Open-access Neurocisticercose gigante: diagnóstico e tratamento

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Neurocisticercose gigante: diagnóstico e tratamento

Rafael Augusto Castro Santiago BrandãoI, *; Tadeu Wilker NunesII; Marcos Antonio Dellaretti FilhoIII; Paolo Victor Fernandes TótolaII; Vinícius Silveira FonsecaII; Warley Cristiano de SouzaII

IResidente em Neurocirurgia na Santa Casa de Belo Horizonte, Belo Horizonte, MG

IIAcadêmicos do nono período de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Belo Horizonte, MG

IIINeurocirurgião do Hospital Santos Casa de Belo Horizonte, Belo Horizonte, MG

A neurocisticercose (NCC) é a mais comum infecção parasitária do sistema nervoso1. Considerada uma epidemia mundial, a parasitose apresenta-se, sobretudo, na forma assintomática 2. Em geral o tratamento é clínico, mas em alguns casos selecionados a intervenção cirúrgica é uma boa opção de tratamento. No caso relatado, tendo-se em vista a magnitude da lesão intracraniana, a intervenção cirúrgica foi a conduta terapêutica escolhida.

Paciente do sexo feminino, 54 anos, feoderma, natural de Novo Cruzeiro (MG) e procedente de Belo Horizonte. Apresentou quadro de cefaleia frontal de forte intensidade, evoluindo com hemiparesia direita e crise convulsiva. Dez dias após o início dos sintomas, procurou o serviço de pronto-atendimento. A tomografia de crânio (TC) revelou área de hipodensidade em região frontoparietal esquerda com características de lesão cística(Figuras 1A e 1B).


A intervenção cirúrgica foi escolhida para o caso. Foi realizada uma pequena craniotomia frontal com aspiração de líquido claro intracístico e exérese da cápsula com o escólex Cysticercus cellulosae (Figura 2A e 2B). Após o ato cirúrgico, o tratamento farmacológico utilizado foi albendazol 15mg/kg/dia durante 28 dias em combinação com dexametasona 4mg 6/6 horas.


Após um ano de follow up, a paciente apresentou melhora do déficit motor, mas mantém queixa de vertigens e cefaleia. TC de controle evidenciou área de encefalomalácia residual, sem sinais de novos cisticercos. (CC) (Figuras 3A e 3B).


A forma de NCC constituída por um único cisto gigante é considerada rara. Em um levantamento epidemiológico de janeiro 1980 a dezembro de 2001 realizado pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HC-FMRP), foi identificado incidência de 12,9% de cistos gigantes - forma tumoral - entre os pacientes acometidos por NCC cerebral3. Cistos gigantes são lesões com mais de 5 centímetros em seu maior diâmetro e são da forma racemosa3,4. A TC apresenta característica compatível com lesão cisticercoide, visto que seu coeficiente de atenuação é semelhante ao do líquido cefalorraquidiano (LCR), com cistos uni ou multiloculados, com pouca ou nenhuma captação de contraste ao redor.1 O tratamento pode ser cirúrgico ou clínico. O tratamento de primeira escolha na NCC é o medicamentoso e inclui drogas antiparasitárias e medicação sintomática. Praziquantel e albendazol são drogas com ação antiparasitárias contra o CC da Taenia solium comumente utilizadas, com eficácia de 60 a 85%, principalmente sobre cistos parenquimatosos, sendo que o albendazol é o tratamento de escolha pela sua maior eficácia e menor efeito colateral3. Estudos recentes apontam que a escolha do medicamento antiparasitário deve ser influenciada mais pelos custos e efeitos colaterais, uma vez que diversas análises mostram eficácia de tratamento semelhante entre o albendazol e o praziquantel 5.

Além de matar o CC, o objetivo do tratamento é melhorar a sintomatologia clínica do paciente. Del Brutto6 reafirma, por meio da avaliação de estudos pregressos, a validade do tratamento antiparasitário na melhor resolução das lesões císticas, bem como na diminuição dos episódios sintomáticos. Em um estudo realizado por Garcia7 foi evidenciado que o uso de albendazol reduziu em 46% a taxa de convulsões quando comparado ao placebo. Essas conclusões são baseadas no estudo de pacientes com cistos parenquimatosos viáveis, que representam a maioria dos pacientes com NCC na América Latina7. Esse tipo de tratamento medicamentoso reduz a duração dos fenômenos neuroimunológicos envolvidos na doença, mas devido à morte do CC e a indução de inflamação local com consequente aumento da sintomatologia neurológica, o uso de corticoides geralmente é indicado para controlar fenômenos como edema e hipertensão intracraniana (HIC). Apesar de amplamente utilizada, estratégia terapêutica com antiparasitários tem sido questionada e extensamente discutida. Nesse âmbito, torna-se evidente a necessidade de novas abordagens terapêuticas, mais seguras e de melhor eficácia8,9.

Apesar da eficácia do praziquantel e do albendazol, a remoção cirúrgica tem sido um tratamento utilizado para casos de cistos gigantes, principalmente naqueles em que necessitam de um diagnóstico diferencial4. Cistos localizados nos ventrículos cerebrais ou cisternas basais cerebrais não respondem bem ao tratamento clínico, sendo necessária remoção cirúrgica na maioria dos casos, podendo ser realizada por endoscopia10. Na NCC intraparenquimatosa, o tratamento cirúrgico está indicado em casos de cistos gigantes que evoluem com sinais clínicos resultantes de compressão local do encéfalo e dos nervos cranianos, as formas que evoluem com HIC3 e em casos que não há a diminuição da pressão intracraniana mesmo com o uso de corticoesteroides4. É indicado também, tal procedimento, em situações nas quais há aumento radiográfico da lesão, ataques epilépticos descontrolados ou déficit neurológico focal progressivo11. Colli ainda cita que o melhor tratamento para a forma tumoral da NCC é a exérese cirúrgica por acesso direto12. No caso relatado optou-se por tratamento cirúrgico da lesão13. Essa cirurgia visa a exérese dos cistos por abordagem direta, ou pelo menos à sua ressecção parcial, e é realizada com relativa facilidade quando o cisto gigante está localizado no parênquima e está na sua fase ativa, pois ainda está frouxamente aderido.

O tratamento medicamentoso também é uma opção para cistos gigantes em pacientes estáveis do ponto de vista neurológico. Proaño4 tratou 33 pacientes com cistos cerebrais maiores de 5 centímetros com albendazol (15mg/kg por um mês) ou praziquantel (100mg por kg por um mês) sendo que 17 pacientes receberam dois ciclos de tratamento, três receberam três ciclos e um recebeu quatro ciclos. Em todos os pacientes ocorreu a calcificação ou desaparecimento do cisto em um follow up de 59 meses. Dos 22 pacientes com convulsões, 11 apresentaram remissão das crises convulsivas.

Embora no caso em estudo o tratamento de escolha foi o cirúrgico, ainda não há evidências científicas suficientes para preferir esse tratamento ou o medicamentoso. No caso relatado, tendo-se em vista a magnitude da lesão intracraniana e a sintomatologia de compressão do parênquima cerebral pelo cisto gigante, com instabilidade importante do quadro neurológico, a intervenção cirúrgica é a conduta terapêutica mais recomendada13 .

A NCC é uma doença relativamente prevalente no nosso meio. Em geral o tratamento é clínico, mas em alguns casos selecionados a intervenção cirúrgica é uma boa opção.

Trabalho realizado no Hospital Santa Casa de Belo Horizonte, Belo Horizonte, MG

Referências bibliográficas

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Nov 2010
    • Data do Fascículo
      2010
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