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Pode não ser este recurso o que te falta

NOTAS E COMENTÁRIOS

Pode não ser este recurso o que te falta

Leão Roberto Machado de Carvalho

Engenheiro mecânico pela POLI-USP, professor do Departamento de Administração da Produção, Logística e Operações Industriais da EAESP/FGV e consultor na área de produtividade industrial

RESUMO

Incrementar tecnologia é não só desejável como fundamental. Acontece que tecnologia é apenas um dos recursos com que contam os administradores de negócios. Administrar de forma produtiva, competitiva e lucrativa requer percepção correta do balanceamento necessário entre os quatro recursos disponíveis: materiais, mão-de-obra, informações e tecnologia. Sempre existe um recurso que é mais "barato" que os demais, e a sensibilidade do administrador está em detectar qual é, utilizando-o mais intensivamente que os demais.

Palavras-chave: Recursos, produtividade, gestão operacional, tecnologia, administração.

ABSTRACT

Improving one's technology is not only desirable but also fundamental. But it so happens that technology is only one of the four resources available to the business manager. A correct trade off between materials, manpower, information and technology is required if the aim is productivity, competitiveness and profit. There is always a "cheaper" resource, and the alert manager uses it more intensively than the others, to his or her advantage.

Key words: Resources, productivity, operational management, technology, administration.

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Após a emissão do plano de política industrial, é fácil antevermos, até pela própria psicologia do empresário brasileiro, uma grande corrida em direção à aquisição de tecnologia no exterior. Pode não ser este nosso caminho. Temos que encarar nossa realidade, nossa escala e nossa problemática de forma integrada e sistêmica.

O objetivo da boa administração é sempre financeiro. Dinheiro é o ativo mais flexível, transformando-se rapidamente nos mais diversos recursos de gestão. No dia-a-dia de um negócio qualquer, esses recursos são basicamente quatro: materiais, mão-de-obra, tecnologia e informações.

A má utilização de um deles implicará em aumento de demanda de um outro qualquer, somando sempre 100%. De modo jocoso, é o que chamo de efeito pizza: à medida que se diminui a parte de muzzarela, aumenta-se a parte de calabresa, mas o diâmetro da massa é sempre mesmo. A previsão de vendas que não se realiza faz com que se venda o que não se fabricou e se fabrique o que não foi vendido, sendo exemplo corriqueiro de utilização indevida do recurso informação e causando um acúmulo desnecessário do recurso materiais, ou seja, o estoque de produtos acabados. O maior retorno financeiro será obtido através do uso mais intenso do recurso que, naquele momento da operação, seja o mais barato, o mais abundante e o de mais fácil obtenção no mercado em relação aos demais.

Nosso modelo atual complementa baixo uso de tecnologia (defasada) com mão-de-obra. Esta é barata, em função de sua abundância, mas é muito cara, em função de sua qualidade. Somos um país com baixa qualidade de mão-de-obra. Onde está, então, o investimento de maior retorno? Na aquisição de tecnologias sofisticadas ou na qualificação da mão-de-obra? Será que adianta trazermos equipamentos ultramodernos para uma fábrica onde os operários têm problemas de subsistência, são favelados, enfrentam até quatro horas de condução para chegar ao trabalho e não conseguem educar os filhos?

Nossos recursos de baixo preço e baixo custo continuam sendo materiais e mão-de-obra, os quais já não têm sido exatamente bem administrados. Será que conseguiremos criar competência imediata de gestão ao adicionarmos tecnologia a essa lista? Talvez este seja um momento de reflexão para o empresário brasileiro. Acredito ser de bom senso olhar para dentro da própria empresa e decidir qual é o recurso que poderia estar sendo melhor utilizado no momento, antes de se tomar uma decisão de porte, para depois não haver arrependimento por se ter errado o alvo do investimento.

Exemplos do exposto acima são abundantes. Em relatório recente na TV americana, a fábrica conjunta da GM e da Toyota nos Estados Unidos foi comparada a uma fábrica "tradicional" próxima a Detroit. Ambas usam o mesmo equipamento automatizado de linha de produção. Enquanto a fábrica da GM-Toyota andava praticamente sem se interromper, as câmaras flagraram a outra parada. Descobriu-se que o operador da linha de Detroit era um operário semi-especializado que estava de férias. Levou-se vinte minutos para se encontrar alguém capaz de reativar as máquinas. Na fábrica "japonesa", o equipamento de vários milhões de dólares era operado por um engenheiro especialmente treinado, que mantinha o processo correndo praticamente sem falhas. Os vinte minutos de parada custam por volta de 15.000 dólares em produção perdida, virtualmente eliminando um ano inteiro de "economia" na contratação de mão-de-obra "barata". Poderíamos também mencionar a tecelagem do interior paulista que utiliza cinco operárias para operar um equipamento moderníssimo recentemente adquirido do Japão, onde o mesmo equipamento é operado por um único operário, com rendimento superior ao da equipe brasileira em 10%. O japonês ganha quatro vezes mais.

É claro que não podemos perder de vista os benefícios obtidos pela melhoria de tecnologia. Não, nunca. O que não queremos é deixar passar oportunidades de antes acabar com nossos problemas internos de burocracia, de má administração, de técnicas arcaicas, enfim, de qualidade de gestão dentro da empresa. Tecnologia não é um Deus ex-machina resolvendo todos os nossos problemas, nem uma versão moderna da fada madrinha que nos levará ao baile do Primeiro Mundo. Queremos permanecer nesse baile, mesmo após a meia-noite. Creio que não o conseguiremos, se negarmos toda a nossa realidade, em termos de país.

O resultado de um processo que violente nossas disponibilidades básicas pode ser a "quebra" de alguns "tecnologíacos", que depois, certamente, porão a culpa na política industrial, acusando-a de "sucateamento da indústria". Nosso real desafio é criarmos nosso modelo de gestão industrial, baseado naquilo que temos de melhor, de disponível, de mais barato. E criarmos "valor", aumentando o diâmetro da pizza, a partir de nossos recursos. Modelos que funcionam ao norte do Equador talvez funcionem no Brasil, mas só quando tivermos uma economia parecida com a daqueles países.

Estamos em condições de ser significativamente competitivos no nível mundial, e existem empresas brasileiras que o demonstram na vida real. Temos que aproveitar traços culturais aparentemente negativos. "Levar vantagem" só é ruim quando executado de forma míope. Quando se trabalha bem, atendendo aos anseios do mercado e de clientes, leva-se uma tremenda vantagem. Em tudo. O "jeitinho brasileiro" pode ser uma energia canalizada a nosso favor. Temos que aprender a usá-la como fator de competição internacional, de diferenciação do produto brasileiro, e do serviço brasileiro. Nós não podemos, de forma nenhuma, copiar o modelo americano, japonês, alemão, ou de quem quer que seja, por não sermos americanos, japoneses, alemães; nós somos brasileiros. Temos uma cultura diferente, uma formação diversa, um povo que pensa de outro modo, num país tropical.

Tudo isso faz diferença. Não adianta simplesmente copiarmos. As posturas filosóficas são transferíveis e devem sê-lo, porém, têm que ser adaptadas à nossa realidade empresarial, social e cultural. Creio que o problema não é só não termos a máquina. E não termos a percepção adequada, caso a caso, de qual é o recurso a ser administrado a cada instante.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 1990
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