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Profissão: prendas domésticas, um estudo sobre donas-de-casa

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

José Carlos Garcia Durand

Departamento de Pesquisas Mc Cann Erickson Publicidade Ltda. (sob a direção de Vera Aldrighi). Profissão: prendas domésticas, um estudo sobre donas-de-casa. São Paulo, 1980. 120p.

No domínio da pesquisa de mercado tende-se recentemente a associar disposições pessoais de consumo a mudanças mais gerais na condição de vida dos(as) consumidores(as). O estudo da Mc Cann entra nessa linha.

Sabendo que a mulher é ainda o principal gerente de compras do domicílio, a pesquisa levantou a quantas anda o desempenho desse papel e de seus correlatos, nessa época de abalo sério na servidão feminina dentro de casa. E, sem ultrapassar a taxa de franqueza assimilável pelo seu público de leitores executivos, o relatório mostra que, nas principais classes de consumo urbanas, a mulher anda bastante cheia do velho modelo de subserviência evocado na expressão "dona-de-casa". Nesse sentido, é meio cômico que o título escolhido para essa edição seja a negação mais frontal de uma das conclusões mais significativas, que está à página 7: "As expressões 'dona-de-casa' ou 'prendas domésticas' provocam verdadeira revolta. Sugerem um atestado de incapacidade profissional, de despreparo para a vida fora de casa, à mulher que se dedica exclusivamente a um monótono trabalho caseiro e que carece de informações, de contatos, de interesses, enfim de desenvolvimento pessoal." E mesmo algumas charges, como a da página 24, que mostra uma mulher "robotizada", ou totalmente induzida pela mídia de TV, contraria o crivo severo sob o qual elas julgam a publicidade, segundo consta do próprio texto. Esses indícios sugerem que no preparo da edição operaram preconceitos mais arraigados.

A Mc Cann ouviu 1.080 mulheres casadas, das classes A, B e C de São Paulo e do Rio de Janeiro, falarem de como organizam e como encaram a atividade doméstica, e do que pensam acerca de uma série de itens relativos à moral dominante, do lugar da mulher nessa moral, e outros tantos parâmetros que permitem situá-las numa escala de "modernidade" de comportamento. Do ângulo comercial, a importância dessa escala está na suposição de que não se pode avaliar o potencial e as características do mercado, de uma série de bens de uso pessoal e doméstico, sem associá-los às mudanças na divisão do trabalho de gestão do domicílio e às demais transformações que desembocam na autonomização da mulher.

Mas não se infira da insatisfação da mulher casada, .despontada em queixas insistentes quanto à monotonia e à desvalorização do trabalho doméstico, um estado avançado de liberação feminina. A autonomia e a independência comumente afirmadas nas questões de opinião acerca do que a mulher deve ser desmentem-se brutalmente - para consolo dos apocalípticos - quando rebatidas à vida concreta que elas levam. Assim, é assombrosa a parcela das mulheres que ainda se confessam proibidas por seus maridos de: sair com amigos sem ele (70%), usar roupas "extravagantes" (59%), fumar(!) (45%) e até mesmo - pasme o leitor - de estudar (18%). Aliás, faltou perguntar se elas acatam tais proibições, para melhor regular o nível de emancipação em curso. Isso certamente tem a ver com o fato de que apenas 14% das mulheres dividem com o marido as despesas de manutenção da casa, nas demais ele assegurando soberanamente o total da receita e o seu reinadozinho particular.

Ficamos sabendo que as mulheres são amplamente favoráveis ao trabalho feminino fora do lar e que em geral aceitam o divórcio e a vida conjugal sem casamento (em matéria de tolerância, note-se que o Rio de Janeiro sempre ganha de São Paulo). Dizem-se saturadas de ver donas-de-casa em serviço doméstico nos comerciais de TV e consideram cansativas as cenas de propaganda, em que são impostos ambientes de luxo e a autoridade de "gente importante". Elas mantêm, em relação à publicidade comercial, uma atitude crítica que se revela em indicadores bem sugestivos: a queixa de que a maioria das mensagens (para qualquer ordem de produto) é "igual e cansativa" e de que a propaganda de liquidações, de remédios e de xampus são freqüentemente mentirosas. Mas o mais engraçado é que, no ranking das propagandas "irritantes", tenham conferido um retumbante primeiro lugar às "campanhas de governo", o que indica uma grande repulsa às trombetas do Brasil grande que, até há pouco, atormentavam o público telespectador.

Enfim, com essa pesquisa os arquivos da Mc Cann passam a guardar informações importantes acerca da estruturação familiar e da organização do consumo material e simbólico das populações urbanas dos grandes centros - São Paulo e Rio de Janeiro - especialmente entre as classes médias. Numa conjuntura do campo intelectual em que essas últimas jazem relegadas da investigação sociológica, está af uma nova fonte de dados a aproveitar.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Set 1981
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