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Um audifono ou como amplificar o diálogo entre as corporações multinacionais e os países em desenvolvimento

COMENTÁRIOS

Um audifono ou como amplificar o diálogo entre as corporações multinacionais e os países em desenvolvimento* * Ensaio submetido a um colóquio especial entre as corporações multinacionais e os países menos desenvolvidos na Conferência Mundial da Sociedade Internacional para o Desenvolvimento na Costa da Marfim, Traduzido do original em inglês por Maria Conceição Favero.

André van Dam

Economista a planejador de empresas

1. NOSSA SENHORA DE SABA

Saba é um vulcão extinto em meto ao azul do Caribe. Sua única cidade jaz adormecida nas profundezas. A anciã que lá conhecemos jamais contemplou o oceano. É que em toda sua vida, nem uma só vez escalou o muro que a separava do mundo exterior - uma pequena escalada de poucas horas. Ainda assim, a nossa senhora refletia todo o esplendor de seus sessenta anos iguais.

Para ela a confusão da corporação multinacional devia estar distante como um sistema solar. Ainda que este seja "um caso extremo", de alguma maneira representa o modo de vida tradicional de dois milhões de lugarejos do Terceiro Mundo. Existe uma latente polaridade entre a força dinâmica de crescimento incorporada ao mundo dos negócios e a força estática de permanência enraizada na sociedade tradicional das nações em desenvolvimento.

Este tema está inserido no debate internacional sobre o futuro papei das corporações multinacionais (CMN - para abreviar) e os países menos desenvolvidos (PMD), que recentemente culminou em exposições de "20 pessoas destacadas" designadas peias Nações Unidas. Em alguns aspectos esse debate soa como um diálogo entre surdos - por exemplo, quando os lucros de investimentos estrangeiros e seus custos sociopolíticos são calculados em moedas diferentes, e considerados em perspectivas de tempo diferentes. A impressão é a de que os proponentes e críticos do debate escutam mas não ouvem.

2. O OLHO DO OBSERVADOR

Os lucros e os custos dos investimentos estrangeiros são como a beleza aos olhos do observador.

Com o passar do tempo pode-se argumentar que as perspectivas se modificam; lucros se transformam em custos e custos se convertem em lucro. As CMNs podem se tomar agentes produtivos do desenvolvimento, uma vez que a confrontação é substituída peia negociação em uma nova medida entre interesses comuns e conflitantes. Sem Interesses comuns, CMNs e PMDs não têm qualquer coisa sobre o que negociar; sem interesses conflitantes, nada por que negociar.

Atualmente, contudo, interesses conflitantes alcançam os objetivos com maior freqüência que os interesses comuns, isto pode ser meramente uma questão de temperamento. As CMNs são por natureza tomadoras de decisões racionais e se sentem à vontade com a quantidade de lucros provenientes de seus investimentos internacionais. Contudo, elas dificilmente deixam de reconhecer que os governos dos PMDs se sentem mais à vontade com os intangíveis custos sociopolíticos, considerando que tais investimentos influenciam as eleições. PMDs tendem a considerar os custos em soberania e dependência quando as CMNs, inevitavelmente, pesam os lucros em termos de produtividade e crescimento. Os lucros das CMNs são amplamente documentados. As CMNs constituem uma rede mundial de coleta de informações, com seus processos, escoamentos, retornos e aplicação. Esta é a quinta-essência de seus sucessos mundiais. As CMNs são conhecidas distribuidoras de recursos, agentes de inovações técnicas e racionais redutoras de custos. Provocam substancial entrosamento, dando treinamento a agricultores, transmitindo tecnologia aos fornecedores, auxiliando empresas locais por meio de subcontratos, instigando indiretamente os competidores locais a progredir tecnologicamente. As CMNs introduzem altas normas de trabalho e modernos métodos de assistência social; elas aumentam os salários e reduzem as horas de trabalho. As CMNs assumem riscos que as empresas locais não estão capacitadas a enfrentar; fixam normas fiscais e contábeis que estimulam as empresas locais. Finalmente, pela eficiência de suas ramificações globais, elas podem projetar os países em desenvolvimento como teatro mundial de suas operações.

Os custos sociopolíticos dos investimentos estrangeiros podem não sensibilizar de imediato as cordas sensíveis das CMNs. Alguns PMDs recebem os beneficios com humildade perene. Consideram como valor político negativo a relutância das CMNs em transferir parte de seu patrimônio a propriedades locais. Sob o ponto de vista de alguns PMDs, as CMNs tendem a apoderar-se dos setores dinâmicos da economia local, onde o crescimento é mais rápido, a tecnologia mais avançada, os beneficios maiores e menores as probabilidades de competição. Em sua perspectiva, as CMNs dão menor contribuição aos locais onde o desenvolvimento parece ser mais urgente e extremamente necessário: produção em pequena escala, artesanato tradicional, agricultura tropical e processamento de matéria-prima. Algumas vezes os PMDs tomam como uma violação à soberania nacional a lealdade das CMNs ao seu governo de origem e às 74 suas matrizes, quando da taxação da transferência de moeda ou troca de encargos fiscais.

A credibilidade do que expusemos varia muito. Um bom número de PMDs continua dando suas boas-vindas às CMNs por meio de incentivos fiscais e outros. Por outro lado, existem PMDs que promulgam leis a favor do seu desaparecimento paulatino.

3. O FUTURO JÁ NÃO É O QUE ERA

O tempo representa papel crucial no entrelaçamento de interesses comuns e conflitantes. O Sr. Peter Gabriel, num exemplar da Harvard Business Review de agosto de 1972, exemplificou como, com o passar do tempo, os lucros de investimentos estrangeiros tornam-se custos. Por exemplo, os lucros das inversões de capital estrangeiro podem vir a constituir passivo no balanço posterior de pagamentos dos PMDs.

O impacto benéfico da tecnologia estrangeira pode converter-se em custos políticos, quando a maior eficiência da subsidiária internacional das CMNs é recebida como obstáculo à capacidade de desenvolvimento local.

Os aspectos positivos da divisão internacional das tarefas das CMNs podem, com o tempo, converter-se em aspectos negativos para aqueles PMDs que se sentem condenados a "rachar lenha" e "puxar água".

O passar do tempo tem alterado mais de uma perspectiva social. Há cem anos passados, a abolição da escravatura foi fruto de várias décadas de troca de mentalidade. Nos anos 40, a Suprema Corte dos Estados Unidos levou cinco anos para defender a constitucionalizaçâo da lei de trabalho para menores. Nos dias atuais, uma inovação nas leis sociais pode ser aprovada em apenas um ano. Há 15 anos atrás, um proeminente líder da comunidade industrial escreveu extensivamente sobre "os perigos da responsabilidade social" - advogando a limitação das funções industriais, obtenção de lucros e a prática do bemestar social pelos governos. Em 1972, em uma conferência na Casa Branca sobre "O mundo industrial em 1990", a maioria dos magnatas da indústria concordou que eventualmente uma boa politica comercial teria que ser congruente com uma boa politica social. Se essa conferência tivesse sido realizada em 1975, o prazo-limite de 1990 poderia ter sido antecipado para 1980.

Se o fator tempo contribui para transformar lucros em custos e - por que não? - custos em lucros, a introdução de perspectivas no diálogo pode incrementar sua credibilidade.

Em um mundo que desconhece limites para o crescimento, as CMNs são tentadas a ver como eterno seu papel nos PMDs.

Dentro do contexto da realpolitlk, os PMDs são levados a equilibrar tal relação com uma escravidão perpétua.

Em um excesso de reação, alguns PMDs levam o caso ao extremo e advogam o papel de autoliquidável para as CMNs. Consideram o papel histórico das CMNs como de transferência de recursos sociais: dinheiro, conhecimentos técnicos, pessoas e mercados. A exclusividade e a importância da contribuição da CMN decrescem no ponto de vista de tais PMDs, na medida em que o transplante se estende, isto ê, à medida que as CMNs se integram feliz e totalmente ao meio-ambiente local.

Então - deduzem os PMDs - a força de negociação das CMNs frente ao governo anfitrião, o debilita a ponto de remeter o fluxo de recursos sociais ainda que implique um extenso período.

Dentro de um marco de perspectivas conjeturamos que, ainda que seja provável uma mudança de atitudes das CMNs para com as PMDs, esta será uma mudança mais auto-renovadora que permanentemente autodestrutiva.

No papel auto-renovador a contribuição das CMNs pode exceder inumeráveis vezes ao seu patrimônio. Afinal, há um século atrás, quando os investimentos estrangeiros foram consolidados em 70% de obrigações e 30% em dividendos, eram em termos gerais lucrativos para ambas as partes, de acordo com as normas vigentes. Para que possamos ter uma visão do papel auto-renovador das CMNs nos PMDs, devemos imaginar o imaginável e esperar o inesperado. É provável que tenhamos que levar nossa imaginação a supor as CMNs como produtoras de bens públicos, assumindo o papel de indústrias de serviços ou ainda como associadas dos governos, no setor social.

O instrumento constantemente predominante nos contextos de perspectivas das decisões correntes é a esquematização de um "cenário" - para o qual freqüentemente se emprega a técnica Delphi de prognóstico interdisciplinàrio e fertilização cruzada. O cenário ilustrativo atual é simplesmente um esforço do autor em imaginar um meio-ambiente de empresa, no qual o papel auto-renovador das CMNs nos PMDs possa parecer real dentro do marco de interesses comuns futuros.

4. CENÁRIO: INTERESSES COMUNS EM 1980

Em princípios de 1970 houve um caso evidente de antinomia: um conflito entre objetivos e prioridades das CMNs nos PMDs. Com alguns interesses básicos em conflito insolúvel, nem sempre podiam concordar com referência a objetivos comuns e ainda desprezando aceitáveis projetos mútuos de desenvolvimento.

Alguns PMDs haviam convenientemente esquecido que o meteórico surgimento das CMNs deveu-se às suas próprias medidas de proteção na década de 1950, induzindo firmas exportadoras a estabelecer facilidades para fabricação por detrás de confortáveis e acolhedores muros tarifários.

Dentro desse histórico ponto de vista, as CMNs são o produto legitimo de interesse comuns com os PMDs.

Na década de 1970 crises contundentes sacudiram nosso frágil planeta. As questões mais controvertidas do período, nas quais tanto as CMNs como os PMDs estavam envolvidos em graus diferentes, eram: a contaminação das águas, céus e terra; os limites para o crescimento da sociedade de consumo; a explosão demográfica; a crise de recursos; a crise de abastecimento; o preço astronômico do petróleo, que conduziu a precipitações financeiras e distorções políticas. A confrontação este-oeste e a brecha norte-sul dos anos 60 foram compostas pela polarização entre as nações de maiores e menores recursos.

No clímax das crises, o aspecto de caos sacudiu os pensadores lideres do mundo, impulsionando-os à ação conjugada. Isto conduziu a novas relações simbióticas entre os setores públicos e privados do mundo. Durante os anos 60, tais relações haviam surgido dentro do complexo industrial-militare, entre o governo, as entidades sindicais e firmas particulares do Japão.

As novas relações simbióticas entre os governos de origem e anfitrião das CMNs prometem tornar-se no ponto de reunião no início de 1980.

As empresas mistas formadas entre CMNs e PMDs, anteriormente em voga nas indústrias extrativas, se estenderam às petroquímicas e outras indústrias de base. Tais empresas estão sendo formadas por outras CMNs. A participação das entidades sindicais nas empresas mistas iniciada em meados de 1970 pela Alemanha Ocidental, Peru, Iugoslávia, tornou-se moda com o aparecimento de sindicatos internacionais. Por meio deles está-se cogitando a internacionalização da propriedade de ações.

A reciclagem da petro-divisa - agora incluída na "recurso-divisa" - transformou-se em um fator crucial dos fins da década de 1970. Recurso-divisa, atualmente substitui inversões de desenvolvimento pelo chamado consumo redundante. Isto agora é viável porque a crise de abastecimento foi aliviada pela adjudicação voluntária de recursos escassos entre os governos e as CMNs.

A disponibilidade multilateral de recurso-divisas possibilita aos PMDs a aquisição, a um valor de mercado realista para capital e "boa vontade" de parte dos investimentos estrangeiros, não mais considerados de prioridade em sua fase de desenvolvimento. Apesar de sua preferência por débito sobre o património - alentado pela inflação e nacionalismo - a maioria dos PMDs reconhece a importância das CMNs como seus salva-vidas para o mundo.

Desse modo, muitas CMNs se transformam gradualmente em indústrias de serviços, uma tendência que provavelmente alcance seu ponto máximo em fins de 1980.

Com a transformação, as CMNs capitalizam suas únicas e reais capacidades: administração, conhecimentos técnicos, acesso aos mercados mundiais e a rede global de informações, e prática, que são a garantia de seu sucesso. As CMNs de natureza etnocêntrica amoldam-se a federações mundiais de firmas locais - um processo que esperamos se culmine em 1990.

Além de uma adequada compensação para o capital de risco, acrescentam-se: contratos administrativos renováveis a longo prazo, direitos para tecnologia e comissões para comercialização no exterior; muitas CMNs estão sendo compensadas em separado pela transferência para o sul, de facilidades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) elegiveis. Quando estas se adaptam às prioridades mais urgentes dos PMDs, podem ser consolidadas como capital de risco sob nova organização NU/CMN. Desta maneira as CMNs são encorajadas a tornarem-se agentes do desenvolvimento. No transcurso da década de 1980, a fragmentação das CMNs em funções componentes tornar-se-à uma peculiaridade desafiante de auto-renovação.

5. O AUDIFONO

Conjeturamos que um cenário audaciosamente imaginativo pode amplificar o debate entre as CMNs e os PMDs, levando a um triálogo entre as CMNs e os governos de origem e anfitriões. Tal cenário pode ser o resultado de um Delphi preparado por experts dos setores privado e público dos países industriais e em desenvolvimento. Sendo esta uma iniciativa das CMNs, esse cenário permite-lhes atuar mais, ao invés de reagir às rápidas mudanças das práticas comerciais.

O triálogo pode vir a ser amplificado no tempo e no espaço geográfico. Como na música, um amplificador é dotado de estéreo para dar profundidade - neste caso: perspectivas. Ainda existem alto-falantes que darão relevo às mensagens, presentemente inaudíveis, tornando-as estrondosas.

As mensagens aturdem quando se permite aos pontos ideológicos obscurecer os fatos econômicos da vida ou negar que a politica é a arte do possível. As vozes inaudíveis pertencem à administração empenhada em proteger a sensibilidade de seus participantes: proprietários, entidades sindicais, empregados, governos, clientes e fornecedores.

Um audífono com "probabilidade" pode provocar um triálogo que no futuro tenha convergência geopolítica onde os interesses básicos das CMNs e PMDs possam ser acomodados novamente. Essa mensagem pode ser bem realista, como prevê a Philips Lamp Works, cujo presidente se comprometeu a fazer sua empresa "tomar como objetivo a realização de uma contribuição positiva ao desenvolvimento econômico e social" do pais em que opera; e, ao fazê-lo, esforçar-se por conduzir-se em harmonia com as tradições e heranças culturais do pais, e orientação de seu governo. Ainda que tenha, a todo o momento, de ter a coragem de sugerir uma maneira nova de encarar as possibilidades de novas condições existentes, quando e onde sejam consideradas de interesse comum.

6. RUMO AO ACORDO

O interesse comum requer uma diáfana janela sobre o "amanhã". Em seu livro O futuro executivo, o presidente da Universidade do Havaí instiga os futuros executivos a tornarem-se familiarizados com os objetivos públicos - e exercitar a habilidade em formular e desenvolver esses objetivos. O diretor da Escola de Graduação em Administração de Stanford considera que os nossos executivos devem especializar-se em tomadas de decisões sociais e políticas. O presidente da Northrop exorta seus planejadores a desenvolver diretrizes políticas, militares e sociais para os países nos quais operam.

Tais exortações tendem a uma compreensão consensual do papel futuro das Inversões (estrangeiras) - compreensão que talvez induza os próprios acionistas a concluir que seus interesses não podem predominar eternamente sobre todos os outros interesses (sociais, econômicos e políticos). Afinal, como cidadãos, eleitores e clientes, os acionistas concluem que estão à busca de um diferente contexto moral e legal para o futuro papel das empresas na sociedade. Existe uma conscientização cada vez maior de que o futuro é algo que todos os integrantes da sociedade podem e devem planejar.

Christopher Tugendhat, M. P. compara o triálogo ao acordo. Em sua opinião as CMNs modernas se assemelham à Igreja Católica Romana do século passado. Imperadores e reis sentiam sua posição de poder ameaçada pela posição internacional de Roma. Em conseqüência, enquanto alguns governantes desligaram-se da Igreja, outros negociavam, com êxito, acordos com os Papas. Contudo, em qualquer acordo sempre se perde inevitavelmente alguma soberania. Surge então a questão: quanta soberania e a quem?

Recente comunicação de 20 pessoas destacadas (E/5500) do painel das Nações Unidas, conquanto louvável, deixa de responder a questão anterior - talvez por não visualizar as CMNs como agentes potenciais de desenvolvimento. Está implícito que a motivação lucrativa elimina as CMNs de um verdadeiro papel no desenvolvimento ou que seu espirito competitivo as exclui de acordos para ação e pesquisas. O x da questão é se essa suposição flutuante pode sobrepujar a prova árida do tempo. Suponho que não.

Começando-se do zero, CMNs podem fundamentar seu argumento na premissa de que enquanto os PMDs têm suas próprias entidades de pesquisa, as CMNs não as têm. Os PMDs se unem à UNCTAD, UNIDO, FAO e UNITAR; assim também, cada vez mais, ao Banco Mundial. Enquanto isso, as CMNs se contentam, digamos assim, com um quarto de hóspedes na Câmara de Comércio Internacional.

7. O INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO DAS CMNs

Enquanto escrevem seu argumento, as CMNs podem chegar à conclusão de que necessitam de sua própria entidade de pesquisa - uma que cruze fronteiras. Empenhamo-nos para o estabelecimento de um Instituto de Desenvolvimento das CMNs, mais adiante chamado de "Instituto", para abreviar. Sua primeira tarefa seria de investigar o processo do futuro desenvolvimento dos PMDs e o papel das CMNs - auto-renovação. O Instituto pode ser estabelecido como uma organização não-governamental filiada à família das organizações das Nações Unidas.

Resumindo, o Instituto providenciará a efetivação das bases legais e morais para o contrato entre as CMNs e governos de origem e anfitriões. Prevendo o inesperado, incontáveis tarefas poderão recair sobre o Instituto, refletindo as forças aceleradas da Inovação sociopolítlca mundial. Citando, resumidamente, algumas dessas atribuições potenciais, somente pretendemos ilustrar o conceito das CMNs como futuras agentes do desenvolvimento.

a) Encarar o estudo da probabilidade de transferência para o sul, dos meios e facilidades para P&D, para indústrias de base e manufatureiras de exportação. A tecnologia das CMNs desenvolvida em grande escala para mercados nos quais a mão-de-obra é escassa e o capital abundante, pode ser adaptada aos PMDs onde o desemprego é excessivo, o capital é oneroso e o mercado interno pequeno. Atualmente, 2% de P&D mundiais se empregam nos PMDs que somam o total de 77% da população mundial. "A tecnologia intermediária" já foi testada por várias CMNs em organizações de pesquisa de fins não-lucrativos.

b) Avaliar o papel catalítico das CMNs numa fusão futura de petro-divisa, as enormes reservas de mão-de-obra dos PMDs e sua urgente necessidade de produção adequada de alimentos. A superioridade organizacional e técnica das CMNs agro-industriais pode conduzi-las a petro-divisas recicladas. Por intermédio do Banco Mundial e outras agências financeiras multilaterais. O Programa Cooperativo Industrial/FAO pode ser o instrumento fundamental pelo qual as CMNs possam desenvolver projetos conjuntos, tais como de fertilizantes, inseticidas, sementes, forragens e processamento de alimentos.

c) Analisar, juntamente com a UNITAR e as universidades a criação de centros de treinamento na Ásia, América Latina e África. A fim de reverter o êxodo de pessoal especializado e reforçar os quadros locais e os meios educacionais pragmáticos, considerados individualmente, e que devem ser adaptados às circunstâncias locais. Escolas de administração básicas beneficiarão as CMNs, assim como as empresas locais, universidades e governos.

d) Reunir informações, de maneira que as CMNs possam induzir seus acionistas a destinar 1 % ou mais de seus encargos especiais a projetos de baixa rentabilidade, com grande capacidade de desenvolvimento nos PMDs elegíveis. (Atualmente as CMNs gozam de privilégios que montam um total que excede a US$ 130 bilhões, distribuidos entre os 50 mil acionistas.) A inversão média anual por acionista alcança o total de US$ 22 por ano, reduzidos os impostos: as menores inversões individuais, para o mais alto rendimento coletivo, com um imenso efeito multiplicador nos PMDs.

e) Para estudar e "comercializar" adequados projetos de desenvolvimento que as CMNs podem desenvolver em conjunto ou separadamente em áreas nas quais a experiência das CMNs se adaptem às prioridades dos PMDs. Esses projetos podem testar o futuro papei auto-renovador porque o montante de componentes das CMNs requerido variará de um projeto a outro e a composição da contribuição das CMNs será alterada com o passar do tempo. Isto Implica acordo contratual incorporado à legislação local sob proteção mundial de uma agência NU/CMN.

f) Estruturar um contexto legal que formule coerentemente o futuro "código de conduta" das atividades das CMNs nos PMDs. Dada a diversificação de CMNs e PMDs - e sua evolução através do tempo - o código deverá ser extremamente flexível. Deverá ser escrito com o espírito da doutrina da Calvo, preparando o caminho para um conceito futuro das CMNs como uma federação mundial de firmas locais, com um cordão umbilical, que as ligue à matriz realmente internacional.

g) Providenciar o ligamento prévio para as CMNs domiciliadas nos PMDs, tais como Tata e Birla, ambas da índia. Algumas CMNs podem até cruzar fronteiras por conta própria ou ainda unirem-se a firmas locais em outros PMDs. O instituto pode servir de "roca" tecendo telas bidirecionais entre as CMNs das nações industriais e em desenvolvimento.

h) Estudar a possibilidade de que os governos de origem das CMNs salvem a transferência de seus lucros que originam dos projetos em desenvolvimento nos PMDs. (Sob o Plano Marshall o Governo dos Estados Unidos permitiu aos importadores europeus pagar em moeda local e reembolsou os exportadores norte-americanos em dólares. O Governo americano empregou parte da moeda européia para projeto de reabilitação local.) O impacto Inflacionário dos governos de origem é pequeno, tendo em vista que o total transferível não excederá a um por mil de seu produto bruto.

E assim sucessivamente - prevendo o imprevisível. Por exemplo, quem, há alguns anos atrás, poderia imaginar qual seria o verdadeiro motivo pelo qual o presidente da Shell Oil Co. em 1974 faria um curso para estudar como enfrentar as câmaras de televisão, microfones e repórteres? Mas para os analistas de segurança, acionistas e a média massiva as CMNs se vêem frente a frente - quem havia de dizer! - com a nossa senhora de Saba e todo o Terceiro Mundo. Isto requer um novo esforço, o que o sociólogo Paulo Freire chamou de "conscientização", querdizer, a sensibilização da consciência e a crua realidade do novo meio-ambiente empresarial. Se isto parece estar muito distante, relembremos o dito chinês: se temos um longo caminho a percorrer, o momento de começar è agora.

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    Ensaio submetido a um colóquio especial entre as corporações multinacionais e os países menos desenvolvidos na Conferência Mundial da Sociedade Internacional para o Desenvolvimento na Costa da Marfim, Traduzido do original em inglês por Maria Conceição Favero.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 1975
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