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ANTECEDENTES DO ENGAJAMENTO NO TRABALHO DOS DOCENTES DE ENSINO SUPERIOR NO BRASIL

RESUMO

Objetivo:

Esta pesquisa teve como objetivo identificar e analisar os principais antecedentes, as demandas e os recursos externos de trabalho que estão relacionados com o engajamento na esfera laboral dos docentes de ensino superior brasileiros.

Originalidade/valor:

Primeiros achados sobre engajamento, recursos e demandas detrabalho com docentes de uma amostra brasileira. Contribui para a reflexão da situação em que se encontram esses professores e as condições de seus trabalhos.

Design/metodologia/abordagem:

Utilizou-se a abordagem quantitativa por meio de um questionário on-line composto por perguntas de identificação e duas escalas. A amostra contou com 506 professores pertencentes a todas às unidades federativas do país. Os dados coletados foram analisados por meio de estatística descritiva, análise de variância e teste t.

Resultados:

Os principais achados mostram que os docentes, de forma geral, possuem escores medianos de engajamento, porém muito próximos de um limite que pode afetar a saúde mental deles. As demandas qualitativas e os recursos de trabalho (execução de tarefas) são os mais expressivos na vida laboral desses profissionais. De modo geral, os docentes de instituições privadas percebem as demandas e os recursos de trabalho de maneira mais favorável que os que atuam em instituições públicas.

PALAVRAS-CHAVE
Engajamento; Demandas; Recursos; Trabalho; Psicologia Positiva

ABSTRACT

Purpose:

This research aimed to identify and analyze the antecedents of work engagement through job demands and resources of the higher education professors in Brazil.

Originality/value:

First findings of engagement, job resources and demands regarding Brazilian professors sample. This dissertation contributes to the reflection of their situation and the conditions of their jobs.

Design/methodology/approach:

This study used a quantitative approach by means of applying an online questionnaire composed of identification questions and two scales. The sample comprised 506 professors belonging to all federative units of the country. Data collected from the questionnaire was analyzed through descriptive statistics, analysis of variance and t-test.

Findings:

The main findings show that professors, in general, have medium levels of engagement, but it is very close to the limit that can affect their health. The qualitative demands are the most expressive in the working life of these professionals and the work resources (task execution) were those that obtained the highest average among all resources, followed by the social ones. In general, professors from private institutions perceive job demands and resources more favorably than those who work in public institutions.

KEYWORDS
Engagement; Demands; Resources; Labor; Positive Psychology

1. INTRODUÇÃO

O engajamento no trabalho, sob a ótica da Psicologia Positiva, pode gerar ou aumentar o bem-estar dos indivíduos no trabalho (Schaufeli, Dijkstra, & Vazquez, 2013Schaufeli, W., Dijkstra, P., & Vazquez, A. C. (2013). Engajamento no trabalho. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.). Ele é considerado um estado positivo e intenso, que envolve sentimentos de inspiração, bem-estar e prazer autêntico (Magnan, Vazquez, Pacico, & Hutz, 2016Magnan, E. dos S., Vazquez, A. C. S., Pacico, J. C., & Hutz, C. S. (2016). Normatização da versão brasileira da Escala Utrecht de engajamento no trabalho. Avaliação Psicológica, 15(2), 133-140. doi:10.15689/ap.2016.1502.01
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; Bakker, Demerouti, & Sanz-Vergel, 2014Bakker, A., Demerouti, E., & Sanz-Vergel . (2014). Burnout and work engagement: The JD-R approach. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, 1, 389-411. doi: 10.1146/annurev-orgpsych-031413-091235
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). Dessa forma, considerando que se passa grande parte do dia em uma rotina laboral, tanto melhor será a percepção do sentido do trabalho para o indivíduo quanto maior for seu engajamento nele.

O tema do engajamento emerge no início do século XXI e está relacionado com dois eventos convergentes: a crescente importância dada ao capital humano e o envolvimento psicológico dos empregados nos negócios; e o aumento do interesse científico em estados psicológicos positivos (Schaufeli, 2014Schaufeli, W., & Taris, T. (2014). A critical review of the job demands-resources model: Implications for improving work and health. In Bauer, G., & Hämmig, O. (Eds.). Bridging occupational, organizational and public health (pp. 43-68). Holanda: Springer. doi: 10.1007/978-94-007-5640-3_4
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). A relevância de abordar esse assunto para a prática profissional está no fato de que indivíduos engajados são descritos como essenciais para o sucesso e a eficiência organizacional (Luthans & Youssef, 2007Luthans, F., & Youssef, C. M. (2007). Emerging positive organizational behavior. Journal of Management, 33(3), 321-349. doi:10.1177/0149206307300814
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; Schaufeli, 2014Schaufeli, W. (2014). What is engagement? In Truss, C., Delbridge, R., Alfes, K., Shantz, A., & Soane, E. (Eds.). Employee engagement in theory and practice. UK: Routledge.; Schaufeli et al., 2013Schaufeli, W., Dijkstra, P., & Vazquez, A. C. (2013). Engajamento no trabalho. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.). Um conjunto de mudanças relacionadas ao processo de transição de organizações tradicionais para modernas ganha espaço na esfera do trabalho, e com isso o conceito de engajamento adquire cada vez mais visibilidade (Schaufeli, 2014Schaufeli, W. (2014). What is engagement? In Truss, C., Delbridge, R., Alfes, K., Shantz, A., & Soane, E. (Eds.). Employee engagement in theory and practice. UK: Routledge.). No domínio individual, esse construto surge caracterizando pessoas que visam equilibrar o trabalho de uma forma positiva em termos de saúde física e mental, além de buscarem prazer realizando as tarefas da rotina laboral (Schaufeli et al., 2013Schaufeli, W., Dijkstra, P., & Vazquez, A. C. (2013). Engajamento no trabalho. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.).

O objetivo deste estudo é identificar e analisar os principais antecedentes, as demandas e os recursos externos de trabalho que estão relacionados com o engajamento na esfera laboral dos docentes de ensino superior brasileiros, assim como analisar se existem diferenças entre instituições públicas e privadas para esses fatores. Este trabalho é parte de um projeto de mestrado, portanto diferentes desdobramentos são realizados sobre achados que servem como base de uma mesma amostra.

No que se refere ao público-alvo deste estudo, sabe-se que as pesquisas com professores no Brasil estão fortemente ligadas aos estudos de burnout (Carlotto & Palazzo, 2006Carlotto, M. S., & Palazzo, L. D. S. (2006). Síndrome de burnout e fatores associados: Um estudo epidemiológico com professores. Cadernos de Saúde Pública, 22(5), 1017-1026. doi:10.1590/S0102-311X2006000500014
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) e estresse (Dalagasperina & Monteiro, 2016Dalagasperina, P., & Monteiro, J. K. (2016). Estresse e docência: Um estudo no ensino superior privado. Revista Subjetividades, 16(1), 37-51. doi:10.5020/23590777.16.1.37-51
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). Não foram evidenciados trabalhos que abordem com profundidade a temática do engajamento, na visão do movimento da Psicologia Positiva, para os docentes de todo o Brasil.

Esta pesquisa abrange docentes de ensino superior do Brasil, envolvendo professores de todas as unidades federativas do país, de instituições federais, estaduais e privadas. Um levantamento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2016)Inep (2017). Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira: Sinopse estatística da educação superior 2016. Retrieved from http://portal.inep.gov.br/web/guest/sinopses-estatisticas-da-educacao-superior
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mostra um total de 397.611 docentes no país, e, no geral, existe um número maior de mestres, seguido por professores que possuem doutorado e, então, pelos que possuem especialização. Nas instituições públicas, federais e estaduais, é maior o número de docentes doutores. Já nas instituições privadas, percebe-se que os professores mestres são mais que o dobro dos doutores, apresentando igualmente um número mais significativo de especialistas.

Em relação ao regime de trabalho para os docentes brasileiros, a maior parcela dos professores se encontra no regime de tempo integral. As instituições públicas contam com mais docentes nesse mesmo regime, enquanto as instituições privadas têm uma distribuição mais homogênea nos três tipos de regime de trabalho, com a maior quantidade de funcionários atuando em tempo parcial e como horistas. O total do país conta com mais docentes do sexo masculino em todas as categorias administrativas (federal, estadual e privada). A seguir, apresentam-se esclarecimentos sobre a teoria do engajamento no trabalho, para uma maior compreensão dos resultados encontrados.

1.1 ENGAJAMENTO NO TRABALHO

Esta pesquisa tem por base o conceito de engajamento no trabalho, relacionado ao movimento da Psicologia Positiva, por meio da abordagem da antítese com o burnout na teoria de Schaufeli, Salanova, González-Romá e Bakker (2002)Schaufeli, W., Salanova, M., González-Romá, V., & Bakker, A. B. (2002). The measurement of engagement and burnout: A two sample confirmatory factor analytic approach. Journal of Happiness Studies, 3, 71-92. doi:10.1023/A:1015630930326
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. Na visão de Schaufeli (2014)Schaufeli, W. (2014). What is engagement? In Truss, C., Delbridge, R., Alfes, K., Shantz, A., & Soane, E. (Eds.). Employee engagement in theory and practice. UK: Routledge., embora muitas abordagens teóricas tenham sido desenvolvidas para explanar os mecanismos psicológicos subjacentes ao engajamento no trabalho, o modelo de recursos e demandas foi o que alcançou fundamentação empírica mais sólida até então.

O modelo teórico chamado Job demand resources (JDR) sugere a avaliação e interpretação de características positivas no ambiente laboral, e não somente elementos que estão vinculados ao adoecimento das pessoas. Os dois aspectos juntos ilustram as causas e consequências do engajamento no trabalho (Magnan et al., 2016Magnan, E. dos S., Vazquez, A. C. S., Pacico, J. C., & Hutz, C. S. (2016). Normatização da versão brasileira da Escala Utrecht de engajamento no trabalho. Avaliação Psicológica, 15(2), 133-140. doi:10.15689/ap.2016.1502.01
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). Essa teoria trabalha com as duas categorias que organizam as características do trabalho: as demandas e os recursos. Elas são tidas como iniciadoras do processo de desgaste de energia e do processo motivacional, pois podem ser observadas em praticamente em todos os tipos de trabalho, como também possuem efeito conjunto e interativo sobre o bem-estar dos empregados (Bakker & Demerouti, 2014Bakker, A., & Demerouti, E. (2014). Job demands-resources theory. In P. Y. Chen, & L. C. Cooper. Work and wellbeing: A complete reference guide (vol. 3). Chichester, UK: John Wiley & Sons. doi:10.1002/9781118539415.wbwell019
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).

Esse modelo apresenta dois processos psicológicos diferentes que têm papel no desenvolvimento da tensão e da motivação no trabalho. Ele assume que a tensão pode ser causada por elevados níveis de demandas e baixos níveis de recursos no trabalho, no entanto estão vinculados a múltiplos indicadores e não apenas limitados aos indicadores de burnout (Taris & Schaufeli, 2016Scremin, G., & Isaia, S. M. de A. (2012). Um estudo sobre funções docentes nas universidades privadas brasileiras e indicadores de qualidade. Educação Unisinos, 16(1), 27-35. doi:10.4013/edu.2012.161.03). O processo de desgaste de energia apresenta cargos mal estruturados e demandas de trabalho crônicas que levam ao esgotamento físico e mental dos funcionários, podendo, portanto, conduzir à depleção de energia e a problemas de saúde. O segundo processo proposto pelo modelo é o motivacional, que assume que os recursos de trabalho têm potencial de motivar e levar a um estado de engajamento elevado no trabalho, baixa despersonalização e excelente desempenho. Esses recursos podem desempenhar um papel motivacional intrínseco, pois são responsáveis por crescimento, aprendizado e desenvolvimento dos funcionários, e também extrínseco, visto que são instrumentais na realização de metas de trabalho (Bakker & Demerouti, 2007Bakker, A., & Demerouti, E. (2007). The job demands-resources model: State of the art. Journal of Managerial Psychology, 22(3), 309-328. doi:10.1108/ 02683940710733115
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).

Um aprofundamento na revisão do modelo foi realizado por Bakker e Demerouti (2007)Bakker, A., & Demerouti, E. (2007). The job demands-resources model: State of the art. Journal of Managerial Psychology, 22(3), 309-328. doi:10.1108/ 02683940710733115
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. A principal contribuição foi a noção de que os recursos e as demandas do trabalho podem interagir, afetando o processo de desgaste de energia e motivação. Além disso, os autores constataram que a interação de diferentes tipos de demandas e recursos pode predizer a tensão no trabalho. Assim, apesar de os principais efeitos das demandas e dos recursos na tensão e na motivação serem interpretados por dois processos separados, isso não se aplica à sua interação, na qual uma variedade de explicações pode ser suscitada (Taris & Schaufeli, 2016Taris, T., & Schaufeli, W. (2016). The job demand-resources model. In S. Clarke, T. M. Probst, F. Guldenmund, & J. Passmore (Eds.). The wiley blackwell handbook of the psychology of occupational safety and workplace health (pp. 157-180). Chichester, UK: John Wiley & Sons, Ltd.).

O engajamento pode, então, ser caracterizado pelo funcionamento ótimo e saudável do balanceamento dinâmico entre as demandas e os recursos de trabalho (Bakker & Demerouti, 2007Bakker, A., & Demerouti, E. (2007). The job demands-resources model: State of the art. Journal of Managerial Psychology, 22(3), 309-328. doi:10.1108/ 02683940710733115
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). Associar demandas laborais a recursos adequados faz com que as pessoas se desafiem a se engajar em atividades profissionais concretas e de maior dificuldade, conferindo-lhes mais prazer na realização delas. Da mesma forma, quanto maiores forem as demandas e mais escassos os recursos, maior será a chance de ocorrer adoecimento e desgastes para os funcionários (Schaufeli et al., 2002Schaufeli, W., Salanova, M., González-Romá, V., & Bakker, A. B. (2002). The measurement of engagement and burnout: A two sample confirmatory factor analytic approach. Journal of Happiness Studies, 3, 71-92. doi:10.1023/A:1015630930326
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).

Posto que o engajamento ocorre, então, pelas dinâmicas dos antecedentes - demandas e recursos -, segue a definição do conceito de engajamento na visão de Schaufeli et al. (2002, p. 74, tradução nossa)Schaufeli, W., Salanova, M., González-Romá, V., & Bakker, A. B. (2002). The measurement of engagement and burnout: A two sample confirmatory factor analytic approach. Journal of Happiness Studies, 3, 71-92. doi:10.1023/A:1015630930326
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:

[...] o engajamento é definido como um estado disposicional e mental positivo, relacionado ao trabalho, que é caracterizado por vigor, dedicação e absorção. Em vez de um estado momentâneo e específico, engajamento refere-se a um sistema afetivo-cognitivo mais persistente e que não está focado em qualquer objeto, evento ou comportamento particular.

Vigor, dedicação e absorção são, assim, três dimensões mensuráveis que pertencem ao conceito de engajamento. Por vigor entende-se alto nível de energia e de resiliência mental no âmbito laboral, persistência em situações que se apresentam difíceis; dedicação é caracterizada por um sentido de significado, entusiasmo, inspiração, orgulho e desafio. Os indivíduos demonstram se importar com o que ocorre no dia a dia de trabalho; absorção, por sua vez, relaciona-se com a concentração, a imersão e o foco no trabalho, relaciona-se a pessoas que consideram o desafio e o prazer fundamentais em suas atividades (Schaufeli et al., 2002Schaufeli, W., Salanova, M., González-Romá, V., & Bakker, A. B. (2002). The measurement of engagement and burnout: A two sample confirmatory factor analytic approach. Journal of Happiness Studies, 3, 71-92. doi:10.1023/A:1015630930326
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, 2013Schaufeli, W., Dijkstra, P., & Vazquez, A. C. (2013). Engajamento no trabalho. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.). É importante esclarecer que não se sentir exausto no trabalho não significa diretamente estar envolvido com ele, pois engajamento e burnout podem ocorrer de forma conjunta até certo limite (Schaufeli & Salanova, 2011Schaufeli, W., & Salanova, M. (2011). Work engagement: On how to better catch a slippery concept. European Journal of Work and Organizational Psychology, 20(1), 39-46. doi:10.1080/1359432X.2010.515981
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).

1.1.1 Demandas e recursos de trabalho

De acordo com Bakker e Demerouti (2007)Bakker, A., & Demerouti, E. (2007). The job demands-resources model: State of the art. Journal of Managerial Psychology, 22(3), 309-328. doi:10.1108/ 02683940710733115
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, as demandas referem-se aos aspectos físicos, psicológicos, sociais ou organizacionais do trabalho que requerem esforços ou habilidades físicas e/ou psicológicas. Pode-se citar como exemplo elevada pressão no trabalho, um ambiente físico desfavorável e exigência emocional em interações com os clientes. As exigências dentro das organizações podem ser entendidas como negativas pelas pessoas quando são desproporcionais ou em grau elevado, e atender a elas requer do empregado um grande esforço do qual ele não consegue se recuperar (Meijman & Mulder, 1998Magnan, E. dos S., Vazquez, A. C. S., Pacico, J. C., & Hutz, C. S. (2016). Normatização da versão brasileira da Escala Utrecht de engajamento no trabalho. Avaliação Psicológica, 15(2), 133-140. doi:10.15689/ap.2016.1502.01
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). No entanto, elas também podem ser vistas de forma "neutra" ou como desafios positivos, que conferem um prazer de realizar mais intenso quando junto com os recursos de trabalho adequados (Schaufeli et al., 2013Schaufeli, W., Dijkstra, P., & Vazquez, A. C. (2013). Engajamento no trabalho. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.).

Os recursos não são apenas necessários para lidar com as demandas, eles por si sós são importantes para na vida laboral, são provedores de energia e de suporte psicossocial aos indivíduos. Eles se referem aos aspectos físicos, psicológicos, sociais ou organizacionais do trabalho que podem: ser funcionais na consecução de metas; reduzir as demandas de trabalho e os custos fisiológicos e psicológicos associados; e estimular o crescimento pessoal, a aprendizagem e o desenvolvimento (Demerouti, Bakker, Nachreiner, & Schaufeli, 2001Demerouti, E., Bakker, A., Nachreiner, F., & Schaufeli, W. (2001). The job demands-resources model of burnout. Journal of Applied Psychology, 86, 499-512. doi:10.1037/0021-9010.86.3.499
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). Alguns exemplos de recursos de trabalho são feedback, controle de trabalho, suporte social, chances de autodesenvolvimento no trabalho, participação em treinamentos, oportunidade de carreira e nível de autonomia (Schaufeli et al., 2013Schaufeli, W., Dijkstra, P., & Vazquez, A. C. (2013). Engajamento no trabalho. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.).

De acordo com Schaufeli (2015)Schaufeli, W. (2015). Engaging leadership in the job demands-resources model. Career Development International, 20(5), 446-463. doi:10.1108/CDI-02-2015-0025
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it was argued that engaging leaders who inspire, strengthen, and connect their followers would reduce employee\u2019s levels of burnout and increase their levels of work engagement. Design/methodology/approach \u2013 An online survey was conducted among a representative sample of the Dutch workforce (n=1,213, podem-se categorizar as demandas e os recursos presentes no trabalho. A seguir, apresentam-se os grupos e algumas características para melhor compreendê-las:

  1. Demandas qualitativas: referem-se a demandas emocionais e mentais, interferência do trabalho na vida pessoal e exigência física.

  2. Demandas quantitativas: estão relacionadas com sobrecarga e subcarga de trabalho, e ritmo de mudanças nas organizações.

  3. Demandas organizacionais: vinculam-se a temas como burocracia, assédio no trabalho, conflito de papéis, conflitos interpessoais e mudanças organizacionais.

  4. Recursos sociais: envolvem suporte social dos colegas e supervisores, clima e efetividade da equipe, clareza na função desempenhada, preenchimento de expectativas e reconhecimento dos colaboradores.

  5. Recursos de trabalho2 2 A expressão “recursos de trabalho” é usada para designar a categoria geral de recursos, como também uma de suas subdivisões. Ao longo do texto, elas serão descritas da mesma maneira, estando o significado atrelado ao contexto tratado. : estão associados a controle de trabalho, participação na tomada de decisões, adequação dos indivíduos ao trabalho, variedade de tarefas, uso de habilidades dos colaboradores e disponibilidade de ferramentas.

  6. Recursos organizacionais: relacionam-se com temas como comunicação na organização, alinhamento e congruência de valores, confiança na liderança, justiça organizacional e pagamento justo.

  7. Recursos de desenvolvimento: referem-se a feedback de desempenho, perspectiva de carreira e possibilidade de aprendizagem e desenvolvimento.

Inicialmente, as versões do modelo JDR apenas consideravam características do ambiente de trabalho. Contudo, como a maioria das abordagens psicológicas assume que o comportamento humano resulta de uma interação entre fatores ambientais e pessoais, os recursos pessoais passaram a integrar o modelo (Schaufeli & Taris, 2014Schaufeli, W., & Taris, T. (2014). A critical review of the job demands-resources model: Implications for improving work and health. In Bauer, G., & Hämmig, O. (Eds.). Bridging occupational, organizational and public health (pp. 43-68). Holanda: Springer. doi: 10.1007/978-94-007-5640-3_4
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). Esses recursos são constituídos por caraterísticas de personalidade como otimismo, autoconfiança ou resistência ao estresse (Schaufeli et al., 2013Schaufeli, W., Dijkstra, P., & Vazquez, A. C. (2013). Engajamento no trabalho. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.). Neste estudo, os esforços de pesquisa se voltaram apenas para demandas e recursos externos de trabalho. Os mais expressivos deles para a categoria pesquisada serão descritos e analisados nas seções "Resultados" e "Discussão" com o intuito de atingir o objetivo proposto do estudo.

2. MÉTODO

O objetivo desta pesquisa implica uma abordagem quantitativa, utilizando-se de um questionário on-line composto por duas escalas e questões de identificação dos participantes. Trata-se de uma pesquisa exploratório-descritiva, pois não foram evidenciados trabalhos que abordem com profundidade a temática do engajamento, na visão do movimento da Psicologia Positiva, para o público-alvo de docentes de todo o Brasil. Dessa forma, optou-se pela não proposição de hipóteses para este primeiro momento de pesquisa.

2.1 Participantes

A amostra desta pesquisa contou com 506 professores respondentes de todas as unidades federativas do Brasil. A Figura 2.1.1 sintetiza os principais dados de caracterização da amostra.

Figura 2.1.1
FREQUÊNCIAS ABSOLUTAS (N), PERCENTUAL (%), MÉDIAS E DESVIOS PADRÃO (DP) DAS CARACTERÍSTICAS SOCIODEMOGRÁFICAS E DE TRABALHO DOS DOCENTES BRASILEIROS

No que se refere ao tipo de instituição, 56,9% dos participantes se encontram trabalhando em instituições federais, 35,8% em instituições privadas e apenas 4,5% pertencem atualmente a instituições estaduais. Quando se considera o total de 397.611 docentes do Brasil, de acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2016)Inep (2017). Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira: Sinopse estatística da educação superior 2016. Retrieved from http://portal.inep.gov.br/web/guest/sinopses-estatisticas-da-educacao-superior
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, tem-se uma amostra probabilística de universo finito composta por 506 profissionais, com uma margem de erro de 4,3% em um nível de confiança de 95%.

2.2 Instrumentos

A seguir, descrevem-se as escalas utilizadas como parte desta pesquisa. A primeira já foi validada para uso no Brasil e a segunda que, ainda em processo de validação, passou por ajustes para seu melhor entendimento durante a pesquisa.

2.2.1 Escala Utrecht de Engajamento no Trabalho

A adaptação e a validação da escala para uso com adultos no Brasil foram realizadas por Vazquez, Magnan, Pacico, Hutz e Schaufeli (2015)Vazquez, A. C. S., Magnan, E. dos S., Pacico, J. C., Hutz, C. S., & Schaufeli, W. (2015). Adaptation and validation of the Brazilian version of the Utrecht Work Engagement Scale. Psico-USF, Bragança Paulista, 20(2), 207-217. doi:10.1590/1413-82712015200202
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. A versão mostrou viabilidade para interpretação pelo escore geral e também pela discriminação das três dimensões (Vazquez et al., 2015Vazquez, A. C. S., Magnan, E. dos S., Pacico, J. C., Hutz, C. S., & Schaufeli, W. (2015). Adaptation and validation of the Brazilian version of the Utrecht Work Engagement Scale. Psico-USF, Bragança Paulista, 20(2), 207-217. doi:10.1590/1413-82712015200202
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). Foi encontrada na versão brasileira uma consistência interna de 0,95 para o fator geral de engajamento no trabalho; de 0,86 para vigor; 0,87 para dedicação; e 0,85 para concentração (Magnan et al., 2016Magnan, E. dos S., Vazquez, A. C. S., Pacico, J. C., & Hutz, C. S. (2016). Normatização da versão brasileira da Escala Utrecht de engajamento no trabalho. Avaliação Psicológica, 15(2), 133-140. doi:10.15689/ap.2016.1502.01
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).

O instrumento para uso no país conta com 17 itens, respondidos em uma escala Likert de sete pontos, sendo 0 "nunca" e 6 "sempre". Correlações significativas entre o engajamento no trabalho e a faixa etária laboral foram encontradas no processo de adaptação e validação da escala (Vazquez et al., 2015Vazquez, A. C. S., Magnan, E. dos S., Pacico, J. C., Hutz, C. S., & Schaufeli, W. (2015). Adaptation and validation of the Brazilian version of the Utrecht Work Engagement Scale. Psico-USF, Bragança Paulista, 20(2), 207-217. doi:10.1590/1413-82712015200202
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). Assim, ao grupos de idade foram associados às etapas de carreira: de 18 a 28 anos: o início da vida laboral; de 29 a 39 anos: o desenvolvimento e a formação profissional; e acima de 40 anos: a consolidação da carreira (Magnan et al., 2016Magnan, E. dos S., Vazquez, A. C. S., Pacico, J. C., & Hutz, C. S. (2016). Normatização da versão brasileira da Escala Utrecht de engajamento no trabalho. Avaliação Psicológica, 15(2), 133-140. doi:10.15689/ap.2016.1502.01
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).

2.2.2 Escala de recursos e demandas no trabalho

Questões referentes aos recursos e às demandas de trabalho estão em processo de validação pelo grupo de pesquisa coordenado pela professora Ana Claudia Souza Vazquez da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). As sentenças se enquadram em subgrupos dentro dos grupos demanda de trabalho e recursos de trabalho, e são respondidas em uma escala Likert de sete pontos, sendo 0 "nunca" e 6 "sempre".

Algumas sentenças foram acrescentadas à base de questões3 3 Sobre o instrumento, ver Schaufeli (2015). As fontes dos questionários que compõem o instrumento encontram-se neste artigo. já existentes. Itens sobre condições físicas do local de trabalho, aprendizagem e raciocínio, assim como exigências sociais, foram incorporadas ao subgrupo de demandas qualitativas. Na seção de demandas quantitativas, uma sentença sobre excesso de trabalho também foi agregada. Quanto ao subgrupo de demandas organizacionais, afirmações acerca de formalismo, hierarquia e cultura organizacional foram adicionadas à escala utilizada. No grupo de recursos de trabalho, apenas palavras foram modificadas para o melhor entendimento dos respondentes.

A escala final contabilizou 44 afirmações. Ela mensura o grau de frequên­cia das afirmações referente à maneira como o participante se sente em relação ao seu trabalho. O escore bruto é obtido pelas médias das respostas dos docentes para cada sentença, podendo também ser calculado por subgrupos.

2.3 Procedimentos

A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário on-line, na plataforma on-line Survey. O link da pesquisa foi enviado via e-mail, e também se utilizou a ferramenta do Facebook no intuito de replicar o convite para alguns docentes. Como forma de reforço, realizaram-se contatos telefônicos com os departamentos/institutos/escolas das universidades. Além disso, os contatos do corpo docente divulgados nos sites dessas instituições serviram como a principal forma de busca do público-alvo do estudo. O Centro de Estudos e Pesquisa em Administração (Cepa) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) também ajudou no processo de coleta de dados.

O questionário composto pelas escalas utilizadas na pesquisa foi submetido a um pré-teste de compreensão verbal e a um pré-teste estatístico. O resultado alcançado foi fundamental para ajustes na escrita de algumas questões que pertencem à escala ainda não validada para uso no Brasil.

A tentativa de balanceamento de envio do questionário entre universidades e faculdades federais, privadas e estaduais foi realizada. Porém em alguns estados, principalmente das regiões Nordeste e Norte, o acesso aos professores das instituições privadas foi bastante dificultado pela falta de clareza de informações nos sites. Na Região Centro-Oeste também foi encontrada dificuldade em conseguir retorno dos docentes dos três tipos de instituições.

Quanto aos cuidados éticos, os respondentes obtiveram informações sobre o tema do estudo, com a apresentação dos objetivos do trabalho e a importância da participação para a comunidade acadêmica. A confidencialidade das respostas e a privacidade dos participantes foram ressaltadas, assim como a utilização dos dados para uma análise global.

2.4 Análise de dados

Análises envolvendo estatística descritiva foram feitas para as questões de identificação de perfil e resultados das escalas. Idenfificaram-se o nível de engajamento por meio dos escores brutos e percentílicos, de acordo com os estudos normativos (Magnan et al., 2016Magnan, E. dos S., Vazquez, A. C. S., Pacico, J. C., & Hutz, C. S. (2016). Normatização da versão brasileira da Escala Utrecht de engajamento no trabalho. Avaliação Psicológica, 15(2), 133-140. doi:10.15689/ap.2016.1502.01
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), e os recursos e as demandas de trabalho que estão mais presentes na rotina dos participantes.

A análise de variância (ANOVA) One way Between foi utilizada para comparação do nível de engajamento entre as faixas etárias laborais. Já a ANOVA fatorial Between foi empregada para comparação do engajamento entre os tipos de instituições, levando em consideração as faixas etárias laborais. Outra análise estatística realizada ao longo do estudo foi o teste t para amostras independentes, nesse caso, os recursos e as demandas para grupos de docentes de instituições públicas e privadas.

3. RESULTADOS

3.1 Engajamento no trabalho para os docentes brasileiros

A Escala Utrecht de Engajamento no Trabalho (Vazquez et al., 2015Vazquez, A. C. S., Magnan, E. dos S., Pacico, J. C., Hutz, C. S., & Schaufeli, W. (2015). Adaptation and validation of the Brazilian version of the Utrecht Work Engagement Scale. Psico-USF, Bragança Paulista, 20(2), 207-217. doi:10.1590/1413-82712015200202
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) apresenta, para este estudo, alfa de Cronbach de 0,942, o que mostra boa confiabilidade interna da escala para a amostra de docentes. Na Figura 3.1.1, encontram-se as médias e os desvios padrão calculados para cada item da escala, para cada dimensão, assim como os valores para engajamento geral.

Figura 3.1.1
MÉDIAS E DESVIOS PADRÃO DOS ITENS, DIMENSÕES E ENGAJAMENTO NO TRABALHO GERAL DOS DOCENTES BRASILEIROS

De forma geral, os docentes possuem maior média para a dimensão dedicação (M = 5,21, DP = ±0,829), seguido de concentração (M = 4,88, DP = ±0,832) e depois vigor (M = 4,77, DP = ±0,854). Os itens de maior destaque são "Tenho orgulho do trabalho que realizo" (M = 5,49) e "Eu considero meu trabalho cheio de significado e propósito" (M = 5,20) dentro da dimensão dedicação. As sentenças de menores médias são "É difícil desligar-me do meu trabalho" (M = 4,28) da dimensão concentração e "No meu trabalho, sinto que estou cheio de energia" (M = 4,61) da dimensão vigor. Para o construto de engajamento no trabalho geral, há média de 4,94 e desvio padrão de ±0,781.

De acordo com a classificação dos estudos normativos da Escala Utrecht de Engajamento no Trabalho (Vazquez, Pacico, Magnan, Hutz, & Schaufeli, 2016Vazquez, A. C. S., Pacico, J. C., Magnan, E. dos S., Hutz, C. S., & Schaufeli, W. (2016). Avaliação do engajamento das pessoas com seu trabalho: A versão Brasileira da Escala Utrecht de Engajamento no Trabalho (UWES). In Hutz, C. S. Avaliação em psicologia positiva - técnicas e medidas. Porto Alegre, RS: Artmed.) para faixa etária laboral, tem-se a distribuição apresentada na Figura 3.1.2.

Figura 3.1.2
DISTRIBUIÇÃO DOS PARTICIPANTES DE ACORDO COM AS FAIXAS ETÁRIAS LABORAIS

Tendo em vista que a distribuição não foi proporcional, optou-se por mostrar os resultados das três faixas etárias laborais, como sugerem os estudos normativos, porém não realizar inferências sobre a faixa de 18 a 28 anos que não teve a devida representatividade. A Figura 3.1.3 apresenta os percentis de cada dimensão e do engajamento geral para as faixas etárias laborais. O percentil indica a frequência com que o escore e escores menores que ele ocorrem na amostra de normatização (Hutz, 2016Hutz, C. S. (Org.). (2016). Avaliação em psicologia positiva: Técnicas e medidas. Porto Alegre, RS: Artmed.).

Figura 3.1.3
PERCENTIS DE CADA DIMENSÃO DO ENGAJAMENTO E DO ENGAJAMENTO GERAL PARA OS GRUPOS DE DOCENTES DE ACORDO COM A FAIXA ETÁRIA LABORAL

Sabe-se que os percentis 75 ou mais indicam escores altos de engajamento, maior intensidade de esforço e vinculação com as metas de trabalho. Escores baixos estão em percentis menores que 40, indicando problemas que podem envolver a saúde dos trabalhadores. De forma geral, há a expectativa de encontrar escores medianos no engajamento dos indivíduos, tendo em vista que é a expressão do balanceamento dos recursos e das demandas do trabalho (Vazquez et al., 2016Vazquez, A. C. S., Pacico, J. C., Magnan, E. dos S., Hutz, C. S., & Schaufeli, W. (2016). Avaliação do engajamento das pessoas com seu trabalho: A versão Brasileira da Escala Utrecht de Engajamento no Trabalho (UWES). In Hutz, C. S. Avaliação em psicologia positiva - técnicas e medidas. Porto Alegre, RS: Artmed.).

Quando se realizou o teste de análise de variância One way (ANOVA), observou-se diferença estatisticamente significativa entre as faixas etárias laborais [F(2, 482) = 3,760; p = 0,024] para o construto de engajamento. O teste post hoc utilizou a correção de Bonferroni que constatou diferença apenas entre o grupo de 29 a 39 anos e o grupo de mais de 40 anos (p = 0,034). As demais comparações não foram significativas a um nível de confiança de 95%. O fato de o grupo de 18 a 28 anos ter apenas nove pessoas pode ter influenciado na obtenção desse resultado.

3.2 Recursos e demandas de trabalho para os docentes brasileiros

Como a Escala de Recursos e Demandas no Trabalho ainda não está validada para uso no Brasil, entendeu-se que seria necessário calcular o alfa de Crombach para escala geral e suas divisões de demandas e recursos. Dessa forma, tem-se uma consistência interna de 0,918 para a escala geral, 0,771 para as demandas e 0,928 para os recursos de trabalho.

Quando se observam as médias de cada dimensão, tem-se que, dentro do grupo das demandas, as qualitativas obtiveram um escore mais alto (M = 4,01; DP = ± 0,709), seguido das demandas quantitativas (M = 3,00; DP = ± 0,851) e depois das demandas organizacionais (M = 2,09; DP = ± 1,166). As sentenças mais expressivas fazem parte do grupo das demandas qualitativas: "Meu trabalho exige constante raciocínio e atualização" (M= 5,57) e "Meu trabalho requer muita atenção e concentração" (M = 5,29). O item de menor média pertence ao grupo de demandas quantitativas: "Tenho pouco trabalho para fazer" (M = 0,96).

Em relação aos recursos, observou-se que os recursos de trabalho, referentes à parte de execução e operação das atividades, obtiveram, em sua média, escore mais alto (M = 4,64; DP = ±0,854), em seguida aparecem os recursos sociais (M = 4,55; DP = ±0,953), logo depois se encontram os recursos de desenvolvimento (M = 4,42; DP = ±1,079) e por último os recursos organizacionais (M = 4,05; DP = ±1,120). Os itens mais expressivos são "Está suficientemente claro o que preciso fazer no meu trabalho" (M = 5,08) do grupo dos recursos sociais e "Desempenho diferentes tipos de tarefas no meu trabalho" (M = 5,06) do grupo dos recursos de trabalho. A sentença com menor média foi "Em minha opinião, as regras e os procedimentos no trabalho são aplicados de modo correto e justo" (M = 3,52) pertencente ao grupo dos recursos organizacionais.

3.3 Recursos e demandas em instituições públicas e privadas

A comparação entre os tipos de instituições em que os docentes trabalham torna-se muito importante, tendo em vista que as instituições públicas são subordinadas às políticas definidas pelo governo federal do Brasil e pelo governo estadual de cada unidade federativa, nos casos desta pesquisa, enquanto as privadas não partilham dessa situação. Por causa do baixo número de professores participantes das instituições estaduais (23; 4,5%), optou-se por computar essas respostas juntamente com as das instituições federais, formando o grupo das instituições públicas. Dessa forma, o grupo das instituições privadas contou com 181 respostas, e o grupo das instituições públicas, com 311.

Quando se realizou o teste da ANOVA fatorial Between, houve um efeito principal não significativo entre os tipos de instituições [F(1, 471) = 0,407; p = 0,524] para o construto de engajamento. Tampouco houve efeito de interação significativo quando se consideraram as faixas etárias laborais [F(2, 471) = 1,209; p = 0,300]. Apesar desses achados, considerou-se interessante realizar um levantamento da diferença de percepção das demandas e dos recursos entre as instituições públicas e privadas. As figuras 3.3.1 e 3.3.2 apresentam os itens com diferenças estatisticamente significativas da Escala de Recursos e Demandas de Trabalho, a um nível de 95% de confiança, quando se realiza a comparação entre as instituições.

Figura 3.3.1
RESULTADO DO TESTE T PARA DIFERENÇAS NAS DEMANDAS DE TRABALHO ENTRE INSTITUIÇÕES PÚBLICAS E PRIVADAS
Figura 3.3.2
RESULTADO DO TESTE T PARA DIFERENÇAS NOS RECURSOS DE TRABALHO ENTRE INSTITUIÇÕES PÚBLICAS E PRIVADAS

É valido ressaltar dentro da análise das demandas que as duas questões de maiores médias tanto para instituições públicas quanto para as privadas foram "Meu trabalho exige constante raciocínio e atualização" com médias 5,54 e 5,63, respectivamente, e "Meu trabalho requer muita atenção e concentração" com médias 5,23 e 5,40. No entanto, apenas o segundo item apresenta diferença estatisticamente significativa entre as instituições.

Dentro da categoria das demandas, observando-se a diferença das médias das questões, nota-se maior discrepância nos itens "As condições físicas do local onde trabalho (luz, temperatura, segurança, material) são adequadas para as tarefas que realizo", "Sinto-me bem com a cultura organizacional da empresa em que trabalho" e "Considero lenta a implementação de mudanças no meu trabalho". É válido ressaltar que as duas primeiras sentenças são itens de valor invertidos dentro da composição da escala e passaram pela compensação devida.

No que se refere aos recursos de trabalho, o item de maior média para instituições públicas foi "Desempenho diferentes tipos de tarefas no meu trabalho" com 5,10 e desvio padrão ±1,190, seguido por "Está suficientemente claro o que preciso fazer no meu trabalho" com média 5,01 e desvio padrão ±1,163. Esse último item foi o mais pontuado para as instituições privadas com média 5,18 e desvio padrão ±0,967, seguido por "Meu trabalho contribui para os resultados e objetivos da organização" com média 5,09 e desvio padrão ±1,127. Entretanto, nenhuma dessas questões mostrou diferenças estatisticamente significativas entre os dois tipos de instituições.

Na análise sobre as distinções das instituições públicas e privadas, a maior diferença de médias foi observada na questão "Tenho todas as ferramentas (equipamentos, instrumentos, softwares) de que preciso para realizar meu trabalho adequadamente", seguida por "Posso contar com meus colegas de trabalho para me ajudar ou dar apoio quando preciso" e "A forma de gerenciamento de minha instituição é confiável". De forma geral, percebe-se que as instituições privadas possuem maior pontuação para todos os recursos que se mostram estatisticamente diferentes, conforme mostra a Figura 3.3.2.

4. DISCUSSÃO

4.1 Engajamento no trabalho para os docentes brasileiros

Para a análise dos resultados relatados, considerando-se os dados da Figura 3.3.1, percebe-se que os escores de engajamento, levando em conta a divisão da faixa etária laboral, estão em percentis medianos como o esperado para a população. Porém, encontram-se próximos do percentil 40 que serve como um balizador de atenção para problemas com baixo engajamento (Vazquez et al., 2016Vazquez, A. C. S., Pacico, J. C., Magnan, E. dos S., Hutz, C. S., & Schaufeli, W. (2016). Avaliação do engajamento das pessoas com seu trabalho: A versão Brasileira da Escala Utrecht de Engajamento no Trabalho (UWES). In Hutz, C. S. Avaliação em psicologia positiva - técnicas e medidas. Porto Alegre, RS: Artmed.).

O grupo em desenvolvimento profissional apresenta os percentis das dimensões de forma mais equilibrada. A dedicação está no percentil 65, a concentração no 60 e o vigor no 55. Tal fato pode representar o esforço em construir uma carreira com a qual se identificam, o que leva os docentes a se importar com as atividades e situações que ocorrem no dia a dia, ver significado no ensino para os alunos e ser também absorvidos pelas tarefas da profissão (Schaufeli et al., 2013Schaufeli, W., Dijkstra, P., & Vazquez, A. C. (2013). Engajamento no trabalho. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.). Nota-se que a dimensão vigor tem um aumento de escore, podendo estar relacionado a um fortalecimento nas suas posições como docentes adquiridas com o tempo.

Os professores na fase de consolidação de carreira, apesar de apresentarem médias mais altas para as dimensões, ficam, de acordo com os estudos normativos, em percentis mais baixos se comparados com os dois outros grupos. Eles se encontram no percentil 40 para as dimensões de dedicação e vigor, podendo demonstrar que estão sob pressão por demandas de trabalho, ou que possuem poucos recursos para poder desenvolver o trabalho adequadamente ou, ainda, não sejam reconhecidos como gostariam pelas atividades que realizam. Nessa fase da vida laboral, a dedicação apresenta maior queda, o que pode também estar relacionado ao fato de já não perceberem desafios nas organizações em que trabalham para os recursos pessoais que desenvolveram com o tempo (Vazquez et al., 2016Vazquez, A. C. S., Pacico, J. C., Magnan, E. dos S., Hutz, C. S., & Schaufeli, W. (2016). Avaliação do engajamento das pessoas com seu trabalho: A versão Brasileira da Escala Utrecht de Engajamento no Trabalho (UWES). In Hutz, C. S. Avaliação em psicologia positiva - técnicas e medidas. Porto Alegre, RS: Artmed.). A dimensão dedicação expressa o entusiasmo, a inspiração e o orgulho para com o trabalho desenvolvido (Schaufeli et al., 2002Schaufeli, W., Salanova, M., González-Romá, V., & Bakker, A. B. (2002). The measurement of engagement and burnout: A two sample confirmatory factor analytic approach. Journal of Happiness Studies, 3, 71-92. doi:10.1023/A:1015630930326
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), e a possibilidade de os docentes não enxergarem mais algumas demandas como desafios, e sim como fator estressor, pode ajudar nesse cenário. Já a dimensão concentração, que traz em seu conceito a ideia de pessoas que consideram o desafio e o prazer fundamentais em suas atividades, está no percentil 55. Isso pode sugerir que, mesmo com base no relatado, esses professores ainda sentem um certo nível de prazer em realizar as atividades relacionadas à profissão.

Assim, nota-se, observando o engajamento geral, que o grupo em desenvolvimento profissional está em um percentil um pouco melhor que o grupo consolidação de carreira, apresentando escores mais equilibrados. Inferências não foram feitas para o grupo de início de vida laboral.

4.2 Recursos e demandas de trabalho para os docentes brasileiros

Os itens das demandas com maior média fazem parte do grupo das demandas qualitativas mentais: "Meu trabalho exige constante raciocínio e atualização" e "Meu trabalho requer muita atenção e concentração". Rudow (1999)Rudow, B. (1999). Stress and burnout in the teaching profession: European studies, issues, and research perspectives. In R. Vandenberghe, & A. M. Huberman (eds.). Understanding and preventing teacher burnout: A sourcebook of international research and practice (p. 38-58). Cambridge, UK: Cambridge University Press. doi:10.1017/CBO9780511527784.004
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confirma que a carga de trabalho cognitiva e emocional dos professores pode levar ao estresse crônico, à fadiga e também ao burnout. Esse quadro pode gerar distúrbios psicossomáticos, assim como restrições no desempenho pedagógico. Considerado pioneiro, o estudo de Hakanen, Bakker e Schaufeli (2006Hakanen, J. J., Bakker, A. B., & Schaufeli, W. B. (2006). Burnout and work engagement among teachers. Journal of School Psychology, 43, 495-513. doi:10.1016/j.jsp.2005.11.001
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namely an energetical process (i.e., job demands Y burnout Y ill health), realizado com 2.038 professores finlandeses dos níveis elementar, secundário e vocacional, comprova que a falta de recursos importantes para atender às demandas pode prejudicar ainda mais o engajamento no trabalho e levar a um menor compromisso organizacional, além de estar associada ao burnout. Com isso, reitera-se que o processo de desgaste de energia e o processo motivacional estão entrelaçados na dinâmica das demandas e dos recursos.

Para a amostra de docentes brasileiros, os recursos mais presentes estão nos grupos de recursos sociais e de trabalho. Nos relatos, eles apontam que têm clareza sobre os papéis que excercem, sabendo o que é necessário desempenhar em seus cargos. Isso pode denotar que as instituições de ensino estão estruturadas e preocupadas em deixar delimitadas as funções do corpo docente. Além disso, os professores sabem o que fazer para que possam ser um profissional que lida com ensino e pesquisa. Outro ponto expressivo é que eles identificam uma variedade de tarefas para serem desempenhadas no dia a dia de trabalho, ficando difícil ser uma rotina monótona ou repetitiva. Os professores dentro das instituições podem trabalhar nas salas de aula com o ensino dos alunos, se envolver em orientações e projetos acadêmicos, como também realizar pesquisas, muitas vezes trabalhando em laboratórios e campos externos, e ainda assumir cargos burocráticos. A justiça organizacional aparece como ponto baixo entre os recursos avaliados pelos professores, que consideram que as regras e os procedimentos nem sempre são aplicados de forma correta e justa. Tendo em vista que a maior parte da amostra é composta de professores de universidades federais, pode-se pensar que eles não têm voz ativa na implementação de muitas normas, tendo que lidar com a lógica burocrática e as regras rígidas (Tavares, Azevedo, & Morais, 2014Tavares, A. M. B. N., Azevedo, M. A., & Morais, P. S. (2014). A administração burocrática e sua repercussão na gestão escolar. HOLOS, 2. doi:10.15628/holos.2014.2155
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).

No que tange a esta pesquisa, percebe-se, por meio das médias, que as diferentes categorias de recursos estão muito próximas entre si, variando de 4,05 a 4,64. Já nas categorias de demandas, pode-se observar uma distância entre as médias um pouco mais significativa, variando de 2,09 a 4,01. De forma geral, os recursos obtiveram média 4,42, e as demandas, 3,04. Com base nesse resultado, pode-se concluir que os docentes da amostra brasileira percebem mais recursos que demandas no processo de engajamento no trabalho. É válido recordar que esse processo é muito singular, podendo uma demanda atuar como um recurso para pessoas diferentes (Schaufeli et al., 2013Schaufeli, W., Dijkstra, P., & Vazquez, A. C. (2013). Engajamento no trabalho. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.).

4.3 Recursos e demandas em instituições públicas e privadas

Conforme descrito por Rowe e Bastos (2010)Rowe, D. E. O., & Bastos, A. V. B. (2010). Vínculos com a carreira e produção acadêmica: Comparando docentes de IES públicas e privadas. Revista de Administração Contemporânea, 14(6), 1011-1030. doi:10.1590/S1415-6555 2010000700003
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, espera-se que o contexto das instituições públicas e privadas seja diferente no que se refere às con­dições oferecidas aos docentes de ensino superior. As primeiras fornecem estabilidade e oportunidade de qualificação continuada aos professores, enquanto nas segundas a característica da estabilidade não existe. Entretanto, nota-se atualmente o sucateamento das universidades públicas que apresentam problemáticas de infraestrutura em salas de aula, bibliotecas e laboratórios, além de falta de professores e profissionais técnico-administrativos (Sakurada, 2017Sakurada, P. K. C. (2017). O sucateamento da universidade pública: A realidade dos cursos de Serviço Social da UFES e UFF. Universidade e Sociedade, 59, 70-81.). Apesar das diferenças notórias entre os tipos de instituições, a pesquisa de Rowe e Bastos (2010)Rowe, D. E. O., & Bastos, A. V. B. (2010). Vínculos com a carreira e produção acadêmica: Comparando docentes de IES públicas e privadas. Revista de Administração Contemporânea, 14(6), 1011-1030. doi:10.1590/S1415-6555 2010000700003
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revelou que a natureza delas não influencia o vínculo do docente com a sua carreira no que se refere ao comprometimento, achado que vai ao encontro dos resultados desta pesquisa.

O relato do sucateamento das universidades federais está ligado às questões de maior diferença entre os tipos de instituições, as quais se referem às condições físicas dos locais de trabalho e às ferramentas que estão disponíveis para o exercício adequado da atividade docente. Os itens que tratam de cultura organizacional e gestão das instituições, incluindo o ritmo das mudanças, podem estar ligadas ao modelo burocrático inserido nas instituições públicas, vinculadas diretamente aos governos federal e estaduais, nas quais existe um padrão de formalidade que não permite o questionamento de algumas normas estabelecidas (Tavares et al., 2014Tavares, A. M. B. N., Azevedo, M. A., & Morais, P. S. (2014). A administração burocrática e sua repercussão na gestão escolar. HOLOS, 2. doi:10.15628/holos.2014.2155
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). Na pesquisa de Carmo, Fleck e Santos (2015)Carmo, K. L. F., Fleck, C. F., & Santos, J. U. L. (2015). Docente em universidade pública ou privada? Desafios, oportunidades e diferenças. Revista de Administração IMED, 5(2), 166-180. doi:10.18256/2237-7956/raimed.v5n2p166-180
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, os docentes relataram que a natureza da instituição pública requer toda uma organização burocrática para cumprimento e legitimação das atividades da rotina de trabalho, e as disfunções dessa burocracia acabam por tornar muitos processos demorados. Além disso, os professores convivem com um tratamento impessoal e institucional, normalmente em grandes instituições, que gera um afastamento entre o servidor e quem de fato toma as decisões, conferindo uma formalização exagerada das comunicações e dificuldade de entendimento de alguns trâmites.

Neste estudo, a percepção dos recursos é favorável aos professores de instituições privadas. Deve-se salientar que eles são contratados, muitas vezes, sob um regime de trabalho horista, o que lhes permite a possibilidade de exercer a docência em diversas instituições. Esse fato, segundo Scremin e Isaia (2012)Scremin, G., & Isaia, S. M. de A. (2012). Um estudo sobre funções docentes nas universidades privadas brasileiras e indicadores de qualidade. Educação Unisinos, 16(1), 27-35. doi:10.4013/edu.2012.161.03, faz com que o professor, em alguns casos, se torne um mero "tarefeiro" que não tem tempo de refletir sobre a prática docente e as suas condições de trabalho. Tal situação também pode explicar por que os docentes de instituições privadas, que se deslocam entre várias localidades, dizem ter um trabalho que é fisicamente mais exigente que os docentes de instituições públicas.

Outro ponto de destaque entre os tipos de instituições refere-se ao suporte social de colegas. Docentes que trabalham em estabelecimentos privados revelam maior apoio e ajuda de colegas de trabalho. Sabe-se que o suporte social tem papel importante na redução de efeitos negativos de doenças como estresse, muito presente na vida dos professores, pois ajuda na criação e promoção de estratégias de enfrentamento (Nurullah, 2012Nurullah, A. S. (2012). Received and provided social support: A review of current evidence and future directions. American Journal of Health Studies, 27(3), 173-188.). Ferraz (2009)Ferraz, C. R. A. (2009). Percepção de suporte social e bem-estar no trabalho: Um estudo com professores (Unpublished doctoral dissertation). Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, SP, Brazil., ao realizar um estudo sobre a percepção do suporte social e bem-estar com 209 professores do ensino fundamental, apontou que a satisfação com os colegas de trabalho e superiores, bem como a satisfação com a tarefa que realizam, gera bem-estar na vida desses docentes. Esse estado parece ser consequência direta da percepção do suporte emocional que eles possuem no dia a dia. Dessa forma, torna-se importante investigar o motivo pelo qual os professores de instituições públicas sentem menor suporte social de colegas em seu trabalho, tendo em vista o impacto que esse fator tem no bem-estar deles.

Finalizando a etapa de discussão, pode-se apontar que contribuições foram feitas para a teoria do engajamento no trabalho e as respectivas demandas e recursos que compõem seu modelo JDR para o público de docentes de ensino superior. Considera-se importante o conhecimento de fatores que estão relacionados a esse estado positivo nos professores, e não apenas questões que estudem as patologias como o estresse e o burnout. Além disso, foi identificada a dimensão que pode estar impactando de forma mais expressiva - vigor - para o que os docentes não alcancem níveis melhores de engajamento, prejudicando, assim, o bem-estar e a percepção da atuação no trabalho. A partir disso, ações podem ser pensadas para que se ofereçam recursos adequados às demandas enfrentadas pelos professores de instituições públicas e privadas. Um exemplo seriam intervenções que os ajudem a aumentar a energia no trabalho, por meio do reconhecimento das atividades desempenhadas, ou seja, a percepção positiva do vínculo de seus esforços com o trabalho solicitado (Vazquez et al., 2016Vazquez, A. C. S., Pacico, J. C., Magnan, E. dos S., Hutz, C. S., & Schaufeli, W. (2016). Avaliação do engajamento das pessoas com seu trabalho: A versão Brasileira da Escala Utrecht de Engajamento no Trabalho (UWES). In Hutz, C. S. Avaliação em psicologia positiva - técnicas e medidas. Porto Alegre, RS: Artmed.).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A busca por compreender a realidade de trabalho dos docentes de ensino superior é de suma importância, tendo em vista a relevância do que são determinados a realizar na sociedade. Embora se saiba que o futuro de uma nação passa pelas mãos de bons professores, esses profissionais vivem momentos de crise e desvalorização de suas carreiras.

Com o desenvolvimento desta pesquisa, é possível aumentar a consciência da situação em que estão esses profissionais, sua percepção não só do engajamento, mas também de todos os elementos relatados que compõem esse processo. Por meio do entendimento de que os professores possuem nível de engajamento considerado mediano, porém muito próximo de um limite que seria prejudicial à saúde mental, é possível e necessário que se projetem intervenções que ajudem no desenvolvimento e na melhoria dos índices encontrados. Ações que impactem diretamente o vigor dos docentes, aumentando sua energia, podem fazer uma grande diferença para a melhoria desse estado positivo e, consequentemente, no significado que o trabalho tem para eles.

Além disso, nota-se um avanço no que se refere à identificação dos recursos e das demandas de trabalho dos professores ligado ao engajamento, tendo em vista ser o primeiro trabalho a mensurar esses fatores. Entende-se, assim, que um passo foi dado para que se consiga comparar os resultados com pesquisas internacionais do mesmo tema e para que futuros estudos de aprofundamento possam ser desenvolvidos.

Sabe-se que, para esse trabalho, seria interessante conseguir um número mais próximo em quantidade de respondentes em cada região do país, além de acesso a professores mais jovens, pertencentes à fase de início da vida laboral (de 18 a 28 anos). Compreende-se que para estar apto a dar aulas em uma instituição de ensino alguns anos de estudos são necessários e, por isso, talvez a dificuldade em encontrar docentes ativos que tenham menos de 30 anos.

Sugere-se para futuras pesquisas o aprofundamento no entendimento da variação das dimensões entre as faixas etárias laborais no engajamento dos professores, assim como o porquê de a dimensão vigor apresentar-se como a mais baixa em todas essas faixas. Aconselha-se, ainda, averiguar como se dão essas diferenças quando se analisam separadamente as instituições públicas e privadas.

  • 2
    A expressão “recursos de trabalho” é usada para designar a categoria geral de recursos, como também uma de suas subdivisões. Ao longo do texto, elas serão descritas da mesma maneira, estando o significado atrelado ao contexto tratado.
  • 3
    Sobre o instrumento, ver Schaufeli (2015)Schaufeli, W. (2015). Engaging leadership in the job demands-resources model. Career Development International, 20(5), 446-463. doi:10.1108/CDI-02-2015-0025
    https://doi.org/10.1108/CDI-02-2015-0025...
    . As fontes dos questionários que compõem o instrumento encontram-se neste artigo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Mar 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2018
  • Aceito
    16 Jul 2018
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