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O PERFIL DAS UNIVERSIDADES CORPORATIVAS NO BRASIL

CORPORATE UNIVERSITIES PROFILE IN BRAZIL

RESUMO

Nos últimos anos, o termo “universidade corporativa” tem se tornado comum entre as organizações como uma maneira de dar à área de treinamento e desenvolvimento uma dimensão estratégica. Este artigo identificou algumas características dessas universidades em empresas brasileiras. A partir de um levantamento das empresas com universidades corporativas no Brasil, foi analisado seu perfil e identificadas suas principais características. Isso se deu em duas etapas: na primeira, foi realizada a pesquisa bibliográfica; na segunda etapa do estudo, realizou-se uma pesquisa de campo em sete empresas que implantaram suas universidades corporativas. Com base nesses dados empíricos, foi apontado o perfil das universidades corporativas existentes no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE
Universidade corporativa; Estratégia; Aprendizagem

ABSTRACT

Over the past few years, corporate universities, as they are called, have become increasingly common among organizations in order to give a strategy dimension to training and development area. This article identified some characteristics of these universities in Brazilian organizations. A survey of the companies with corporate universities in Brazil is examining their profile, and identified their main characteristics. The methodology was based on bibliography research and a survey of seven companies that established their own corporate universities. On the basis of this empirical data it was showed the corporate universities profile in Brazil.

KEYWORDS
Corporate university; Strategy; Learning

1 INTRODUÇÃO

Dentre as tendências que afetam a administração das empresas e, mais especificamente, na área de Treinamento e Desenvolvimento de Recursos Humanos, a universidade corporativa é o meio pelo qual a empresa reassume o seu papel na coordenação da educação dos seus empregados.

A universidade corporativa pode ser implantada tanto por empresas que desejam ampliar e padronizar os programas de treinamento quanto por empresas que pretendem oferecer aos seus funcionários novas oportunidades de desenvolvimento. No entanto, seu currículo deve estar perfeitamente alinhado com o planejamento estratégico, com os objetivos e metas do negócio e com o modelo de competências da empresa. A utilização da Internet possibilita ampliar o atendimento com os mesmos recursos.

Algumas das aplicações normalmente observadas nas universidades corporativas são: formação e desenvolvimento gerencial; educação de executivos; saúde e segurança no trabalho; treinamento de força de vendas; procedimentos e rotina de trabalho; treinamento na operação do software de gestão integrada; disseminação, por meio de treinamento formal, das políticas da empresa; certificação de revendedores, distribuidores e empresas de assistência técnica; fidelização do cliente final, por intermédio de programas especiais de treinamento.

Consideramos, portanto, que as tecnologias da informação aceleraram a codificação do saber, transformando-o mais facilmente num produto mercantil, sendo armazenadas em bases de dados e tornadas acessíveis por redes informatizadas como a Internet. Entretanto, certos conhecimentos são implícitos e mais difíceis de codificar e de transacionar no mercado, correspondendo a qualificações que não podem ser reduzidas à informação. Certas qualidades humanas, como a intuição, a perspicácia, a criatividade, a capacidade de avaliação e de síntese resistem à codificação. Essas competências implícitas são essenciais para selecionar e utilizar os conhecimentos que podem ser codificados. Portanto, a capacidade de escolher a informação pertinente, de reconhecer as estruturas da informação e de interpretar e decodificar essa informação não se compra nem se vende.

A partir dessas idéias e características que levam uma empresa a uma competitividade sustentável, que tem como alicerce o conhecimento dos seus funcionários, pensou-se para esse artigo uma análise da universidade corporativa e uma descrição do seu perfil. O objetivo das universidades corporativas dentro da política de gestão do conhecimento das empresas será o termômetro para avaliar se o tipo de conhecimento importante para a empresa está sendo gerado e transferido.

2 UNIVERSIDADES CORPORATIVAS - UM BREVE HISTÓRICO

A General Motors foi a primeira empresa a abrir uma universidade dentro da organização, quando criou a General Motors Engineering and Management Institute (GMI), em 1927. O princípio fundamental da GMI de incrementar produtividade por meio do desenvolvimento do capital humano é a base da estrutura presente das universidades corporativas. A GMI desenhou e entregou os programas e aulas de desenvolvimento dos funcionários sem parcerias, pelo menos no início. A empresa manteve a educação completamente interna e centralizada. De qualquer modo, a intenção da GMI de produzir um conjunto de trabalhadores mais inteligentes com os resultados de aumento de produção e de competitividade configura a primeira tendência de tornar-se uma organização de aprendizagem por meio da abordagem de universidade corporativa (BARLEY, 1998BARLEY, K.L. Adult learning in the workplace: a conceptualization and model of the corporate university. 1998. Dissertação (Master of Science in Adult and Continuing Education) - Faculty of Virginia Polytechnic Institute and State Universit, Falls Church, Virginia, 1998.).

No início do século XX, existiam iniciativas de programas de treinamento para desenvolver e manter a mão-de-obra que eram totalmente voltadas para os funcionários internos. O foco estruturava-se em torno dos objetivos da organização, com pouca ênfase em créditos e diplomas. Escolas corporativas popularizaram-se com o progresso da revolução industrial em indústrias como química, manufatura, seguradora, editora e de serviço público. Visto que diplomas e graus acadêmicos não eram necessários, muitas empresas decidiram fornecer seus próprios programas de desenvolvimento de funcionários, o que algumas vezes eram esforços para manter o controle sobre o seu conteúdo.

Nessa época, o termo universidade corporativa não existia. Mas a tentativa dessas empresas de trazer treinamento e aprendizagem para o local de trabalho contribui para o surgimento de um movimento em prol da educação corporativa. Tendo como exemplo a GM, algumas empresas, como General Electric e Walt Disney, resolveram desenvolver a educação de seu próprio corpo de funcionários dentro das empresas. Em 1955, a General Electric criou a Crotonville.

Esse suporte de investimento em capital humano sem a ajuda de parceiros educacionais externos à organização conduziu a um crescimento da credibilidade corporativa. Isso levou alguns programas de treinamento corporativo a obterem reconhecimento em meados do século XX. De 1920 a 1980, várias empresas conquistaram a autoridade de outorga de diplomas. Na década de 1980, contudo, a aprendizagem no local de trabalho passou do controle rígido exemplificado pelos modelos da GM e da GE para abordagens mais amplas, que podem ser vistas nos dias de hoje em universidades corporativas, como a Disney University e a Motorola University. Nesses exemplos, a aprendizagem é central para a organização. Meister (1994)MEISTER, J. C. Corporate quality universities: lessons in building a world-class work force. Nova York: Irwin Professional Publishers, 1994. percebeu essa mudança e tentou distingui-la com uma alteração na terminologia. Meister chamou exemplos como GE e GM de “universidades corporativas” e de “Universidade de Qualidade Corporativa” (Corporate Quality University) para modelos mais abrangentes que foram se desenvolvendo. A diferença entre os dois conceitos é que as universidades corporativas oferecem programas de treinamento não necessariamente alinhados com os planos de negócio, mas coerentemente reativos ao observar problemas nos locais de trabalho. A maior parte dos programas é direcionada para o nível gerencial e acima, com algumas seleções para funcionários de linha de frente. As Corporate Quality Universities são uma iniciativa de mudança, em que as empresas treinam toda a sua cadeia empresarial, não somente a gerência, e vêem treinamento como uma maneira de inculcar stakeholders-chave na visão, valores, tradições e cultura da organização.

Senge (1990)SENGE, P. M. A quinta disciplina: arte, teoria e prática da organização de aprendizagem. São Paulo: Best Seller, 1990., que explorou as cinco disciplinas que dão origem às organizações de aprendizagem, iniciou essa mudança de postura ante a aprendizagem no local de trabalho. Na seqüência, várias pesquisas sobre as organizações de aprendizagem foram sendo aprimoradas, na tentativa de tornar as empresas mais competitivas e mais ágeis na resposta aos avanços tecnológicos. O fim da década de 1980 e o início da década de 1990 marcam a explosão do número de universidades corporativas, período em que as empresas começam a reconhecer a importância do aprendizado vitalício com as práticas no pensamento sistêmico desenvolvido por Senge. Tornar-se uma organização de aprendizagem é o status desejado pelas empresas. Ter isso atingido significa repensar a filosofia corporativa rumo ao desenvolvimento dos funcionários. Gerentes aceitam a necessidade de educar e continuamente reeducar seus funcionários, mas fazer uma mudança organizacional acontecer parece ser um desafio árduo e complicado, com um conjunto de necessidades e demandas, pressões para permanecer competitivo durante os períodos de transição e desejos de gerar lucro. Termos como reengenharia, rein-venção e mudança organizacional dominaram o mundo corporativo. O caráter centralizador e controlador dos programas de desenvolvimento de funcionários do passado não alcançaria esses objetivos corporativos. A alternativa de se tornar uma organização de aprendizagem casou com a necessidade de ser competitivo, o que despertou, ao menos em parte, o movimento da universidade corporativa.

Eboli (2004)EBOLI, M. Educação corporativa no Brasil: mitos e verdades. São Paulo: Gente, 2004. aposta na mudança de paradigma da gestão organizacional para entendermos o surgimento das universidades corporativas. Segundo a autora, a passagem de uma gestão taylorista/fordista para uma mais flexível, com estruturas horizontais e descentralizadas, alterou o comportamento das organizações. “A rígida divisão entre trabalho mental e manual tende a ser eliminada; tarefas fragmentadas e padronizadas tornam-se integrais e complexas, exigindo, em todos os níveis organizacionais, pessoas com capacidade de pensar, decidir e executar simultaneamente” (p. 24). Maiores competitividade e lucratividade são alcançadas pela empresa em virtude do alinhamento entre estratégia empresarial e desenvolvimento de talentos humanos.

A universidade reproduz o saber, estabelece um compromisso social e forma pessoas pensantes. É por meio das universidades corporativas que algumas empresas disponibilizam e oferecem seus próprios cursos a funcionários, clientes, fornecedores e até mesmo ao público em geral. A iniciativa de criação de cursos próprios é motivada por processos de mudança organizacional orientados para a busca da efetividade, ou, em outras palavras, é reflexo da promoção da aprendizagem organizacional (ALPERSTEDT, 2001ALPERSTEDT, C. Universidades corporativas: discussão e proposta de uma definição. Revista de Administração Contemporânea, v. 5, n. 3, p. 149-165, set./dez. 2001.).

As universidades corporativas surgiram nos Estados Unidos com o objetivo de ser uma educação continuada promovida pelas empresas, como complemento estratégico do gerenciamento do aprendizado e um serviço educacional particularmente voltado ao público interno das organizações. Elas emergiram dos departamentos de treinamento e desenvolvimento e se desenvolveram com a ascensão do modelo econômico baseado na informação e no conhecimento surgido na metade do século XX. O aprendizado tornava-se, assim, um processo contínuo que exigia dos funcionários aprenderem rápido e com regularidade, de modo a acompanhar os avanços tecnológicos e a competição globalizada (ALPERSTEDT, 2001ALPERSTEDT, C. Universidades corporativas: discussão e proposta de uma definição. Revista de Administração Contemporânea, v. 5, n. 3, p. 149-165, set./dez. 2001.; MEISTER, 1999____________. Educação corporativa. São Paulo: Makron Books, 1999.).

É providencial comentar que as universidades corporativas surgem no fim do século XX mesclando dois enfoques de produção do conhecimento: a linha Ideológica (modo de ser e pensar) e a Técnica ou Operacional (modo de fazer), procurando desenvolver, nos mais diversos públicos e categorias profissionais com os quais a empresa interage, tanto os componentes ideológicos quanto os tecnológicos (EBOLI, 2004EBOLI, M. Educação corporativa no Brasil: mitos e verdades. São Paulo: Gente, 2004.).

3 PROPOSTA DE DEFINIÇÃO DE UNIVERSIDADE CORPORATIVA

A tentativa de se definir universidade corporativa encontra um obstáculo inerente ao seu processo de criação, pois sua implementação varia de empre-sa para empresa e, atuando de modo a fomentar esse aspecto, a tecnologia e a competição exigem que a universidade corporativa mude sua forma a fim de permanecer atualizada. As universidades corporativas surgiram com o propósito de manter ou tornar as organizações mais competitivas em virtude das pressões e desafios presentes no ambiente atual de rápidas mudanças, principalmente na área tecnológica. A intenção, portanto, é moldar uma empresa individual em torno de seus desafios individuais de estar atualizada e administrar as mudanças. Apesar dessa variedade nas definições de propósitos e estruturas entre as universidades corporativas, algumas características são comuns e conceitualmente podem definir a universidade corporativa (BARLEY, 1998BARLEY, K.L. Adult learning in the workplace: a conceptualization and model of the corporate university. 1998. Dissertação (Master of Science in Adult and Continuing Education) - Faculty of Virginia Polytechnic Institute and State Universit, Falls Church, Virginia, 1998.).

Alperstedt (2001)ALPERSTEDT, C. Universidades corporativas: discussão e proposta de uma definição. Revista de Administração Contemporânea, v. 5, n. 3, p. 149-165, set./dez. 2001. propõe uma definição para universidade corporativa, destacando a diferença entre esta e os tradicionais departamentos de treinamento. Para esse ponto, explorou duas perspectivas de análise: longitudinal e transversal. Na análise longitudinal, observou que o conceito de competência foi incorporado à prática organizacional como base do modelo de gestão de pessoas. Na análise transversal, a autora pontua as diferenças entre a universidade corporativa e os departamentos de treinamento e desenvolvimento, que também foram destacadas por Meister (1999)____________. Educação corporativa. São Paulo: Makron Books, 1999..

A universidade corporativa é o guarda-chuva centralizado que oferece soluções de aprendizagem com relevância estratégica para cada família de cargos dentro da organização, transformando a organização numa estrutura de aprendizado permanente. Ela deve ter foco na estratégia e nos valores organizacionais próprios da empresa à qual está atrelada. Sua implementação é o intuito da organização em desenvolver sua força de trabalho, organizando, sistematizando e agilizando seus esforços de aprendizagem, tornando o processo mais coeso e determinado (MEISTER, 1999____________. Educação corporativa. São Paulo: Makron Books, 1999.).

As universidades corporativas trouxeram ao anterior departamento de treinamento e desenvolvimento as seguintes abordagens (ALPERSTEDT, 2001ALPERSTEDT, C. Universidades corporativas: discussão e proposta de uma definição. Revista de Administração Contemporânea, v. 5, n. 3, p. 149-165, set./dez. 2001.):

  • O conceito de competência foi incorporado à prática organizacional.

  • Não-restrição dos serviços educacionais aos funcionários, com destaque para abertura ao público externo em geral.

  • Estabelecimento de parcerias com instituições de ensino superior, com destaque para a validação dos créditos cursados e a possibilidade de conferição de diplomas.

Allen (2002)ALLEN, M. What is a corporate university, and why should an organization have one? In: ALLEN, M. The corporate university handbook: designing, managing and growing a successful program. Nova York: Amacom, 2002, p. 1-12. trabalha com algumas possíveis definições de universidade corporativa para chegar a uma definição simples que servirá de guia para sua compreensão, pois uma definição simples e largamente aceita é evasiva.

Universidade corporativa é uma entidade educacional que é uma ferramenta estratégica designada a auxiliar sua matriz no alcance de sua missão pela condução de atividades que cultivam aprendizagem individual e organizacional, conhecimento e sabedoria (ALLEN, 2002ALLEN, M. What is a corporate university, and why should an organization have one? In: ALLEN, M. The corporate university handbook: designing, managing and growing a successful program. Nova York: Amacom, 2002, p. 1-12., p. 9).

Eboli (2004)EBOLI, M. Educação corporativa no Brasil: mitos e verdades. São Paulo: Gente, 2004. define a universidade corporativa como “um sistema de desenvolvimento de pessoas pautado pela gestão de pessoas por competências”. Acrescenta ainda que “a missão de uma UC consiste em formar e desenvolver os talentos na gestão dos negócios, promovendo a gestão do conhecimento organizacional (geração, assimilação, difusão e aplicação), através de um processo de aprendizagem ativa e continua”.

Um método para definir uma universidade corporativa é examinar seu escopo de atividades. Allen (2002)ALLEN, M. What is a corporate university, and why should an organization have one? In: ALLEN, M. The corporate university handbook: designing, managing and growing a successful program. Nova York: Amacom, 2002, p. 1-12. identificou quatro níveis de atividades que as universidades corporativas podem estar encarregadas: 1. somente treinamento, focado em habilidades para tarefas específicas; 2. treinamento e desenvolvimento gerencial e/ou executivo, que se refere à educação designada a modificar partes núcleo do executivo e seu comportamento; 3. cursos oferecidos para crédito acadêmico, nos quais os créditos podem ser transferidos ou aplicados em grau acadêmico - pela dificuldade burocrática, as universidades corporativas fazem parcerias com universidades tradicionais, que fornecem os créditos para o participante do curso; 4. cursos oferecidos que conduzem a um grau acadêmico, em que as universidades corporativas devem oferecer diplomas reconhecidos.

O termo “universidade” provoca discussões e algumas considerações. A utilização de tal termo implica reconhecimento de crédito universitário e outorga de diplomas. Empresas na Europa, por exemplo, são mais conservadoras e preferem utilizar termos como “centro”, “instituto”, “academia”, para designar suas universidades corporativas (RENAUD-COLON, 2002RENAUD-COLON, A. Corporate universities in Europe. In: ALLEN, M. The corporate university handbook: designing, managing and growing a successful program. Nova York: Amacom, 2002, p. 219-230.).

A maior parte das universidades corporativas não solicita nem conquista reconhecimento de crédito, e isso não tem sido um requisito para o uso do termo “universidade” em nenhuma das definições mencionadas. O termo foi utilizado pela primeira vez pela Walt Disney, na década de 1950, e se espalhou pelas empresas, gerando reações tanto negativas quanto positivas. Do lado positivo, o uso do termo “universidade” passa a idéia de credibilidade. Do lado negativo, sua utilização sem o devido reconhecimento de crédito corrompe e torna ilegítima a instituição. Para evitar tais distorções no uso desse termo, muitas empresas preferiram chamar de formas diferentes seus programas de desenvolvimento e treinamento corporativo. Na literatura há uma variedade de termos que apresentam o mesmo significado e propósito de uma universidade corporativa: academia corporativa, instituto de aprendizagem, organização de aprendizagem, faculdade empresarial, escola empresarial, entre outros (BARLEY, 1998BARLEY, K.L. Adult learning in the workplace: a conceptualization and model of the corporate university. 1998. Dissertação (Master of Science in Adult and Continuing Education) - Faculty of Virginia Polytechnic Institute and State Universit, Falls Church, Virginia, 1998.).

Pesquisas indicam que são raras as universidades corporativas que oferecem ou estão dispostas a oferecer diplomas reconhecidos. A dificuldade em obter o reconhecimento impede que elas queiram alcançar esse nível de atividade. Isso se soma ao fato de que, para qualquer necessidade específica de treinamento que a empresa precisar suprir, a implementação de parcerias com as universidades tradicionais, que customizam programas de treinamento para as empresas, torna essa oferta desnecessária (ALLEN, 2002ALLEN, M. What is a corporate university, and why should an organization have one? In: ALLEN, M. The corporate university handbook: designing, managing and growing a successful program. Nova York: Amacom, 2002, p. 1-12.).

O foco na estratégia e nos valores organizacionais é o que determina a verdadeira universidade corporativa. A existência de uma boa universidade corporativa está condicionada à sua ajuda para a empresa atingir seus objetivos. Vista dessa forma, a universidade corporativa pode ser um poderoso instrumento para ajudar as organizações a chegar onde elas precisam estar por meio de seus funcionários, que estarão desenvolvendo suas habilidades.

A característica que mais define uma universidade corporativa, segundo Allen (2002)ALLEN, M. What is a corporate university, and why should an organization have one? In: ALLEN, M. The corporate university handbook: designing, managing and growing a successful program. Nova York: Amacom, 2002, p. 1-12., é a sua conexão com a estratégia da sua matriz. O treinamento é uma atividade da universidade corporativa, mas um departamento de treinamento por si só não se qualifica como uma universidade corporativa, pois suas atividades normalmente não têm uma ligação estratégica direta com a missão da organização e raras vezes são designadas a cultivar aprendizagem organizacional, conhecimento e saber.

A Tabela 1 enumera as características das universidades corporativas encontradas por meio da pesquisa empírica.

TABELA 1
RESUMO DAS CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DE UMA UNIVERSIDADE CORPORATIVA

4 FUNDAMENTOS ESSENCIAIS DA UNIVERSIDADE CORPORATIVA

A criaçao de uma universidade corporativa é o intuito da organizaçao em desenvolver sua força de trabalho, organizando, sistematizando e agilizando seus esforços de aprendizagem, tornando o processo mais coeso e determinado. Em todas as universidades corporativas percebe-se um único objetivo fundamental, o de tornar a instituição uma estrutura de aprendizado permanente. Contudo, há em comum entre as variadas universidades corporativas alguns princípios e objetivos, que são (MEISTER, 1999____________. Educação corporativa. São Paulo: Makron Books, 1999.):

  1. Oferecer oportunidades de aprendizagem que dêem sustentação às questões empresariais mais importantes da organização: o modelo de universidade é baseado em competências e vincula a aprendizagem às necessidades estratégicas da empresa. O vínculo está entre as qualificações do funcionário e os objetivos empresariais.

  2. Considerar o modelo da universidade corporativa um processo e não um espaço físico destinado à aprendizagem: a ênfase não está no espaço físico, mas na criação de um processo, em que aumenta a aptidão do funcionário para a aprendizagem, tentando incorporar em cada um deles o comprometimento e o acesso a uma aprendizagem permanente.

  3. Elaborar um currículo que incorpore os três C: desenvolver a Cidadania Corporativa, que incute em todos os funcionários os valores e a cultura da organização e define comportamentos que possibilitam aos funcionários “viver esses valores” (exemplos de valores: demonstrar comportamento ético, colocar o cliente em primeiro lugar, respeitar o valor do acionista, fazer da organização um local de trabalho espetacular, valorizar o trabalho em equipe, assumir responsabilidade pessoal pelo sucesso e comprometer-se com a comunidade e com o ambiente - auto-avaliação dos funcionários); proporcionar uma Estrutura Contextual para a empresa, que permite que os funcionários conheçam o contexto no qual a empresa opera; e criar Competências Básicas entre os funcionários no ambiente de negócios, incluindo técnicas de comunicação, colaboração, raciocínio criativo, resolução de problemas, conhecimento tecnológico, entre outros.

  4. 4Treinar a cadeia de valor e parceiros, incluindo clientes, distribuidores, fornecedores de produtos terceirizados, assim como universidades que possam fornecer os trabalhadores de amanhã: o argumento é que, se todos os membros vitais da cadeia tiverem conhecimento da visão, dos valores, da missão e das metas de qualidade, a empresa estará mais bem preparada para atingir seus objetivos estratégicos.

  5. Passar do treinamento conduzido pelo instrutor para vários formatos de apresentação da aprendizagem: são utilizadas várias fontes de aprendizagem a fim de incutir na estrutura da organização a disposição para o aprendizado contínuo.

  6. Encorajar e facilitar o envolvimento dos líderes com o aprendizado: transferindo a tarefa de facilitar a aprendizagem de especialistas externos para líderes internos.

  7. Passar do modelo de financiamento corporativo por alocação para o “autofinanciamento” pelas unidades de negócio: busca de financiamento por meio de serviços prestados a clientes e fornecedores. A estratégia de obtenção de recursos via remuneração por serviços evolui à medida que a universidade corporativa vai amadurecendo. Raramente as universidades corporativas são criadas com esse modelo porque poucos “clientes” percebem como seus serviços podem ser valiosos. À medida que elas comprovam seu valor, a remuneração pelos serviços evolui naturalmente.

  8. Assumir um foco global no desenvolvimento de soluções de aprendizagem: os programas devem importar as melhores práticas mundiais para que os participantes tenham uma visão global e incorpore-as a suas funções corporativas.

  9. Criar um sistema de avaliação dos resultados e também dos investimentos: deixar para trás a medida dos investimentos (número de dias ou horas do aluno) e adotar uma medida dos resultados (a contribuição de um investimento em educação para que seja cumprida uma estratégia empresarial). Analisar o impacto dos serviços fornecidos pela universidade corporativa nos resultados do negócio.

  10. Utilizar a universidade corporativa para obter vantagem competitiva e entrar em novos mercados: tornar-se uma vantagem competitiva para a empresa, ou seja, permitir que ela possa penetrar em novos mercados e buscar oportunidades, observando o que acontece no mundo e levando essas informações para dentro da organização.

Para Eboli (2004)EBOLI, M. Educação corporativa no Brasil: mitos e verdades. São Paulo: Gente, 2004., o conceito de UC corresponde à implementação dos seguintes pressupostos:

  • Objetivo principal: desenvolver as competências críticas do negócio em vez de habilidades individuais.

  • Foco do aprendizado: privilegiar o aprendizado organizacional fortalecendo a cultura corporativa e o conhecimento coletivo, e não apenas o conhecimento individual.

  • Escopo: concentrar-se nas necessidades dos negócios, tornando o escopo estratégico, e não focado exclusivamente nas necessidades individuais.

  • Ênfase dos programas: conceber e desenhar ações e programas educacionais a partir das estratégias de negócios, ou seja, da identificação das competências críticas empresariais.

  • Público-alvo: adotar o conceito de educação inclusiva, desenvolvendo competências críticas nos públicos interno e externos (familiares, clientes, fornecedores, distribuidores, parceiros comerciais e comunidade), e não somente nos funcionários.

  • Local: contemplar a possibilidade de ser um projeto virtual e não necessariamente um local físico.

  • Resultado: aumentar a competitividade empresarial e não apenas as habilidades individuais.

Dez componentes fundamentais do projeto de uma universidade corporativa (MEISTER, 1999____________. Educação corporativa. São Paulo: Makron Books, 1999.):

  1. Formar um sistema de controle: não apenas o envolvimento da alta administração garantirá o esforço inicial, mas há que se ter a inclusão dos gerentes a fim de que se desenvolva uma visão compartilhada da universidade corporativa. O sistema controlador é uma estrutura com papel e responsabilidades definidos, que vincula estratégias empresariais ao projeto e desenvolvimento de soluções de aprendizagem. Oferece quatro papéis-chave: identifica e prioriza as necessidades de aprendizagem atuais e futuras; vincula o treinamento a essas principais estratégias empresariais; assegura projeto, desenvolvimento, apresentação e avaliação consistentes; e oferece orientação para o desenvolvimento de uma filosofia de aprendizagem.

  2. Criar uma visão: a visão clareia a direção na qual a universidade corporativa deve caminhar e deve evoluir com a evolução do projeto.

  3. Recomendar o alcance e a estratégia de obtenção de recursos: a definição do alcance de suas operações (funcionários atendidos e programas oferecidos) conduzirá à magnitude do orçamento a ser empregado no projeto, desenvolvimento e apresentação dos programas e à maneira como os recursos serão obtidos.

  4. Criar uma organização: algumas funções são centralizadas por motivos de custo e eficiência, e outras continuarão descentralizadas.

  5. Identificar interessados: identificar o público-alvo e as suas necessidades.

  6. Criar produtos e serviços: desenvolver um modelo de soluções de aprendizagem.

  7. Selecionar parceiros de aprendizagem: parceiros podem ser desde fornecedores de treinamento, consultores e instituições de educação superior até empresas de educação com fins lucrativos.

  8. Esboçar uma estratégia de tecnologia: com o compromisso de distribuir aprendizagem por toda a organização.

  9. Criar um sistema de avaliação: não somente quantitativo, mas que avalie o impacto do treinamento nos negócios em termos, por exemplo, de qualidade no trabalho, eficiência, manutenção e satisfação dos clientes e cumprimento de prazos etc.

  10. Comunicar... Comunicar... Comunicar: programas bem-sucedidos reconhecem que a comunicação efetiva do valor de uma universidade corporativa exige o envolvimento dos funcionários, que sabem exatamente o que está por trás dessa decisão. Questões básicas sobre a universidade corporativa devem ser respondidas de imediato para que todos entendam o que está associado a esse empreendimento.

5 CONFIGURAÇÃO DA UNIVERSIDADE CORPORATIVA

As universidades corporativas são tão variadas quanto as organizações com as quais estão vinculadas, assumindo características diversificadas. Alperstedt (2001)ALPERSTEDT, C. Universidades corporativas: discussão e proposta de uma definição. Revista de Administração Contemporânea, v. 5, n. 3, p. 149-165, set./dez. 2001. discorre sobre alguns tópicos que pontuam possíveis arranjos organizacionais.

  • Origem do investimento: as universidades corporativas necessitam de investimentos significativos por parte das empresas às quais estão atreladas. No sentido de driblar grandes investimentos, há o caso dos consórcios entre empresas não concorrentes que compartilham necessidades de treinamentos comuns, e que têm se associado a fim de obter redução de custos; licenciamento de programas para fornecedores e clientes.

  • Espaço físico: instalações próprias; parcerias com instituições de ensino no uso das instalações físicas; mesclar atividades presenciais com atividades a distância.

  • Créditos reconhecidos e outorga de diplomas: acordos e parcerias com instituições de ensino superior tradicionais.

  • Composição do corpo docente: professores universitários titulados; executivos das empresas e/ou consultores externos.

  • Clientela: cursos de treinamento estendidos a clientes, fornecedores, intermediários no processo de venda, franqueados, outras empresas e à comunidade externa em geral.

Uma pesquisa realizada entre as maiores empresas alemãs procurou analisar a implantação da universidade corporativa como uma forma de estruturar a organização para que suas estratégias organizacionais sejam alcançadas (HILSE; NICOLAI, 2004HILSE, H.; NICOLAI, A. T. Strategic learning in Germany’s largest companies: empirical evidence on the role of corporate universities within strategy process. Journal of Management Development, v. 23, n. 4, p. 372-398, 2004.). Abordam a estratégia como um processo, considerando o planejamento como uma parte da evolução do sistema. Os autores diferenciaram as universidades corporativas em três tipos, tendo como foco principal os seus objetivos:

  • Tipo 1 - Qualificação individual: concentra-se no aprendizado individual.

  • Tipo 2 - Mudança organizacional: o processo de aprendizagem individual está ligado a um processo de mudança organizacional.

  • Tipo 3 - Renovação estratégica: considerado o tipo mais evoluído de universidade corporativa, a aprendizagem e o desenvolvimento empresarial correm juntos. Apóiam o conceito de diálogo e desenvolvimento estratégico orientado para a ação.

Em todos os tipos há uma conexão com a estratégia, mas que diferem na sua natureza. Nos dois primeiros tipos, por exemplo, a estratégia é um pré-requisito e a universidade corporativa é um “instrumento de implementação” estratégico; no tipo 3, a universidade corporativa desempenha sua parte como um ator estratégico potencial no processo de desenvolvimento estratégico. Quando se trata de estratégia, as universidades corporativas priorizam os níveis gerenciais da empresa.

O estudo das universidades corporativas alemãs trouxe algumas considerações importantes para o nosso estudo no caso brasileiro. Levantou questões referentes aos motivos que levaram ao estabelecimento de uma universidade corporativa na empresa e quais são o status e os alvos que a universidade corporativa tem ou pretende atingir dentro da organização. Observou, também, que a existência de uma universidade corporativa depende diretamente do número de empregados, ou seja, quanto maior a empresa, maior a probabilidade de ela possuir uma universidade corporativa.

O motivo principal que leva uma empresa alemã a estabelecer uma universidade corporativa é desenvolver o potencial da gerência. Percebe-se, portanto, que o ponto de partida é o indivíduo. E esse motivo é, conseqüentemente, o mais encontrado em universidades corporativas do tipo 1, que buscam qualificar o funcionário acima de tudo. O tipo i também é uma característica das empresas menores que optaram pela instituição da universidade corporativa. Há um predomínio da universidade corporativa do tipo 3 nas grandes empresas.

Mudança nos processos e na gestão do conhecimento são os motivos principais pelas quais as empresas alemãs criaram suas próprias universidades, e são caracterizadas pelo tipo 2. A expansão e o desafio da estratégia motivaram com mais freqüência as empresas que criaram as universidades corporativas do tipo 3.

Em todas as universidades corporativas alemãs observou-se o predomínio de cursos de treinamento tradicionais direcionados ao indivíduo. E em comparação com as universidades corporativas dos Estados Unidos, as alemãs ocupam com mais freqüência os níveis hierárquicos superiores, estando, na maioria das vezes, ligadas à função de recursos humanos.

Os gerentes não devem ser negligenciados pelas universidades corporativas, pois os mesmos encontram-se numa posição de reforço, reconhecimento e recompensa de experiências na aprendizagem. O estudo sobre as universidades corporativas alemãs percebeu que o envolvimento da diretoria é crucial, pois uma universidade corporativa só pode ser estrategicamente importante quando existir esse envolvimento (HILSE; NICOLAI, 2004HILSE, H.; NICOLAI, A. T. Strategic learning in Germany’s largest companies: empirical evidence on the role of corporate universities within strategy process. Journal of Management Development, v. 23, n. 4, p. 372-398, 2004.; FLEURY, 1995FLEURY, M. T. L. Aprendizagem e inovação organizacional. São Paulo: Atlas, 1995.).

Bobeda (2005)BOBEDA, A. Disponível em: http://www.revistadigital.com.br/forum_ads.asp?CodMateria=2542. Acesso em: 20 maio 2005.
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caracteriza como uma tendência a estrutura virtual das universidades corporativas, com o auxílio de sofisticados LMS (Learning Management Systems). Tais sistemas fornecem a plataforma para ambiente de aprendizagem on-line, possibilitando o gerenciamento, a transferência e o rastreamento da combinação de aprendizagem (aula virtual e presencial). “é uma ‘entrega de conhecimento’ no tempo certo, às pessoas certas, distante apenas a alguns cliques do mouse.” Afirma que a vantagem das universidades corporativas está em preparar pessoas tanto no campo profissional como no pessoal, e que, sendo ela via e-learning, reduz os custos de treinamento, gera economia de escala e ganho de tempo em relação aos cursos presenciais, além de facilitar a criação de uma comunidade virtual de aprendizagem, o compartilhamento do conhecimento e a auto-aprendizagem (ROSENBERG, 2002ROSENBERG, M. J. E-learning: estratégia para a transmissão do conhecimento na era digital. São Paulo: Makron Books, 2002.; BOBEDA, 2005BOBEDA, A. Disponível em: http://www.revistadigital.com.br/forum_ads.asp?CodMateria=2542. Acesso em: 20 maio 2005.
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).

A concepção de gestão do conhecimento remete a uma discussão: a necessidade da criação de um ambiente propício a esse tipo de gestão. Entende-se que essa criação está atrelada a uma nova configuração de organização, incluindo o desenvolvimento de uma visão compartilhada, relações interpessoais, novas relações de poder, formas de remuneração e reconhecimento, formas de trabalho, entre outros. Todos esses fatores podem ser resumidos naquilo que se considerou a cultura da organização, pois retratam o conjunto de inter-relações entre crenças e pressupostos organizacionais (HATCH, 1997HATCH, M. J. Organization theory: modern, simbolic and postmodern perspectives. Oxford: Oxford University Press, 1997.).

A gestão do conhecimento não é apenas treinamento, mas envolve atitudes, pró-atividade, valores e crenças, o que se traduz em cultura. O conhecimento coletivo abrange a atuação na cultura e na comunicação organizacional, e somente por meio desses pode-se chegar à gestão do conhecimento efetiva (GONÇALVES FILHO; GONÇALVES, 2001GONÇALVES FILHO, C.; GONÇALVES, C. A. Gerência do conhecimento: desafios e oportunidades para as organizações. Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 8, n. 1,p. 47-59, jan./mar. 2001.). A idéia de universidade corporativa não é treinamento, mas um trabalho de educação atrelado aos valores e culturas organizacionais. E será a universidade corporativa, definida como geradora de competências, um meio de se propagar a transformação de uma organização para que ela seja voltada para o conhecimento e consiga “efetivamente” gerir o conhecimento?

6 PERFIL DAS UNIVERSIDADES CORPORATIVAS NO BRASIL

Buscou-se traçar um perfil das universidades corporativas de empresas no Brasil partindo-se de dados e informações fornecidos pelas próprias empresas.

Com relação ao motivo de criação de sua universidade corporativa, as empresas sinalizaram os mais variados. Uma questão fundamental a ressaltar é que não existe homogeneidade quando se fala de universidade corporativa; cada empresa adota estrutura e práticas de acordo com necessidades particulares, porém todas elas cultivam em comum a busca pela educação continuada e pelo desenvolvimento de pessoas e competências específicas ao negócio. Os objetivos a que se propõe sua adoção também são muito particulares às necessidades das empresas. Há uma preocupação em se alinhar ações de treinamento à estratégia da organização, como também em melhorar o desempenho organizacional. A adoção do modelo de universidade corporativa também apresentou como objetivos administrar o conhecimento e as competências e fortalecer a imagem da organização.

Observou-se que a universidade corporativa representa um papel importante no processo estratégico da empresa, apesar de apresentar-se sob diferentes graus de comprometimento. A maioria caracterizou-se como colaboradora e divulgadora da estratégia da empresa. Todas as universidades corporativas pesquisadas ocupam altos níveis hierárquicos na organização, o que facilita sua influência nas questões estratégicas da empresa. As universidades corporativas são dirigidas por ocupantes do cargo de gerência geral, da gerência de recursos humanos ou do cargo de executivo da área de educação corporativa.

O número de funcionários que trabalham para as universidades corporativas oscila entre 4 e 200 pessoas, dependendo do porte da empresa. Grandes empresas apresentaram a necessidade de maior número de pessoas trabalhando nas universidades corporativas.

O público-alvo foi caracterizado pelos seguintes elementos: gerentes; funcionários; público; clientes; parceiros e prestadores de serviços. A definição do público das universidades corporativas está diretamente ligada ao objetivo proposto pelas suas ações, programas e estratégias de ensino. Por isso os programas podem tanto atender os funcionários quanto o público em geral, dependendo da estratégia de aprendizado da empresa e do que ela espera obter com o aprendizado.

Os pré-requisitos exigidos para participar dos programas das universidades corporativas costumam ser algum tipo de vínculo com a empresa (clientes, fornecedores, funcionários, parceiros) ou até mesmo partir da indicação do superior (no caso dos funcionários) para fazer o curso pretendido. Numa das universidades corporativas, os pré-requisitos citados foram: “ser gestor ou consultor da empresa, ter alto potencial ou alto desempenho, ser indicado em consenso pela chefia e pelo RH para participar do programa, inglês mínimo intermediário, ter formação superior e passar por assessment pessoal”.

As universidades corporativas no Brasil não participam do processo de seleção dos funcionários, ficando essa tarefa a cargo do departamento de recursos humanos.

Com relação aos cursos oferecidos, as universidades corporativas buscam incorporar os três C (Cidadania Corporativa, Estrutura Contextual e Competências Básicas) nos programas de treinamento, conforme exemplo da Caixa Econômica Federal (CEF).

Os cursos pertencem a cinco escolas: Escola de Gestão (cursos para atuais ou futuros gestores da empresa); Escola de Cidadania (cursos sobre responsabilidade social e ambiência corporativa); Escola de Suporte Operacional (cursos para áreas de suporte, como jurídico, engenharia, RH, compras, obras etc.); Escola de Negócios (cursos sobre os novos produtos da empresa) e Núcleo de Formação Ampliada (incentivo a cursos de graduação e pós) (Fonte: CEF).

Todas as universidades corporativas pesquisadas fornecem certificados aos participantes, embora não sejam, na sua maioria, reconhecidos pelo MEC (Ministério da Educação). Essa ação traz maior credibilidade aos cursos e programas oferecidos pela UC.

A totalidade das universidades corporativas pesquisadas recebe investimento e é sustentada pelas próprias empresas, não cobrando dos participantes os cursos ofertados e dependendo exclusivamente de orçamento disponível para os gastos com a educação corporativa. Passar do modelo de financiamento corporativo por alocação para o “autofinanciamento” pelas unidades de negócio é um desafio para as universidades corporativas, pois muito dessa situação pode ser explicado por essa fase inicial em que as universidades corporativas encontram-se no País. Conforme Meister (1999)____________. Educação corporativa. São Paulo: Makron Books, 1999. sinaliza, a estratégia de obtenção de recursos via remuneração por serviços evolui à medida que a universidade corporativa vai amadurecendo.

No que diz respeito à estrutura, boa parte das universidades surgiu a partir de centros de treinamento ou departamentos de recursos humanos, aos quais muitas ainda permanecem vinculadas. No entanto, é possível perceber que elas realmente incorporaram o papel mais amplo da universidade corporativa, que, segundo Eboli (apud DALMAU, 2001DALMAU, M. B. L. Impactos da utilização da educação a distância na capacitação de recursos humanos realizados pelas empresas de grande porte. 2001. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2001.), é o desenvolvimento de competências críticas, seja qual for a função desempenhada pelo profissional na esfera organizacional.

Com relação ao envolvimento dos líderes no aprendizado, os estudos sobre as universidades corporativas mostram que o envolvimento por parte de todos os funcionários, englobando todos os níveis, com a aprendizagem é fator crucial para que o processo seja contínuo e gere frutos. Sem dúvida, o papel da gerência nesse aspecto é muito importante, pois serão os gerentes os grandes multiplicadores. Mas isso não vem correspondendo à realidade. Mesmo não havendo uma pergunta direta no questionário enviado para as universidades corporativas com relação a esse tema, algumas empresas abordaram-no, conforme mostram alguns trechos (literais) extraídos dos questionários:

“O paradigma mais difícil de se quebrar é o de que todo líder deve ser educador. A responsabilidade de educação é de todos e não só da UC” (Entrevistado C).

“A dificuldade principal hoje reside na inexperiência do corpo gerencial em direcionar as estratégias da organização numa linha educacional, no que a Boston School tem de atuar diretamente, assessorando e orientando” (Entrevistado B).

7 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Uma questão fundamental a ressaltar é que não existe homogeneidade quando se fala de universidade corporativa. Cada empresa adota estrutura e práticas de acordo com necessidades particulares, porém todas elas cultivam em comum a busca incansável pela educação continuada e pelo desenvolvimento de pessoas e competências específicas ao negócio.

As universidades corporativas possuem características de concentração física e de recursos para otimizar a capacitação dos funcionários (capital humano). Com esse formato, elas podem facilitar a gestão do conhecimento nos seguintes pontos:

  • Reunir pessoas de diversas partes da organização.

  • Oferecer a difusão e a padronização de conhecimento de diferentes partes da organização.

  • Permitir que pessoas de diferentes partes da organização conversem.

  • Concentrar esforços para adquirir conhecimentos externos.

  • Organizar o mercado do conhecimento.

As universidades corporativas promovem o acesso, a coordenação e a transferência do conhecimento por meio de treinamento virtual (Internet, intranet, videoconferência) e em sala de aula; encontros, debates e discussões; biblioteca; bancos de dados de informações (tecnológicas, mercadológicas, de pessoas e competências); artigos e revistas especializadas; feiras e congressos; e clientes. Contudo, não há evidências de que ocorre algum processo de compartilhar experiências, sem o uso da linguagem, realizado somente por meio da observação, imitação e prática.

A aprendizagem nas universidades corporativas não engloba cursos ou programas em que o participante tem a oportunidade de obter o conhecimento tácito e criar um novo conceito a partir disso. De modo geral, as universidades corporativas pesquisadas buscam armazenar o conhecimento gerado pelos participantes dos programas, por meio de trabalhos escritos e monografias disponibilizados na intranet ou Internet ou publicações escritas pelos próprios alunos que ficam disponíveis nas bibliotecas da empresa.

As universidades corporativas são subutilizadas pelas empresas no que diz respeito à gestão do conhecimento, estando muito mais ligadas à área de recursos humanos ou de gestão de pessoas. As universidades corporativas atuam mais como um ambiente onde os conhecimentos são compartilhados informalmente, sem fazerem parte da estrutura da gestão do conhecimento.

A universidade corporativa é uma estrutura que sustenta um conjunto de funções e qualificações para desempenhar o trabalho de distribuir e armazenar o conhecimento. Além disso, serve de espaço para que novos conhecimentos sejam criados e transformados em publicações, que estarão disponíveis nas bibliotecas ou na intranet das empresas. Observando, portanto, a atual estrutura e as características da universidade corporativa, ela vem a ser uma estrutura facilitadora para a gestão do conhecimento, sem, contudo, substituir a gestão do conhecimento.

8 CONCLUSÃO

A mensagem de Charles Handy (1993, p. 223)HANDY, C. Understanding organizations. Harmondsworth: Penguin Books, 1993. aborda em profundidade os aspectos vivenciados pelas universidades corporativas:

Aprendizagem e desenvolvimento são uma tarefa vitalícia. Pessoas mudam muito: adquirem novos conhecimentos ou habilidades técnicas, tornam-se mais equilibradas ou se arriscam mais, encontram novas habilidades em si mesmas ou aprendem a interagir umas com as outras de maneira mais produtiva, aprendem a enfrentar o stress, ou ajudar outras pessoas a fazerem isso. O desafio das organizações é entender como acelerar e canalizar esse processo de aprendizagem e desenvolvimento.

Não há dúvida de que o número de universidades corporativas está aumentando em todo o mundo. Esse crescimento pode ser explicado pela tendência de as organizações gostarem da idéia de ter sua própria universidade, que, depois de instalada, cria raízes rapidamente e acaba por se tornar parte da estrutura e da cultura das organizações que as criaram.

Também não se pode deixar de mencionar que muitas das que se intitulam “universidades corporativas” não passam de departamentos de treinamentos renomeados. Mas essa é uma tendência que se extinguirá tão rapidamente quanto mais pesquisas e livros forem escritos sobre o que é uma verdadeira universidade corporativa e como pode trazer benefícios às organizações.

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  • BOBEDA, A. Disponível em: http://www.revistadigital.com.br/forum_ads.asp?CodMateria=2542 Acesso em: 20 maio 2005.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2006

Histórico

  • Recebido
    12 Dez 2005
  • Aceito
    20 Ago 2006
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