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Avaliação e incremento de produtividade em órgãos burocráticos: alguns aspectos técnicos, administrativos e sociológicos

ARTIGO

Avaliação e incremento de produtividade em órgãos burocráticos - alguns aspectos técnicos, administrativos e sociológicos

Gustavo Luiz Gutierrez

Professor de sociologia industrial e do trabalho na Unesp

1. INTRODUÇÃO

Este artigo tem por objetivo discutir algumas técnicas atualmente utilizadas, principalmente em bancos, para medir e aumentar a produtividade de setores administrativos, notadamente quanto às suas características operacionais e práticas, mas também do ponto de vista teórico.

Quanto ao aspecto técnico, vamos procurar descrever os principais passos de alguns projetos que podem ser adotados neste sentido, sem a pretensão de sermos muito abrangentes ou detalhistas. Não se trata de um manual de procedimentos a respeito, mas de uma descrição sumária, que permita ao leitor inteirar-se das caractersiticas dos projetos, suas fases e condições de implantação. Da mesma forma, vamos procurar localizar a utilização de recursos de estatísticas e pesquisa operacional, dentro do contexto.

Do ponto de vista administrativo, a questão central pode ser resumida em relacionar o trabalho de uma assessoria interna, voltada ao incremento de produtividade, com a pesquisa teórica em administração e a experiência adquirida no dia-a-dia do desenvolvimento de projetos: descrever os prós e os contras de cada projeto alternativo e algumas particularidades que possam parecer de interesse.

Quanto à esfera sociológica, a preocupação básica é situar o porquê da existência de trabalhos voltados ao incremento de produtividade desenvolvidos fora do setor propriamente envolvido, a questão da alienação no modo burocrático de produção, e os desvios que a organização burocrática pode sofrer, com o correr do tempo, de seus objetivos.

A exploração destes três aspectos da questão, está contudo, subordinada à visão prática de uma vivência recente na área. Assim, o texto procura mostrar uma reflexão mais imediata, sob o ponto de vista do profissional voltado para o objetivo de medir e aumentar a produtividade de setores burocráticos da empresa, com uma participação relativa nas decisões da diretoria a respeito e pouca autonomia sobre quase todas as variáveis que atuam na podutividade final.

Convém colocar, também, que não trataremos cada um dos aspectos citados isoladamente, mas sim de forma relacionada, procurando mostrá-los tanto em função do incremento de produtividade como na sua interação recíproca.

Parece desnecessário destacar a importância do acompanhamento da produtividade em qualquer empresa voltada para o lucro, numa economia de mercado regulada, nem que seja parcialmente, pela livre concorrência, ainda mais em períodos de pequeno crescimento econômico ou de crise.

Como a palavra produtividade vai ser muito usada, é importante defini-la claramente. Aqui não existe a preocupação do preciosismo teórico.1 1 Para uma definição mais clássica ver Drucker, Peter F. Administração: tarefas, responsabilidades e práticas. São Paulo, Pioneira, 1975. p. 75-7 e p. 194. . Trata-se antes de um enfoque essencialmente prático: Como fazer o mesmo gastando menos. Ou seja, a otimização do que Etzioni chama de competência. "A competência de uma organização é medida pela quantidade de recursos utilizados para fazer uma unidade de produção."2 2 Etzioni, Amitai. Organizações modernas. São Paulo, Pioneira, 1967. p. 18.

Existem à disposição do administrador diversos recursos diferentes para tentar melhorar a produtividade da organização, como, por exemplo, estudos de tempos e métodos, ergonometria, estatística. Porém, de uma forma geral, a sua aplicação está mais voltada para a produção industrial.

A conjuntura econômica e o tamanho de algumas empresas prestadoras de serviços, como os bancos, tornaram interessante a adaptação destas técnicas auxiliares de mensuração de produtividade para sua aplicação em órgãos essencialmente burocráticos.

Vamos, então, procurar descrever alguns dos resultados parciais a que chegaram estes esforços.

O órgão burocrático caracteriza-se, entre outros traços, por ser um local de trabalho onde, em contraposição à linha de montagem, o executor possui domínio sobre o ritmo em que executa suas funções, inclusive quando lida como máquinas, como de somar ou de escrever; e onde o executor pode vir a tomar grande número de decisões intelectuais diferentes.

Numa grande empresa prestadora de serviços, podemos encontrar áreas que, mesmo classificadas como burocráticas, têm rotinas que se aproximam do trabalho em série, como podem ser, por exemplo, setores responsáveis por abertura de malotes, envelopamento ou contagem e condicionamento de dinheiro. Quanto mais nos aproximamos de um trabalho como características parecidas a uma linha de montagem, mais material teórico encontramos.

Vamos definir órgão burocrático como aqueles setores de empresa onde se desenvolve um trabalho de escritório, não totalmente repetitivo, que exija a tomada de decisões por parte dos executores; e também, sempre estaremos nos referindo a situações em que várias pessoas façam o mesmo tipo de serviço porque, caso contrário, mais que a aplicação de estudos de produtividade, trata-se de um problema de chefias adequadas e treinamento gerencial.

Como exemplo, podemos citar a área contábil, que recebe a documentação suporte, registra e prepara os lançamentos correspondentes, ou, então, uma área de liquidação de indenizações de apólices de seguro que recebe a documentação necessária, monta o processo, estima o valor correto e autoriza o pagamento ao segurado.

Serviços deste tipo, pelo menos até recentemente, tinham sua produtividade acompanhada diretamente pelo chefe imediato e sua eficiência avaliada no contexto mais geral da empresa. Trata-se, então, de determinar formas menos subjetivas de acompanhamento e incremento da produtividade de setores com as características descritas.

A solução mais simples para o estabelecimento de um índice ótimo de produtividade, numa primeira análise, seria o acompanhamento competente pela própria chefia imediata. Alguns fatores, contudo, dificultam esta alternativa.

Em primeiro lugar, chefes que fizeram longas e lentas carreiras dentro de uma mesma empresa, geralmente, possuem uma visão parcelada e tradicional de seu serviço. Isto acarreta duas conseqüências básicas uma delas é a ausência de uma visão de conjunto, sistêmica e dinâmica das atividades que controlam. A outra é que uma série de fatores políticos e institucionais, internos à organização, levam-nas a preferir uma postura conservadora diante da solução de seus problemas, refratária a qualquer mudança. Aprofundar-nos na origem deste tipo de comportamento afastar-nos-ia do objetivo proposto; contudo, é importante levar em consideração esta característica do pessoal envolvido em supervisão de trabalho burocrático.

Além disso, o medo de que o serviço saia com falhas e a própria origem da maioria das chefias, geralmente a execução do mesmo serviço que agora coordenam, desenvolvem, às vezes, uma tendência a envolver-se muito em tarefas de execução, sacrificando outras funções como organização, controle e planejamento, que estariam ao seu cargo.

É evidente que esta é uma visão geral; existem exceções pessoais, assim como variações de empresa para empresa.

Além desses fatores, a formação teórica das chefias é, geralmente, carente de um conhecimento técnico de organização e métodos ou estatística, o que resulta numa limitação natural à revisão da metodologia das suas atividades.

Isto não é novidade, já que a maioria das empresas opta por agrupar as funções de planejamento e desenvolvimento organizacional em órgãos de staff, não as atribuindo, pelo menos exclusivamente, às chefias ditas de cada área.

Se escolhermos aleatoriamente, por exemplo, um funcionário médio a nível de chefia de seção de um grande banco, veremos que, muito provavelmente, sua formação escolar é pouco mais que o segundo grau e os maiores méritos de sua carreira são o tempo de casa, a tolerância a frustrações e a assiduidade. É preciso ter sempre presente que a burocracia é composta de burocratas que adotam, com o passar do tempo, de forma bem arraigada, toda uma série de comportamentos úteis à sua sobrevivência no cargo que ocupam na organização.

Na realidade, esta questão deve ser analisada dentro de um contexto mais amplo."A organização burocrática e o controle hierárquico são manifestações concretas de alienação do trabalhador de suas atividades profissionais. Os capitalistas preferem a organização burocrática a qualquer outra, porque somente assim poderão controlar a renda obtida na produção e, além disso, poderão evitar que os trabalhadores adquiram elementos como iniciativa e experiência, para se envolverem numa produção cooperativa própria ou, ainda, colocarem em jogo a hegemonia dos capitalistas nos escritórios e nas próprias fábricas."3 3 Motta, Fernando C. Prestes & Pereira, Luiz Carlos Bresses. Introdução à organização burocrática. São Paulo, Brasiliense, 1980. p. 300.

No germe de toda esta situação está o autoritarismo característico da burocracia que aliena de participação o elemento executante da tarefa. Esta alienação, que acaba moldando a forma burocrática de produção, aparentemente a mais racional possível, acaba também criando e mantendo vícios de comportamento que, muito ao contrário de serem racionais, atendem ao que, subjetivamente, alguns elementos dentro da organização acreditam que sejam seus interesses pessoais imediatos. Isto pode levar à reprodução de atitudes que não respondem nem aos objetivos reais da empresa e nem aos objetivos particulares de seus membros.

Neste contexto, parece mais fácil compreender por que vamos encontrar a atividade de planejar, organizar e incrementar a produtividade fora de quem executa o trabalho em si.

A prática constante do trabalho burocrático, na sua expressão mais medíocre e cotidiana, acaba criando um profissional de comportamento altamente previsível e repetitivo. A mesma forma de organização que provê o dono dos meios de produção de trabalhadores facilmente substituíveis e com um conhecimento parcial e incompleto do ciclo produtivo,4 4 A este respeito, pode ser consultado o trabalho de Marglin, Stephen. Origem e funções do parcelamento de tarefas (para que servem os patrões). In: Gorz, André. Critica da divisão do trabalho. São Paulo Martins Fontes, 1980. p. 37-7. por outro lado limita o retorno possível no que concerne à criação espontânea de novas rotinas de serviço ou agilização e aperfeiçoamento dos sistemas existentes.

Na realidade, o que é mais comum acontecer, na prática burocrática, é uma degeneração das rotinas no sentido da manutenção de registros desnecessários e da documentação, permanente ou temporária, de comunicações de pouca importância.

Como um administrador que objetive desenvolver um esforço para aumento da produtividade dos órgãos burocráticos da empresa, seria até temerário ignorar esta realidade, contando muito com o potencial criativo das pessoas que se formaram profissionalmente neste ambiente, ainda mais mantendo-se o ambiente inalterado.

Devemos, aqui, distinguir o projeto para produtividade especificamente do projeto de racionalização e otimização de rotinas. Evidentemente, qualquer trabalho bem-sucedido de racionalização acarreta benefícios econômicos e aumento de produtividade. Contudo, o trabalho voltado exclusivamente para produtividade, diverge da racionalização pelo fato de que seu objetivo é não apenas otimizar a produtividade, mas, também, torná-la mensurável e implantar controles que possibilitem seu acompanhamento no tempo. Para tanto, aqui, partimos do princípio de que os projetos sobre produtividade são posteriores aos de racionalização, sendo implantados em áreas organizadas corretamente.

Passamos, agora, a descrever três técnicas diferentes de acompanhamento e incremento de produtividade.

2. MEDIDORES ESPECÍFICOS DE PRODUÇÃO (MEPs)

O controle da produtividade através dos MEPs consiste, resumidamente, no seguinte: efetua-se um levantamento geral das principais rotinas que o setor em questão desenvolve, procurando associar a cada tarefa uma unidade de medida correspondente. Por exemplo:

Serviço de datilografia número de folhas ou número de linhas datilografadas Arquivo número de documentos arquivados Processos analisados número de processos ou número de folhas ou alguma outra informação que reflita o grau de dificuldade do processo, como o número de partes envolvidas

De posse destes dados, através da observação direta do trabalho no setor, estima-se se seu quadro funcional está bem dimensionado; no caso de haver sobra ou falta de funcionários, ajusta-se o quadro conforme os padrões da empresa.

A partir daí, o acompanhamento é efetuado através da análise histórica dos volumes definidos como medidores. O crescimento constante destes volumes indicará, se mantido o mesmo número de funcionários, crescimento da produtividade, até o ponto em que se faça necessário um aumento no número de pessoas trabalhando.

A expectativa futura em relação ao comportamento passado pode ser quantificada por meio de regressão linear simples ou múltipla.

Qualquer alteração nas rotinas de serviço poderá exigir uma nova definição de medidores, num trabalho de manutenção do sistema, geralmente levado a cabo pelos analistas de produtividade.

O acesso aos dados históricos poderá possibilitar a definição correta de eventuais sazonalidades no fluxo de serviço, útil tanto para montar a escala de férias quanto no sentido de melhor ocupação da mão-de-obra, por meio de remanejamento entre áreas cujo ciclo sazonal seja complementar.

Se, por um lado, este método pouco sofisticado só permite o acesso a informações gerais a respeito do comportamento da produtividade, por outro lado, sua implantação é relativamente fácil e seu acompanhamento exige poucos recursos.

Na realidade, estão sendo acompanhados apenas os volumes representativos dos principais serviços do setor, sendo que o resto do trabalho presume-se como conseqüência direta ou indireta das atividades principais. Partindo-se de uma situação de equilíbrio na ocupação do quadro funcional, e se não houver alterações nas rotinas, a produtividade pode ser medida com bastante precisão, assim como podem ser previstas, com relativo acerto e antecedência, as necessidades futuras de pessoal.

3. TRABALHANDO, PARADO E AUSENTE (TPA)

Este método é mais aplicado a órgãos com bastante funcionários, poucas tarefas diversificadas e cujo serviço, preferivelmente, não seja interrompido.

Consiste, basicamente, no seguinte: uma vez conhecidas as rotinas desenvolvidas pela área e seus medidores de volume correspondentes, desenha-se uma tabela na qual, a intervalos regulares e pequenos de tempo, se anota a atividade de cada funcionário, no caso, trabalhando, parado ou ausente. Esta tabela, normalmente, compõe-se do nome de todos os funcionários, numa linha, e os intervalos de tempo, numa coluna.

Paralelamente ao preenchimento da tabela, é feito o acompanhamento do volume processado, sem uma preocupação específica de quem faz o que.

O intervalo de tempo entre cada observação vai depender, principalmente, do tempo de execução da tarefa principal da área. Tarefas mais rápidas, como carimbar ou envelopar, normalmente são acompanhadas a intervalos mais curtos; tarefas mais longas, com preenchimento de documentos, a intervalos maiores. De forma geral, o intervalo entre uma observação e outra varia de três a dez minutos. E o número de dias da amostra vai depender do desvio-padrão apresentado pelos dados coletados; uma homogeneidade significativa nos dados obtidos pode reduzir o tamanho da amostra, e o contrário, aumentá-la.

A tabulação destes dados vai possibilitar, em essência, o acesso a duas informações. Em primeiro lugar, se o percentual de "parado" e "ausente" dos funcionários está de acordo com as expectativas e padrões da empresa; em segundo lugar, a capacidade média de processamento de trabalho da área, naquelas condições.

Quanto à determinação da capacidade máxima de processamento do setor, é interessante, quando se puder trabalhar com estoque de serviço, represá-lo durante um tempo, e liberá-lo para execução sob condições de pressão por parte da chefia, numa amostragem separada. Em geral, a presença de analistas de produtividade, por si só, já gera alterações no ritmo de trabalho; cabe ao analista avaliar corretamente essas alterações e usar as informações da melhor forma para seus objetivos. É sempre bom observar, quando o ciclo de processamento for curto e a área não possuir um estoque regular de serviço, se índices muito altos de "parado" e "ausente" não são reflexos de falta de alimentação de trabalho, a fim de não confundir este problema com, por exemplo, má orientação da chefia.

O método em questão tem, como vantagem principal, possibilitar o acesso a informações bastante confiáveis com apenas um levantamento superficial das rotinas da área estudada, podendo ser aplicado sem interferência no desenvolvimento normal do serviço. Por outro lado, sua aplicação é difícil em setores com poucos funcionários desenvolvendo muitas rotinas diferentes.

Uma vez implantado o sistema, seu acompanhamento é feito da mesma forma que o caso dos MEPs, através dos volumes, podendo-se, eventualmente, aplicar uma planilha de TPA de tempos em tempos, como meio para auditar a atualização do sistema e a ocupação do pessoal.

A confiança na informações obtidas, tanto através dos MEPs como do TPA, nunca é absoluta; por isso, é conveniente cruzar os resultados com a impressão subjetiva de analistas experientes e consultar as chefias responsáveis imediatas pelas áreas, antes da tomada de decisões.

4. SISTEMA DE INCREMENTO DE PRODUTIVIDADE (SIP)

Este sistema, mais complexo que os anteriores, consiste nas seguintes etapas:

4.1 Levantamento de todas as rotinas de serviço, procurando dividi-las em "células mínimas", ou seja, a menor parcela de serviço, executada individualmente, a que possa ser associado um volume correspondente.

4.2 Determinar o tempo-padrão de que um trabalhador, em condições normais, necessita para a execução de cada "célula mínima" de serviço. Neste caso, o tempo-padrão não tem que ser, necessariamente, o tempo médio constatado, mas, sim, um tempo correspondente ao padrão de ritmo de trabalho que a empresa considere correto.

4.3 Determinar o tempo total disponível em horas-homem para a execução do serviço, diariamente.

De posse desses dados, implanta-se uma planilha de acompanhamento diário, com o nome das atividades definidas e o tempo-padrão correspondente, e campos em branco para o preenchimento dos volumes e tempos reais, executados individualmente funcionário por funcionário, ou seja, cada funcionário vai informar, através desta planilha, diariamente, o tempo efetivamente gasto na realização de seu serviço e o volume de serviço processado.

O confronto entre o tempo real gasto e o tempo teórico necessário para a execução do serviço, obtido na multiplicação do volume real processado pelo tempo-padrão, vai mostrar a produtividade que o setor atingiu no período.

O confronto entre o tempo real gasto e o tempo disponível vai mostrar a ocupação do setor.

A multiplicação da produtividade observada pela ocupação indica um terceiro número que pode ser chamado de eficiência geral.

Resumindo, as informações obtidas durante o levantamento são:

a) descrição das atividades;

b) tempo-padrão para a execução de uma unidade de volume de serviço de cada atividade (TP).

Informações necessárias para alimentação do sistema, obtidas através do preenchimento diário de uma planilha por funcionário:

a) volume diário processado de cada atividade (V);

b) tempo real gasto para a execução desse volume de serviço (TR);

c) tempo disponível, ou seja, número de funcionários multiplicado pelo número de horas, no dia, à disposição da área (TD).

Fórmulas para determinação dos índices:

Produtividade =

ou Pr = V x TP

Ocupação =

ou Oc =

Eficiência geral = Produtividade X ocupação ou EG = Pr X Oc

Trabalhar com estes três índices, ao invés de trabalhar com um índice único, apresenta a vantagem de poder avaliar corretamente situações diferentes.

Imaginemos uma situação em que uma área qualquer da empresa, por deficiência de alimentação de serviço, só receba a metade do volume que normalmente processa. Neste caso, pode acontecer, por exemplo, que a área trabalhe no ritmo normal, acusando, por isso, uma produtividade de 100%; porém, a partir do horário do almoço, o setor ficou parado, acusando, conseqüentemente, uma ocupação de 50%, e eficiência geral de 75%. A análise isolada de qualquer um dos números não refletiria corretamente a realidade mas a sua observação em conjunto permite deduzir o que provavelmente tenha ocorrido, mesmo sem entrar em contato com os responsáveis.

Como este caso, poderíamos citar uma série de exemplos de situações diferentes, o que, contudo, não atende aos objetivos deste texto.

Durante o período de levantamento, é provável encontrar rotinas às quais não seja possvel associar nenhum tipo de volume; ou que, em função de sua baixa freqüência e pouca importância, não seja interessante acompanhar. Assim, para não distorcer os resultados do acompanhamento, estas atividades podem ser definidas como tempo fixo e seu total subtraído do tempo disponível da área, no dia em que ocorra sua execução.

O SIP presta-se, ainda, a algumas outras sofisticações, mas, em essência, não foge do que foi descrito.

No momento da implantação do sistema estipulase, em negociação com as chefias das áreas, um plano de aumento de produtividade, no qual, através de "apertos" esporádicos no tempo-padrão atribuído a cada atividade, procure-se atingir metas predeterminadas. Neste caso, conforme acordo, cada tempo-padrão deve seguir um cronograma de ajustes, segundo a expectativa de crescimento da produtividade de cada tipo de atividade.

Dos sistemas apresentados, este é, sem dúvida, o mais abrangente. Mas o seu desenvolvimento e implantação são caros e bastante complexos, e seu acompanhamento exige dispor permanentemente de recursos significativos. Em qualquer um dos casos apresentados, uma alteração na rotina do serviço medido exige a presença de um analista ou de alguma pessoa familiarizada com o sistema para a sua atualização. Além disso, este tipo de controle tende a sofrer um desgaste rápido, deteriorando-se a qualquer dos dados coletados. É necessária, pois, uma manutenção constante através de visitas periódicas às áreas, verificação das informações e um retorno regular dos resultados constatados, tanto a níveis mais altos de gerência, como aos de chefias diretamente responsáveis pela execução do serviço, procurando mostrar os resultados do sistema e seu trânsito pela empresa, convencendo seus executantes de que ele não é simplesmente engavetado depois de preenchido, mesmo que isso possa vir a ocorrer algumas vezes.

Dos três sistemas aqui resumidos, vale dizer que, quanto mais complexo e caro o seu desenvolvimento e implantação, também mais dispendiosa será a sua manutenção. Isto é importante na hora de decidir entre um deles, já que, neste tipo de projeto, é difícil obter bons resultados no tempo, se não se fizer um bom acompanhamento após a sua implantação.

5. OBSERVAÇÕES FINAIS

Mesmo que, em geral, isto não se coloque explicitamente ao tratar do desenvolvimento e implantação de projetos sobre produtividade, um elemento central, que está presente em toda a teoria de administração, diz respeito à forma de dominação exercida pela organização burocrática,5 5 Referindo-se especificamente às idéias de Taylor, Fayol e Mayo ver Tragtenberg, Maurício. Burocracia e ideologia. São Paulo, Ática, 1974. p. 70-89. com a propriedade dos meios de produção separada da execução do trabalho em si.

Esta necessidade vital para a manuteção de um sistema de propriedade capitalista, privado ou estatal, de controlar o trabalhador não deve exceder limites razoáveis, inclusive de relação custo/benefício, incorrendo no risco de inviabilizar economicamente a própria organização.6 6 Algumas obervações sobre o problema do excesso de mensuração na organização ver Etzioni, Amitai. Organizações modernas, op.cit., p. 18-21. Qualquer esforço na área de incremento de produtividade deve ser submetido a uma análise objetiva das suas possibilidades de retorno, antes da sua implantação e durante sua manutenção.

Ao entrar numa área burocrática, para tentar aumentar a produtividade, o analista está limitado na sua atuação por um componente sobre o qual possui pouca ou nenhuma condição de intervir. A prática contínua do trabalho burocrático, de forma geral, acaba criando no trabalhador uma visão parcializada, tradicionalista e conservadora do seu trabalho; talvez possamos até dizer, sem tentar prová-lo, que, em alguns casos, não só do trabalho, mas também da sociedade como um todo. Aparentemente, não há por que imaginar que isto mude a curto prazo, inclusive em função da necessidade que os donos dos meios de produção têm de possuir o monopólio do saber técnico, preservando o acesso ao conhecimento do ciclo de produção7 7 Gorz, André. Técnica, técnicos e luta de classes e II Manifesto; Para contestar o papel dos dirigentes técnicos. In: Gorz, André. Crítica da divisão do trabalho, op. cit.. a uma camada diferenciada de trabalhadores, os técnicos.8 8 Para uma interpretação do papel dos técnicos como um novo fator estratégico de produção, ver Pereira, Luiz C. Bresser. Tecnoburocracia e contestação. Petrópolis, Vozes, 1972. p. 37-57.

Da exploração do trabalho que decorre da organização burocrática, surge um conflito entre os objetivos pessoais e organizacionais do trabalhador, que acaba limitando seu esforço no desenvolvimento da atividade profissional, não devido à sua capacidade física ou mental, mas em função de uma série de fatores sociais, políticos e psicológicos. A procura de aumentos de produtividade deve, então, tentar deslocar este patamar de espaço individual para níveis mais altos, tanto através da reorganização do serviço, como com a demonstração matemática de que o esforço despendido está aquém do possível ou desejável. O objetivo dos estudos sobre produtividade numa empresa heterogerida não é mostrar uma produtividade ótima, mas mostrar que ela pode ser melhorada.

Porém, a capacidade de manter esta pressão sobre os componentes da organização constantemente encontra sua limitação no poder informal que os participantes mais baixos da hierarquia possuem.9 9 Hall, Richard H. Organizaciones: eslructure y proceso. Espana, Prentice, 1973. p. 213-5 e Etzioni, Amitai. Análise comparativa de organizações complexas; sobre o poder, engajamento e correlatos. Rio de Janeiro, Zahar, 1974. p. 45-52. Existe um limite a partir do qual se torna prejudicial aumentar controles e pressãos sobre os trabalhadores; a percepção deste limite, antes que ocorra, é extremamente subjetiva, dependendo muito da familiaridade do analista com a implantação de projetos de incremento de produtividade, conhecimento da cultura da empresa e sensibilidade para perceber o momento vivido pela organização.

Cabe dizer que é bastante discutível que a estatização dos meios de produção altere este quadro. "Nas economias planificadas, os níveis mais altos da hierarquia estabelecem o nível de acumulação, os 'grandes saltos', na busca de alcançar ou ultrapassar, através da coerção burocrática, o que não se faz de outro modo nas economias capitalistas."10 10 Motta, Fernando C. Prestes & Pereira, Luiz C. Bresser. Introdução à organização burocrática, op. cit., p. 299. Os problemas constantes que a economia soviética encontra, com respeito à sua produtividade, acabam dando a impressão de que as economias planificadas são menos eficientes que as capitalistas sem serem, por isso, necessariamente menos coercitivas.

De qualquer forma, a implantação e o acompanhamento competente de projetos de incremento de produtividade não garantem, por si só, um bom nível de produtividade na empresa. "Ao elaborar os controles de uma organização, deve-se entender e analisar o verdadeiro controle da empresa, as decisões sobre o seu pessoal. Senão, acaba-se por criar um sistema de controles que não leva a controle algum. Deve-se compreender que até mesmo o mais poderoso e completo 'painel de instrumentos', com computadores, pesquisa operacional e simulação, é inferior ao controle invisível, qualitativo de qualquer organização humana, seu sistema de compensações e punições, de valores e tabus."11 11 Drucker, Peter F. Administração: tarefas, responsabilidades e práticas, op. cit., p. 555.

Somente com a conjugação articulada de esforços, envolvendo todos o setores da empresa, é que se pode esperar bons resultados na tentativa de atingir e manter altos níveis de produtividade. Benefícios a funcionários, nível salarial equivalente ou superior à média de mercado, boa política de recursos humanos, são fatores que pesam quando se vai tentar qualquer projeto na área de produtividade.

Dentro deste contexto, um setor voltado ao estudo de produtividade, com apoio e autonomia suficientes, necessários para poder desenvolver estímulos que gerem interesse e respeito pelos seus projetos, pode estabelecer um fluxo de informações, dentro da empresa, sobre o comportamento da produtividade por área e por nível hierárquico, constituindo-se inclusive numa fonte de dados a mais e, sem dúvida, importante para o planejamento estratégico.12 12 Algumas informações sobre a utilização de dados, inclusive referentes à produtividade, no processo de planejamento estratégico, ver Steiner, George A. & Miner, John B. Política e estratégia administrativa. Rio de Janeiro, Interciências, 1981. p. 103-7.

A função da assessoria voltada para a execução de projetos sobre a organização do trabalho não deve, contudo, limitar-se apenas a fornecer dados, mas deve ter participação em todo o processo de planejamento. "O administrador precisa, portanto, saber que seus analistas de trabalho têm que participar do planejamento do produto e dos processos."13 13 Drucker, Peter F. Administração: tarefas, responsabilidades e práticas, op. cit., p. 221.

Fora deste contexto de integração com as demais áreas da empresa e participação no planjemento, a possibilidade que qualquer setor, voltado para a análise e incremento de produtividade, tem de ser bem-sucedido fica muito reduzida. Isto sem levar em consideração situações mais extremas, contudo não tão raras quanto seria de se desejar, nas quais cada área administrativa e de assessoria fecha-se em si mesma, como se fosse um feudo, e passa a concorrer acirradamente com todas as demais, sonegando informações, estimulando conflitos, procurando deixar em evidência a inoperância alheia e defendendo sua esfera de atuação, dentro da organização, independente da competência ou disponibilidade de recursos para explorá-la convenientemente.

A nível teórico, fala-se bastante, atualmente, em aumentos de produtividade com a adoção de formas participativas de organização da produção, enriquecimento de tarefas e democracia industrial. Parecia possível, se não provável, que esta seja a evolução que siga a forma de organização da empresa. Se isto ocorrer em breve, os instrumentos aqui descritos para acompanhamento e incremento de produtividade, dentro de pouco tempo, parecerão monstros pré-históricos. De qualquer forma, sua rápida obsolescência não invalida que sejam registrados.

Aparentemente, existe um relativo consenso, inclusive entre administradores bem informados, a respeito de que é bem possível que formas modernas, participativas, de organização do trabalho atinjam índices de produtividade mais altos que a organização taylorista clássica, mais ou menos adaptada aos nossos dias; porém, parece que ainda se considera esta forma de organização do trabalho a que possibilita o melhor controle, mais segurança e facilidade na manutenção do fluxo produtivo heterogerido, a custos de produção em condições de concorrer-se no mercado.

Talvez, como um indício disso, possamos citar o fato de que a experiência mais conhecida de organização da produção em grupos semi-autônomos, tentada no Brasil,14 14 Para mais referências sobre esta experiência, ver Forghieri, Cláudio C. Relatório de pesquisa nº 12 - Grupos semi-autônomos. São Paulo, 1981. Apostila da EAESP/FGV. foi parcialmente implantada na linha de produção, sendo mantida uma parte nos moldes tradicionais.

Fernando C. Prestes Motta, discutindo se a adoção da co-gestão na Alemanha Ocidental é, ou não, um avanço na luta operária, afirma o seguinte:"A aceitação do sistema de autoridade existente parece confirmar a hipótese de que a co-gestão pode realmente ser um meio sutil e civilizado de 'domesticação'. A nosso ver, isto é verdade, ma sé um lado da verdade. Nunca é demais lembrar que, em outros países, os métodos de racionalização do trabalho fabril têm como contrapartida uma domesticação puramente repressiva sem necessidade de apelar para formas de participação sofisticadas como a co-gestão".15 15 Motta, Fernando C. Prestes. Participação e co-gestão: novas formas de administração. São Paulo, Brasiliense, 1982. p. 76.

Atualmente, de forma geral, o debate sobre a cogestão está um tanto desaparecido do meio político e sindical, em função de outras questões, como, por exemplo, os salários. A avolução da luta operária segue uma dinâmica própria, bastante marcada por fatores regionais de desenvolvimento econômico. Qualquer tentativa de explicar as técnicas administrativas adotadas em determinado local e momento deve, então, passar pelas condições da luta operária e o estágio de desenvolvimento econômico, assim como considerar os fatores de ordem política, cultural e histórica.

Finalmente, nas entrelinhas deste artigo está presente, sem preocupação específica quanto à sua solução, a questão das dificuldades que a administração tradicional encontra para resolver problemas com reflexos diretos na produtividade, enfocando-os exclusivamente no âmbito da organização, quando suas origens efetivas estão nas relações sociais de produção, que engendraram este modelo organizacional, e não simplesmente em eventuais práticas e rotinas inadequadas do ponto de vista adminsitrativo.

  • 1 Para uma definição mais clássica ver Drucker, Peter F. Administração: tarefas, responsabilidades e práticas. São Paulo, Pioneira, 1975. p. 75-7 e p. 194.
  • 2 Etzioni, Amitai. Organizações modernas. São Paulo, Pioneira, 1967. p. 18.
  • 3 Motta, Fernando C. Prestes & Pereira, Luiz Carlos Bresses. Introdução à organização burocrática. São Paulo, Brasiliense, 1980. p. 300.
  • 5 Referindo-se especificamente às idéias de Taylor, Fayol e Mayo ver Tragtenberg, Maurício. Burocracia e ideologia. São Paulo, Ática, 1974. p. 70-89.
  • 8 Para uma interpretação do papel dos técnicos como um novo fator estratégico de produção, ver Pereira, Luiz C. Bresser. Tecnoburocracia e contestação. Petrópolis, Vozes, 1972. p. 37-57.
  • 9 Hall, Richard H. Organizaciones: eslructure y proceso. Espana, Prentice, 1973. p. 213-5 e Etzioni,
  • Amitai. Análise comparativa de organizações complexas; sobre o poder, engajamento e correlatos. Rio de Janeiro, Zahar, 1974. p. 45-52.
  • 12 Algumas informações sobre a utilização de dados, inclusive referentes à produtividade, no processo de planejamento estratégico, ver Steiner, George A. & Miner, John B. Política e estratégia administrativa. Rio de Janeiro, Interciências, 1981. p. 103-7.
  • 14 Para mais referências sobre esta experiência, ver Forghieri, Cláudio C. Relatório de pesquisa nş 12 - Grupos semi-autônomos. São Paulo, 1981. Apostila da EAESP/FGV.
  • 15 Motta, Fernando C. Prestes. Participação e co-gestão: novas formas de administração. São Paulo, Brasiliense, 1982. p. 76.
  • 1
    Para uma definição mais clássica ver Drucker, Peter F.
    Administração: tarefas, responsabilidades e práticas. São Paulo, Pioneira, 1975. p. 75-7 e p. 194.
  • 2
    Etzioni, Amitai.
    Organizações modernas. São Paulo, Pioneira, 1967. p. 18.
  • 3
    Motta, Fernando C. Prestes & Pereira, Luiz Carlos Bresses.
    Introdução à organização burocrática. São Paulo, Brasiliense, 1980. p. 300.
  • 4
    A este respeito, pode ser consultado o trabalho de Marglin, Stephen. Origem e funções do parcelamento de tarefas (para que servem os patrões).
    In: Gorz, André.
    Critica da divisão do trabalho. São Paulo Martins Fontes, 1980. p. 37-7.
  • 5
    Referindo-se especificamente às idéias de Taylor, Fayol e Mayo ver Tragtenberg, Maurício.
    Burocracia e ideologia. São Paulo, Ática, 1974. p. 70-89.
  • 6
    Algumas obervações sobre o problema do excesso de mensuração na organização ver Etzioni, Amitai.
    Organizações modernas, op.cit., p. 18-21.
  • 7
    Gorz, André. Técnica, técnicos e luta de classes e II Manifesto; Para contestar o papel dos dirigentes técnicos.
    In: Gorz, André.
    Crítica da divisão do trabalho, op. cit..
  • 8
    Para uma interpretação do papel dos técnicos como um novo fator estratégico de produção, ver Pereira, Luiz C. Bresser.
    Tecnoburocracia e contestação. Petrópolis, Vozes, 1972. p. 37-57.
  • 9
    Hall, Richard H.
    Organizaciones: eslructure y proceso. Espana, Prentice, 1973. p. 213-5 e Etzioni, Amitai.
    Análise comparativa de organizações complexas; sobre o poder, engajamento e correlatos. Rio de Janeiro, Zahar, 1974. p. 45-52.
  • 10
    Motta, Fernando C. Prestes & Pereira, Luiz C. Bresser.
    Introdução à organização burocrática, op. cit., p. 299.
  • 11
    Drucker, Peter F.
    Administração: tarefas, responsabilidades e práticas, op. cit., p. 555.
  • 12
    Algumas informações sobre a utilização de dados, inclusive referentes à produtividade, no processo de planejamento estratégico, ver Steiner, George A. & Miner, John B.
    Política e estratégia administrativa. Rio de Janeiro, Interciências, 1981. p. 103-7.
  • 13
    Drucker, Peter F.
    Administração: tarefas, responsabilidades e práticas, op. cit., p. 221.
  • 14
    Para mais referências sobre esta experiência, ver Forghieri, Cláudio C. Relatório de pesquisa nº 12 - Grupos semi-autônomos. São Paulo, 1981. Apostila da EAESP/FGV.
  • 15
    Motta, Fernando C. Prestes.
    Participação e co-gestão: novas formas de administração. São Paulo, Brasiliense, 1982. p. 76.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Set 1986
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