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Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Afrânio Mendes Catani

Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil

Por Sérgio Silva. São Paulo, Alfa-Ômega. 120 p.

Originalmente apresentada como tese de mestrado na École Pratique des Hautes Études em 1973 sob o título Le café et l'industrie au Brésil, 1880-1930, o trabalho de Sérgio Silva procura enfatizar ''a natureza contraditória das relacões café-indústria, de tal modo que a expansão cafeeira determina, ao mesmo tempo, o nascimento da indústria e os limites da industrialização".

O livro é composto de quatro capítulos - 1. Introdução sobre a problemática; 2. Condicões históricas da expansão cafeeira; 3. Economia cafeeira; 4. Origens da indústria - sendo que este comentário atentará, basicamente, para alguns aspectos contidos nos capítulos 3 e 4.

Nas primeiras páginas, o autor salienta que a economia cafeeira foi o principal centro da acumulação de capital no Brasil durante o período da República Velha (1889-1930), é que é" ... na região do café que o desenvolvimento das relações capitalistas é mais acelerado e é aí que se encontra a maior parte da indústria nascente brasileira ( ... ). To da a análise da economia cafeeira fundamenta o estudo das relações entre economia cafeeira e indústria nascente" (p. 17).

Afirma ainda que a problemática que sustenta este estudo sobre a economia brasileira no período assinalado é a de captar as características específicas de transição capitalista nos países que ocupam uma posição subordinada na economia mundial (p. 27).

No terceiro capítulo, Sérgio Silva estuda a economia cafeeira, salientando o aumento vertiginoso de sua produção: por volta de 1850 ela atingia, em média, a cifra de 3 milhões de sacas por ano, para, a partir das décadas de 1870 e 1880 principalmente, ultrapassar os milhões de sacas/ano. Então, em suas palavras, "... o café torna-se o centro motor do desenvolvimento do capitalismo no Brasil" (p. 49).

Há de se destacar também o deslocamento geográfico das plantações, pois "... na década de 1880 a produção de São Paulo ultrapassa a do Rio de Janeiro, os planaltos de São Paulo praticamente substituem o Vale do Paraíba (...). A importância do rápido crescimento da produção e desse deslocamento geográfico só poderá ser entendida se considerarmos as simultâneas mudanças ocorridas ao nível das relações de produção. Ao subir os planaltos de São Paulo, as plantações abandonam o trabalho escravo pelo trabalho assalariado. Com o trabalho assalariado, a produção cafeeira conhece a mecanização (...). Além disso, a possibilidade desse deslocamento é determinada pela construção de uma rede de estradas de ferro bastante importante. Finalmente, o financiamento e a comercialização de uma produção que atinge milhões de sacas implica o desenvolvimento de um sistema comercial relativamente avançado, formado por casas de exportação e uma rede bancária. É fundamentalmente por essas razões que o café se tornou o centro motor do desenvolvimento capitalista no Brasil" (p. 50).

Mas, é no quarto capítulo - Origens da indústria - que o trabalho de Sérgio Silva se agiganta. Afirmando, no início, que o estudo sobre as origens da indústria no Brasil é "... o estudo da gestação de novas formas de acumulação baseadas no trabalho assalariado e no capital, das condições que determinam historicamente essas novas formas: a economia cafeeira e, através da economia cafeeira, o modo de inserção do Brasil na economia mundial capitalista" (p. 81; grifado no original), o autor delineia alguns pressupostos básicos que nortearão o esquema explicativo deste último capítulo.

Utilizando-se de informações contidas nas estatísticas industriais de 1907 e 1920, evidencia que as chamadas "grandes empresas" - "com 100 ou mais operários ou capital igual ou superior a 1.000 contos" (que, de acordo com a taxa média de câmbio de 1907 correspondia a cerca de 64 mil libras) - constituíram a base da nascente indústria nacional. E acrescenta que "o conjunto das empresas com 100 ou mais operários reagrupa, de acordo com os dados do Centro Industrial do Brasil, mais de 85% do capital, em São Paulo; e cerca de 70%, no antigo Distrito Federal" (p. 83). Assim, essas evidências jogam por terra a tese segundo a qual, durante o período da hegemonia cafeeira, a indústria caracteriza-se por pequenas empresas de tipo artesanal ou pequenas manufaturas voltadas para reduzidos mercados locais.

O ponto basilar da obra é o exame, realizado no tópico "Origens da burguesia industrial", das concepções de vários estudiosos da questão, entre os quais se destacam Santiago Dantas, Rui Mauro Marini, Caio Prado Júnior e Warren Dean. Após resenhar criticamente o pensamento dos autores citados, Sérgio Silva conclui que "para a burguesia industrial nascente, a base de apoio para o início da acumulação não é a pequena empresa industrial, mas o comércio, em particular o grande comércio cujo centro está na atividade de exportação e importação. Do mesmo modo que na exportação, a importação é controlada em parte por empresas estrangeiras. Graças às suas origens sociais, o burguês imigrante encontra facilmente um lugar no grande comércio. Ele torna-se representante de firmas e marcas estrangeiras e se encarrega da distribuição de produtos importados pelo interior do país" (p. 95).

E, considerando também os chamados aspectos contraditórios das relações café-indústría, o autor conclui, de modo a discordar de várias teses até agora aceitas, que "... as relações entre o comércio exterior e a economia cafeeira, de um lado, e a indústria nascente, de outro, implicam, ao mesmo tempo, a unidade e a contradição. A unidade está no fato de que o desenvolvimento capitalista baseado na expansão cafeeira provoca o nascimento e um certo desenvolvimento da indústria; a contradição, nos limites impostos ao desenvolvimento da indústria pela própria posição dominante da economia cafeeira na acumulação decapitai" (p. 103).

Haveria ainda outros aspectos a serem explorados neste breve comentário, como por exemplo o tratamento dado às estatísticas de 1920, demonstrando que o capital industrial brasileiro era quase todo concentrado nos setores de bens de consumo - cerca de 85,4% do valor da produção industrial (p. 113) - ou que, graças à importação de equipamentos modernos, o capital industrial brasileiro saltou etapas e adotou, desde o início, técnicas avançadas que possibilitaram uma rentabilidade elevada (p. 114-5).

Concluindo, acredito que o trabalho de Sérgio Silva deve merecer atenção especial por se constituir em sopro inovador às interpretações da história econômica brasileira da República Velha, sendo que sua leitura é enriquecida ainda mais quando se conhece também a tese de doutoramento de João Cardoso de Melo, O capitalismo tardio, em especial o tópico "A industrializaão restringida".

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Jun 1978
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