faturamento é tão pequeno que a atividade de exportação torna-se extremamente marginal.

Analisemos agora o tipo de país para o qual nossas empresas têm conseguido exportar. Nossos dados indicam que, no total, as empresas analisadas exportam para 75 países diferentes, com uma média aproximada de três países por empresa. O país para onde o maior número de empresas exporta é a Bolívia, com 43% das empresas, seguida do Paraguai, com 42%, e dos EUA, com 20%. No total, se dividirmos os países entre desenvolvidos e em desenvolvimento, verificaremos que 61% de nossas empresas jamais exportaram para um país desenvolvido. A importância destes números se fundamenta no pressuposto de que os mercados desenvolvidos apresentam uma maior competitividade, conjugada com uma maior capacidade de compra. Conseguir exportar para esses países refletiria, portanto, uma maior capacidade competitiva em exportação e, conseqüentemente, maiores chances de sucesso crescente ao longo do tempo. Se olharmos por esta ótica, concluiremos rapidamente que, em sua grande maioria, nossas empresas têm ainda muito a melhorar no que se refere a sua capacidade competitiva e participação no comércio internacional. Além de não conseguirem exportar para países desenvolvidos, exportam em média uma quantidade inexpressiva de seu faturamento total. Existe, sem dúvida, um complexo de fatores que influenciam este desempenho. Um fator que possivelmente contribui é a inexperiência com as atividades de exportação (50% das empresas tinham menos de 5 anos e 87% menos de 10 anos de experiência em exportação). Outros fatores parecem ser as próprias práticas gerenciais, já discutidas parcialmente, e características internas das empresas que determinam a própria prática gerencial. Um exemplo típico do que estamos falando diz respeito ao tamanho das empresas; 52% possuem menos de 250 empregados, tamanho que em geral configura uma estrutura gerencial bastante informal e precária.

Relevantes também são algumas características do setor produtivo da empresa, tais como a ociosidade com que se está operando e o tipo de fabricação adotado (se por encomenda ou por estoque), que tendem a influenciar fortemente o comportamento gerencial (Woodward, 1970). Assim é que, empresas que estão com capacidade ociosa e que trabalham por encomenda tendem a aceitar naturalmente os pedidos que surjam, sem maiores preocupações de realizar uma análise que procure maximizar as vantagens dos mercados potenciais. Os próprios clientes que compram certos tipos de produtos (por exemplo, produtos de uso industrial) têm como prática partirem para a busca de fornecedores que satisfaçam não só suas necessidades de prazo e preço, mas também as de capacitação técnica. Ê neste contexto que se torna relevante observar que 50% das empresas exportadoras fabricam mais de 70% de sua produção por encomenda e que 44% das empresas estava operando com uma ociosidade média de 20%. Tais dados podem ajudar a explicar por que, por exemplo, 47,7% das empresas jamais analisaram alternativas de mercado antes de decidirem exportar e por que aquelas que o fizeram utilizaram-se de um processo decisório muito pouco estruturado.

De qualquer forma, independentemente desses fatores, pode-se dizer que a discrepância entre teoria e prática verificada em nossa pesquisa está, no mínimo, contribuindo para dificultar um melhor desempenho de nossas empresas exportadoras. Especialmente preocupante é o fato de que praticamente a metade de nossas empresas jamais analisou alternativas de mercado para exportação e que mais da metade das que o fizeram se baseou em fatores fortuitos, como a "existência de contatos anteriores", tendo tomado a decisão com base em informações bastante incompletas.

A preocupação é reforçada pela existência de evidência empírica nos Estados Unidos (Grub, 1971) de que empresas que têm um procedimento sistemático de pesquisa antes de tomar a decisão de exportar tendem a exportar diretamente ao entrarem no mercado externo e, também, a considerar a exportação como parte importante de suas operações. Os resultados de nosso estudo indicam que, na grande maioria dos casos, a exportação não é vista como uma alternativa estratégica no desenvolvimento das nossas empresas, mas como um resultado de vantagens momentâneas (incentivos governamentais) ou oportunidades fortuitas (compradores ocasionais). Isto é evidenciado pelo fato de que estas empresas tomam a decisão de exportar sobre bases pouco sólidas, já que não muito racionais, e por motivos circunstanciais. Por exemplo, a prática de decidir exportar como simples resposta a pedidos de exterior tem como principal inconveniente o fato de que a solicitação nem sempre provém dos países mais promissores. Apesar de aparentemente vantajosos a curto prazo, tais pedidos podem representar sérios problemas a médio e longo prazos, com conseqüências negativas para a empresa na sua atividade exportadora. A escolha do pais ou países para início da exportação é uma decisão-chave, pois poucas empresas dispõem dos meios ou desejam tentar implantar-se em outro país após o primeiro fracasso, ou mesmo voltar com outro produto ao país onde tenham experimentado um insucesso. Existe, portanto, um trabalho a ser feito pelos órgãos responsáveis pela política de incentivos e promoção de exportação, através principalmente de treinamento gerencial e do aumento da base informacional disponível para consulta pelas nossas empresas, a fim de minorar as chances de fracasso e aumentar a eficácia de nossas exportações.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Set 1981
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