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ENSINO DE ESTRATÉGIA EM MBAS EXECUTIVOS E MESTRADOS PROFISSIONAIS: O PAPEL NEGLIGENCIADO DA EXECUÇÃO

INTRODUÇÃO

Os livros-texto de estratégia, bem como os artigos conceituais ou empíricos, tendem a abordar tipologias de posicionamento competitivo (exs.: Mintzberg, 1988Mintzberg, H. (1988). Generic strategies: Toward a comprehensive framework. In R. Lamb, & P. Shrivastava (Eds.), Advances in Strategic Management (vol. 5, pp. 1-67). Greenwich, CT: JAI Press.; Porter, 1985Porter, M. E. (1985). Competitive advantage: Creating and sustaining superior performance. New York, NY: Free Press.), bem como decisões de estratégia corporativa - tais como diversificação e verticalização, (Barney, 2010Barney, J. (2010). Gaining sustaining competitive advantage. 4th ed., New York: Pearson.) -, mas raramente abordam que o desenvolvimento de uma posição competitiva sustentável (vantagem competitiva) depende não apenas de formulação de um plano, mas de cuidadosa atenção dedicada à sua execução e revisão, a qual exige motivação e engajamento de pessoas, bem como lidar com suas limitações cognitivas ou comportamentais de modo a transformar a estratégia intencional em estratégia realizada (Mintzberg & Waters, 1985Mintzberg, H., & Waters, J. A. (1985). Of strategies, deliberate and emergent. Strategic Management Journal, 6(3), 257-272. doi:10.1002/smj.4250060306
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).

Uma vez que os estudantes, em seus cursos de mestrado e de doutorado, não são formalmente expostos a modelos de execução da estratégia - até porque a literatura carece de tais modelos (cf. Oliveira, Carneiro, & Esteves (no prelo)Oliveira, C. A., Carneiro, J., & Esteves, F. (Artigo não publicado). Conceptualizing and measuring the "strategy execution" construct.) - e aos desafios inerentes à execução, quando se tornam professores de MBAs, acabam por abordar apenas tipologias de posicionamento competitivo (exs.: Mintzberg, 1988Mintzberg, H. (1988). Generic strategies: Toward a comprehensive framework. In R. Lamb, & P. Shrivastava (Eds.), Advances in Strategic Management (vol. 5, pp. 1-67). Greenwich, CT: JAI Press.; Porter, 1985Porter, M. E. (1985). Competitive advantage: Creating and sustaining superior performance. New York, NY: Free Press.) ou, eventualmente, modelos de "fazer planeamento" e o exercício de "estrategizar" (strategizing) (ex.: Jarzabkowski, Balogun, & Seidl, 2007Jarzabkowski, P., Balogun, J., & Seidl, D. (2007). Strategizing: The challenges of a practice perspective. Human Relations, 60(1), 5-27. doi:10.1177/0018726707075703
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), mas não tratam da implementação do plano estratégico na prática. Quando muito, esses professores se valem de sua experiência profissional para indicar que a tradução da intenção em realidade pode não ser imediata, e nem sequer garantida.

EXECUTANDO A ESTRATÉGIA

A maior parte dos livros-texto e dos artigos sobre estratégia ainda assume, implicitamente, que o posicionamento competitivo seria desenvolvido de maneira racional e sistematizada, como resultado de um exercício de avaliação estruturada das oportunidades e ameaças do ambiente externo (macroambiente e estrutura da indústria), das forças e fraquezas da empresa e de seus recursos e competências. Esse esforço levaria, então, à ponderação entre possíveis estratégias e posterior escolha da melhor entre estas.

A abordagem acima, que é top down, é distinta daquela apresentada em textos de empreendedorismo (ex.: Sarasvathy, 2001Sarasvathy, S. D. (2001). Causation and effectuation: Toward a theoretical shift from economic inevitability to entrepreneurial contingency. Academy of Management Review, 26(2), 243-263. doi:10.5465/amr.2001.4378020
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), nos quais a estratégia é desenvolvida bottom up e, muitas vezes, sequer é explicitamente articulada. Neste artigo opinativo, não tratarei dessa forma de desenvolver e executar a estratégia.

Tudo se passa como se a lógica "inconteste" desse raciocínio levasse naturalmente à realização de suas recomendações na prática. No entanto, tanto a formulação do plano quanto a sua execução dependem de pessoas - que trazem consigo limitações, vieses, angústias e interesses próprios. Embora apelos para que se considerem os microfundamentos, ou seja, explicações mais desagregadas (ex.: em nível de pessoas) sobre comportamentos em nível mais amplo (ex.: a empresa), tenham sido manifestados na literatura (Coff & Kryscynski, 2011Coff, R., & Kryscynski, D. (2011). Drilling for micro-foundations of human capital-based competitive advantages. Journal of Management, 37(5), 1429-1443. doi:10.1177/0149206310397772
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; Felin & Foss, 2005Felin, T., & Foss, N. (2005). Strategic organization: A field in search of micro-foundations. Strategic Organization, 3(4), 441-455. doi:10.1177/1476127005055796
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; Foss & Pedersen, 2016Foss, N. J., & Pedersen, T. (2016). Microfoundations in strategy research. Strategic Management Journal, 37(13), E22-E34. doi:10.1002/smj.2362
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; entre outros), o papel crucial das pessoas na execução da estratégia tende a estar ausente nos conteúdos programáticos dos MBAs.

Antes de abordar essas questões, será brevemente discutido como o fenômeno da execução da estratégia pode ser conceitualmente estruturado.

Conceituação do fenômeno da execução da estratégia

A literatura acadêmica carece de modelos sobre os componentes conceituais do construto execução da estratégia. Por seu turno, diversos livros e textos voltados para o público executivo apresentam extensas listas de fatores facilitadores e dificultadores da execução da estratégia (exs.: Atkinson, 2006Atkinson, H. (2006). Strategy implementation: A role for the balanced scorecard? Management Decision, 44(10), 1441-1460. doi:10.1108/00251740610715740
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; Beer & Eisenstat, 2000Beer, M., & Eisenstat, R. A. (2000). The silent killers of strategy implementation and learning. Sloan Management Review, 41(4), 29-40. ; Delisi, 2010Delisi, P. (2010). Strategy execution: The next major "point of inflection". Fremont, CA: Organization Synergies. Recuperado de http://www.org-synergies.com/docs/Strategy%20Execution%20Paper3.pdf
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; Hrebiniak, 2006Hrebiniak, L. G. (2006). Obstacles to effective strategy implementation. Organizational Dynamics, 35(1), 12-31. doi:10.1016/j.orgdyn.2005.12.001
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; Kaplan & Norton, 1996Kaplan, R., & Norton, D. (1996). The balanced scorecard: Translating strategy into action. Boston, MA: Harvard Business Review Press.; Mankins & Steele, 2005Mankins, M. C., & Steele, R. (2005). Turning great strategy into great performance. Harvard Business Review, 83(7), 64-72.), bem como diversos exemplos de histórias reais (ex.: Bossidy & Charan, 2002Bossidy, L., & Charan, R. (2002). Execution: The discipline of getting things done. New York, NY: Crown Business.), mas não fornecem uma estrutura de mais alto nível que permita organizar tais fatores em termos de macrocomponentes, que possam ser delimitados conceitualmente e medidos operacionalmente, de modo que seja possível entender o conteúdo de cada um e a relação entre eles na caracterização do fenômeno da execução da estratégia.

Esforços nesse sentido, no entanto, foram recentemente realizados. Um modelo de cinco componentes da execução foi apresentado por Oliveira et al. (no prelo)Oliveira, C. A., Carneiro, J., & Esteves, F. (Artigo não publicado). Conceptualizing and measuring the "strategy execution" construct.:

  • Desdobramento (da estratégia ou do plano estratégico) - desagregação do "grande plano" em planos de ação, pessoas responsáveis, objetivos e subobjetivos, bem como respectivas metas, prazos, orçamento e financiamento (obs.: naturalmente, o balanced score card (BSC) (cf. Kaplan & Norton (1996)Kaplan, R., & Norton, D. (1996). The balanced scorecard: Translating strategy into action. Boston, MA: Harvard Business Review Press.) pode ser um bom instrumento).

  • Coordenação - articulação consistente entre as várias ações e as várias áreas da empresa, bem como transformação dos conflitos em ações propositivas, de modo a buscar reforço mútuo entre as diversas iniciativas e minimizar inconsistências entre elas.

  • Comunicação - fluxo da informação (de cima para baixo, de baixo para cima e lateralmente).

  • Controle e feedback - monitoramento do ambiente externo, follow-up das ações, mensuração dos resultados alcançados, suporte à revisão do plano estratégico.

  • Desenvolvimento de políticas de RH e de competências dos empregados - definição de competências necessárias para realizar a execução da estratégia, bem como recrutamento e treinamento de pessoas, e desenvolvimento de políticas de retenção dos empregados.

  • MacLennan (2010)MacLennan, A. (2010). Strategy execution: Translating strategy into action in complex organizations. London, UK: Routledge. apresentou cinco "Cs" da execução da estratégia:

  • Causalidade - identificação das reais causas dos problemas observados.

  • Criticidade - foco e concentração de esforços.

  • Compatibilidade - coerência e reforço mútuo entre as iniciativas (obs.: semelhante ao componente "coordenação" proposto por Oliveira et al. (no prelo)Oliveira, C. A., Carneiro, J., & Esteves, F. (Artigo não publicado). Conceptualizing and measuring the "strategy execution" construct.).

  • Continuidade - desagregação e cascateamento dos objetivos, motivação das pessoas e minimização do risco de distração e de inércia.

  • Clareza - garantia de que as pessoas entenderão o que precisa ser feito (obs.: semelhante ao componente "comunicação" proposto por Oliveira et al. (no prelo)Oliveira, C. A., Carneiro, J., & Esteves, F. (Artigo não publicado). Conceptualizing and measuring the "strategy execution" construct.).

No que tange à comunicação, os gerentes de nível médio têm um papel fundamental, pois são eles que "filtram" as informações entre o topo e a base da organização (nas duas direções). Esses gerentes precisam estar motivados e ter habilidades de negociação e, principalmente, de "venda estratégica de ideias" (strategic issue selling (Dutton & Ashford, 1993Dutton, J. E., & Ashford, S. J. (1993). Selling issues to top management. Academy of Management Review, 18(3), 397-428. doi:10.2307/258903
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)), ou seja, capacidade de obter a atenção e o apoio da alta administração e de outras partes da organização.

Um curso sobre estratégia empresarial ou gestão estratégica deveria considerar explicitamente mecanismos para endereçar cada um dos componentes acima - como parte da transformação do "sonho" em realidade - e quais são os desafios a serem enfrentados nessa empreitada. Alguns desses desafios dizem respeito aos microfundamentos, especificamente à forma como as pessoas apreendem conhecimentos, se comportam e agem. Esses pontos serão agora tratados.

Microfundamentos da execução da estratégia

Entre os diversos aspectos que podem levar as pessoas a não executarem apropriadamente o plano estratégico, aqui serão abordados os seguintes: identificação do "problema" a ser resolvido, elaboração do "diagnóstico" e sugestão de "tratamento"; ambivalência e inércia; e politicagem organizacional.

Formulação do problema e busca do diagnóstico

Uma parte crítica da formulação de um plano estratégico é a revisão do plano anterior, a qual pode colher insumos da execução, à medida que novas observações são realizadas. Ao longo da execução do plano (a qual engloba o conjunto de múltiplas ações do dia a dia), pode-se perceber que os resultados são diferentes do esperado ou que novas informações sugerem que o futuro será diferente do que até então se pensava. Contudo, o processo de identificação do problema (Baer, Dirks, & Nickerson, 2013Baer, M., Dirks, K. T., & Nickerson, J. A. (2013). Microfoundations of strategic problem formulation. Strategic Management Journal, 34(2), 197-214. doi:10.1002/smj.2004
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) ou do desafio (Rumelt, 2012Rumelt, R. (2012). Good strategy/Bad strategy: The difference and why it matters. New York, NY: Crown Business .) a ser enfrentado é falho, levando, com frequência, as empresas a proporem "soluções" para os problemas errados. As dificuldades de se articular corretamente qual o "problema" a ser enfrentado tornam-se críticas em equipes heterogêneas, em função das diferenças em termos de conjuntos de informação utilizados, de estruturas cognitivas e de objetivos (Baer et al., 2013Baer, M., Dirks, K. T., & Nickerson, J. A. (2013). Microfoundations of strategic problem formulation. Strategic Management Journal, 34(2), 197-214. doi:10.1002/smj.2004
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).

Por exemplo, uma empresa se queixava de que o crescimento de suas vendas tinha se tornado "vegetativo", ou seja, de "apenas" (na palavra de um gerente) 5% a 8% ao ano, quando, poucos anos antes, a empresa experimentava crescimentos anuais de 15% a 20%. Mas seria esse efetivamente um "problema" e deveria a empresa tentar realisticamente retornar aos patamares de crescimento anteriores? Ora, um crescimento de 5% ao ano não é desprezível: uma perpetuidade crescente de 5% ao ano a um custo de capital de 10% ao ano significa que tal empresa valeria o dobro do que outra que tivesse vendas estáveis ao longo da vida VPL0=FC1/kg,ondeVPL0=valorpresentelíquidonoano0,FC1=fluxodecaixadoano1,k=custodecapital,g=taxadecrescimento. A empresa deveria possivelmente rever suas expectativas à luz da nova realidade e procurar as reais causas desse "problema" - talvez imitação (natural) pelos concorrentes ou mudanças nas necessidades de alguns clientes - em vez de forçar sua equipe de vendas a atingir metas históricas de crescimento (e de market share), ainda que às custas de descontos ou outras promoções aos clientes.

Mesmo quando um problema é corretamente identificado, com frequência o processo para reconhecimento de suas causas (Rumelt, 2012Rumelt, R. (2012). Good strategy/Bad strategy: The difference and why it matters. New York, NY: Crown Business .) é falho (MacLennan, 2010MacLennan, A. (2010). Strategy execution: Translating strategy into action in complex organizations. London, UK: Routledge.). Como consequência, as empresas propõem diagnósticos incorretos e, portanto, acabam por executar ações que não vão resolver o dito problema. Entre os exemplos mencionados por MacLennan (2010)MacLennan, A. (2010). Strategy execution: Translating strategy into action in complex organizations. London, UK: Routledge., vale citar os seguintes.

Uma empresa observou que suas vendas estavam abaixo das metas estabelecidas. Em vez de buscar possíveis explicações alternativas para esse fato, a empresa (ou melhor, um ou alguns decisores na empresa) açodadamente concluiu que a causa desse problema seria treinamento inadequado ou insuficiente da força de vendas. Foi elaborado um plano de treinamento, mas as vendas não se recuperaram. Na verdade, a causa do problema poderia ser outra, tal como mudança nas preferências ou necessidades dos compradores, ações dos competidores ou desmotivação da equipe de vendas em função de metas não realistas. Outra empresa percebeu que seus funcionários pareciam desmotivados. Imediatamente deduziu-se que a causa desse problema seria insatisfação com a remuneração. Salários e bônus foram, então, aumentados, mas a desmotivação continuava. É possível que a causa desta fosse, entre outras possíveis explicações alternativas, o exercício de autoridade excessiva por parte da gerência de topo e a falta de diálogo com a gerência de nível médio.

Em minha própria experiência, eu observei casos interessantes. Num banco em um país na América Latina, os gerentes de vendas queixavam-se de que as respostas da área de análise de crédito sobre concessão de empréstimos a clientes demoravam muito a ser emitidas. A primeira explicação que surgiu foi de que o processo de emissão da carta era manual; bastaria, portanto, automatizá-lo. Contudo, outras explicações alternativas foram aventadas e examinadas, tais como excesso de trabalho da equipe de análise de crédito ou desmotivação desta, ou, ainda, um excesso de rigor no processo de análise de crédito. Uma outra empresa queixou-se de que havia atingido sua meta de vendas, mas não de receita. O diagnóstico foi claro (mas talvez apressado): a equipe comercial estaria concedendo descontos em excesso. Contudo, a real causa do problema - e a explicação de por que os vendedores estavam concedendo descontos - poderia ser diversa; por exemplo, falta de entendimento do impacto dos descontos no lucro da empresa (ou seja, a empresa pode estar sendo orientada a market share e não a lucro, o que não é incomum) ou mudança no comportamento dos clientes ou nas ofertas dos concorrentes, que tornariam os clientes mais sensíveis a preço. Uma outra empresa lamentava a não conquista de importantes contratos e culpou a área jurídica por demorar demais a entregar a proposta aos clientes. Mas, na verdade, a causa do problema era outra: seu preço era considerado muito alto pelos potenciais clientes. Uma empresa de produtos metalúrgicos sofria de excesso crônico de estoques. A gerência de topo concluiu que tal problema era devido à comunicação falha entre produção e vendas (uma explicação crível) e resolveu demitir profissionais de ambas as áreas e contratar novos profissionais "sem problemas de comunicação". Contudo, o problema poderia ter sido resolvido por meio de realização de encontros e trocas de informações mais amiúde entre as duas equipes. Desnecessário dizer que a troca de profissionais, por si só, não resolveu o problema, e a empresa continuava a não atingir suas metas de lucro.

Apresentado assim, parece óbvio que pode haver diversas explicações plausíveis para um dado problema e que uma empresa não deveria se fiar na primeira explicação crível que é colocada na mesa.

Vieses no processo decisório

Por que as empresas falham na identificação de problemas e proposta de diagnóstico (causas)? A resposta está nos vieses em processos cognitivos e de julgamento e tomada de decisão (Bazerman & Moore, 2008Bazerman, M. H., & Moore, D. A. (2008). Judgment in managerial decision making. Berkeley, CA: Wiley.; Kahneman, 2003aKahneman, D. (2003a). Maps of bounded rationality: Psychology for behavioral economics. American Economic Review, 93(5), 1449-1475. doi:10.1257/000282803322655392
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, 2003bKahneman, D. (2003b). A perspective on judgment and choice: Mapping bounded rationality. American Psychologist, 58(9), 697-720. doi:10.1037/0003-066X.58.9.697
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; Kahneman & Tversky, 2013Kahneman, D., & Tversky, A. (2013). Prospect theory: An analysis of decision under risk. In L. C. MacLean, & W. T. Ziemba, Handbook of the fundamentals of financial decision making financial decision making: Part I (pp. 99-127). Toh Tuck Link, Singapure: World Scientific.; March, 1978March, J. G. (1978). Bounded rationality, ambiguity, and the engineering of choice. The Bell Journal of Economics, 9(2), 587-608.; Simon, 1979Simon, H. A. (1979). Rational decision making in business organizations. TheAmerican Economic Review, 69(4), 493-513., Tversky & Kahneman, 1974Tversky, A., & Kahneman, D. (1974). Judgment under uncertainty: Heuristics and biases. Science, 185(4157), 1124-1131. doi:10.1126/science.185.4157.1124
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, 1978Tversky, A., & Kahneman, D. (1978). Judgment under uncertainty: Heuristics and biases: Biases in judgments reveal some heuristics of thinking under uncertainty. In P. Diamond, & M. Rothschild, Uncertainty in economics (pp. 17-34). London, UK: Palgrave Macmillan.). Por exemplo:

  • Racionalidade limitada - tomada de decisão com base em informações incompletas ou mutuamente contraditórias, bem como limitação mental de processamento.

  • Viés de confirmação - tendência para procurar, interpretar, focar e lembrar informações de maneira a confirmar as expectativas prévias ou preconcebidas.

  • Ancoragem (viés de primeira impressão) - tendência a confiar demais, ou "ancorar-se", em um particular aspecto (geralmente a primeira informação adquirida sobre esse assunto ou suposições tidas como inquestionáveis) ao tomar decisões.

  • Escalada do comprometimento (falácia do custo afundado) - aumento do investimento em uma linha de ação, com base no investimento cumulativo anterior, apesar de novas evidências sugerirem que a decisão original provavelmente estava errada.

  • Excesso de confiança - confiança excessiva nas próprias percepções.

  • Viés de atribuição - tendência de atribuir a si mesmo as causas do sucesso e atribuir a outros (ou a fatores externos) as causas das falhas.

  • Aversão à perda versus garantia de ganho (teoria dos prospectos) - a utilidade de abrir mão de um objeto (ex.: uma situação conhecida) tende a ser maior do que a utilidade associada a adquiri-lo.

  • Portanto, os alunos deveriam ser expostos a casos reais e colocados na posição de múltiplos tomadores de decisão (por exemplo, em dinâmicas de grupo), sendo desafiados a tornar mais "científico" o seu processo de formulação do problema, de diagnóstico das possíveis causas e de proposta de soluções (MacLennan, 2010MacLennan, A. (2010). Strategy execution: Translating strategy into action in complex organizations. London, UK: Routledge.), indagando-se:

  • A solução sugerida é baseada em observação empírica, e não apenas em raciocínio lógico?

  • O processo de coleta e de análise de dados foi conduzido de maneira sistemática?

  • Cuidados foram tomados para minimizar possíveis vieses?

  • As conclusões (o diagnóstico e as soluções propostas) são suportados pelos resultados empíricos?

  • Foram consideradas explicações alternativas para o problema?

  • A solução proposta é generalizável ou está restrita a contextos específicos?

  • A solução pode ser implementada na prática e é economicamente viável?

Ambivalência e inércia

Um outro obstáculo à execução da estratégia é a ambivalência percebida pelos gestores, ou seja, o vivenciar de sentimentos ao mesmo tempo positivos e negativos em relação a uma decisão ou uma pessoa, situação, objetivo, tarefa, objetivo (Rothman, Pratt, Rees, & Vogus, 2017Rothman, N. B., Pratt, M. G., Rees, L., & Vogus, T. J. (2017). Understanding the dual nature of ambivalence: Why and when ambivalence leads to good and bad outcomes. Academy of Management Annals, 11(1), 33-72. doi:10.5465/annals.2014.0066
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). Ao experimentar ambivalência, alguns gestores tendem a se tornar mais inflexíveis, enquanto outros ficam mais flexíveis e abertos.

Como exemplo de possíveis reações que denotam inflexibilidade cognitiva, podem-se citar: amplificação de resposta (indivíduos podem idealizar seu relacionamento com sua organização, deixando de lado todos os sentimentos negativos e, finalmente, levando a visões tendenciosas e simplistas), redução da capacidade de decidir (vacilação e adiamento na tomada de decisões) e viés de confirmação (elaboração seletiva de informações unilaterais e processamento confirmatório de informações). Por outro lado, como exemplo de reações que indicam flexibilidade cognitiva, tem-se: amplitude cognitiva e escopo de atenção (abertura a diferentes perspectivas e desprendimento em relação ao que se sabe), bem como motivação para usar sinais contraditórios e conflitantes como estímulo a considerar, de maneira equilibrada, múltiplas visões e perspectivas.

A inflexibilidade também pode ser de natureza comportamental, por exemplo: paralisia (inclusive por excesso de análise (Langley, 1995Langley, A. (1995). Between "paralysis by analysis" and "extinction by instinct". Sloan Management Review, 36, 63-63.) ou por inércia (Powell, 2017Powell, T. C. (2017). Strategy as diligence: Putting behavioral strategy into practice. California Management Review, 59(3), 162-190. doi:10.1177/0008125617707975
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)) e resistência à mudança. Em termos de possíveis reações à ambivalência que sugerem flexibilidade comportamental, vale citar: abertura individual à mudança e redução da escalada de comprometimento, bem como adaptabilidade interpessoal e coletiva.

A execução da estratégia tende, ainda, a ser prejudicada porque empresas frequentemente sofrem de comportamento automatizado e resistência à mudança, seja por inércia ou normas e políticas enraizadas. Como consequência, os gestores tendem a sobreinvestir naquelas forças que tornaram a empresa bem sucedida no passado e a subinvestir nas fraquezas que precisariam superar de modo a terem sucesso no futuro (Powell, 2017Powell, T. C. (2017). Strategy as diligence: Putting behavioral strategy into practice. California Management Review, 59(3), 162-190. doi:10.1177/0008125617707975
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). De maneira a evitar essa armadilha, Powell (2017)Powell, T. C. (2017). Strategy as diligence: Putting behavioral strategy into practice. California Management Review, 59(3), 162-190. doi:10.1177/0008125617707975
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sugere uma abordagem de "diligência estratégica", segundo a qual as empresas deveriam livrar-se daquela lógica usual e repensar a priorização entre as atividades (exs.: desenvolvimento de novos produtos, gestão de estoques, produção, compras, distribuição, branding, treinamento de pessoal) e alocar mais recursos para aquelas atividades que estão com baixa relação desempenho relativo X prioridade relativa - ou seja, onde o ganho marginal em termos de resultados para a empresa pode ser maior. Por sua vez, Lawrence (1998)Lawrence, D. (1998). Leading discontinuous change: Ten lessons from the battlefront. In D. Hambrick, D. Nadler, & M. Tushman (Eds.), Navigating change: How CEO's, top teams, and boards steer transformation (pp. 291-308). Boston, MA: Harvard Business School Press. propôs um interessante roteiro de 10 passos para tirar as pessoas da inércia e do conforto de repetir o passado, fazendo-as se engajarem, genuinamente, na mudança organizacional que seja necessária.

Politicagem organizacional

Adicionalmente, a disputa por poder e prestígio pode conduzir alguns gestores a praticarem "politicagem organizacional", ou seja, agirem em função de seus interesses particulares e deliberadamente, mas disfarçadamente, prejudicarem a execução da estratégia, em particular quando esta pode alterar o balanço de poderes (Kim & Mauborgne, 2015Kim, C., & Mauborgne, R. (2015). Blue ocean strategy: How to create uncontested market space and make the competition irrelevant (expanded edition). Boston, MA: Harvard Business Review Press .). Para lidar com essas situações, os gestores de topo precisam reunir forças (para as quais nem todos têm as habilidades e disposição necessárias) para combater o que Kim e Mauborgne (2015)Kim, C., & Mauborgne, R. (2015). Blue ocean strategy: How to create uncontested market space and make the competition irrelevant (expanded edition). Boston, MA: Harvard Business Review Press . designam por demônios e apoiar os chamados "anjos", expondo as ações de uns e de outros de modo que fique claro quem está contra e quem está a favor da mudança.

De modo a fazer os alunos vivenciarem as diversas situações apresentadas, o professor pode solicitar exemplos de empresas passadas (de maneira a evitar o viés de conveniência social) em que os alunos trabalharam e nas quais eles conseguem enxergar exemplos de tais situações. Na prática, os alunos estarão, de fato, pensando em suas próprias realidades atuais...

CONCLUSÕES

Nas palavras de Powell (2017)Powell, T. C. (2017). Strategy as diligence: Putting behavioral strategy into practice. California Management Review, 59(3), 162-190. doi:10.1177/0008125617707975
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, "[o] sucesso tende a depender menos da 'grande estratégia' [planos ambiciosos e cuidadosamente formulados] e mais do gerenciamento incansável de ação disciplinada" (p. 181).

A disciplina de estratégia empresarial (gestão estratégica) em programas de MBA executivo deveria, portanto, conter casos de empresas e apoiar-se em dinâmicas entre os alunos que permitissem a estes exercitar seu processo mental para buscar identificar apropriadamente o problema (desafio) a ser enfrentado e para estabelecer o diagnóstico correto. Adicionalmente, os alunos deveriam ser estimulados a reconhecer quais vieses no processo de julgamento e tomada de decisão que afetariam a estratégia a ser executada, assim como quais atitudes e comportamentos (exs.: ambivalência, inércia, politicagem) tenderiam a estar presentes naquelas situações - e como lidar com tais vieses e obstáculos.

A disciplina de estratégia pode ser complementada, no conjunto de disciplinas de um programa de MBA executivo, por disciplinas sobre processo decisório, negociação e governança. E os aprendizados dessas disciplinas devem ser trazidos explicitamente para a discussão de casos da disciplina de estratégia.

Enquanto os cursos de estratégia empresarial continuarem focando modelagens pseudorracionais para a formulação do plano, mas não endereçarem explicitamente os aspectos comportamentais e emocionais do processo de execução, nós não estaremos preparando nossos executivos para a realidade do mundo dos negócios, mas apenas tornando-os reféns da esperança de que o sonho se materialize e vítimas da decepção por não tornarem realidade seus planos tão meticulosamente elaborados.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2019
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