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Holdings públicas de participações estatais na Itália: o caso IRI

ARTIGO

Holdings públicas de participações estatais na Itália: o caso IRI* * Este trabalho é fruto de uma pesquisa realizada junto à Universidade Luigi Bocconi de Milão. O texto foi originalmente escrito e apresentado em italiano.

Arthur Budri Ramos

Graduado em Administração Pública pela EAESP/FGV, gerente de Estudos Econômicos da Eletricidade de São Paulo S.A. e mestrando em Economia de Empresas pela EAESP/FGV

RESUMO

As "holdings" públicas de gestão estatal italianas são apontadas como um efetivo exemplo de intervenção do Estado na economia. Dentro desse sistema merece especial atenção o Instituto per la Riconstruzione Industriale - IRI -, uma das organizações mais interessantes pela sua complexidade e abrangência, cuja expressão "fórmula-IRI" qualifica um dos exemplos a que mais freqüentemente se recorre quando se discute o papel do Estado como empresário. Neste artigo, investigam-se as condições históricas que levaram ao surgimento do IRI, com destaque para a fragilidade creditícia da economia italiana no começo do século; em seguida, descrevem-se os principais conceitos e organismos do chamado "sistema das participações estatais", definindo os princípios da intervenção estatal através das holdings públicas. Finaliza-se com os motivos da crise do sistema, suas transformações e o "saneamento" vivenciado já na década de 80.

Palavras-chave: IRI, desenvolvimento, holding pública italiana.

ABSTRACT

The Italian system of state control through holding companies is pointed out as an efective form of state intervention. Special attention should be given to the Instituto per la Riconstruzione Industriale - IRI -, one of the most interesting Italian state holding companies, which justifies the expression "formula-IRI", and qualifies as one of the most famous entrepreneurial states experiences. The aim of the paper is investigate the historical conditions in which IRI aroused, with the frail Italian financing system of the begining of the century. A description of the consolidated model known as the "system of state participation" is given, showing the peculiarities of state intervention through public holdings. The paper concludes with an explanation of the reasons for the crisis in the system in the 70's and its subsequent "revival" during the last decade.

Key words: IRI, development, Italian state holding.

INTRODUÇÃO

A acentuada presença do Estado na economia é uma característica da economia italiana. A nível da intervenção direta através de empresas, encontra-se uma organização do setor público sui generis, conhecido por órgãos (entes) de gestão das participações estatais. A curiosidade advém da formação, da organização e do papel atribuído a esses organismos desde seu surgimento, há cerca de 60 anos.

A intenção deste texto é analisar, inicialmente, as particularidades que fizeram com que tal estrutura surgisse e se firmasse na economia italiana. Sem esse conhecimento é praticamente impossível a compreensão da razão da existência do sistema das participações estatais (P.E.), até nossos dias, e do papel desenvolvido por ele.

Ao se estudar as participações estatais, busca-se verificar as características de um sistema onde interagem dois pólos conflitantes: a orientação pública (em última instância, as determinações do parlamento) e a realidade de sociedades por ações, que devem operar segundo bases empresariais, dentro de um regime de mercado. Essas empresas são agrupadas sob um ente de gestão, isto é, vim órgão de direito público que exerce a função de holding controladora das participações acionárias do Estado1 1 . Para uma tipologia da empresas públicas italianas, tem-se, referentes ao sistema em questão: as "empresas entes públicos", dotadas de personalidade jurídica de direito público, têm gestão autônoma, órgãos e balanço próprios, além da atribuição de um fundo de dotação (a grosso modo, o equivalente ao capital social de uma empresa privada); e as empresas com participação pública, com personalidade jurídica de direito privado e sujeitas às normas de direito comum. A participação pode ser total ou parcial, mas sempre em condição de controle efetivo. Conforme CASSESSE, S. & MORTARA, A. "Tipologie di Aziende di Produzione Pubbliche". In: CAFFERATA, R. (a cura di) Economia delle lmprese Pubbliche, Milão, Franco Angelli, 1976. .

O desafio dessa organização é o de conciliar essas duas forças - pública e privada -, e, até mesmo, criar algo inovador, que transcenda esta oposição. Averiguar até que ponto isto possível é um dos fins ao se pesquisar as holdings públicas.

Como objetivos complementares, tem-se a preocupação de apresentar o que se entende pelo sistema das P.E., bem como registrar seu processo de crise e saneamento, nas décadas de 1970 e 1980, respectivamente.

Existem, atualmente, três entes de gestão na Itália: IRI, ENI e EFIM. Este estudo se aprofundará no primeiro deles, pois: o IRI é o "símbolo" do sistema das P.E.; sem o conhecimento de sua formação dificilmente se entenderá este sistema; é a experiência mais rica, mais antiga, e instigante dos três grupos. Toma-se por premissa que esta simplificação não trará restrições significativas às conclusões apresentadas, até porque se fará referências aos demais, sempre que necessário. A primeira seção descreverá as causas do surgimento do IRI. A segunda, apresenta um esquema geral dos princípios e órgãos que norteiam o sistema. A última seção dedica-se às alternativas para o saneamento do grupo após a grave crise dos anos 70, incluindo uma rápida análise sobre o processo de privatização.

O SURGIMENTO DO IRI

Antecedentes da intervenção estatal na Itália

A intervenção pública sobre a atividade econômica, na Itália, teve sua motivação relacionada com a necessidade de se atenuar o potencial monopolístico de alguns setores, em especial o de serviços públicos. Nos primeiros anos do século XX, despontava a figura da "empresa municipalizada", gerida diretamente por um órgão do poder municipal, cujo patrimônio e figura jurídica lhe são semelhantes2 2 . Conforme CASSESE, S. & MORTARA, A. Op. cit. . Uma intervenção no setor de seguros resultou na criação do INA - "Instituto Nazionale Assicurazione" - em 1911, onde ficou evidente a idéia do Estado como força motriz do desenvolvimento.

Além de uma resposta ao processo de monopolização, iniciava-se um debate acerca dos novos papéis do Estado em um país onde o sistema de mercado não consegue resolver os problemas de desenvolvimento econômico. Portanto, já antes da Primeira Guerra Mundial, havia na Itália posicionamentos favoráveis à intervenção pública, seja dos intelectuais, seja da própria burguesia italiana.

O relacionamento entre bancos e indústrias

1. Para a compreensão da crescente intervenção estatal em direção à indústria italiana, deve-se analisar, inicialmente, as práticas de financiamento industrial realizadas nos primeiros decênios do Século. Sobretudo, considerar o funcionamento dos principais bancos italianos naquele período.

O confronto armado possibilitara o desenvolvimento daqueles setores direta ou indiretamente envolvidos na produção bélica. A expansão das indústrias fora financiada através dos bancos de crédito ordinário. Estes, aproveitando-se da situação favorável da economia, refletida no crescimento da bolsa de valores, passaram também a ter elevada participação no capital das empresas às quais concediam os empréstimos.

2. Tais atitudes vieram a caracterizar os bancos como "mistos" ou "do tipo alemão", isto é, "o banco que emprega os recursos obtidos com o recolhimento dos depósitos em operações de não imediata realização"3 3 . SARACENO, P. "Donato Menichella e l'IRI". In: Banca dltalia, Donato Menichella e studi raccolti dalla Banca Bari D'ltalia. Bari, Ed. Laterza, 1986, pp.408-9. A tradução das citações são realizadas pelo autor deste artigo. ; isso representou um estímulo ao desenvolvimento econômico italiano, naquele momento. Os depósitos à vista tornaram-se a principal fonte para o aumento da participação acionária dos bancos nas empresas. Além da guerra, as razões que favoreceram o "banco misto" foram:

• a estrutura econômica não oferecia amplas possibilidades ao exercício da atividade financeira pura (dado, por exemplo, a retração do mercado financeiro), justificando uma especialização dos bancos nesta área;

• o limitado desenvolvimento do mercado acionário e a impossibilidade de satisfatório autofinanciamento "empurravam" a indústria ao crédito bancário;

• as operações de empréstimo a longo prazo eram uma forma de equilibrar as instituições de crédito, a fim de que uma eventual lucratividade excedente compensasse o restrito volume de negócios4 4 . Conforme CIRILLO, A. "Le cause delle creazione dell'IiRI". In: AMADEO, D. Saggi di ragioneria e di economia aziendali, Milão, CEDAM, 1987. .

O banco misto foi uma conseqüência da necessidade de se fornecer capital de risco às indústrias. Tal fato não apresentou maiores problemas para a economia do país, mesmo durante o conflito militar. De fato, durante a guerra, os bancos tiveram um papel de promotores de iniciativas industriais. Porém, o final do conflito resultou numa maior exposição financeira das empresas, com seqüelas em praticamente todos os setores, dada a complicada rede de endividamento existente. Tornou-se inviável, no novo cenário de instabilidade econômica, inovação tecnológica e reconversão bélica, utilizar os depósitos à vista como forma de suprimento de meios monetários para participação no capital acionário das empresas.

3. A situação tornou-se mais complexa porque - e não em poucos casos - os bancos passaram a ser os controladores de fato das empresas as quais financiavam. Assim, verificou-se o fenômeno do Banco controlador5 5 . A palavra originalmente utilizada é capogruppo. de empresas.

A crise dos setores siderúrgico, mecânico, armamentista e têxtil - que haviam sustentado o esforço bélico - atingira o porta-fólio do sistema bancário. A agravar esse quadro, pelo lado dos depositantes, aumentara a demanda pelo reembolso dos depósitos, em função do temor dos efeitos das "quebras" das empresas coligadas aos bancos. Duas causas básicas resultariam naquela situação:

• a imprudência na avaliação das oportunidades da concessão de crédito, num período de dificuldades. Na realidade, não é o tipo de empréstimo que o banco realiza que lhe dá condições satisfatórias de solvência, mas sim a dificuldade em conciliar os interesses de grupo com a dose necessária de competência e prudência que a atividade bancária exige na avaliação dos riscos e potencialidades de uma empresa a requisitar crédito;

• o espírito especulativo na política de crédito, fruto da "fraternidade siamesa"6 6 . CIRILLO, A. Op.cit, p.213. entre a indústria e os bancos. Resultou que, ao invés de a primeira preocupar-se em incrementar sua competitividade e de o segundo desvencilhar-se das participações acionárias, o objetivo comum de ambos foi a gestão empresarial (conjunta) voltada para a especulação nas bolsas. Por exemplo, era comum a subscrição recíproca do capital acionário (quando o IRI interveio nos grandes bancos italianos, dois deles controlavam, indiretamente através das empresas que detinham participação acionária, 94% de seu próprio capital social)7 7 . Conforme SARACENO, P. Op.cit., p.420. .

5. Assim, a intervenção estatal nesta realidade, antes que uma resposta, começa a delinear-se como uma necessidade de agir sobre as condições de financiamento do sistema. A indústria italiana desenvolvera-se. Todavia, sua estrutura patrimonial assentara-se sobre pilares pouco sólidos. Os próximos anos registrariam a intervenção do Estado a fim de tentar corrigir a disfunção financeira e creditícia vivenciada na economia.

As intervenções precedentes à criação do IRI

1. A característica básica destas primeiras intervenções foi a de fornecer liquidez às empresas creditícias em crise, adquirindo, em contrapartida, ações e créditos com valores inferiores à quantia a ser despendida pelo governo. Na realidade, vivenciava-se uma operação de "salvamento", seja com a "Banca dTtalia"8 8 . "Banca d'ltalia" é o Banco Central Italiano. ao nível monetário, seja com o Tesouro no plano patrimonial. Após a medida, o governo tornava-se o responsável pela gestão dessas empresas, que se encontravam em situação financeira extremamente difícil.

Porém a principal crítica a essas intervenções refere-se ao fato de que a intervenção não liberava o banco de sua crise de imobilização, decorrente da participação no controle das empresas. Ao se injetar recursos e sanear o porta-fólio do banco, evidenciava-se o tratamento apenas das conseqüências da crise, não a correção das causas que a geravam.

A primeira crise de um banco controlador ocorreu com o Banco Italiano de Desconto, no final de 1921. Foi então criado, pelo governo, já em 1922, a "Seção Especial Autônoma" do Consórcio de Subvenção de Valores Industriais, com o objetivo de gerir participações de controle que se encontravam no ativo do banco liquidado.

Esta primeira intervenção deveria servir como uma "lição" aos bancos mistos, no sentido de adotar critérios mais conservadores na gestão do crédito e na participação acionária. Tal "lição" encontrou sucesso até 1925; após aquele ano retomaram-se os procedimentos especulativos.

Em 1926, era criado o "Instituto de Liquidação", com a transferência das atribuições e a extinção da Seção Autônoma acima referida. O Instituto teve um fundo de dotação conferido pelo Estado; porém, dada sua exigüidade, continuou a apoiar-se no Banco Central Italiano.

2. Para uma análise quantitativa das operações de "salvamento" entre 1922 e 1932, ver quadro 1.9 9 . Os dados desta seção foram obtidos de SARACENO, P. Op. cit.


Isto é, o Estado acabou financiando cerca de 80% nas operações de salvamento. O estado patrimonial quando o Instituto de Liquidação foi incorporado ao IRI, onde as perdas foram efetivamente contabilizadas, são visualizadas no quadro 2.


Conforme será tratado à frente, o IRI considerou o ativo do Instituto em somente 282 milhões de Liras, o que acresce sensivelmente o tamanho do "rombo" financeiro.

3. Dois personagens da intelectualidade econômico-financeira italiana tiveram um papel especial no processo de intervenção estatal: Alberto Beneduce e Donato Menichella.

Alberto Beneduce pode ser considerado o principal defensor da "cultura da intervenção pública"10 10 . Conforme BONELLI, F. "Alberto Beneduce, il credito industríale e l'origine dell'IRI". In: IRI. Alberto Beneduce e il problemi dell'economia italiana del suo tempo. Roma Edindustria, 1985. , ou seja, advogar a organização, em bases empresariais, da intervenção do Estado sobre o mercado. A primeira experiência foi a criação do INA, em 1911. Nos anos 20, tiveram diversas atividades como gestor do crédito industrial, em órgãos como "Consórcio de Credito para Obras Públicas", a Financeira BASTOGI e o "Crédito Naval". Beneduce, com a imagem de administrador competente, gozava de respeito junto aos gestores da política econômica fascista, inclusive junto ao próprio Benito Mussolini, mesmo não fazendo parte dos quadros daquele partido.

Donato Menichella participara ativamente das operações de "salvamento", primeiro dentro do Banco Central, depois na Seção Autônoma e no Instituto de Liquidação.

Era natural que ambos chegassem a uma reflexão comum, resultado de suas experiências, acerca da insustentável situação do sistema creditício dentro da realidade de bancos controladores. Assim concluía-se que o desenvolvimento industrial italiano exigia a reorganização dos seus mecanismos financeiros; estes, além de esgotados, traziam riscos de "quebra" para todo o sistema econômico.

Segundo a tese do Prof. Pasquale Saraceno, o raciocínio dos dois gestores passava por um processo de três fases, para dotar o país "...de um complexo de órgãos de financiamento com a capacidade de sustentar o crescimento de um sistema industrial."11 11 . SARACENO, P. Op.cit., p.415. As três fases seriam: desimobilização (venda das ações das empresas controladas) dos "bancos mistos"; uma nova legislação bancária (delimitando o papel dos bancos); criação de uma entidade de financiamento industrial de longo prazo, que captasse recursos de forma diversa dos depósitos bancários.

4. A este cenário deve-se acrescentar a instabilidade econômica.

Na primeira fase do governo fascista, até a metade da década, a orientação fora nitidamente liberal. As medidas fiscais de caráter regressivo, o déficit público, a desorganização sindical, possibilitaram um círculo virtuoso baseado em exportações-lucros-investimentos-produtividade-exportações12 12 . Conforme CIOCCA, P. "L'economia italiana nel contesto internazionale". In: CIOCCA, P. & TONIOLO, G. L'economia italiana nel periodo fascita, Bolonha, II Mulino, 1976. .

Com o desequilíbrio na balança de pagamentos, operou-se uma revisão dessa política, porque se esbarrara em limites para orientar o desenvolvimento econômico italiano à competitividade externa. Adotou-se então uma combinação de arrocho salarial com desvalorização da lira, medidas que objetivavam sobrepujar as principais dificuldades às exportações. A nível interno, fez-se, também, uma opção por um papel mais ativo do Estado na economia, especialmente através de atividades diretas (autarchizzazione).

A quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque atingiu severamente a indústria e o sistema financeiro italiano. Recorde-se que, estando as duas estruturas mutuamente comprometidas, a magnitude do golpe foi sensivelmente maior.

Todavia, a visão tradicional que estabelece uma relação causal entre a crise mundial e a falência do sistema produtivo italiano não cor responde fielmente à realidade. Pode-se afirmar que esta não gerou a crise da economia italiana, em especial de seu sistema financeiro; ela apenas acelerou esse processo, ao aguçar suas contradições. Rejeita-se o enfoque tradicional, pois, conforme exposto anteriormente, evidencia-se que a magnitude da crise foi decorrente dos mecanismos creditícios vigentes, a sustentar uma experiência como a dos bancos controladores.

Todas as condições eram favoráveis a uma intervenção do governo, em especial às propostas de Beneduce e Menichella.

5. O primeiro passo, onde Beneduce teve atuação decisiva, foi a constituição do "Instituto Mobiliário Italiano" - IML A atribuição do IMI era direcionar à atividade produtiva recursos captados através da colocação de obrigações com vencimentos a médio prazo. Algo mais radical, entretanto, estaria por vir.

No ano de 1931, deu-se a crise definitiva dos grandes bancos italianos. Assim, o "Banca Commerciale Italiana" e o "Banca dei Credito Italiano" vêm associar-se ao "Banco di Roma" (cuja quebra deu-se no ano anterior), sofrendo intervenção do Governo. Porém, a intervenção mantinha a estrutura do "banco misto", não tendo caráter de desimobilização, mas sim de reorganização interna das participações daqueles grupos em sociedades financeiras.

Portanto, esta segunda grande intervenção não trouxera (ainda) contribuição significativa ao saneamento do sistema. Por isso, em janeiro de 1933, criava-se o Istituto per la Riconstruzione Industriale - IRI -, com duas seções: financiamento e desimobilização. Procurava-se, assim, reorganizar os sistemas produtivo e financeiro italiano.

O IRI: de provisório a um órgão efetivo

1. O IRI foi constituído em janeiro de 1933, com o objetivo básico de liquidar os três grandes bancos "controladores" (Banco de Crédito Italiano, Banco de Roma, Banco Comercial Italiano). A presidência foi conferida a Alberto Beneduce e a direção geral a Donato Menichella. A criação do IRI foi uma inovação em termos de intervenção pública, totalmente diferenciada das operações anteriores de salvamento das empresas.

O salto qualitativo é justificado no próprio texto da lei que constituiu o IRI, a qual estabelece como atribuição do mesmo: "proceder particularmente à reorganização técnica, econômica e financeira da atividade industrial do país". Não obstante a crise creditícia e financeira ter sido a motivadora de sua criação, o objetivo da atividade do IRI é voltado para o "futuro da indústria" e seu desenvolvimento.

Uma segunda diferença dá-se devido à transferência ao órgão de todas as participações de controle das empresas em poder daqueles bancos, não somente daquelas que registrassem prejuízo, conforme procedimento anteriormente adotado.

Finalmente, o IRI, para encerrar a experiência dos bancos controladores, não fornece liquidez ao sistema, ou seja, saneia os débitos internamente, sem recorrer ao Banco Central.

A tarefa do IRI, naquele momento, pode ser resumida em:

a) Reconstituição do capital dos três bancos em questão. Isso aconteceu com a Convenção de 1934. A premissa deste acordo foi que o governo adotaria todos os procedimentos necessários ao saneamento (cobertura das perdas e reequilíbrio econômico), e os bancos limitariam sua atuação ao crédito ordinário - abandonando o investimento no controle de empresas. Resultado:

• todas as participações acionárias foram repassadas ao IRI; o pagamento aconteceria em vinte anos, a partir de 1934;

• ao crédito do banco, era reconhecida uma taxa de juros de 4% ao ano.

Assim a operação resumiu-se à transferência de 12.034 milhões de liras em crédito acionário ao IRI, juntamente com um débito de 2.340 milhões de liras. Restava junto ao IRI um saldo credor, em relação aos três bancos, de 9.694 milhões de liras.

Apesar de a operação ser aparentemente favorável ao IRI, os bancos, já no exercício de 1934, apresentavam condições de normalização de suas operações.

A situação patrimonial do órgão ao final dessa operação, conforme alguns ajustes realizados pelo Prof. Saraceno13 13 . Conforme SARACENO, P. Op.cit, p.437, inclusive o citado ajuste no valor dos ativos contabilizados pelo Instituto de Liquidação (IL). , pode ser visualizada no quadro 3.


Conclui-se que o IRI ainda apresentava um descoberto de cerca de 30% de seu capital. Para uma idéia dos valores envolvidos, deve-se mencionar que essas transações financeiras equivaleriam, em montante, a cerca de 40% dos meios monetários em circulação.

b) Regulação do relacionamento com o Banco Central Italiano, e a cobertura das perdas relegadas ao IRI. Este último comprometeu-se a reembolsar 1650 milhões de liras até 1936. O débito restante (4708 milhões de liras) seria liquidado até o ano de 1971.

Após a complicada regulação dos compromissos, o principal resultado obtido foi a diminuição da incerteza com relação à liquidação do sistema industrial e creditício italiano. Os reflexos positivos atingem inclusive o IRI, que, já em 1936, consegue melhorar a sua situação financeira, reduzindo o descoberto patrimonial em mais da metade.

2. As participações acionárias provenientes dos bancos eram sujeitas à desimobüização, mas também a investimentos. Disto decorre que a orientação recebida pelo IRI vinha assim sintetizada:

• o principal objetivo da intervenção era liquidar com os bancos controladores;

• não havia nem um objetivo de estatização, nem se poderia fazer com que o setor privado reabsorvesse todas as participações, mesmo com a retomada do crescimento da economia após 1933. A total desimobilização não ocorreu porque, via de regra, nos setores de maior risco, não se encontrava capital privado disposto ao investimento. É o caso da construção naval, da siderúrgica e da navegação. Outros setores, de maiores possibilidades econômicas, como serviços telefônicos e eletricidade, além dos bancos, não foram colocados à venda por orientação política. Nas palavras do Prof. Saraceno " ...enfim, é a não-desimobilização e não a desimobilização que requer uma justificativa"14 14 . Idem, ibidem, p.418. .

O IRI investiu nos setores estratégicos, de 1933 a 1939, cerca de 2932 milhões de liras, liquidando 4673 milhões de liras dos outros setores (ver quadro 4).


Esse direcionamento piorou a qualidade do patrimônio acionário do IRI, na medida em que este se desfez de alguns setores de maior lucratividade a curto prazo. Note-se, porém, que o IRI passou a assumir um papel de instrumento público de política industrial. Havia uma clara inclinação dos gestores do IRI para que se preenchesse a lacuna de capital de comando (e mesmo de capital humano) da indústria italiana, através do desenvolvimento do órgão. Teria sido esta uma das principais justificativas da sobrevivência do IRI. Ao final, a incumbência de gerir empresas em setores tão importantes teria suas compensões, à medida que proporcionava um novo instrumento ao Estado.

3. Procedida a liquidação do total devido aos três bancos e à regulação do relacionamento com o "Banca D'Ttalia", voltava-se à regulamentação do "novo" sistema creditício. Os aspectos maléficos da experiência dos bancos "controladores" mostraram-se bastante problemáticos para serem repetidos.

O consenso a que se chegou, tendo o IRI e o Banco Central como inspiradores, pode ser assim resumido: o sistema bancário italiano seria constituído de "bancos mistos", agora denominados "bancos de crédito ordinário". O risco de que estes se transformassem em bancos "controladores" foram evitados com duas medidas: a lei bancária de 1936, com rigorosa regulamentação ao funcionamento dos bancos, e o fato dos três grandes bancos serem declarados de "interesse nacional", permanecendo dentro da estrutura do IRI15 15 . Este trabalho encerra uma abordagem mais aprofundada do setor bancário do IRI. De fato a sua gestão, daí para a frente, teve caráter menos problemático, se comparado ao setor industrial. A lei bancária em questão trouxe a estabilidade ao sistema creditício italiano, o que foi extremamente funcional nas décadas seguintes. No futuro, Porém, a intocabilidade desta lei resultou num sistema bancário fechado e ineficiente. .

Faltavam as definições com relação aos mecanismos de financiamento de médio e longo prazo. A seção de financiamento do IRI teve uma atividade relativamente discreta, porque desenvolvia função estranha ao papel do Instituto (muito mais de gestor do que de financiador), tanto que, no ano de 1936, ela é extinta. Suas atribuições são absorvidas pelo IML entidade concebida com o intuito de aumentar a oferta de recursos ao sistema produtivo.

Finalmente, em janeiro de 1937, o IRI deixa de ser uma entidade provisória, assumindo caráter permanente. A primeira fase do IRI se encerra com a consolidação da holding pública e da empresa com participação estatal, um modelo de industrialização que será estudado na próxima seção.

Algumas reflexões sobre o surgimento do IRI

1. A radical intervenção pública realizada sobre o sistema econômico italiano nas primeiras décadas do século XX, e que culminou na constituição do IRI, leva a uma reflexão acerca da pré-estruturação ou não de um modelo de intervenção pelos seus protagonistas.

Para a resposta, é necessária uma explicação. A narrativa realizada dá-se em grande parte segundo a visão do mais famoso teórico e gestor do IRI, o Prof. Pasquale Saraceno. Seja por sua experiência adquirida no IRI desde a sua fundação, seja pela consulta "obrigatória" à sua produção teórica, ele é ponto de referência a qualquer avaliação do sistema das participações estatais. A descrição realizada nesta seção assemelha-se à sua tese, ou seja, que os dirigentes - na realidade também os "pais" do IRI - dispunham de uma preconcepção teórica de como intervir para sanear o sistema creditício e desenvolver a indústria italiana.

Com relação ao resultado obtido, consubstanciado no IRI, descreve: "Não possuímos documento, ao menos ao que toca a este que escreve, que nos digam que esta concepção de intervenção fosse acompanhada da idéia de fazer surgir como resultado da desmobilização uma 'holding' pública de natureza permanente, com as características das quais se trata quando nos referimos à fórmula IRI"16 16 . SARACENO, P. "L'intervento dell'IRI per lo smobilizzo delle Grandi Banchi:19331936'. In: IRI. Op.cit., p.132. .

Sabia-se ser improvável a total liquidação das participações, e, portanto, alguma destinação teria de ser dada às empresas remanescentes, no âmbito do Estado. Todavia, em relação à estruturação do IRI, parece evidente que o modelo do órgão é uma função do pragmatismo daqueles que representavam a elite dirigente daquela época. Em outras palavras, o modelo IRI é tipicamente ex-post17 17 . Conforme VACCA, S. L'attualità dei pensiero di Pasquale Saraceno in tema di imprese a partecipazione statale. Università di Urbino, "Relazione al convegno: Le participazioni statali, sono ancora um modello da discutere?", Urbino, 1988. .

2. Uma segunda indagação refere-se ao entendimento da relação entre o Estado fascista e aqueles protagonistas (em geral não simpatizantes do partido fascista), ou seja, os vínculos ideológicos da experiência. Não sendo objeto deste estudo aprofundar esse aspecto, relata-se apenas duas abordagens principais.

Uma abordagem "positiva" faz referência à absoluta necessidade da intervenção econômica, e da sua execução via uma burocracia "weberiana", mesmo que independente dos quadros fascistas. A continuidade da estrutura do IRI até nossos dias demonstraria a não possibilidade de visualizá-lo apenas como uma instituição típica do fascismo. Res salta-se que o objetivo da criação do IRI e sua atuação posterior não foram direcionados à estatização ou à planificação econômica, mas gestão de empresas em regime de mercado.

A abordagem crítica parte da premissa de que o Estado fascista não é diferente do Estado capitalista, no sentido econômico, tendo em vista que ambos garantem a acumulação de capital pelo setor privado. Assim, considera-se o surgimento do IRI como uma forma de socorro ao setor privado italiano, visando à garantia do sistema industrial.

A continuidade da narrativa evitará polêmicas de ordem ideológica, até porque esta é inconclusiva. Considerando os objetivos do artigo, dá-se preferência ao enfoque descrito inicialmente.

O MODELO DO SISTEMA DAS PARTICIPAÇÕES ESTATAIS

1. Algumas premissas devem ser firmadas antes de se falar de um "modelo" para a gestão das participações estatais. Novamente volta-se ao pensamento de Pasquale Saraceno, que teve uma condição singular para estabelecer um referencial de análise concomitantemente à vivência profissional no Instituto. Remetendo-se à discussão anterior, tem-se por premissa que o presente modelo é fruto de uma teorização ex-post, condicionada historicamente18 18 . Conforme CAFFERATA, R. & VACCA, S. Una revisitazione del pensiero di Pasquale Saraceno alia luce di alcuni problemi di adattamento delle strategie delle imprese a Partecipazioni Statali. Urbino, ensaio, Università degli Studi di Urbino, 1988. .

A obra do autor em referência não se enquadra na categoria "liberal", devido ao papel de coordenação e propulsão atribuído ao Estado, sendo Saraceno um defensor aberto da "economia mista". Porém, não se encontra em sua teoria uma postura perfeitamente "keynesiana". Saraceno vê como função do Estado, ao invés do papel anticíclico em relação às flutuações da demanda agregada, a realização de um fluxo de investimento diferenciado, tendo por objetivo impulsionar os setores "débeis" do sistema econômico.

Ainda é interessante analisar o pensamento de Saraceno à luz da economia industrial. A sua defesa da poli-setorialidade, da holding diversificada com estatégia conjunta, é uma antecipação da teoria que apontava o crescimento da empresa como função da capacidade de autofinanciamento, mediante a diversificação. Isto dimensiona o IRI como uma entidade envolvida pelas manifestações teóricas contemporâneas.

Por outro lado, o IRI teria ainda uma função "nobre": a formação de quadros gerenciais de alto nível, tanto para o setor público, como para o setor privado. As empresas em questão deveriam ser "focos irradiadores" de empresários.

2. O modelo é voltado para empresas que possam ser inseridas em regime de mercado em situação de concorrência, ao invés de empresas que desenvolvem serviços de utilidade pública. Assim, há uma diferença básica com relação à estatização vivenciada nos demais países europeus, passo decisivo dentro da consolidação da social democracia, por este último privilegiar a intervenção pública nos chamados "monopólios naturais" (energia elétrica, gás, telecomunicações etc).

A palavra-chave nas participações estatais é empreendimento. A intervenção através das participações estatais jamais deveria ocorrer para alterar as regras da concorrência, mas, pelo contrário, para agir dentro das condições do mercado, com a visão particular do ente público.

Dentro dessas premissas, chega-se ao "modelo Saraceno", cujo propósito é definir os principais conceitos que constituem as holdings de participações públicas.

3. Ao se mencionar a palavra "participação", faz-se referência à posição de uma pessoa física ou jurídica em relação ao capital de controle de uma empresa (sociedade anônima). Se esta relação se manifesta em posição majoritária, verifica-se uma situação de controle. O controle ocorre através da imposição dos objetivos desejados pelo primeiro à empresa. Qual seria a diferença básica de uma sociedade cujo controlador é o Estado?

Se um organismo público detém o controle de uma empresa, em especial no caso do sistema em análise, tem-se objetivos diferenciados, que levam em consideração outros aspectos, em geral estranhos aos critérios de avaliação "privados". No presente modelo, tal controle deverá levar a empresa a um desenvolvimento equilibrado19 19 . SARACENO, P. "II modello-Saraceno". In: CAFFERATA, R. Op.cit., p.95. . Isto é, o desenvolvimento que é resultado de uma avaliação dos objetivos empresariais ao nível político, que podem, inclusive, mostrar-se contraditórios com o desempenho financeiro e a eficiência interna.

Como exemplo, a imposição de investimentos em determinadas regiões ou setores. O conceito de desenvolvimento equilibrado não é de determinação precisa, e é mutável no tempo. Fundamental é entender que o direcionamento daquilo que constitui o equilíbrio vem da instância política.

4. Após a Segunda Guerra Mundial, foi constituída a ENI - Ente Nazionali Idrocarburi -, em 1953, uma segunda holding das participações estatais, para atuar na extração e distribuição de petróleo e derivados. Introduzia-se o princípio da multiplicidade dos entes de gestão, princípio reforçado com a criação, em 1962, da EFIM - Ente Patecipazioni e Finanziamenti Industrie Manufaturiere -, objetivando esta última a atuação nos setores mecânicos e siderúrgico, através de empresas remanescentes em um fundo para a reconstrução pós-bélica.

A principal diferença desses dois novos organismos é que sintetizam uma opção de intervenção de forma consciente, adotada pelo governo, não mais como uma solução para um problema herdado. Com relação à ENI, dada sua criação com fortes características mono setoriais, fica evidenciada a contradição em relação à "fórmula-IRI".

A fim de estabelecer a necessária coerência em seu modelo, afirma: "os dois novos entes ENI e EFIM nascidos...de um impulso definitivamente mono-setorial...desenvolveram-se rapidamente em sentido poli-setorial"20 20 . Idem, ibidem, p. 98. , que atestaria o enquadramento semelhante à "fórmula-IRI", ao respeitar a diversificação.

A fortalecer essa visão, há o fato de a criação da holding do setor elétrico italiano (ENEL) não obedecer à fórmula "participações estatais", devido à sua atuação claramente mono-setorial, em um típico setor de serviços públicos. Outros entes de participações estatais foram também criados, mas dado seu caráter efêmero, podem ser considerados irrelevantes.

Tem-se, portanto, o princípio da poli-setorialidade, associado à multiplicidade de entidades de gestão, isto é, convivem dentro do sistema vários órgãos, com porta-fólio diversificado. A contradição se manifesta muitas vezes na falta de critérios para a repartição de setores entre os órgãos em questão. As constantes alterações em suas estruturas vêm a demonstrar esse problema.

5. Em 1956, dá-se, através de lei, a estruturação do sistema das P.E., cujas principais disposições eram:

• Todas as participações acionárias passariam ao controle de institutos de direito público denominados "Entes de Gestão", sendo que estes se situariam sob a orientação do Ministério das Participações Estatais;

• Os entes de gestão foram colocados sob o controle de um comité interministerial permanente (no início o CIPE - Comité Interministerial para a Programação Econômica, posteriormente, o CIPI - Comité Interministerial para a Política Industrial);

• A atividade dos entes deve pautar-se pelos critérios de economicidade.

As empresas com participação estatal passam a sofrer controle também dos comités. Estes últimos são mediadores:

• das solicitações dos ministros às empresas;

• da política financeira do ministério da fazenda;

• das solicitações colocadas pelos dirigentes das empresas.

Portanto, o Comité é o foro de confrontação das exigências dos diversos níveis de decisão do sistema. De um lado, há uma entidade que responde pelos recursos disponíveis, escolha dos gerentes, eficácia das diretivas e dos resultados, e, do outro, um comité que visa a fornecer diretrizes duradouras. Entre eles, entretanto, há ainda o ministério das participações estatais, que não está perfeitamente associado às ameaças empresariais, estando sujeito, isto sim, a incerteza de natureza política.

6. Internamente, os grupos são dotados de financeiras de setor, ou seja, tem-se o agrupamento de empresas de um mesmo setor ou coligadas, vinculadas a uma sub-holding. A entidade delega a esta a tarefa de direcionamento e de controle. As financeiras controlam as empresas, que se denominam sociedades operativas. Algumas empresas podem estar diretamente vinculadas ao ente de gestão. Deve-se mencionar que essa estrutura (holding-financeira do setor-empresas), é a estrutura típica dos grandes grupos industriais.

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O ente de gestão desenvolve suas atribuições procedendo à nomeação dos conselheiros e dos administradores, além de fornecer as diretrizes e autorizações às sociedades controladas (especialmente na formulação dos programas e na revisão do balanço).

7. Os entes de gestão das P.E. movem-se através de dois impulsos diversos: o direcionamento político - objetivos colocados pelo governo - e a maximização da rentabilidade - o que impulsiona uma empresa atuando em regime de mercado. Conciliar essas duas posições é, no presente caso, perseguir a economicidade. Isto é, perseguir da maneira mais econômica possível seus objetivos, encontrando condições de sobrevivência a longo prazo21 21 . O conceito de economicidade é referência constante na literatura econômica italiana. Não obstante apontar a dificuldade da conceituação da "economicidade", escreve Borgonovi, utilizando Mazzini: "...o desenvolvimento da gestão... 'sem a cobertura dos déficits de exercício, a menos que esta seja a fórmula antecipada na realização dos fins intitucionais'... a empresa pública enquadra-se no segundo caso". BORGONOVI, E. "L'equilibrio econômico e monetário: una síntese dei punto di vista aziendalistico". In: CAFFERATA, R. Op.cit., p.237. .

8. Porém, as forças que impulsionam o modelo decisional da empresa vêm a causar-lhe deturpações que, em geral, resultam em sacrifícios econômicos. Faz-se referência à orientação oriunda do ente político, que muitas vezes opõe-se à alternativa mais econômica.

A inovação da fórmula-IRI está em encarar a ação do ente político como "despesa pública indireta", ou ônus impróprio à gestão daquela atividade. São impróprios porque a ação pública levaria ao fracasso na atuação em concorrência com outras empresas. Esta empresa encontra-se operando em um regime onde as vantagens são obtidas justamente através da escolha da melhor alternativa em termos econômicos. Como resolver esta contradição, sem quebrar a essência do modelo?

Resumidamente, fazendo com que o Estado assuma as despesas excedentes às quais força a holding a se submeter. Assim, o Tesouro compensaria os "ônus impróprios" que impõem às empresas em questão. Em termos estáticos, o equilíbrio do modelo acontece no ponto em que o montante de custos excedentes nos quais a empresa incorre seja igual à remuneração proporcionada pelo fundo de dotação que o Tesouro outrora destinara à capitalização da empresa. Em outros termos, poder-se-ia dizer que a empresa pode suportar, no máximo, custos impróprios equivalentes aos dividendos calculados sobre seu capital social.

Na realidade, o fundo de dotação é o equivalente ao capital social. Portanto, as exigências do Estado seriam justificadas até o nível em que os "ônus impróprios" se igualassem ao "custo oportunidade" do capital destinado pelo primeiro à constituição do órgão (em outras palavras, este permuta o retorno sobre o capital pelo investimento socialmente orientado).

Seria possível, então, o inédito equilíbrio entre ação pública e mercado. Havendo a igualdade entre dividendos não distribuídos e ônus impróprios, seria viabilizada a coexistência de empresas públicas com objetivos diferenciados, numa economia capitalista.

9. Em 1977, é constituída uma Comissão Bicameral que atua em consonância com os Comités Interministeriais, e que simbolizam o controle do parlamento sobre os entes, fornecendo pareceres sobre os programas, fundo de dotação e a nomeação dos presidentes.

A nível sindical, as empresas do sistema articulam-se em entidades industriais diferentes das empresas privadas: INTERSIND (IRI e EFIM) e ASAP (ENI).

Assim sendo, a Itália passou a desfrutar de um instrumento de intervenção na política industrial que poucos governos, tanto em termos quantitativos quanto qualitativos, obtiveram.

A CRISE DO SISTEMA DAS PARTICIPAÇÕES ESTATAIS

1. Consagrou-se, na constituição italiana do pós-guerra, a "economia mista", isto é, um sistema econômico onde convivem entidades de origem estatal e privada. A expansão posterior da economia é seguida por uma expansão do setor público, com predominância do instrumento participações estatais.

Até 1950, o IRI tem uma tarefa eminentemente reconstrutora. Em seguida, já com novos órgãos de gestão de participações, aquelas entidades firmam-se como importantes grupos industriais italianos, com papel relevante no desenvolvimento que a economia vivenciou, em especial nos setores de base. Estava em prática um modelo de industrialização que representava: "... a reação do governo dentro de um sistema de economia de mercado, às dificuldades crescentes ao início de um processo de industrialização"22 22 . SARACENO, P. "Donato Menichella e I'IRI". Op.cit., pp. 419-20. .

Parece ser unânime o julgamento positivo sobre as atividades das P.E. até pouco mais da metade dos anos 60. Em especial, destacase o que Saraceno descreve como um "quarto modelo de industrialização", fazendo-se referência à atuação dessas empresas na região meridional da Itália (mezzogiorno), ou seja, o investimento em áreas subdesenvolvidas e pouco industrializadas. O objetivo desse investimento foi o de afrontar o problema das áreas onde o capital produtivo não cria condições para a adequada utilização da força de trabalho existente23 23 . Para uma análise da intervenção até este período, sugere-se ALLEN, K. "Regional Intervention". In: HOLLAND, S. The State as Entrepreneur, Oxford, Wendenfeld/ Nicolson, 1972. .

Completamente oposta, entretanto, é a avaliação que se faz das P.E. nos anos subseqüentes. De fato, esta é extremamente negativa nos anos 70, onde se registra um péssimo resultado da gestão do sistema. Pretende-se, a seguir, realizar a análise de alguns dos fatores que levaram a sociedade italiana à "desconfiança"24 24 . O termo é de BOGNETTI, G. "II sistema délie participazione statali negli anni 70". In: BOGNETTI, G. & GERELLI, E. La crise délie participazione Statali: Mottivi e Prospetive. Milão, Franco Angelli Editore, 1981, p.16. com relação às holdings de participações públicas.

A crise dos anos 70

1. A década de 70 compreende uma crise mundial que conclui, na Itália, um ciclo econômico de desenvolvimento acelerado, conhecido por "primeiro milagre italiano". Como problemas enfrentados por todos os agentes econômicos, encontram-se:

• a elevação dos salários devido à escassez de mão-de-obra;

• a capitalização crescente, que faz com que os custos de imobilização se tornem elevados, dificultando as economias de escala;

• o aumento dos preços das matérias primas e das fontes de energia, após a crise do petróleo, que faz desabar a ilusão da possibilidade de se conseguir quantidades infinitas de matéria-prima, a preços constantes;

• o início do processo de deslocamento da demanda industrial para os serviços25 25 . Conforme VESPERINI, G. La riforma délie Participazioni Statale. Milão, Ciriec 65,1985. .

2. Os anos 70 registram a "queda de performance" das empresas públicas, em especial do sistema de participações estatais. Sinteticamente, pode-se dizer que esta queda, a nível estratégico/empresarial, está associada à colocação de três objetivos prioritários a essas empresas, cuja incongruência será elucidada a seguir. Os objetivos eram: investimento, nível de emprego e obtenção de resultado econômico positivo.

A década de 70 coincide ainda com um período clássico de "estagflação" no mundo desenvolvido, e particularmente na Itália. O ajustamento por que passaram as empresas privadas envolvia a redução no número de empregados, nos investimentos e na produção, além da reestruturação tecnológica. O movimento das P.E. foi exatamente em sentido oposto:

• a ocupação dentro do sistema, entre 1969 e 1974, aumenta em 64% (com destaque especial ao IRI). No qüinqüênio sucessivo, os níveis de emprego foram mantidos estáveis.

• registrou-se, nos primeiros anos da década, um colossal esforço de investimentos, que registram retração (em valores constantes) após 1974.

Tais empresas passavam a assumir um peso ainda maior naquele sistema produtivo italiano. E questionável, porém, se seria este o momento mais adequado para se investir e aumentar a oferta de emprego, pois a demanda agregada despencava.

Os resultados econômicos foram modestos, piorando sensivelmente ao longo do tempo, evidenciando o erro em se ampliar a capacidade produtiva e de emprego. O esforço realizado pelo sistema foi obtido a altíssimos custos, que em breve viriam pesar seriamente sobre o equilíbrio econômico-financeiro das empresas e, em conseqüência, de todo o setor público italiano.

3. As explicações das origens da crise coincidem com as dificuldades econômicas e também com a crise das grandes empresas. Destaca-se:

• o já citado acelerado desenvolvimento das empresas do sistema de participações estatais nos primeiros anos da década de 70, simultaneamente à redução da atividade econômica; • o peso sob o complexo das holdings públicas de setores cujos preços e demanda despencavam no mercado externo, cujo caso típico é a siderurgia;

• a realização de operações de "salvamento" de empresas em dificuldades financeiras, sob o argumento de manutenção do emprego;

• a sobreposição de vários objetivos aos dirigentes dessas empresas, que acaba por resultar, na prática, na incapacidade de avaliação da eficiência de gestão, e, conseqüentemente, a desresponsabilização do corpo diretivo;

a maturação da teoria "segundo a qual os investimenos das empresas com participações estatais deveriam absorver também as funções de instrumento de política anti-cíclica"26 26 . Idem, ibidem, p. 19. , que resultou na gestão das empresas com critérios não condizentes com os princípios de sobrevivência no mercado.

Disso decorre a interpretação do sistema como "amortizador" da economia em situações de crise. Perspectiva conveniente do ponto de vista político acaba por levar as empresas à completa dissociação de ajustamentos de ordem microeconômica.

Nos quadros do modelo abordado anteriormente, o rompimento do "equilíbrio" vem a apresentar um agravante no nível gerencial, definido como uma desmotivação empreendedora. As empresas com P.E. são vítimas, em grau mais elevado, de um perfil "burocrático" (próprio da administração direta) e do fisiologismo e loteamento dos seus cargos de direção. A crescente "feudalização" dessas empresas - já vivenciada desde o nascimento do sistema das P.E. - é um processo que leva à avaliação dos dirigentes não somente pelos resultados produtivos ou financeiros obtidos, mas à sua fidelidade à instância partidária ou ao grupo político que o indicou.

4. O desequilíbrio financeiro das empresas se manifestava de forma dinâmica. A cada ano, as empresas têm necessidade do "socorro" do Tesouro, cujo significado, em outros termos, era a exigência de aumento do fundo de dotação. Tal fato não ocorre apenas devido aos "ônus impróprios", portanto, o fundo de dotação passa a caracterizar-se como uma subvenção estatal a fundo perdido. O conceito de "ônus impróprio" tornara-se a incansável justificativa dos dirigentes para esconder a ineficiência empresarial, sem que desta se possa separar os obstáculos à gestão, impostos às empresas.

A obtenção de recursos via endividamento ou capitalização, junto a bancos ou a novos investidores (via aumento de capital) ficará dificultada pelo risco envolvido. Conseqüentemente, com a maior debilidade financeira, diminui a independência dos gerentes dessas empresas no relacionamento com o governo e o parlamento. Para a cobertura das necessidades de financiamento, restava somente o recurso ao aumento do fundo de dotação.

5. A gravidade dos abalos sob os alicerces financeiros, gerenciais e estratégicos acaba por modificar a "filosofia" das empresas, que foi descrita dentro do "modelo Saraceno". A principal novidade é que as empresas, ao contrário do papel dinâmico/empreendedor exercido anteriormente, passam a assemelhar-se a padrões de gestões das empresas de serviços públicos ou da administração direta, inclusive na busca de finalidades sociais e/ou distributivas. A crise de identidade foi inevitável.

Era evidente que o sistema necessitava de uma profunda reformulação.

Propostas ao nível das instituições

1. As discussões de ordem institucional sobre os rumos a serem definidos para as empresas do sistema de participações estatais ganharam força à medida que a crise atingiu níveis insuportáveis para o Tesouro italiano.

A nível do ministério das participações estatais a "Relação Lombardi" e o "Relatório De Michielis" assumem importantes abordagens do ponto de vista financeiro. A preocupação com a pressão sob o Tesouro é claramente presente.

O segundo relatório particulariza a necessidade de estratégias diferenciadas de financiamento para: recapitalização das empresas, compensação dos "ônus impróprios" e recursos para a retomada dos investimentos.

2. A "Relação Amato" procurou acentuar a necessidade da recuperação das participações estatais sob o signo de maior fisionomia empresarial, ou seja, privilegiando como incumbência dos dirigentes a apresentação de resultados econômicos positivos. Do contrário, o modelo participações estatais deveria ser abandonado, a favor de uma nova forma de organização.

Tem-se novamente como pré-requisito a definição das necessidades financeiras (inclusive para saneamento) e a reabsorção clara dos "ônus impróprios". Somente dessa maneira seria possível proceder a uma correta avaliação do desempenho da holding e das empresas subordinadas.

A revitalização das empresas de participações estatais

O decênio de 1980 registra a recuperação da credibilidade do sistema de participações estatais. Especialmente no IRI, aquele que sofrera os maiores problemas no decênio precedente, o saneamento obtido na gestão do Prof. Romano Prodi, restabelece uma realidade empresarial ao grupo. Na metade da década, obtém-se o retorno a uma situação de equilíbrio financeiro.

Numa breve exposição, as modificações no IRI vieram com:

• a rediscussão das diretrizes do Estado, que passam a ser definidas cada vez mais do ponto de vista de gestão das empresas em termos de eficiência econômica. Por exemplo, com relação aos antigos dogmas, são realizados grandes cortes de pessoal (majoritariamente, nos setores em crise) e são extintos os percentuais mínimos para investimentos no mezzogiono;

• a procura de uma reinserção das empresas no cenário competitivo nacional e internacional, buscando padrões de produtividade e eficiência das empresas privadas, além de atuação nos setores de tecnologia de ponta;

• a recuperação do planejamento estratégico a nível do grupo, visando à atuação em termos de estratégias comuns que permitam maior coesão às políticas implementadas, acentuando o papel coordenador da holding;

• a interessante experiência de um protocolo assinado entre o IRI e as confederações sindicais, onde se propunham objetivos comuns e procedimentos para o saneamento das empresas e definição de políticas de emprego e trabalho, a partir de total abertura das informações da gestão aos empregados27 27 . Conforme "NUOVE procedure di consultazione...: il protocolo d'intesa tra IRI, CGIL, CISL, UIL". In: CAFFERATTA, R. Op.cit. .

A Privatização

1. A privatização na Itália deve ser entendida de forma totalmente diversa da verificada na Inglaterra, por exemplo. Seu "corolário" não deve ser buscado na teoria neoliberal, de plena confiança nos mecanismos de mercado. Novamente, recorre-se à palavra "pragmatismo" para abordar a desestatização. Deve ser salientado, ainda comparando-se com a experiência inglesa - cujo maior desafio foi a experiência de privatização de empresas de serviços públicos, anteriormente objeto de estatização -, que tais empresas não fazem parte do sistema de participações estatais (exceção feita à Telecomunicação).

A idéia de um "rearranjo" do sistema de participações estatais é aquela que deve permanecer. Tal conclusão é decorrente do fato de que a venda de uma empresa não envolve uma diminuição substancial do papel do sistema, isto é, os níveis de investimento são preservados, com a realocação dos recursos obtidos.

Portanto, a razão prevalecente para a venda das empresas é de natureza financeira, ou seja, objetivando solucionar os problemas de endividamento e capitalização do grupo. A nível estratégico, pode-se buscar o interesse do IRI em definir um novo plano de atuação.

E possível apontar quatro tipos de privatização realizadas:

• venda de uma empresa "marginal" (de pequeno porte);

• reorganização dos setores produtivos onde a presença pública não é mais necessária, nem desejada;

• venda das ações, sem a perda do controle (aumentando o capital líquido para investir em outras empresas);

• desregulamentação de mercados.

Talvez as duas últimas formas, num sentido mais restrito, não seriam consideradas como privatização.

De fato no IRI tem-se a experiência da "semi-privatização", onde se diminui a participação acionária em setores superavitários - sem perda de controle -, para o saneamento de setores deficitários (ou seja, siderúrgico, naval, construção civil). Por exemplo, entre 1980 e 1986, a participação do IRI em relação aos investidores privados reduziu-se, especificamente nos setores bancário, de crédito e em empresas como Alitalia, Sip (telefones) e Aeritalia (aeronáutico). O quadro 5 fornece um painel quantitativo do processo, até 1988.


2. O cenário da privatização é bastante confuso, decorrência do fato de que as atribuições das diversas instâncias de poder não são bem definidas. Registraram-se, curiosamente, casos de não-privatização (como o "caso SME", a holding dos setores alimentares do grupo IRI) mais conhecidos do que muitos finalizados satisfatoriamente.

As empresas mais importantes objeto de privatização foram a Alfa-Romeo (vendida à Fiat) e o Mediobanca, onde o controle dó IRI reduziu-se a 25%, porém com o mesmo poder de controle que outrora detinha.

Como restrições à privatização, deve-se recordar a existência de pouco capital com disposição ou possibilidade para investir na aquisição de uma empresa, dentro de um mercado financeiro e mobiliário ainda incipiente (relativamente ao grau de desenvolvimento da economia italiana).

Deve-se lembrar ainda da necessidade de avaliação mais profunda das experiências de joint-ventures com empresas privadas, especialmente após o rompimento da maior associação, a Enimont (unido UNI e Montedison).

Sem dúvida alguma a privatização teve um positivo efeito de mudança da imagem do IRI que não se traduz, simplesmente, na quantificação dos recursos financeiros que proporcionou. Na realidade, a privatização não esperou uma definição clara por parte do parlamento sobre o assunto, e as decisões foram tomadas dentro da realidade "possível".

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Com a obtenção de melhores resultados financeiros das empresas do grupo IRI, a privatização parece ter sido dada por encerrada. Hoje ainda parece ter sido um "remédio amargo" a uma doença temporária das participações estatais.

CONCLUSÕES

A abordagem do desenvolvimento do sistema de participações estatais, neste artigo, teve o objetivo de fornecer uma visão global daquela realidade. Em princípio buscou-se delinear a razão pela qual tantas empresas industriais e financeiras recaíram sob controle estatal e por que nesta situação permaneceram. Julga o autor que o vetor determinante está razoavelmente esclarecido:

• a nível interno, o desenvolvimento industrial italiano sustentara-se sobre a concessão de crédito distante dos critérios "prudenciais/conservadores" dos bancos, que, por serem detentores do controle acionário de empresas, tinham interesse em seus respectivos desempenhos;

• a nível externo, a crise acentou a impossibilidade da manutenção do "faz-de-conta" entre bancos e indústrias, onde o Estado era o fiador dos desüzes mais graves.

Concomitantemente, registra-se a coordenação do processo por uma competente elite dirigente, que julgou conveniente a substituição daquele sistema financeiro. Como resultado, verificou-se a perpetuação da organização responsável pelo "desmonte" dos ativos dos bancos, por razões de caráter eminentemente pragmático, como interesses estratégicos do Estado e inexistência de compradores para tão grande patrimônio.

A "criatura" concebida a posteriori recebeu uma inteligente modelagem, que lhe conferiu coerência e possibilitou que o Estado lançasse as bases para a reconstrução e o crescimento da economia italiana. Tudo isso com uma ótica diferenciada, que permitiu centralizar os esforços sobre setores estratégicos (na época os setores de base) e atacar problemas de desenvolvimento regional.

A história recente, porém, não deixa de obrigar uma postura extremamente crítica da experiência. O fracasso empresarial é evidente e os resultados, especificamente os relativos à atuação regional, são decepcionantes.

Na visão do autor, a crise dos anos setenta, mais do que representar um problema decorrente de uma conjuntura adversa, trouxe à tona a implosão do modelo, dentro da realidade política italiana. Justifica-se a afirmação no efeito catastrófico da contraposição de diretrizes expansionistas numa conjuntura que exigiria o encolhimento, restruturação tecnológica e postura empresarial agressiva. Como as opções estratégicas da empresa estavam em dissonância com o meio ambiente, os resultados foram: impossibilidade de avaliação empresarial, esgotamento financeiro, aumento do nível de clientelismo e loteamento político da gestão, e perda de identidade empresarial empreendedora. A solução para a qual o sistema se voltou pode ser considerada decepcionante em termos de um modelo proposto para a intervenção estatal na economia: o aperfeiçoamento da gestão envolve a redução da influência dos objetivos públicos. De fato, as participações estatais não conseguiram mostrar-se uma alternativa ao confronto entre público e privado; o equilíbrio entre essas duas instâncias é, no mínimo, duvidoso, e, as empresas de maior sucesso são aquelas que mais se distanciaram dos "ônus impróprios".

A direção do Professor Prodi teve méritos ao mover o IRI como um todo neste sentido. Em termos financeiros, porém, o "saneamento", obtido à base de alienação de ações de empresas mais eficientes, é limitado, mas pode ser considerado positivo. O IRI deu uma demonstração de capacidade de ação, mesmo sem um pronunciamento claro ao nível do sistema político (o Parlamento e os Gabinetes). Este último mostra-se alheio a qualquer mudança mais radical nas participações estatais (bem como em outros problemas econômicos cruciais da economia italiana).

Mencione-se que a década de oitenta representa um novo ciclo de investimento na economia italiana. Este texto, de certa forma, correlaciona, o desempenho do IRI com o crescimento da economia italiana. Num momento de crise - que se avizinha - , corresponderá ao sistema um novo papel de "amortecedor" de ciclos?

Evitando as suposições, julga-se prioritário repensar modelos de intervenção estatal em economias de mercado, não obstante a fórmula-IRI representar a tentativa mais avançada que se tenha conhecimento.

  • 18. Conforme CAFFERATA, R. & VACCA, S. Una revisitazione del pensiero di Pasquale Saraceno alia luce di alcuni problemi di adattamento delle strategie delle imprese a Partecipazioni Statali. Urbino, ensaio, Università degli Studi di Urbino, 1988.
  • 25. Conforme VESPERINI, G. La riforma délie Participazioni Statale. Milão, Ciriec 65,1985.
  • *
    Este trabalho é fruto de uma pesquisa realizada junto à Universidade Luigi Bocconi de Milão. O texto foi originalmente escrito e apresentado em italiano.
  • 1
    . Para uma tipologia da empresas públicas italianas, tem-se, referentes ao sistema em questão: as "empresas entes públicos", dotadas de personalidade jurídica de direito público, têm gestão autônoma, órgãos e balanço próprios, além da atribuição de um fundo de dotação (a grosso modo, o equivalente ao capital social de uma empresa privada); e as empresas com participação pública, com personalidade jurídica de direito privado e sujeitas às normas de direito comum. A participação pode ser total ou parcial, mas sempre em condição de controle efetivo. Conforme CASSESSE, S. & MORTARA, A. "Tipologie di Aziende di Produzione Pubbliche". In: CAFFERATA, R. (a cura di)
    Economia delle lmprese Pubbliche, Milão, Franco Angelli, 1976.
  • 2
    . Conforme CASSESE, S. & MORTARA, A. Op. cit.
  • 3
    . SARACENO, P. "Donato Menichella e l'IRI". In:
    Banca dltalia, Donato Menichella e studi raccolti dalla Banca Bari D'ltalia. Bari, Ed. Laterza, 1986, pp.408-9. A tradução das citações são realizadas pelo autor deste artigo.
  • 4
    . Conforme CIRILLO, A. "Le cause delle creazione dell'IiRI". In: AMADEO, D.
    Saggi di ragioneria e di economia aziendali, Milão, CEDAM, 1987.
  • 5
    . A palavra originalmente utilizada é
    capogruppo.
  • 6
    . CIRILLO, A. Op.cit, p.213.
  • 7
    . Conforme SARACENO, P. Op.cit., p.420.
  • 8
    . "Banca d'ltalia" é o Banco Central Italiano.
  • 9
    . Os dados desta seção foram obtidos de SARACENO, P. Op. cit.
  • 10
    . Conforme BONELLI, F. "Alberto Beneduce, il credito industríale e l'origine dell'IRI". In: IRI.
    Alberto Beneduce e il problemi dell'economia italiana del suo tempo. Roma Edindustria, 1985.
  • 11
    . SARACENO, P. Op.cit., p.415.
  • 12
    . Conforme CIOCCA, P. "L'economia italiana nel contesto internazionale". In: CIOCCA, P. & TONIOLO, G.
    L'economia italiana nel periodo fascita, Bolonha, II Mulino, 1976.
  • 13
    . Conforme SARACENO, P. Op.cit, p.437, inclusive o citado ajuste no valor dos ativos contabilizados pelo Instituto de Liquidação (IL).
  • 14
    . Idem, ibidem, p.418.
  • 15
    . Este trabalho encerra uma abordagem mais aprofundada do setor bancário do IRI. De fato a sua gestão, daí para a frente, teve caráter menos problemático, se comparado ao setor industrial. A lei bancária em questão trouxe a estabilidade ao sistema creditício italiano, o que foi extremamente funcional nas décadas seguintes. No futuro, Porém, a intocabilidade desta lei resultou num sistema bancário fechado e ineficiente.
  • 16
    . SARACENO, P. "L'intervento dell'IRI per lo smobilizzo delle Grandi Banchi:19331936'. In:
    IRI. Op.cit., p.132.
  • 17
    . Conforme VACCA, S.
    L'attualità dei pensiero di Pasquale Saraceno in tema di imprese a partecipazione statale. Università di Urbino, "Relazione al convegno: Le participazioni statali, sono ancora um modello da discutere?", Urbino, 1988.
  • 18
    . Conforme CAFFERATA, R. & VACCA, S.
    Una revisitazione del pensiero di Pasquale Saraceno alia luce di alcuni problemi di adattamento delle strategie delle imprese a Partecipazioni Statali. Urbino, ensaio, Università degli Studi di Urbino, 1988.
  • 19
    . SARACENO, P. "II modello-Saraceno". In: CAFFERATA, R. Op.cit., p.95.
  • 20
    . Idem, ibidem, p. 98.
  • 21
    . O conceito de economicidade é referência constante na literatura econômica italiana. Não obstante apontar a dificuldade da conceituação da "economicidade", escreve Borgonovi, utilizando Mazzini: "...o
    desenvolvimento da gestão... 'sem a cobertura dos déficits de exercício, a menos que esta seja a fórmula antecipada na realização dos fins intitucionais'... a empresa pública enquadra-se no segundo caso". BORGONOVI, E. "L'equilibrio econômico e monetário: una síntese dei punto di vista aziendalistico". In: CAFFERATA, R. Op.cit., p.237.
  • 22
    . SARACENO, P. "Donato Menichella e I'IRI". Op.cit., pp. 419-20.
  • 23
    . Para uma análise da intervenção até este período, sugere-se ALLEN, K. "Regional Intervention". In: HOLLAND, S.
    The State as Entrepreneur, Oxford, Wendenfeld/ Nicolson, 1972.
  • 24
    . O termo é de BOGNETTI, G. "II sistema délie participazione statali negli anni 70". In: BOGNETTI, G. & GERELLI, E. La crise délie participazione Statali: Mottivi e Prospetive. Milão, Franco Angelli Editore, 1981, p.16.
  • 25
    . Conforme VESPERINI, G.
    La riforma délie Participazioni Statale. Milão, Ciriec 65,1985.
  • 26
    . Idem, ibidem, p. 19.
  • 27
    . Conforme "NUOVE procedure di consultazione...: il protocolo d'intesa tra IRI, CGIL, CISL, UIL". In: CAFFERATTA, R. Op.cit.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Set 1991
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