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A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Tomás de A. Guimarães

Guerreiro Ramos, Alberto, A Nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações. Rio de Janeiro, Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1981. XXII, 21 Op.

Este livro apresenta uma reavaliação crítica da ciência social em geral e, de modo particular, da teoria das organizações e da ciência econômica. A preocupação do autor é mostrar que os problemas pertinentes às sociedades industriais ocidentais não podem ser resolvidos e sim perpetuados, caso permaneçam válidos os princípios epistemológicos que caracterizam as ciências administrativa e econômica dominantes. A expressão "nova ciência das organizações" deve ser entendida em sentido amplo, incluindo, além de assuntos relativos às áreas de administração pública e de empresas privadas, temas específicos ao campo da economia, da ciência política, da ciência da formulação de políticas, enfim, da ciência social.

O autor analisa criticamente os motivos e a lógica que conduziram ao atual modelo de sociedade capitalista, que considera o mercado como centro determinante em torno do qual gravitam os indivíduos. Sem descontar os métodos clássicos que estudam as transformações da era pré-moderna para a moderna, através do desenvolvimento tecnológico e dos processos de acumulação e concentração do capital, sua preocupação é mais no sentido de mostrar como a reificação da realidade atual tem resultado da capacidade da sociedade moderna em absorver, transformar e distorcer palavras e conceitos, cujos significados originais não dão conta de explicar os meios e processos de sustentação dessa sociedade.

O Prof. Guerreiro Ramos sustenta a tese de que o funcionamento e desenvolvimento de uma formação social é mantido, em grande parte, pela aceitação generalizada, pelos seus membros, dos símbolos e códigos transmitidos pelo processo de comunicação, através dos quais essa formação oferece uma interpretação de si mesma. O processo de desnaturação da linguagem significa o caminho da socialização do indivíduo no sistema industrial moderno. Através do controle da essência e das formas de linguagem atualmente estabelecidas, na medida em que os conceitos são apropriados e transmitidos segundo uma prática social própria, o sistema distorcido de comunicação prevalecente na sociedade moderna é uma conseqüência do domínio do "ethos" instrumental sobre o comportamento dos indivíduos. Neste sentido, a orientação da pesquisa na ciência social caminha para o controle técnico da realidade. O conceito de racional (e a própria racionalidade atual) é empregado por cientistas sociais tanto quanto por leigos, mais no sentido instrumental, ou seja, para explicar o funcionamento do existente como desejável, para indicar o bom como funcional, e não como forma de ordenamento da vida pessoal e social.

Como ponto de partida para o paradigma da nova ciência das organizações, o livro, a partir da distinção elaborada por Weber entre racionalidade formal e racionalidade substantiva, contrapõe ao modelo contemporâneo de ciência social um modelo alternativo denominado teoria substantiva da vida humana associada, cujas três qualificações gerais permitem distingui-la da teoria formal da vida humana associada:

1. Uma teoria da vida humana associada é substantiva quando a razão, no sentido substantivo, é sua principal categoria de análise. A razão substantiva é entendida como uma categoria "ordenativa", implicando uma teoria substantiva normativa de tipo específico, baseada em conceitos produzidos a partir de conhecimentos derivados do e no processo de realidade.

2. Uma teoria substantiva de vida humana associada é algo que existe há muito tempo e seus elementos sistemáticos podem ser encontrados nos trabalhos dos pensadores de todos os tempos, harmonizados ao significado que o senso comum atribui à razão.

3. Uma teoria substantiva envolve uma superordenação ética da teoria política, sobre qualquer eventual disciplina que focalize questões da vida humana associada.

O livro analisa também a ideologia subjacente à teoria das organizações e como esse campo do conhecimento tem evoluído através de "descobertas casuais" (serendipity) e da "colocação inapropriada de conceitos", muito mais do que através da criação original direta. "A maior parte daquilo que é usualmente denominado teoria da organização é desprovida de rigor científico e é, antes, tautologia disfarçada ou, quando muito, disfarçado pensamento organizacional, pensamento que aceita, por seu valor aparente, os critérios inerentes à organização, e é, ele mesmo, subproduto do próprio processo organizacional." A síndrome comportamentalista, incorporada pela teoria organizacional a partir da Escola de Relações Humanas e que tornou-se característica básica das sociedades modernas, implica a ofuscação do senso comum através de critérios adequados à conduta humana, numa perspectiva de mentalidade imposta pelo mercado, da qual podem ser destacados quatro traços principais, analisados pelo autor: a) a fluidez da Individualidade; b) o perspectivismo; c) o formalismo; d) o operacionalismo.

A disciplina organizacional ensinada nas escolas e universidades, apesar de apresentar suas fases de evolução, desde a abordagem do "homem econômico" da Escola Clássica para as de natureza humanista e integracionista, nada mais faz do que obscurecer a própria realidade existente, na medida em que o homem como um ser econômico faz parte da própria lógica da sociedade capitalista. A teoria organizacional só poderá atingir um nível de saber crítico, um nível de ciência, continua o autor, se for capaz de se desenvolver em caráter crítico e, a partir de si mesma, extrair suas bases epistemológicas. "A formulação de uma abordagem substantiva para a organização inclui duas tarefas distintas:

a) o desenvolvimento de um tipo de análise capaz de detectar os ingredientes epistemológicos dos vários cenários organizacionais;

b) o desenvolvimento de um tipo de análise organizacional expurgado de padrões distorcidos de linguagem e conceptualização."

A partir desta visão "delimitação" da teoria organizacional e dos vários tipos de organização existentes ou emergentes na sociedade moderna, o livro apresenta um modelo multidimensional para a análise e formulação dos sistemas sociais, denominado "paradigma paraeconômico" ou "paradigma dei imitativo", como o próprio Prof. Guerreiro Ramos o classificou em palestra proferida no primeiro semestre de 1980 na EAESP/FGV. O referido paradigma considera o mercado e as organizações econômicas (focos centrais de análise do ensino e da prática administrativa) como enclaves sociais legítimos e necessários, porém limitados e regulados. "O ponto central desse modelo multidimensional é a noção de delimitação organizacional, que envolve:

a) uma visão da sociedade como sendo constituída de uma variedade de enclaves (dos quais o mercado é apenas um), onde o homem se empenha em tipos nitidamente diferentes, embora verdadeiramente integrativos, de atividades substantivas;

b) um sistema de governo social capaz de formular e implementar as políticas e decisões distributivas requeridas para a promoção do tipo ótimo de transações em tais enclaves sociais."

Uma visão de sociedade multidimensional comporta uma interação de sistemas sociais que têm por fim a maximização da utilidade e sistemas que objetivam a atualização pessoal. Podem ser identificados três tipos de sistemas sociais básicos: econômicos, isonômicos e fenonômicos. Os sistemas econômicos são contextos organizacionais altamente ordenados, estabelecidos para a produção de bens e (ou) para a prestação de serviços, que podem compreender tanto os monopólios, firmas competidoras, organizações de fins não lucrativos, como agências governamentais. Os sistemas isonômicos compreendem organizações ou comunidades onde as interações sociais entre os indivíduos se dão de forma igualitária ou anárquica (entendida a anarquia no seu sentido etimológico). As associações de pais e mestres, as associações de estudantes e de minorias, as empresas de propriedade dos trabalhadores e as cooperativas dos vários tipos são exemplos de sistemas isonômicos. Sistemas sociais fenonômicos são aqueles de caráter esporádico ou mais ou menos estável, iniciados e dirigidos por um indivíduo, ou por um pequeno grupo, e que permitem a seus membros o máximo de opção pessoal e um mínimo de subordinação a prescrições operacionais formais. Atividades como a do artesão, da pequena produção doméstica de utilidades ou de alimentos, pequenas oficinas de pintores, escritores, artistas, são exemplos de sistemas fenonômicos.

Convém lembrar, no entanto, como adverte o autor, que a classificação sugerida é no sentido do "tipo ideal", ficando claro, portanto, que a constatação, ao nível concreto, de sistemas mistos deverá ser muito mais freqüente que o tipo ideal. Um tópico fundamental para a organização e o desenho dos vários sistemas sociais é manter determinadas variáveis em termos adequados a cada tipo de sistema. O autor chama a atenção e fornece algumas discussões teóricas sobre os aspectos de tecnologia, tamanho, níveis de cognição, espaço e tempo de duração que devem preocupar os encarregados do planejamento e implementação dos vários sistemas sociais.

São também objetivos do paradigma paraeconômico o equilíbrio na alocação de recursos entre os sistemas de orientação mutuária e os sistemas de orientação para o lucro, além da produção de bens e a prestação de serviços ser promovida mediante o máximo uso de recursos renováveis e o mínimo uso razoável dos não-renováveis. O equilíbrio de recursos significa a coexistência de sistemas de orientação mutuária, nos quais os respectivos membros produzem para si mesmos, sob orientação de reciprocidade, grande parte do que consomem, e de sistemas orientados para o lucro, nos quais os indivíduos dependem de empregos para manutenção de um poder aquisitivu que lhes proporcione os bens e serviços de que necessitam. De outro lado, o interesse ecológico deve determinar um replanejamento das organizações econômicas, na medida em que são as que precisamente mais utilizam recursos não-renováveis.

Finalmente, cabem ser mencionados três aspectos para os quais o autor chama a nossa atenção:

1. O livro deve ser entendido como enunciação teórica preliminar da "nova ciência das organizações". Questões como, de que maneira poderia o Estado, sistematicamente, implementar e administrar os sistemas sociais delimitados, ou diretrizes operacionais para o planejamento, a implementação e a manutenção articulada dos variados e complementares sistemas sociais não foram respondidas. Referidos pontos fazem parte de pesquisas a serem desenvolvidas, depois da articulação, em termos teóricos, da condição do indivíduo na sociedade centrada no mercado e da sua libertação psicológica da lógica do mercado.

2. O cenário proposto não admite o socialismo, tal como ele se apresenta atualmente em determinados países. Exige, porém, uma redefinição das metas e prioridades do Estado.

3. Muito do que constitui o paradigma paraeconômico representa uma categorização de tendências básicas da emergente sociedade pós-industrial, ou seja: "A nova ciência das organizações não é realmente nova, porque é tão velha, quanto o senso comum. O que é novo são as circunstâncias, nas quais precisamos, mais uma vez, começar a dar ouvidos ao nosso eu mais íntimo."

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Set 1981
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