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Le sacré et le profane

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Roberto Venosa

Le sacré et le profane

Por Mircea Eliade. Paris, Ed. Gall imard, 1965 (Collections ldées).

Os textos sobre sociologia das religiões tornam-se, cada vez mais, de leitura obrigatória para os estudantes de teoria das organizações, não somente porque abrem o campo percorrido por Max Weber, mas porque, de alguns, pode-se inferir muito do que ocorre no âmbito das modernas organizações, ou seja, tais textos apresentam uma análise histórica sem nenhuma tendência escatológica.

A propósito desta obra de Eliade, pode-se tecer um conjunto de observações semelhantes às que seriam feitas sobre a obra de Peter Berger An invita¬ tion to sociology, uma vez que as duas podem ser classificadas como obras de introdução, portanto, dedicadas àqueles que não militam no campo da sociologia do conhecimento.

Da mesma maneira que Berger, Eliade, no seu intento de simplificar, corre o risco de vulgarizar-se, e mesmo incorre na vulgarização. Mesmo assim, a leitura desta sua obra ajuda a ir um pouco além da já clássica e cansada frase "não existe verdade absoluta", uma vez que o autor no seu intento de compreender a mente, e justificar a ação do homem religioso, descortina uma deglutível análise das formas arcaicas de religiosidade.

Toda a obra desenvolve-se a partir da comparação entre duas tipologias ideais, a saber, o homem religioso e o homem profano, sendo sempre ressalvada a não-existência de um homem profano, em estado puro ou como diria o autor:

"... En d'autres termes, l'homme profane, qu'il le veuille ou non, conserve encore les traces du comportement de l'homme religieux mais expurgées des significations religieuses."

Aliás, nesta frase encontra-se resumida e centrada uma das posições básicas do autor em relação aos historicismos com propostas redentoras. Como não cabe aqui abrir o debate, citamos apenas a corrente à qual o autor professa adesão:

"(il y a) des autres philosophes historicistes...

... pour qui les tensions de l'histoire sont consubstantielles à la condition humaine et ne peuvent pas jamais être complètement abolies".

Creio contudo que, para que esta resenha seja de alguma utilidade e permita ao leitor decidir-se ou não pela leitura do texto, uma certa ordenação na apresentação da obra se faz necessária. O livro divide-se em quatro capítulos, a saber:

I. L'espace et la sacralisation du monde.

II. Le temps sacré et les mythes.

III. La sacralité de la nature et la religion cosmique.

IV. Existence humaine et vie sanctifiée.

Destes quatro capítulos, vale notar a contribuição que Eliade nos oferece principalmente nos capítulos I, II e IV.

Ao longo destes três capítulos, o autor delineia uma análise sobre a sacralização do mundo centrada na construção de um espaço sagrado que concretiza a separação entre mundo profano e mundo real (sagrado):

"Pour vivre dans le monde, il faut le fonder, et aucun monde ne peut naître dans le chaos, de la homogénéité et de la relativité de l'espace profane."

Ao mesmo tempo não deixa de ressaltar que as palavras chaos, desordem, trevas, nada mais traduzem que a ameaça a um certo sagrado predominante que por sua vez já determinara um espaço sagrado concreto (templo, cidade, etc). Em síntese, a emergência de uma nova profecia foi sempre acompanhada de todo um ritual de consagração de um domínio central ordenador, através do qual o homem religioso adentra um mundo "lógico" e rompe com o mundo profano, ou como assinala Eliade, o mundo passa, então, a ser "real".

"S'il nous fallait résumer le résultat des descriptions précédentes, nous dirions que l'expérience de l'espace sacré rend possible la fondation du Monde, là où le sacré se manifeste dans l'espace, le reél se dévoile, le monde vient à l'existence. Mais l'irruption du sacré ne projette pas seulement un point fixe au milieu de la fluidité amorphe de l'espace profane, un centre dans le chaos, elle effective également une rupture de niveau, ouvre la communication entre les niveaux cosmique (la terre et le ciel) et rend possible le passage d'ordre ontologique d'un mode d'être à un autre".

É, contudo, a experiência do tempo sagrado que permite o reencontro periódico entre o cosmos experimentado e o instante nítido inicial. Desta maneira, as festas como comunhão, casamento, nascimento, fim de ano, só para citar algumas, têm o dom de promover periodicamente uma passagem na qual o ritual praticamente traduz a saída de um mundo sem sentido e a entrada no mundo "real".

Ao longo da obra, o autor pretende vincular o homem religioso aos tempos arcaicos e a tipologia de homem profano corresponderia mais ao homem moderno; acreditamos ser esta uma analogia discutível, bem como discutível é também a formulação da religião como elemento funcional de todo composto social, infiltrando-se em diferentes camadas sociais e mudando de forma conforme a cultura. Um necessário rebatimento sociopolítico talvez revelasse o compromisso implícito de certas religiões, e não reduziria a religiosidade a estruturas do inconsciente, socialmente perenes e variando de forma, de acordo com a particular textura social. Cabe no entanto, salientar que o autor não incorre por outro lado, na ingenuidade de um evolucionismo desmistificador, pelo qual partir-se-ia de um homem totalmente religioso e se chegaria ao homem totalmente profano; ao contrário, é no reconhecimento e na explicitação das religiosidades presentes no homem contemporâneo que Eliade oferece uma contribuição saudável ao estudo das organizações:

"Mais l'homme moderne que se sent et se prétend areligieux dispose encore de toute une mythologie camouflée et de nombreux ritualismes degradés..."

Falta, sem dúvida, à obra uma análise mais rigorosa dos elementos de veneração e de proibição dentro das chamadas religiões de salvação, uma vez que estas tipologias de religiosidade a são centrais; falta também uma pincelada, que fosse, nos ditos rituais legitimados os quais se apresentam desvinculados dos bens de salvação e têm um caráter de verdade em si, vide, entre outros, o confucionismo. Mesmo assim, e mesmo não tendo atingido o rigor de sua outra obra - El mito dei eterno retorno - tendo em vista o público para o qual se dirige, M. E. apresenta aqui um texto de leitura suave e útil, portanto, no discurso administrativo, conveniente.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Abr 1977
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