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Reminiscências de Viena ao novo mundo

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Kurt Ernst Weil

Drucker, Peter. Reminiscências de Viena ao novo mundo. (Adventures of a bystander). Trad. Carlos Afonso Malferrari. São Paulo, Pioneira, 1982. Brochura. VIII + 363 p.

Este livro dá prazer ao leitor - qualquer leitor. Quem imagina que Peter Drucker só interessa a administradores, presidentes de empresas e alunos que aspiram aos postos acima está enganado. O livro prende. O exemplar do resenhista tem uma fila de filantes.

Aparentemente, trata-se de compilação de uma série de artigos, mas não se nota falta de continuidade, apesar de todos os capítulos serem unidades fechadas que podem ser lidas fora do conjunto sem perda de impacto.

O que dá este livro uma idéia unificadora? Após ter lido a obra com o espírito de um administrador ou professor de administração, acredito ter encontrado o fio da meada: o autor quer mostrar-nos algo - que as pessoas, para o bem ou para o mal, devem traçar um caminho na vida e tentar segui-lo. Veja-se o "Homem que inventou Kissinger" (p. 145): obstinação e capacidade reunidas ganham para um excêntrico alemão o posto de professor nos Estados Unidos e o fazem subir de soldado raso a coronel na II Guerra Mundial (quando ele descobre Kissinger, também soldado raso).

Hemme e Genia: dois judeus, que superam a sua origem nos guetos da Polônia para subirem a posições de destaque, pela força mental e pela inteligência (p. 25).

O Conde Traun: o homem que queria manter-se fiel à sua vocação socialista e deixou de galgar posições altas para pôr sua inteligência a serviço da paz mundial.

Henry Luce do Time-Life, Buckminster Fuller, Marshall MacLuhan e Alfred Sloan são conhecidos dos leitores e estudiosos de administração e, no caso de Buckminster, de arquitetura. Mas todos tinham alcançado o destino traçado por eles e perseguido com pertinência. Então, realmente, Peter Drucker está mostrando no capítulo 1, que até sua vovó, uma dama excêntrica, tinha um papel na vida, que ela escolheu. O livre-arbítrio da escolha caracteriza as pessoas de Drucker.

Deixei de lado o capítulo de Dona Elza e Dona Sophy (p. 65). É uma das melhores dissertações sobre a arte de ensinar que já encontrei. Drucker fala de professores entediados para classes entediadas, e como isso deve ser evitado.

Talvez para um professor resenhista, que nunca entendeu quando o Prof. Karls Adolf Boedecker, fundador da EAESP, pedia ao professor de estatística para dar essa matéria por casos, a revelação esteja nesse capítulo, em que Drucker conta os procedimentos de um professor que ensinava estatística sem ser uma capacidade no ramo. Mas ele sabia ensiná-la, torná-la interessante, fazendo os alunos tirarem as conclusões.

O livro só revela pouco sobre Peter Drucker. De início, ele comunica que não gosta de ser levado pelas massas, lembrando-se de seus tempos de ginásio na Áustria. Depois, mostra que conhecia Freud e que tem idéias bem interessantes e desafiadoras sobre certos pontos de vida e da obra de Freud (Mitos freudianos e realidade freudianas, p. 87).

Para o administrador, indubitavelmente, o mais interessante será o que Drucker diz sobre o crepúsculo da inocência (Título parecido com o de um dos livros de Galbraith). Nessa parte, que se desenrola nos Estados Unidos, o capítulo sobre Sloan e o processo de escolha de homens na General Motors é, realmente, revelador, ensinando mais que muitas aulas sobre testes de seleção.

O humor está presente em todos os capítulos, mas para mim o humor contido em "Os banqueiros e a cortesã" (p. 221) "é extraordinário". Talvez a passagem Viena, Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos tenha criado um senso de humor cosmopolita em Peter Drucker, mas os traços são britânicos - tipicamente de understatement que o resenhista não consegue traduzir.

Deixando o livro por um momento, Peter Drucker é muito atacado, exageradamente, por não inventar grandes teorias. Ele é um observador, um bystander; como M. Hulot, de Tati, no cinema, observa, comenta, por não força. Muitas vezes, os conselhos que Peter Drucker dá me lembram uma seqüência dos irmãos Marx em Uma noite em Casablanca. O guarda chega aos tipos suspeitos que estão encostados numa parede de um prédio. Pergunta: "O que estão fazendo?" Respondem: "Segurando o prédio." "Então andem", diz o guarda. Eles saem, e o prédio cai. Peter Drucker não insiste, não discute. Não apresenta a teoria matemática da divisão do tempo do executivo; ele diz: melhor seria 1/3 controle, 1/3 planejamento e 1/3 contato com homens. E adverte: não esqueçam o tempo discricionário, uma hora por dia, para ler, pensar etc. Outros teriam deduzido tal fato pela observação da ergonomia - não Drucker. Ele está certo. Até Athos intitulou o seu novo livro As artes gerenciais japonesas. Frisamos a palavra arte. Cyert e March escreveram a teoria da firma em matemática. Então para ser "artista" o administrador deve usar parte de seu tempo discricionário para ler esta obra, total ou parcialmente, enquanto o ano de 1983 desabe sobre ele. Aprenderá a filosofia do fim do mundo da Áustria na inflação, da Alemanha quando Hitler tomou o poder "legalmente" etc.

Vale a pena ler esse livro. Nem precisa meditar sobre ele, só ler e gostar. A tradução de Malferrari é primorosa, em mais de 300 páginas, um só engano - pai jesuíta em lugar de padre - mas isso já cheira a revisão falha. E o português é tão legível quanto o original. Boa impressão da Pioneira. Parabéns a todos e meu muito obrigado.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Mar 1983
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