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The industrialization of São Paulo, 1880-1945

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

The industrialization of São Paulo, 1880-1945

Por Warren Dean Austin, Texas, Institute of Latin American Studies, University of Texas Press, 1969, 263 páginas. (Latin American Monographs, nº 17).

O livro de Warren Dean não é uma monografia no sentido estrito do termo, nem é um ensaio. O autor parece ter procurado tomar o que há de positivo em cada uma desses estilos. O resultado é uma interpretação notavelmente rica e estimulante do processo de industrialização em São Paulo até o final da Segunda Guerra Mundial. (Vale dizer que, em face do grande peso específico da área paulista nesse processo, a análise abrange momentos decisivos da história econômica e política nacional nesse período).

A combinação de elementos desses dois estilos de escrita, que caracteriza o livro, deriva diretamente da estratégia de análise adotada pelo autor, na medida em que êle se propõe contestar boa parte das grandes teses geralmente aceitas, acêrca do processo estudado. Para fazê-lo, é obrigado a apresentar novos dados, ou a sugerir uma organização para aqueles já conhecidos. Isto, em princípo, o conduziria no sentido de uma exposição do material de pesquisa, dentro dos padrões tradicionais do trabalho monográfico. Mas, como os pontos de referência da pesquisa são dados por teses de longo alcance, êle é levado, no mesmo passo, a pôr-se no nível das interpretações mais ambiciosas correntes, ao tomá-las como objeto de análise crítica.

Para se ter uma idéia do tom da obra, basta ir à página 98, na qual se lê, após quinze páginas de cerrada argumentação: "Se todos ou a maioria dos argumentos revisionistas apresentados acima forem válidos, então a Primeira Guerra Mundial não foi, por si, particularmente estimulante para a indústria paulista". E, logo em seguida: "Tal conclusão suscitaria uma outra questão: por que a opinião oposta foi sustentada por todos até agora?" A primeira frase ilustra como a concepção de História que norteia a análise de Dean é revisionista, num sentido semelhante àquele que esse termo assume para o crescente número de jovens historiadoes norte-americanos que se dedicam ao reexame da historiografia sobre os Estados Unidos. É nítida a sua preocupação no sentido de proceder a uma revisão das principais teses acerca dos momentos e dos agentes decisivos nesse processo. A segunda frase ilustra o alcance do seu esforço interpretativo. "A perspectiva histórica deste estudo é, assim, essencialmente sociológica", diz o autor. "Os aspectos macroeconômicos da economia são discutidos como causas do desenvolvimento industrial, mas pressupõe-se que eles não constituem as únicas causas" (p. 15). No decorrer da exposição, Dean concentra sua argumentação mais cerrada contra três teses ainda fortemente entrincheiradas na literatura corrente: a de que havia uma diferenciação e mesmo contraposição entre os grupos importadores e manufatureiros na fase inicial do processo de industrialização; a de que a expansão industrial recebeu um impulso significativo durante a Primeira Guerra Mundial; e a de que um segundo impulso básico no mesmo sentido se deve à crise econômica internacional dos anos 30 e às medidas governamentais adotadas no Brasil para fazer-lhe frente. De modo menos concentrado, mas também com nitidez, W. Dean lança dúvidas sobre o papel industrializante do governo Vargas, em particular no período 1930-1937.

É evidentemente impossível resumir aqui toda a sofisticada e, por vezes, bastante controvertível - argumentação da obra. Vejamos apenas algumas de suas conclusões básicas.

No tocante às relações entre importação e industrialização na fase inicial do processo, Dean sustenta, em síntese, que "as funções de importação e de manufatura eram encaradas pelos empresários não tanto como conflitantes mas como complementares" (p. 32). É verdade que, mais adiante, se apontam tensões entre os representantes dessas duas áreas, no final da década de 20 (p. 135 e segs). Quanto aos efeitos da Primeira Guerra Mundial, Dean procura acentuar a importância de um crescimento do comércio exportador (p. 95) e minimizar aquela da expansão do parque industrial interno, para concluir que, "em suma, a guerra aumentou consideravelmente a demanda de produtos manufaturados internos, mas tornou quase impossível aumentar o parque produtivo para atender à demanda. As fortunas feitas durante a guerra derivaram de novas linhas de exportação, de produção durante as 24 horas do dia, ou de fusões e reorganizações. Novas fábricas e novas linhas de manufatura não foram significativas" (p. 104). E, imediatamente em seguida, lança uma questão polêmica: "poder-se-ia perguntar se a industrialização de São Paulo não teria sido mais rápida se não tivesse ocorrido a guerra". Éste é, evidentemente, um dos pontos da análise que mais convidam à discussão, mesmo porque as conclusões são apresentadas sem que se deixe de reconhecer o rápido crescimento industrial paulista no período 1900-1920 (cuja taxa anual média é estimada por Dean em 8%).

Na década de 20, como é sabido, o ritmo de crescimento industrial declinou. Mas a grande questão polêmica seguinte diz respeito ao impacto da crise econômica de 29 e da revolução de 30 sobre o processo. Também nesse ponto Dean rejeita as interpretações dominantes. Os adversários escolhidos são Celso Furtado e, secundariamente, Werner Baer. O apoio à sua contra-argumentação, ao nível das fontes secundárias, é dado pelas críticas de Carlos Manoel Pelaez à análise de Furtado sobre o tema.

A análise da política econômica no período 1930-1937 põe mais ênfase nas atitudes de caráter tradicional, centradas na esperança de uma recuperação das exportações, por parte do governo de Vargas, do que naquelas favoráveis à industrialização. Quanto ao Estado Novo, é visto em termos de uma "dramática alteração na concepção de prioridades" pelo governo federal, suscitando a intervenção estatal em apoio da industrialização (acentuada, é claro, pela guerra, cujos efeitos sobre o processo são vistos por Dean como configurando em termos concretos o tipo de avanço geralmente atribuído à guerra de 1914-18).

Seria demais pretender que Dean tivesse provado plenamente todos os seus argumentos. Na realidade, em vários momentos, o seu ímpeto revisionista o leva longe demais do apoio firme nos dados concretos. Isto é especialmente nítido nas conclusões finais. Estas, na realidade, não são propriamente conclusões da análise feita na obra, mas sim a sua continuação direta. Nesta altura de sua obra, Dean tende a extrapolar os resultados da sua análise, e acaba fazendo afirmações referentes ao período posterior ao estudado. O pressuposto implícito nessas extrapolações é o de que as opções essenciais relativas ao processo de industrialização estão todas contidas no período estudado; o que não é, nem poderia ser, demonstrado na análise precedente.

Tomado em seu todo, entretanto, este livro vigoroso atinge o seu alvo em cheio. Pois, o que Dean demonstra, afinal, é que o bom historiador revisionista não é simplesmente aquele que submete as teses ortodoxas a uma revisão, mas sim aquele que, pela força dos seus argumentos, obriga os outros a colaborar nessa tarefa.

GABRIEL COHN

  • 1Revista Brasileira de Economia, 1968, nş 1;
  • 1
    Paralelamente, Dean vale-se de referências comparativas, concernentes à economia das nações européias menos industrializadas no mesmo período (p. 110). Sustenta o autor que, se a teoria por êle criticada fosse correta, a curva de produção manufatureira no período 1920-1940 acusaria uma relação inversa à da curva de importações. No entanto, "parece haver certa segurança para dizer-se que essa relação foi positiva" (p. 107). Logo, admite-se que a indústria continuou a prosperar na década da depressão, "mas não devido a uma crise no comércio importador" (p. 107). De modo semelhante, contesta-se a tese da transferência de capital da agricultura de exportação para a indústria, e põe-se ênfase na transferência intra-setorial da área exportadora de café para a de algodão (p. 112). Apesar de se sustentar, ainda, que "não ocorreu acumulação rápida de capital industrial no período de entre-guerras", reconhece-se que esse período marca uma etapa de diversificação industrial, no sentido da entrada em áreas de maior sofisticação tecnológica, cuja importância estrutural não é negada (p. 114-115). Dean não parece dar-se conta, no entanto, de que, neste ponto, está introduzindo uma perigosa cunha na sua argumentação global.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Maio 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 1970
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