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Inquérito sôbre o desemprego em São Paulo

ARTIGOS

Inquérito sôbre o desemprego em São Paulo

Heinrich Rattner

Professor (contratado) de Sociologia, do Departamento de Ciências Sociais, da Escola de Administração de Empresas, de São Paulo, e Instrutor da Cadeira de Economia Política, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da Universidade de São Paulo

"A sorte da classe operária será resolvida pela razão ou sem ela. E não pode ser indiferente às nações que o Seja por uma ou por outra maneira." - LEÃO XIII ("Rerum Novarum")

Em épocas de inquietação política costumam correr as notícias mais contraditórias sobre a situação da Indústria, especialmente com relação ao problema do pleno emprêgo dos fatores de produção, sobretudo no tocante à mão-de-obra. Haverá sempre os que afirmam estar a situação perfeitamente normal, enquanto outros alegam existir o desemprêgo, o que levaria a crise econômica a proporções imprevisíveis. Em setembro de 1964, por exemplo, após ter sido nomeada uma comissão pelo Ministério do Trabalho para estudar o problema do desemprêgo,(1 1 ) Vide: "Desemprego: Constituída a Comissão", O Estado de São Paulo, edição de 9 de setembro de 1964. ) um dirigente da CNTI (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria) afirmou que a taxa de desemprêgo de então era "a considerada normal",(2 (2 ) Vide: "Não há desemprêgo no Interior do Estado - Afirma Sindicalista". ibidem. ) enquanto que, ao mesmo tempo, os jornais publicavam notícias sugerindo - ou, até mesmo, afirmando categoricamente - que o desemprêgo já constituía fato consumado e assaz prejudicial para a economia nacional.

É evidente que afirmações assim contraditórias confundem a opinião pública, sobretudo quando não acompanhadas por fatos e dados que os consubstanciem. Destarte,, motivado pelo desejo de lançar alguma luz sôbre a celeuma travada em tôrno do assunto, o Centro de Pesquisas e Publicações da Escola de Administração de Empresas,, de São Paulo, realizou um inquérito sob nossa orientação. Conquanto abrangesse apenas uma faixa restrita dos estabelecimentos industriais da capital bandeirante, o inquérito foi conduzido com todo o rigor estatístico, o que nos permitiu tirar inferências quanto aos níveis de emprêgo vigentes em épocas idênticas (setembro de 1963 e setembro de 1964) naquele município.

Acreditamos, todavia, que quaisquer inferências tirada de situações vigentes em apenas duas épocas, mesmo comparáveis, só podem ser avaliadas objetivamente quanto ao seu impacto sôbre a flutuação da mão-de-obra, se interpretadas à luz dos dados globais referentes a períodos mais longos de observação. Foi o que tentamos fazer ao analisar o movimento da força de trabalho paulistana nos anos compreendidos de 1957 a 1963.

Com efeito, "numa economia subdesenvolvida" - afirma o "Programa de Ação Econômica do Govêrno Revolucionário" - "onde a população cresce explosivamente, como ocorre no Brasil, o problema da criação de empregos exige atenção especial. Atualmente o País precisa oferecer, por ano, cêrca de um milhão de ocupações, para que resista à proliferação do desemprego estrutural".(3 (3 ) Gabinete do Ministro Extraordinário para o Planejamento e Coordenação Econômica, "Programa de Ação do Govêrno Revolucionário", 1964-1966, pág. 15. ) E "desemprego estrutural" - acrescentaríamos - significa, também, a manutenção do status quo dos mesmos índices de emprêgo, pois que isso revela a inexistência de novos empregos e a incapacidade do mercado de trabalho para absorver os contingentes de jovens que anualmente tendem a aumentar a fôrça de trabalho da Nação.

Ainda como preliminar, convém esclarecer que a restrição do nosso levantamento ao Município de São Paulo foi motivada por diversas razões:

• a existência de dados fidedignos, fornecidos pelos relatórios do SENAI, sôbre o desenvolvimento da Indústria e do número de seus empregados, segundo classes e grupos de atividade, durante a última década, no Município de São Paulo;

• a importância absoluta e a relativa da indústria paulistana no conjunto das atividades industriais do Estado e do País, sendo que, segundo o Censo Industrial do IBGE, relativo ao ano de 1960, naquele ano foram produzidos no Município de São Paulo mais de 52 % do valor da produção industrial do Estado, tendo-se elevado a 55% do total estadual a parcela da mão-de-obra ocupada na Capital;

• a impossibilidade de, em tempo relativamente curtor estender o inquérito às demais regiões do Estado.

TENDÊNCIAS DE CONCENTRAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA PAULISTANA

Cabe-nos, inicialmente, expor e interpretar as principais tendências do desenvolvimento da indústria de transformação na Capital através do crescimento da mão-de-obra ocupada nos diversos estabelecimentos, cujos resultados são resumidos no Quadro 1.


Conforme podemos constatar por êsse quadro, o número de empregados na Indústria cresceu, entre 1957 e 1963, 26,4%. Todavia, êsse crescimento não foi uniforme para todos os anos aqui considerados, sendo que a maior taxa anual foi a de 1962/63 (8,7%). (A taxa de 7,1% de 1961 se refere a dois períodos anuais: de 1959 a 1960 e de 1960 a 1961.)

Ademais, a desigualdade das taxas de crescimento se apresenta muito maior quando se consideram as diversas classes de estabelecimentos, segundo o número de seus empregados. Assim, enquanto a taxa global de crescimento foi de 26,4%, o grupo de estabelecimentos com 500 ou mais empregados aumentou 82,8% o número de seus empregados, crescendo também, de 23,0% para 33,3%, sua participação relativa no total da mão-de-obra do município. A classe de estabelecimentos com 200 a 500 empregados aumentou 70,2% o número de seus empregados entre 1957 e 1963, crescendo, de 14,6% (1957) para 19,7% (1963), sua parcela no total da mão-de-obra.

O terceiro grupo - estabelecimentos com 100 a 200 empregados - manteve no mesmo nível, em valores absolutos, o número de seus empregados (crescimento de 0,8%); porém, sofreu diminuição bastante forte em sua participação no total da mão-de-obra industrial: de 14,5% para 11,5%.

As outras classes de estabelecimentos - exceto a com 1 a 10 empregados (onde houve crescimento absoluto da mão-de-obra, à razão de 4,9%, porém com redução de sua parcela relativa, de 11,6% para 9,6% ) - tiveram diminuídos seus valores absolutos e relativos no período compreendido de 1957 a 1963: o número de empregados na classe de estabelecimentos com 10 a 50 empregados diminuiu 16,1% e sua participação no total baixou de 22,8% para 15,1%. Finalmente, na classe de estabelecimentos com 50 a 100 empregados o número dêstes baixou 0,4%, e sua parcela de participação no total da mão-de-obra caiu de 13,2% para 10,4%.

Em resumo, a análise do Quadro 1 revela que o crescimento da mão-de-obra industrial no Município de São Paulo, entre 1957 e 1963, beneficiou principalmente os estabelecimentos considerados "grandes" e os "médios-grandes", enquanto todos os outros perderam tanto sua importância absoluta quanto sua importância relativa, no que se refere ao número de seus empregados e, em conseqüência, ao conjunto das atividades industriais.

Igual tendência podemos observar ao comparar as taxas de crescimento das diversas classes de estabelecimentos no mesmo período (1957/63). De fato, constatamos que o ritmo de crescimento do número de estabelecimentos industriais na Capital ultrapassou o dos empregados, redundando em decréscimo do número médio de empregados por estabelecimento, em tôdas as classes. Entretanto, também aqui o processo foi desigual, conforme se pode verificar pelo Quadro 2.


Segundo os dados do Quadro 2, as taxas de crescimento das classes V e VI (estabelecimentos com 200 a 500 e com 500 ou mais empregados, respectivamente) acompanham de perto as do crescimento do número de empregados. À medida que diminuiu o "tamanho" dos estabelecimentos, tornou-se cada vez maior a discrepância entre o aumento do número dêles e o aumento do número de empregados nêles ocupados. Assim, por exemplo, na classe I (estabelecimentos com 1 a 10 empregados) o número de estabelecimentos cresceu, entre 1957 e 1963, 41,0%, enquanto o número de seus empregados no mesmo período aumentou apenas 4,9% - o que significa redução do número médio de empregados por estabelecimento (nesta classe, de 3,4 para 2,4) de quase 30,0%.

O Quadro 3 fornece dados comparativos sobre os ritmos de crescimento diferentes dos estabelecimentos industriais da Capital e dos empregados nêles ocupados. E o Quadro 4 revela o número médio de empregados por estabelecimento, em cada classe, no início e no fim do período ora estudado, bem como as modificações percentuais ocorridas.



Ambos êsses quadros revelam indiscutível tendência à concentração dos fatores produtivos da indústria (capital e trabalho) em estabelecimentos "grandes" e "médios-grandes", assim entendidos, na mesma ordem de idéias, os estabelecimentos com 500 ou mais empregados e os com 200 a 500 empregados.

Claro está que fatores tais quais, por exemplo, aumento de recursos financeiros, acesso mais fácil a inovações científicas e técnicas, adoção de critérios mais racionais na escolha dos produtos e dos fatores de produção, enfim, tudo aquilo que se conhece por "economia de escala" são determinantes dêsse processo, ainda que em grau e intensidade variáveis conforme o grupo de atividade industrial. Todavia, o que pretendemos ressaltar nesta oportunidade é a importância preponderante e crescente dos estabelecimentos industriais chamados "grandes" e "médios-grandes" no mercado de trabalho da Capital. Isso, aliás, não é difícil perceber quando se verifica que em 1957 êles constituíam apenas 1,4% dos estabelecimentos industriais registrados, mas já ocupavam 37,8% do total dos empregados na Capital. Eis senão quando em 1963, aumentando seu número para apenas 1,9% do total dos estabelecimentos industriais registrados, ascendeu o número de seus empregados a nada menos que 53,2% do total dos empregados de São Paulo! Veja-se, a propósito, a comparação que fazemos no Quadro 5.


MÉTODO E RESULTADOS DO INQUÉRITO

Partindo dessas considerações preliminares, resolvemos limitar o âmbito de nossa pesquisa aos estabelecimentos industriais com mais de 100 empregados, os quais, apesar de constituírem em 1963 apenas 3,5% do número total de emprêsas industriais da Capital, ocupavam nessa época quase 2/3 do total dos empregados (64,7%).

Eis o procedimento adotado:

• Em princípios de setembro de 1964 foram calculadas e extraídas duas amostras eqüiprobabilísticas e estratificadas segundo a importância relativa de cada grupo de atividade industrial, correspondendo a duas classes: a de estabelecimentos com 500 ou mais empregados e a de estabelecimentos com 100 a 500 empregados.

• A margem-de-êrro admitida para o cálculo de ambas as amostras foi de 5,0%. Dentro, portanto, dos limites de 5,0% a mais ou a menos, os resultados devem ser considerados exatos e representativos das respectivas classes e grupos de atividades.

• Comunicamo-nos, em seguida, com as emprêsas sorteadas, indagando-lhes o número de empregados existentes em setembro de 1964, que comparamos com o de setembro de 1963, isto é, com o da mesma época do ano anterior.(4 (4 ) Queremos assinalar a plena compreensão e colaboração dos senhores chefes de pessoal e/ou dos senhores encarregados de serviços de relações públicas das empresas consultadas. A todos êles os nossos agradecimentos. )

As percentagens de respostas obtidas foram estas: 75,0% na primeira amostra (constante de 64 estabelecimentos com 500 ou mais empregados) e 72,2% na segunda amostra (constante de 90 estabelecimentos com 100 a 500 empregados), o que nos obriga à introdução dos fatores de correção 64/48 = 1,33 paar a primeira e 90/65 = 1,38 para a segunda. A partir daí foi possível calcular as margens-de-êrro possíveis para as diferentes proporções de "p" e "q", em determinados níveis-de-segurança.

O Quadro 6 apresenta os resultados encontrados por nossa pesquisa, discriminando-os segundo classes de estabelecimentos e grupos de indústrias.


Êsses dados revelam vários aspectos bastante esclarecedores, se bem que se deva tomar cuidado ao interpretá-los. Por exemplo, com base na percentagem de redução dos efetivos empregados, conforme revelam os subtotais das duas classes e o total geral das duas amostras, poder-se-ia erroneamente concluir que o número de desempregados no município seja diminuto. Dizemos "erroneamente" porque errônea é a premissa em que essa conclusão se baseia, supondo a existência de perfeita mobilidade, dos fatores de produção, não só do trabalho, como até do capital. Ora, na realidade, só mesmo por extravagância poderíamos imaginar que uma fiação ou uma emprêsa construtora transferisse sumàriamente seus capitais e seu know-how para, digamos, a mecânica de precisão. Ademáis, seria difícil imaginar que seus empregados pudessem ter ou adquirir em tempo curto as qualificações necessárias para seu desempenho satisfatório no nôvo processo de produção. Por isso, procuramos analisar os resultados de nossa pesquisa separando-os por grupo de atividade para, depois, proceder a uma estimativa do número de desempregados em cada grupo, com base no total dos empregados; existentes em estabelecimentos dêsse mesmo grupo com mais de 100 empregados.

Verificamos, então, que - conforme fôra previsto e de conformidade com os dados anteriores sobre a evolução do número de industriários da Capital - a diminuição foi menor na classe das emprêsas maiores (com 500 ou mais empregados), ou seja, à razão de 3,2%, enquanto na classe das "médias-grandes" essa redução chegou a 8,1%. Em têrmos relativos a diminuição foi maior (como era, aliás, de esperar) no setor da construção civil e do mobiliário: 26,1% entre os estabelecimentos médios-grandes. Seguem, em ordem decrescente, o setor de fiação e tecelagem (9,9%) e o químico e farmacêutico (7,2%); finalmente, diversos estabelecimentos de outros grupos (5,5%) e os dos ramos mecânico e eletrometalúrgicos (5,2%).

Quanto aos estabelecimentos com 500 ou mais empregados, as taxas foram as seguintes: a) indústrias mecânicas e eletrometalúrgicas - crescimento do número de empregados, à razão de 0,6% ; b) indústrias de fiação e tecelagem - redução, à razão de 8,2% ; c) indústrias químicas e farmacêuticas - redução de 12,0%; d) diversos - redução de 3,3%.

Considerando-se o fato de que o âmbito do nosso estudo se cinge aos estabelecimentos com mais de 100 empregados, é-nos impossível tirar qualquer conclusão definitiva a respeito da situação dos empregados em estabelecimentos médios e pequenos (das classes I, II e III - vide Quadro 1). O que nos é possível é inferir dos dados do Quadro 1 - referentes à evolução dos últimos anos (de 1957 a 1963) - que, na melhor das hipóteses, terão êsses estabelecimentos diminuído o número de seus empregados na mesma taxa média dos anos anteriores (2,1 %).

Como pretendíamos proceder a uma estimativa completa da situação, procuramos levantar alguns dados referentes ao número dos estabelecimentos industriais que tenham iniciado suas atividades em 1963 e em 1964, bem como dos que no mesmo período as tenham encerrado. Tal, entretanto, não nos foi possível: nem as associações de classe nem a Junta Comercial do Estado de São Paulo possuem cadastros completos e atualizados que permitam a coleta de dados como esses. Parece-nos razoável supor, contudo, que as dificuldades de crédito e as conhecidas circunstâncias anômalas que têm caracterizado a conjuntura econômica nacional tenham obstruído o ritmo de criação de novas emprêsas, observado em períodos anteriores, e que, por conseguinte, tenha sido diminuto o efeito aliviador que essas emprêsas possam ter exercido sôbre o mercado de trabalho. É até mais provável que o saldo da mão-de-obra relativo ao pleno emprêgo haja sido negativo, isto é, que o número de estabelecimentos que encerraram suas atividades entre setembro de 1963 e setembro de 1964, (desempregando, conseqüentemente, seus funcionários) haja sido maior que o número de empregos criados nesse mesmo período pelos estabelecimentos recém-fundados.

O que desejávamos, contudo, era estimar, com base estatística, o número de desempregados existentes em São Paulo em setembro de 1964. Abstraímos, por isso, preliminarmente, qualquer consideração sôbre os dados faltantes a que aludimos no parágrafo anterior, Mas, faltava, ainda, fixar a posição que deveríamos adotar com relação a outros dados faltantes: os relativos às emprêsas com menos de 100 empregados. A êsse respeito achamos prudente não ir além do que o rigor estatístico de nosso trabalho permitia: admitimos, por hipótese de trabalho, que a taxa de diminuição do número de empregados ocupados nesses estabelecimentos (1/3 do total dos empregados da Capital) relativa ao período de 1963 a 1964 hajasido de apenas 2,1%. Adotamos, portanto, a "melhor hipótese" a que recém nos referimos, segundo a qual o número dêsses empregados não teria sofrido diminuição mais acentuada do que a observada nos anos anteriores (de 1957 a 1963). E, assim, calculamos, por estimativa, estar por volta de 30 000 (cifra variável, evidentemente, de acordo com o nível-de-segurança que seja adotado) o número mínimo, em setembro de 1964, de desempregados propriamente ditos, assim entendidos, com exclusividade, aquêles que alguma vez já tenham estado empregados - sem inclusão, portanto, dos candidatos a primeiro emprêgo: dêstes falaremos mais adiante. (Vide Quadro 7.)


Muito embora nossos dados só se refiram ao setor industrial, é lícito presumir que os reflexos da recessão sentida na Indústria tenham alcançado, ainda que em menor escala, os outros setores da atividade econômica, mormente o comércio de produtos ou de serviços. Por outro lado, tomando por base a tendência de crescimento, de 1957 a 1963, do contingente de pessoas que anualmente passam a integrar a chamada "força de trabalho" (cuja média percentual é de, aproximadamente, 4% ao ano - vide Quadro 1, total), estimamos que o contingente de 1964 seja da ordem de, no mínimo, 30 000 pessoas. Sucede que essas pessoas, não conseguindo, em face das circunstâncias desfavoráveis do mercado de trabalho, encontrar colocação, passam a engrossar as fileiras dos "reservistas do exército de trabalho". Donde se segue atingir, em setembro de 1964, cêrca de 60 000 o número total de desocupados (entre desempregados strícto sensu e outros candidatos a emprêgo), configurando-se, assim, uma situação de desemprêgo, cuja extensão e gravidade não podem ser subestimadas.

CONCLUSÕES

Procuramos, através de dados e procedimentos estatísticos, descrever e analisar uma situação nova, nunca dantes experimentada pela Indústria em São Paulo: a existência de apreciável reserva de mão-de-obra, não ocupada produtivamente. Enquanto nos anos anteriores a taxa de crescimento dos empregos oferecidos pela indústria paulistana oscilava em redor de 4,0% ao ano (veja Quadro 1) - correspondendo favoràvelmente à elevada taxa de crescimento demográfico da Capital, que é de aproximadamente 5,0% ao ano -, em setembro de 1964, apesar de continuar a "explosão demográfica", verificou-se diminuição, à razão de 4,5%, aproximadamente, do número de empregos, desde o levantamento imediatamente anterior, realizado em 1963.

Tentemos agora projetar esses dados para, digamos, daqui dois anos. Veremos que, se não se tomar nenhuma providência concreta para dar cobro à tendência de diminuição de empregos que acabamos de constatar, em fins de 1966 haverá cerca de 200 000 desocupados sòmente no Município de São Paulo, sem falar nos reflexos cumulativos e multiplicadores que tal fenômeno possa ter sôbre o conjunto das atividades economicas na Capital, nos municípios adjacentes e em todo o Estado.

Porém, mesmo diminuindo a intensidade e o ritmo do recesso na Indústria, ao ponto de a taxa de demissões cair 50%, ou seja de 4,5% em 1964 para 2,2% em 1965 e, assim novamente, para 1,1% em 1966, isto ainda redundaria na existência de u'a massa de 50 000 desempregados em fins de 1966.

Por outro lado, continuando a expansão demográfica - e nada nos permite prever o contrário - a êsses 50 000 desempregados deve ser somado o contingente crescente e não absorvido de pessoas que sofrem do "desemprêgo estrutural", ou seja, que procuram seu primeiro emprêgo e não o encontram devido à conjuntura econômica. Seu número, segundo uma estimativa moderada, deve alcançar no triénio 1964/65/66, aproximadamente 100 000 pessoas sòmente na Capital. O número total de desocupados em fins de 1966, portanto, haveria de ser, ainda, de 150 000.

Convém cuidar, a propósito, que - além e acima dos aspectos puramente numéricos e econômicos - não podem ser ignorados os possíveis efeitos psicológicos, sociais e políticos que uma situação como essa acarreta. Em tais circuntâncias é comum ouvir falar em "volta" ou "readaptação" à normalidade econômica. Diz-se que essa normalização implicaria a redução, pelo menos passageira, do nível de empregos e, concomitantemente, das atividades industriais. O fato, porém, é que essa situação - muito ao invés de facilitar a retomada do ritmo de desenvolvimento e, assim, o caminho para a crescente emancipação do País através da luta contra a fome, contra as doenças e contra o analfabetismo - é sintomática de estancamento do progresso, pelo simples fato de não aproveitar plenamente os recursos produtivos da Nação.

Ademais, a existência de um "exército de trabalho" desempregado constitui, fator de pressão constante sôbre os salários daqueles que ainda conseguem manter-se empregados: êstes chegam, muita vez, a vender seu trabalho por preço inferior ao custo, isto é, àquilo que precisaria despender para prover a subsistência própria e de sua família. Êsse fato, aliado (a) à contenção de crédito, que restringe invariàvelmente a expansão dos negócios, (b) à política oficial de não se concederem reajustamentos salariais antes do vencimento dos contratos coletivos de trabalho, e (c) ao aumento dos tributos indiretos, provoca - pela perda do poder aquisitivo real dós salários - a diminuição paulatina da demanda agregada. E, então, como num círculo vicioso, diminui, também paulatinamente, a atividade industrial, em prejuízo evidente do processo de desenvolvimento do País.

O problema pode, ademais, assumir aspectos realmente graves, que transcendem a importância dos índices puramente matemáticos e econômicos, quando analisado sob o ângulo da responsabilidade social, da obrigação que tem a sociedade de assegurar aos seus cidadãos, senão o famoso freedom from want, ao menos uma existência digna de ser chamada "humana", um mínimo de sustento.

Verificou-se que, por fôrça de sua própria condição, o homem desempregado se sente inútil à sociedade e como que expulso do convívio humano produtivo. A perdurar essa crise psíquica, em que se perde, pouco a pouco, o contato e a comunicação, com os grupos e as, atividades que proporcionam significado e conteúdo à vida social, eis que o homem se torna, inelutàvelmente, um inimigo ferrenho de seus próprios semelhantes, um elemento agressivo e corrosivo da sociedade e de suas instituições.

Com efeito, em nosso empenho de descobrir índices e taxas de desenvolvimento, amiúde nos esquecemos de que êsse desenvolvimento é apenas meio, e não fim. O fim é uma sociedade mais estável, um povo melhor alimentado, mais educado e mais produtivo. Se são êsses os alvos fundamentais da sociedade moderna, então se impõe, como obrigação inadiável, uma série de medidas concretas e específicas para resolver o problema do desemprêgo. Porque, no fundo, em face da omissão completa da legislação social brasileira no que se refere a dispositivos de amparo a desempregados, não ter emprêgo no Brasil se traduz por fome, privações e miséria para milhares de famílias obrigadas a arcar, muito mais do que os outros, com, o "custo social" dos diversos "planos de desenvolvimento".

  • 1) Vide: "Desemprego: Constituída a Comissão", O Estado de São Paulo, edição de 9 de setembro de 1964.
  • (3) Gabinete do Ministro Extraordinário para o Planejamento e Coordenação Econômica, "Programa de Ação do Govêrno Revolucionário", 1964-1966, pág. 15.
  • 1
    )
    Vide: "Desemprego: Constituída a Comissão",
    O Estado de São Paulo, edição de 9 de setembro de 1964.
  • (2
    )
    Vide: "Não há desemprêgo no Interior do Estado - Afirma Sindicalista".
    ibidem.
  • (3
    ) Gabinete do Ministro Extraordinário para o Planejamento e Coordenação Econômica, "Programa de Ação do Govêrno Revolucionário", 1964-1966, pág. 15.
  • (4
    ) Queremos assinalar a plena compreensão e colaboração dos senhores chefes de pessoal e/ou dos senhores encarregados de serviços de relações públicas das empresas consultadas. A todos êles os nossos agradecimentos.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Set 1964
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