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The human factor in socioeconomic development

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Henrique Rattner

The human factor in socioeconomic development

- Por Joseph Chary. St. Louis, The New Economic Society, 1973, 247 p.

Em quase todos os países, a responsabilidade pela condução dos assuntos econômicos é confiada a homens que estudaram economia, há mais ou menos 30 anos, em livros que foram escritos há mais de 40 anos. Entretanto, a defasagem entre os problemas da década dos trinta e os da realidade hodierna vai-se acentuando: às grandes crises de subemprego de homens e máquinas sucederam as angústias da escassez de recursos!

O mundo econômico de hoje, diferentemente daquele entre as duas guerras, e caracterizado pela tomada de consciência da escassez, da desorganização do sistema produtivo e da ilegitimidade dos processos de distribuição de riquezas. Multiplicam-se os sintomas da contestação do poder nas empresas, as reações desarticuladas contra o processo inflacionário, e o mal-estar crescente devido ao agravamento das disfunções do "crescimento", do consumo supérfluo, da concentração urbana, etc.

Neste quadro, as políticas econômicas oficiais representam um conjunto de medidas e diretrizes concebido como resposta adequada aos desafios da realidade social e política.

Contudo, consciente ou inconscientemente, cada ação ou política econômica è sempre a aplicação ou o reflexo de uma "teoria" ou seja, de uma visão do mundo, de uma apreensão singular e específica da ordem econômica e da evolução social.

Hoje em dia, é na doutrina keynesiana que se estribam todas as políticas econômicas, muito embora esta tenha sido elaborada há mais de 40 anos, objetivando evitar o desemprego e as crises de superprodução, pela aplicação de medidas de política monetária, fiscal e orçamentária. Essa doutrina tornou-se tão "clássica" que suas premissas e hipóteses, incessantemente divulgadas pela imprensa e pelas instituições de ensino, se transformaram quase em "verdades" absolutas e definitivas. As hipóteses da doutrina keynesiana, todavia, pouca relevância têm para os problemas econômicos contemporâneos e seus mecanismos específicos foram amplamente desmentidos pelos fatos: a estabilização da demanda não elimina a inflação; o deficit orçamentário não reduz o desemprego; as desvalorizações da moeda não estabelecem o equilíbrio do balanço de pagamentos, e a elevação da taxa de juros não diminui a pressão para emissões de moeda...

Em conseqüência, tentou-se durante mais de 30 anos atribuir um significado a termos abstratos - produto interno bruto, poupança, consumo, investimentos, etc. - enquanto se encobria ou mistificava o verdadeiro conflito de interesses e se impediam as reformas de estrutura.

A doutrina keynesiana, como qualquer outra, não é neutra e "cientifica" ; seu uso inibe uma mudança real na conduta da política econômica e justifica pseudociêntificamente o recuo e até o abandono das grandes opções econômicas, a favor das "forças do mercado", enquanto condena o Estado a um papel bastante passivo.

O problema fundamental de nossa época é o de encontrar, a partir de uma perspectiva crítica das formas antiquadas, crudes e injustas da vida econômica, novas diretrizes e procedimentos, que permitiriam passar com coerência, a novas formas, mais racionais e justas, de organização e funcionamento das atividades econômicas.

Para tanto, uma nova linguagem econômica se torna necessária, mais condizente e próxima dos problemas concretos e das aspirações dos contingentes majoritários da população.

A fim de criá-la é necessário que os economistas e administradores deixem de discursar sobre abstrações e intervenham nos debates políticos. Em outras palavras, trata-se de voltar à "economia política", obrigando os economistas a aprender de novo a linguagem política.

O livro em pauta, do Prof. Joseph Chary, membro da New Ecpnomic Society, foi elaborado visando a uma reformulação dos problemas e de políticas adequadas ao desenvolvimento econômico. Baseado numa longa e frutífera experiência como assessor técnico em projetos de desenvolvimento e institutos de produtividade, Chary tenta extrapolar diretrizes válidas para todos os países "pobres", em seus esforços de modernização.

Tendo como tese central a supremacia do "fator humano", o autor elabora, em uma abordagem normativa e pouco analítica os seguintes assuntos:

1. Problemas característicos das economias nacionais;

2. Indicadores, de economias subdesenvolvidas;

3. Como superar a influência de fatores responsáveis pelo baixo desenvolvimento socioeconômico;

4. A economia pluralista;

5. Produtividade - uma abordagem empírica para uma economia em desenvolvimento;

6. Cooperativismo;

7. O fator humano e diretrizes gerais para o desenvolvimento.

No prefácio, assinado pelo Dr. John A. Sharp, um dos diretores da New Economic Society, è assinalada a necessidade de integração de teorias econômicas com a história econômica, de teorias sociológicas com as teorias econômicas "puras". Entretanto, por falta de uma "nova visão" do mundo e da sociedade, o autor não chega a caracterizar plenamente seu objetivo, tropeçando freqüentemente nos conceitos da economia neoclássica. Embora o "fator humano" seja colocado e afirmado como pedra angular do desenvolvimento, nas elaborações do autor, talvez involuntariamente o homem não deixa de constituir um mero objeto, instrumento a serviço do "desenvolvimento".

Ora, uma doutrina econômica que pretenda seriamente substituir e sintetizaras do passado, postulará o homem e não a sua organização ou tecnologia, como fonte última dos valores. Assim, o desenvolvimento ótimo do ser humano e não a maximização do PIB deve tornar-se o critério para todo e qualquer planejamento.

Contudo, o autor ao enunciar como premissa básica de seu trabalho a preservação e manutenção da propriedade e da empresa privadas, sinônimas da liberdade pessoal, opta por um modelo de desenvolvimento de fraca sustentação teórica e empírica.

Outro postulado "idealista" do autor, que exige uma abordagem "saudável" e construtiva dos problemas de desenvolvimento, refere-se ao "dever" dos países desenvolvidos em estender ajuda aos menos desenvolvidos. Todavia, os parcos resultados da década dos 60, declarada solenemente, em seu início, pelas Nações Unidas, como a "Primeira Década" do desenvolvimento, e a amarga experiência dos primeiros anos da "Segunda Década" não autorizam a formulação de perspectivas otimistas quanto a esse caminho.

Ora, a pobreza e o subdesenvolvimento na maioria dos países do mundo não podem ser explicados fora do contexto de suas relações com o "mundo desenvolvido", com o qual mantêm relações comerciais, através das quais mais recursos são transferidos para os ricos do que o inverso. A descrição analítica da pobreza nos países em desenvolvimento nada esclarece sobre as origens históricas do subdesenvolvimento e os fatores que o perpetuam.

A fragilidade do modelo de desenvolvimento do autor fica evidenciada nos enunciados da p. 24, onde destaca como fatores decisivos a iniciativa empresarial, o cooperativismo, o capital privado e institucional e a produtividade.

Ressalta o caráter ahistórico e não-estrutural do modelo, que postula a viabilidade do desenvolvimento apenas e somente numa sociedade capitalista "moderna e progressista" (?) sustentada por fortes movimentos sindicais. Contra todas as evidências empíricas e históricas, o autor afirma (p. 24) a necessária convergência dos interesses da empresa privada e dos da sociedade global, providencialmente assegurada pela "mão invisível" de A. Smith.

Aos serviços e empresas públicas caberiam funções apenas auxiliares, e não as de substituir as empresas privadas.

Da mesma forma, o cooperativismo é caracterizado como defesa da propriedade e liberdade individual, visando apenas a uma distribuição mais equitativa da propriedade entre os membros da sociedade (p. 27).

Para que isso aconteça, seria essencial a elevação constante da produtividade do trabalho.

Mas essa noção fundamental para a exposição do modelo não é devidamente esclarecida e analisada. O autor insiste na necessidade de tornar "conscientes" todos os envolvidos no processo de produção, das vantagens de uma maior produtividade. Ora, no sistema de economia de mercado, os incrementos de produtividade são obtidos por uma capitalização intensiva da produção, substituindo mão-de-obra por máquinas e deixando largas parcelas da população desempregadas ou subempregadas. Ademais, o problema não se resolve apenas com a introdução de processos e técnicas mais capital-intensivos que aumentam a produção por operário: a questão fundamental, não respondida pelo autor, è a da distribuição dos benefícios do aumento da produtividade. Este pode resultar, de acordo com as relações de forças existentes entre a direção das empresas e seus empregados, em a) salários mais altos, mantendo constantes custos e lucros; b) preços mais baixos; e finalmente c) lucros mais altos para a empresa. Novamente, as evidências empíricas indicam a preferência dos empresários e administradores pela terceira opção, embora isto possa, realmente, prejudicar os interesses dos proprietários, a longo prazo.

O autor não parece preocupado com o destino dado aos frutos do aumento da produtividade, já que para ele, o lucro deve ser considerado como motor do desenvolvimento (p. 126).

É lícito, portanto, perguntara que tipo de desenvolvimento o autor se refere? Embora, reiteradamente, fale do desenvolvimento econômico-social, este é limitado aos aspectos de educação e saúde, sem cogitar de uma participação mais ativa das massas nas decisões políticas, isto é, também daquelas atinentes à política econômica!

As dificuldades em acompanhar o autor em seu raciocínio derivam, conforme já mencionado antes, dos postulados de seu quadro de referências teórico. Chary afirma e reitera insistentemente a sua fé no capitalismo moderno e progressista, como único sistema social capaz de proporcionar desenvolvimento com liberdade. Um sistema centralmente planificado e coletivista levaria forçosamente ao totalitarismo, despojando os indivíduos de sua liberdade e propriedade pessoais. Para fundamentar sua rejeição à planificação centralizada, o autor recorre a conceitos da teoria econômica, tais como: forças econômicas livres, laissez-faire, vantagem comparativa e equilíbrio natural, cuja capacidade analítica e explicativa são extremamente precárias, sendo sua validade aceitável apenas em retrospectiva histórica, e ainda assim, com a restrição de coeteris paribus.

Coerentemente com seu modelo, o autor subestima o papel da intervenção do poder público na economia, enquanto supervaloriza as funções da empresa privada, produtora de lucro - motor do desenvolvimento (p. 126). A idealização do papel dos empresários e administradores profissionais, como sujeitos engendradores do desenvolvimento, também parece ex-tempore face à dominação crescente dos setores mais dinâmicos da economia em países em desenvolvimento, pelas companhias multinacionais, as quais, devido a seu poder financeiro e o controle sobre a inovação tecnológica se tornaram, há muito tempo, em verdadeiros agentes de investimentos e assim, de crescimento econômico.

As recomendações práticas do autor, sugerindo a criação de centros de investimentos, orientando as empresas quanto às opções; centros de cooperativismo e centros de produtividade, devem ser analisadas contra o pano de fundo do processo global de desenvolvimento: quem inova, controla e decide na política econômica?

O livro do Prof. Chary, sistemático e bem elaborado, deve ser recomendado aos estudandes de economia e administração. Se suas análises e prescrições são de difícil aplicação no panorama econômico e social da atualidade, é porque as contradições e a crise latente do sistema transformaram radicalmente o cenário e puseram a nu a inocuidade das doutrinas neoclássicas.

Para enfrentar os problemas e desafios da economia mundial, em nossos dias, uma nova "visão do mundo" se torna necessária, baseada em premissas que afirmem os direitos básicos do ser humano, bem como a necessidade de uma reorganização do sistema econômico mundial, fundamentada numa alocação equitativa de todos os recursos e a coordenação racional da produção e distribuição em escala mundial.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Fev 1975
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