À beira do leito
Bioética
O MÉDICO PODE SE RECUSAR A DAR ALTA SOLICITADA POR SEU PACIENTE?
Negar alta a um paciente que deseja interromper seu tratamento significa continuar a tratá-lo sem o seu consentimento. O artigo 46 do Código de Ética Médica prevê a proibição ao médico de tratar um paciente sem que, suficientemente esclarecido de sua situação, concorde com o procedimento médico a ser efetuado; existe uma exceção, a dos pacientes em "iminente risco da vida".
Porém, é perfeitamente compreensível utilizar este adendo para pessoas que se encontram inconscientes ou incapazes e que porventura não tenham ninguém que possa autorizar, por eles, qualquer procedimento médico. Cabe lembrar que este não é o caso de pacientes terminais que já esgotaram seus esforços na luta pela sobrevivência é só almejam agora um descanso da vida.
Descanso da vida, morte tranqüila: não é a isso mesmo que se refere a eutanásia? Em casos extremos, a alta a pedido pode representar uma ortotanásia. Nestes casos, prosseguir com o tratamento pode ser um ato paternalista muito cruel. Justificar tal comportamento através da "beneficência", nomeada pela Bioética Principalista, demonstra o mau uso do termo por alterar o destinatário do "bem". Bem de quem, afinal? Do médico, da instituição, da sociedade ou do paciente?
Pode-se formular algumas hipóteses para a negação, pelo médico, da alta a pedido do paciente: temor de sanções legais por conta das conseqüências da interrupção do tratamento, interesse científico na doença e, por último, a própria dificuldade do médico de lidar com a sua impotência frente a "não cura".
À primeira hipótese cabe uma solução: o paciente capaz tem autonomia para decidir quanto a seu tratamento e, portanto, responsabilidade em relação ao seu início, andamento e término. Já suportar as próprias angústias de lidar com a curiosidade, a impotência e a morte fazem parte da função do médico. Quem sabe estabelecendo estes limites, resgata-se o verdadeiro sentido da Medicina: o cuidado.
Com base nesta compreensão, o Hospital das Clínicas de São Paulo já possui um termo de alta a pedido, mas que carece de uma legislação que lhe dê suporte, respeitando os direitos e deveres de médicos e pacientes. Porém este termo de consentimento da alta a pedido já é um avanço do pensamento bioético, pois ele surgiu das discussões da Comissão de Bioética do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Gisele Joana Gobbetti
Claudio Cohen
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
24 Abr 2001 -
Data do Fascículo
Mar 2001