Diretrizes
Bioética
ASPECTOS ÉTICOS DA RESSUSCITAÇÃO CARDIOPULMONAR
A ressuscitação cardiopulmonar (RCP), quando adequadamente indicada, é procedimento no qual o consentimento do paciente e sua família é presumido e universalmente aceito. Entretanto, no paciente terminal, sem perspectiva de cura ou recuperação, quando preservar a vida já não é mais factível, pode ser fútil e cruel. Nestas condições, a RCP só tem a finalidade de postergar a morte, podendo determinar um estado de coma persistente, já que o coração tolera hipóxia por mais tempo que o cérebro. Apesar de ser uma decisão que causa angústia em todos que dela participam, oferecer a estes pacientes a opção de não realizar manobras de RCP é conduta amparada moral e eticamente, mesmo não tendo, ainda, aceitação unânime em nosso meio.
A relutância dos profissionais de saúde em sugerir a não-indicação da RCP em seus pacientes terminais deve-se, em parte, à sensação de que estarão desistindo deles e ao desconforto em lidar com assuntos que envolvem a vida e a morte; em nosso meio, deve-se, também, ao medo de serem processados por omissão de socorro. Daí a necessidade de ampliar a discussão para melhor entendimento deste assunto.
Os Departamentos de Bioética e de Cuidados Intensivos da Sociedade de Pediatria de São Paulo, com o objetivo de oferecer subsídios aos médicos, bem como a pacientes e seus familiares, apresentam as seguintes recomendações em relação à RCP:
1. A ressuscitação cardiopulmonar (RCP) é procedimento no qual o consentimento do paciente e sua família é presumido e universalmente aceito, porém nem sempre atende aos interesses do paciente.
2. Não havendo possibilidade de recuperação do paciente terminal, a atenção da equipe multiprofissional deve ser canalizada para o conforto físico, afetivo e emocional do paciente e de sua família.
3. A equipe multiprofissional deve participar da discussão para propor à família a decisão de não reanimar. Havendo incertezas, deve-se recorrer ao parecer de outros médicos para um julgamento preciso da situação clínica. Todo este processo, e conseqüente proposta de conduta, deve ser registrado e justificado no prontuário do paciente.
4. Os pais são os defensores dos interesses de seus filhos e, em tese, são eles que decidem. Detalhes sobre a doença, seu prognóstico e opções terapêuticas devem ser explicados claramente à família. A participação da criança ou adolescente nas decisões deve ser considerada. Idade, capacidade intelectual, cognitiva e emocional estão envolvidas na sua habilidade em contribuir para as decisões.
5. Situações em que a família deseja que a RCP seja efetuada, conflitando com a opinião da equipe multiprofissional, exigem que a RCP seja realizada. Os pais devem receber apoio, informações e esclarecimentos apropriados para que o assunto possa ser discutido novamente em outra oportunidade.
6. Nas situações em que os responsáveis pelo paciente encontram-se divididos, a RCP deve ser realizada e, se mesmo após apoio, informações e esclarecimentos adequados ainda não houver consenso, deve-se recorrer a decisão judicial, com a participação da Comissão de Ética da Instituição.
7. A obtenção de consentimento informado da família para não realizar manobras de RCP é tarefa da equipe multiprofissional. Este procedimento deve ser registrado no prontuário do paciente e não requer documento assinado por familiares.
8. A decisão de não reanimar, adotada em conjunto pela equipe multiprofissional e responsáveis pelo paciente, deve ser claramente registrada e justificada no prontuário do paciente.
9. Na morte encefálica não se aplica o conceito de preservação da vida. Neste caso, o médico, antes da suspensão dos meios artificiais de sustentação de funções vegetativas, deverá comunicar o fato à família do paciente.
Comentário
No Brasil, muitos médicos ainda acreditam que a RCP deve ser indicada em todos os casos de parada cardiorrespiratória. Essa indicação deve-se, muitas vezes, não a uma expectativa de benefício para o paciente, mas ao receio de que a não-indicação da RCP possa acarretar conseqüências legais e na esfera dos Conselhos Regionais de Medicina. As recomendações dos Departamentos de Bioética e de Cuidados Intensivos da Sociedade de Pediatria de São Paulo são importantes por oferecer aos médicos o respaldo de uma reconhecida Sociedade Científica, caso decidam que a não realização da RCP é a conduta mais indicada para o seu paciente.
Gabriel Oselka
Eduardo Juan Troster
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
24 Abr 2001 -
Data do Fascículo
Mar 2001