Resumos
Na atualidade, o avanço da ciência médica e o aprimoramento das técnicas de revascularização miocárdica, tanto na área de cirurgia, como na intervenção percutânea, tornaram atrativa a opção inicial pelo tratamento invasivo de pacientes com doença arterial coronária. Desse modo, a cinecoronariografia tem sido cada vez mais indicada. Alguns conceitos têm sido revistos, especialmente em relação aos quadros isquêmicos agudos; o infarto do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST (antes denominado infarto não-Q) e a angina instável são considerados como "síndromes coronárias agudas instáveis" e a conduta para ambos é equivalente. Constituem indicações prioritárias para a cinecoronariografia: 1) os pacientes com angina limitante, mesmo estável; 2) aqueles com as síndromes agudas instáveis, considerados de alto risco (angina refratária, aumento de troponina, dor associada a novos desnivelamentos do segmento ST ou a insuficiência cardíaca e arritmias graves); 3) pacientes na fase aguda do infarto do miocárdio com supradesnivelamento de ST, que serão submetidos à angioplastia primária ou que evoluem com instabilidade hemodinâmica ou isquemia persistente. Os pacientes considerados de baixo risco clínico (angina de alívio rápido com medicação, ausência de alterações eletrocardiográficas ou laboratoriais ou dor torácica atípica) podem ser estratificados por métodos não-invasivos; se não houver indução de isquemia, a cinecoronariografia não estará indicada e o tratamento clínico bem conduzido é ainda adequado para um grande número de doentes. A indicação de cinecoronariografia para o diagnóstico e prognóstico da doença arterial coronária tem tido limites imprecisos, e freqüentemente ela tem sido empregada como primeiro método na investigação da dor precordial, mesmo quando suas características não se enquadram na clássica "angina do peito". Nesta revisão, os autores discutem as principais indicações de cinecoronariografia nas várias modalidades clínicas da doença arterial coronária, e no diagnóstico diferencial da dor torácica.
Doença coronária; Diagnóstico; Cinecoronariografia
Recent advances in Medical Science and the thechnological improvements in the field of myocardial revascularisation, in surgical procedures and in percutaneous interventions, made attractive the initial option for invasive strategies in the management of coronary heart disease. For this reason, coronary arteriography is nowadays more often indicated. Some concepts in coronary heart disease have been reviewed, specially those related to acute coronary syndromes. Non-ST-segment elevation myocardial infarction (previously called non-Q wave myocardial infarction) and unstable angina are now considered "unstable acute coronary syndromes" and both have the same guidelines for management. The main indications for coronary arteriography as the first diagnostic tool are: 1) incapacitating angina, even in stable patients; 2) high-risk patients with unstable coronary syndromes (refractory angina, troponin elevation, new ST- segment deviations, cardiac failure and serious arrythmias); 3) patients with acute ST-elevation myocardial infarction that will be submitted to primary angioplasty or with hemodynamic instability or persistent ischemia. Low-risk patients (angina that promptly subsides after medication, no electrocardiographic or laboratorial changes or atypical chest pain) may be submitted to non-invasive testing for further risk stratification; if no ischemia is detected, coronary arteriography is not indicated and optimized medical treatment is perfectly admitted for a great number of patients. The indications of coronary arteriography for the diagnosis and prognosis of coronary heart disease are not well delimited in clinical practice, and this method is frequently used as the first tool in the investigation of chest pain, even when the characteristics of pain are not exactly those of angina. In this review, the authors discuss the main indications of coronary arteriography in the multiple clinical aspects of coronary heart disease and in the differential diagnosis of chest pain.
Coronary heart disease; Diagnosis; Coronary angiography
ARTIGO DE REVISÃO
Indicações de cinecoronariografia na doença arterial coronária
Indications of coronary angiography in coronary heart disease
Maria Cecilia Solimene; José Antonio Franchini Ramires
Endereço para correspondência E ndereço para correspondência Maria Cecilia Solimene Rua Otávio Nébias, 182 ap.71 CEP: 04002-011 São Paulo SP
RESUMO
Na atualidade, o avanço da ciência médica e o aprimoramento das técnicas de revascularização miocárdica, tanto na área de cirurgia, como na intervenção percutânea, tornaram atrativa a opção inicial pelo tratamento invasivo de pacientes com doença arterial coronária. Desse modo, a cinecoronariografia tem sido cada vez mais indicada.
Alguns conceitos têm sido revistos, especialmente em relação aos quadros isquêmicos agudos; o infarto do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST (antes denominado infarto não-Q) e a angina instável são considerados como "síndromes coronárias agudas instáveis" e a conduta para ambos é equivalente.
Constituem indicações prioritárias para a cinecoronariografia: 1) os pacientes com angina limitante, mesmo estável; 2) aqueles com as síndromes agudas instáveis, considerados de alto risco (angina refratária, aumento de troponina, dor associada a novos desnivelamentos do segmento ST ou a insuficiência cardíaca e arritmias graves); 3) pacientes na fase aguda do infarto do miocárdio com supradesnivelamento de ST, que serão submetidos à angioplastia primária ou que evoluem com instabilidade hemodinâmica ou isquemia persistente.
Os pacientes considerados de baixo risco clínico (angina de alívio rápido com medicação, ausência de alterações eletrocardiográficas ou laboratoriais ou dor torácica atípica) podem ser estratificados por métodos não-invasivos; se não houver indução de isquemia, a cinecoronariografia não estará indicada e o tratamento clínico bem conduzido é ainda adequado para um grande número de doentes.
A indicação de cinecoronariografia para o diagnóstico e prognóstico da doença arterial coronária tem tido limites imprecisos, e freqüentemente ela tem sido empregada como primeiro método na investigação da dor precordial, mesmo quando suas características não se enquadram na clássica "angina do peito".
Nesta revisão, os autores discutem as principais indicações de cinecoronariografia nas várias modalidades clínicas da doença arterial coronária, e no diagnóstico diferencial da dor torácica.
Unitermos: Doença coronária. Diagnóstico. Cinecoronariografia.
SUMMARY
Recent advances in Medical Science and the thechnological improvements in the field of myocardial revascularisation, in surgical procedures and in percutaneous interventions, made attractive the initial option for invasive strategies in the management of coronary heart disease. For this reason, coronary arteriography is nowadays more often indicated.
Some concepts in coronary heart disease have been reviewed, specially those related to acute coronary syndromes. Non-ST-segment elevation myocardial infarction (previously called non-Q wave myocardial infarction) and unstable angina are now considered "unstable acute coronary syndromes" and both have the same guidelines for management.
The main indications for coronary arteriography as the first diagnostic tool are: 1) incapacitating angina, even in stable patients; 2) high-risk patients with unstable coronary syndromes (refractory angina, troponin elevation, new ST- segment deviations, cardiac failure and serious arrythmias); 3) patients with acute ST-elevation myocardial infarction that will be submitted to primary angioplasty or with hemodynamic instability or persistent ischemia.
Low-risk patients (angina that promptly subsides after medication, no electrocardiographic or laboratorial changes or atypical chest pain) may be submitted to non-invasive testing for further risk stratification; if no ischemia is detected, coronary arteriography is not indicated and optimized medical treatment is perfectly admitted for a great number of patients.
The indications of coronary arteriography for the diagnosis and prognosis of coronary heart disease are not well delimited in clinical practice, and this method is frequently used as the first tool in the investigation of chest pain, even when the characteristics of pain are not exactly those of angina.
In this review, the authors discuss the main indications of coronary arteriography in the multiple clinical aspects of coronary heart disease and in the differential diagnosis of chest pain.
Keywords: Coronary heart disease. Diagnosis. Coronary angiography
INTRODUÇÃO
A doença arterial coronária, principal causa de morte nas populações ocidentais da atualidade, apresenta um amplo espectro de manifestações clínicas. Podemos encontrar pacientes com obstruções coronárias severas, mas totalmente assintomáticos, ao lado de doentes com quadros de angina estável, angina instável ou infarto do miocárdio. Por outro lado, existe um número expressivo de indivíduos com queixas de dor torácica inespecífica, mas que necessitam ser avaliados para se excluir ou confirmar o diagnóstico de doença coronária.
Nas várias apresentações clínicas da doença existem situações onde se faz necessário o conhecimento do padrão arterial coronário e da função ventricular, para definirmos a estratégia terapêutica mais adequada e tentar melhorar o prognóstico desses pacientes. Nessas situações, está indicada a cinecoronariografia.
É importante considerar que o risco habitual de complicações graves durante o procedimento é menor que 2%1, porém aumenta consideravelmente se os pacientes apresentarem síndromes isquêmicas agudas, choque, insuficiência renal aguda ou cardiomiopatia prévia. Atenção especial deve ser dada aos doentes com história de reação alérgica ao iodo; nesses casos, deve-se utilizar contraste não-iônico e administrar corticosteróides e anti-histamínicos previamente ao procedimento.
Nesta revisão, abordaremos as principais indicações de cinecoronariografia nas diferentes apresentações clínicas da doença coronária.
I Doença coronária assintomática
Os dados disponíveis na literatura mostram prevalência de 2% a 4% de doença coronária em indivíduos assintomáticos, considerados normais2; por outro lado, admite-se que 25% dos infartos do miocárdio sejam "silenciosos"3 , ou seja, reconhecidos apenas durante a realização de eletrocardiograma de rotina, onde se diagnosticam ondas Q patológicas, desnivelamentos do segmento ST ou inversões de onda T, na ausência de quadro clínico prévio.
Desse modo, caracterizamos uma doença coronária assintomática, mas de prognóstico reservado, pois embora admita-se que a mortalidade desses doentes seja inferior a 1% ao ano, 30% a 50% deles sofrem um evento coronário (angina instável, infarto do miocárdio ou morte) no período de 1 a 2 anos4. Por outro lado, a ocorrência de reinfarto (2% a 3% ao ano) é semelhante nos infartos silenciosos ou clinicamente reconhecidos3; em Framingham, a mortalidade em 10 anos foi de 50% para os homens e 34% para as mulheres com infartos silenciosos, comparável à mortalidade de 39% em ambos os sexos nos infartos com manifestações clínicas3.
Para o diagnóstico de doença coronária em indivíduos assintomáticos é necessário, inicialmente, analisarmos a probabilidade desses indivíduos terem a doença; em outras palavras, a pesquisa de isquemia em assintomáticos apenas deve ser realizada em portadores de múltiplos fatores de risco para a doença coronária, para não incorrermos no risco de resultados falso-positivos2.
Os métodos de investigação de isquemia mais comumente empregados são a eletrocardiografia (eletrocardiograma de esforço e monitorização ambulatorial pelo sistema Holter), os estudos de perfusão utilizando radioisótopos (tálio-201 ou tecnécio-99m SESTAMIBI) e a avaliação da função ventricular esquerda pela ecocardiografia (ecocardiograma de estresse, com dobutamina ou dipiridamol)4.
Em caso de resposta isquêmica positiva por um desses métodos2, especialmente se sugestiva de "alto risco"5 (Tabelas 1 e 2), está indicada a cinecoronariografia.
II- Dor torácica não específica
Existem pacientes com dor torácica não caracterizada como angina típica, porém com possibilidade de apresentar insuficiência coronária; esses doentes devem ser submetidos à investigação de isquemia através de testes não-invasivos, estando a cinecoronariografia indicada segundo os critérios descritos nas Tabelas I e 21,5. Entretanto, na prática diária, muitas vezes a cinecoronariografia é indicada mesmo que a isquemia encontrada não preencha os critérios de alto risco, especialmente se tratar de pacientes com múltiplos fatores de risco ou história familiar de doença coronária.
Em pacientes com hospitalizações recorrentes por dor precordial e com respostas duvidosas aos testes provocativos de isquemia, a cinecoronariografia está indicada para definição diagnóstica1.
Em indivíduos com dor torácica inespecífica e testes negativos para isquemia, a cinecoronariografia não está indicada1.
A Tabela 3 resume as indicações de cinecoronariografia na dor torácica não específica.
III - Angina estável
Sintomas
A angina estável é classificada de acordo com o grau de limitação física que provoque no paciente em 4 classes funcionais (CF)6:
I- Angina a esforços extenuantes
II- Angina a esforços maiores que os habituais
III- Angina às atividades habituais, levando à limitação física
IV- Angina às mínimas atividades e em repouso
Os pacientes com angina CF III-IV apresentam mortalidade anual de 5,4%, significativamente maior que a encontrada nos com CF I-II (2,7%)7 e são os que mais se beneficiam pelo tratamento cirúrgico, independente da função ventricular8.
Desse modo, pacientes com angina CF III-IV devem ser submetidos à cinecoronariografia, visando possível revascularização miocárdica9.
Função ventricular
A função ventricular, avaliada através da fração de ejeção (FE) do ventrículo esquerdo, é um dos principais determinantes do prognóstico dos indivíduos com doença arterial coronária; a influência da função ventricular na sobrevida dos pacientes independe da extensão da doença, ou seja, do número de artérias com lesões críticas9. Em doentes com obstruções coronárias, porém sem lesão no tronco da coronária esquerda, FE>50%, FE entre 35 e 49% e FE<35% foram associadas, respectivamente, a mortalidades de 8%, 17% e 24%, em quatro anos10.
Os relatos de CASS mostraram que pacientes com angina CF I-II e FE <50% tiveram sobrevida em cinco anos de 88%, quando submetidos ao tratamento cirúrgico, significativamente maior que a de 65% nos submetidos ao tratamento clínico11, resultados esses confirmados na avaliação de 10 anos12.
Essas verificações dão suporte à indicação de cinecoronariografia, visando a revascularização miocárdica, nos doentes com angina CF I-II e FE<50%, avaliada pelo ecocardiograma.
Isquemia silenciosa
A presença de isquemia não associada a sintomas, ou seja, a isquemia silenciosa, tem sido associada a uma incidência de 30% a 50% em eventos coronários em período de um a dois anos, em todas as modalidades clínicas da doença coronária2. Alguns autores encontraram também, em período de dois anos, um excesso de mortalidade entre os doentes estáveis com isquemia silenciosa, quando comparados aos doentes estáveis sem isquemia13. Por outro lado, recentemente, a isquemia silenciosa foi associada à presença de obstruções coronárias graves e extensas e placas ateroscleróticas complexas, inclusive com trombos14.
Assim, em pacientes estáveis com angina CF I-II, empregamos os mesmos métodos citados para o diagnóstico de doença coronária em assintomáticos; a presença de isquemia silenciosa nesses doentes se constitui em indicação de cinecoronariografia.
A Tabela 3 resume as indicações de cinecoronariografia na angina estável.
IV - Síndromes isquêmicas agudas
Angina instável e infarto do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento st
As bases para as recomendações quanto à conduta na angina instável estão fundamentadas na apresentação clínica inicial. Desse modo, temos pacientes instáveis de baixo risco, risco intermediário e alto risco para infarto e morte, assim definidos15:
Baixo risco
Sem angina prévia e sem angina preexistente
Nenhum ou uso infreqüente de medicação antianginosa
Eletrocardiograma normal ou inalterado
Sem alteração de enzimas cardíacas
Idade não avançada
Risco intermediário
Angina de recente começo ou progressiva
Angina de repouso ou persistente durando > 20min
Sem alteração do segmento ST
Sem alteração de enzimas cardíacas
Alto risco
Angina de repouso ou prolongada; angina persistente
Angina após infarto do miocárdio
Uso prévio intensivo de medicação antianginosa
Alterações dinâmicas do segmento ST
Elevação de enzimas cardíacas
Instabilidade hemodinâmica
Idade avançada
O Consenso da Associação Americana de Cardiologia sobre Indicações de Cinecoronariografia, de 19991, recomenda a angiografia coronária para os pacientes classificados como alto risco e risco intermediário, devendo o procedimento ser realizado de emergência caso haja refratariedade ao tratamento clínico inicial ou recorrência dos sintomas após estabilização.
Embora o Consenso americano recomende a cinecoronariografia para os pacientes com risco intermediário, mesmo após estabilização clínica1, essa conduta não é uniformemente aceita, e alguns autores15 preconizam a realização de testes provocativos de isquemia nesses casos, indicando a cinecoronariografia apenas se a resposta for positiva.
Esse assunto é objeto de muita controvérsia; no registro OASIS16, foram analisados os resultados de condutas muito invasivas (Brasil e Estados Unidos), moderadamente invasivas (Canadá e Austrália) e pouco invasivas (Hungria e Polônia), em 7987 pacientes com síndrome isquêmica aguda. Os resultados dessa análise mostraram que as condutas invasivas não levaram à redução da ocorrência de infarto e morte, embora resultassem em menor número de doentes com angina refratária e menor índice de readmissões hospitalares por angina instável.
Alguns estudos foram desenhados para analisar a evolução de pacientes com angina instável, de médio para alto risco, estabilizados clinicamente, e submetidos aleatoriamente a dois tipos de conduta; a) invasiva - os pacientes selecionados seriam submetidos à cinecoronariografia precocemente e, a seguir, à revascularização miocárdica, quando indicada; b) conservadora - os pacientes selecionados seriam inicialmente submetidos a testes provocativos de isquemia e a cinecoronariografia seria indicada somente àqueles com resposta positiva17-19. O mesmo desenho aplicou-se para a conduta em infartos não-Q17,20, hoje denominados infartos sem supradesnivelamento do segmento ST21, ou mais simplesmente, infartos sem supra de ST.
O estudo TIMI III-B 17, envolvendo 1473 doentes com angina instável ou infarto não-Q, mostrou, após 42 dias de evolução, mortalidade de 2,4% e 2,5% e ocorrência de infarto não fatal em 5,1% e 5,7%, repectivamente, com as condutas invasiva e conservadora; a permanência no hospital e a readmissão hospitalar foram mais freqüentes com a estratégia conservadora. Resultados semelhantes quanto à ocorrência de infarto e morte foram relatados após um ano18.
Por outro lado, o estudo FRISC II19, com 2457 pacientes portadores de angina instável, mostrou, após seis meses de evolução, incidência significativamente menor de infarto e morte (9,4%) com a conduta invasiva, em relação à conduta conservadora (12,1%); essa diferença se deveu principalmente à redução da ocorrência de infartos não fatais, pois não houve diferença significativa na mortalidade.
A dificuldade na escolha entre as duas condutas se acentua quando analisamos os resultados do estudo VANQWISH20, com 920 pacientes com infarto não-Q; nesse estudo, a conduta invasiva se associou a aumento significativo de mortalidade, quando comparada à conduta conservadora, em todos os períodos estudados, sendo respectivamente: alta hospitalar (21 vs 6 pacientes), um mês (23 vs 9 pacientes) e um ano (58 vs 36 pacientes); por outro lado, a permanência no hospital foi maior no grupo invasivo, ao contrário do que se observou no estudo TIMI III-B 17.
Recentemente, foi publicado o estudo TATICS22, envolvendo 2220 pacientes com angina instável e infarto do miocárdio sem supradesnivelamento de ST. Esses pacientes foram randomizados para as duas estratégias: a) invasiva precoce, realizando-se o cateterismo de rotina, entre 4 e 48 horas após a admissão hospitalar, seguindo-se a revascularização miocárdica, se indicada; b) conservadora, na qual o cateterismo cardíaco somente seria indicado se, após a estabilização do quadro, houvesse angina ou evidência de isquemia após teste de esforço, em geral associado a estudo de perfusão ou ecocardiografia. Após seis meses, 15,9% dos pacientes do grupo invasivo apresentaram rehospitalização por síndrome isquêmica aguda, infarto não fatal ou morte; esses eventos ocorreram em 19,4% dos doentes do grupo conservador, sendo a diferença estatisticamente significativa (p=0,025). A ocorrência de infarto não fatal ou morte também foi significativamente menor no grupo invasivo (7,3%), quando comparada ao grupo conservador (9,5%), sendo p<0,05.
As explicações para as diferenças nos resultados dos quatro estudos podem residir em alguns pontos: 1) os estudos FRISC II e TATICS, em relação aos outros dois, são mais recentes, envolveram maior número de pacientes e utilizaram mais freqüentemente "stents"e inibidores de glicoproteinas; 2) os estudos FRISC II e TATICS realizaram significativamente mais revascularizações em seus pacientes, quando comparados aos estudos TIMI IIIB e VANQWISH; 3) a elevada mortalidade dos pacientes cirúrgicos do VANQWISH (11%), não confirmada por outros investigadores, gerou problemas na interpretação dos resultados da conduta invasiva.
Davie e McMurray23, em editorial publicado em 2002, comentam que as decisões envolvendo as síndromes isquêmicas agudas ainda são discutíveis; os autores interrogam se seria mais prático realizar o cateterismo cardíaco em todos os doentes ou se a conduta conservadora permanece a mais apropriada, quando bem indicada.
Por outro lado, a análise de 12142 pacientes do estudo GUSTO IIb24 mostrou diferenças entre os sexos, quanto ao prognóstico, quando consideradas três entidades distintas: o infarto do miocárdio com supra de ST, a angina instável e o infarto sem supra de ST.
É visão atual que distinguir a angina instável e o infarto sem supra de ST como duas entidades separadas não adiciona informações que possam influir na opção terapêutica e, conseqüentemente, no prognóstico dos doentes com síndrome coronária aguda25.
Em março de 2002, o Colégio Americano de Cardiologia e a Associação Americana de Cardiologia aprovaram um documento sobre diretrizes para a conduta na angina instável e infarto do miocárdio sem supra de ST21. Segundo as diretrizes, a cinecoronariografia precoce, nessas duas situações, está indicada nos pacientes de alto risco, ou seja: com angina recorrente ou em repouso, com elevação dos níveis de troponina T ou I, novos infradesnivelamentos de ST, insuficiência cardíaca associada, fração de ejeção < 0,40, instabilidade hemodinâmica, taquicardia ventricular sustentada, revascularização prévia ou isquemia grave após testes não-invasivos21.
Em trabalhos que trataram da conduta invasiva precoce, a cinecoronariografia foi transferida para 12 a 48 horas após a admissão hospitalar, para intensificar a terapêutica antiisquêmica e antitrombótica; havia dados de observação que o índice de complicações, especialmente após intervenções percutâneas, seria menor se elas fossem realizadas após mais de 48 horas; entretanto, o valor da estabilização clínica antes da angiografia não está definitivamente estabelecido21.
As novas orientações da Associação Americana da Cardiologia admitem que também pode ser indicada a cinecoronariografia precoce e como primeira opção em casos de quadros isquêmicos agudos de repetição, mesmo sem evidência de alto risco21.
A cinecoronariografia continua não indicada em presença de condições mórbidas associadas, com prognóstico desfavorável; quando o paciente recusar qualquer procedimento de revascularização e em indivíduos com pouca probabilidade de apresentar doença coronária21.
As principais indicações de cinecoronariografia na angina instável e infarto sem supra de ST estão na Tabela 4.
V-Infarto do miocárdio
No que diz respeito ao infarto do miocárdio, devem ser abordados três períodos evolutivos: a) fase aguda (primeiras 24 horas a partir do início dos sintomas); b) fase hospitalar (primeiras duas semanas); c) convalescença (período entre 2 e 8 semanas).
Fase Aguda
Nessa fase, a cinecoronariografia está indicada quando se opta pela realização da angioplastia primária, desde que obedecidos os seguintes critérios1: a) realização do procedimento em período não superior a 90 minutos, a partir do início dos sintomas; b) em centros com pessoal habilitado e experiência comprovada com o procedimento e capacidade de realizar cirurgia cardíaca.
Outra indicação são as situações de emergência1,26: a) choque cardiogênico; b) extensão do infarto apesar da trombólise, havendo suspeita que a reperfusão não ocorreu e se planeja a angioplastia de salvamento; c) angina persistente ou recorrente, com ou sem alterações eletrocardiográficas; d) congestão pulmonar; e) hipotensão arterial.
A cinecoronariografia pode ser indicada em doentes candidatos à reperfusão mecânica por haver contra-indicações aos fibrinolíticos, desde que respeitados o período da indicação (<90-min.) e a capacitação do centro médico envolvido1.
A cinecoronariografia na fase aguda do infarto não está indicada 1,26: a) em pacientes assintomáticos admitidos mais de 12 horas após o início dos sintomas; b) em pacientes assintomáticos após trombólise clínica; c) como rotina após trombólise, para identificar lesões passíveis de angioplastia.
Fase hospitalar
Nessa fase, a cinecoronariografia está indicada: a) nos pacientes que evoluem com complicações: angina, insuficiência cardíaca, instabilidade hemodinâmica persistente e antes da terapia definitiva em presença de insuficiência mitral aguda, comunicação interventricular, pseudo-aneurisma e aneurisma do ventrículo esquerdo1. Acreditamos que nos casos de insuficiência cardíaca controlada clinicamente e nos casos de aneurisma de ventrículo esquerdo, a cinecoronariografia deverá se realizada, se possível, ao final da fase de convalescença, pois somente após a cicatrização completa do infarto é que se define a anatomia venticular e as reais consequências desses grandes infartos26; b) nos pacientes assintomáticos que apresentem isquemia silenciosa ou sintomática após testes provocativos1,26 ou às atividades habituais27.
Dentre os testes provocativos de isquemia, o mais utilizado ainda é o teste de esforço, que pode ser: a) submáximo (interrompido com 5 METS ou 70% da freqüência cardíaca máxima para a idade), do 4o ao 6o dia ou b) limitado por sintomas, do 10o ao 14o dia28. Os testes de perfusão ou de avaliação da função ventricular são mais empregados quando há dúvidas quanto à interpretação do teste de esforço ou quando o indivíduo é incapacitado para realizar esforço físico; nesse último caso, a monitorização pelo sistema Holter oferece importantes informações prognósticas29.
Embora haja controvérsias, a cinecoronariografia, nessa fase, é freqüentemente indicada quando1: a) há suspeita de outra etiologia para o infarto, que não a aterosclerose (embolia, arterite, espasmo, etc; b) em pacientes com FE<0,40, mesmo assintomáticos; c) em pacientes com revascularização miocárdica prévia; d) em presença de arritmias graves; e) há insuficiência cardíaca durante o episódio agudo, embora com FE>0,40 em condições estáveis.
O Consenso Americano1 considera muito discutível a indicação de cinecoronariografia, de rotina para a identificação de lesões triarteriais ou de tronco de coronária esquerda, sem qualquer exame não-invasivo prévio e na ocorrência de taquicardia ou fibrilação ventricular recorrente, mas sem evidência de isquemia atual.
Convalescença
Nessa fase, encontra-se a maioria dos doentes nos quais se planejará ou não a cinecoronariografia26, até porque nem todas as instituições hospitalares que recebem pacientes com infarto do miocárdio dispõem de serviços de hemodinâmica.
A cinecoronariografia está indicada em todos os pacientes que nessa fase apresentem angina ou isquemia silenciosa após os testes provocativos ou às atividades habituais29. Por outro lado, é freqüente a indicação do exame em pacientes que apresentaram insuficiência cardíaca na fase hospitalar, mesmo já controlada, e naqueles que não conseguem realizar esforço físico e têm FE<0,451.
As indicações de cinecoronariografia no infarto do miocárdio estão nas Tabelas 5, 6 e 7.
VI. Situações clínicas especiais
Após revascularização miocárdica
A cinecoronariografia está indicada em casos de angina recorrente ou resposta isquêmica da alto risco aos testes provocativos1.
É discutível a realização de cincoronariografia em pacientes assintomáticos após angioplastia ou cirurgia, que apresentem resposta anormal aos testes provocativos de isquemia, porém não preenchendo os critérios de alto risco1.
As respostas de alto risco estão definidas nas Tabelas I e 2, conforme as indicações da Sociedade Americana da Cardiologia5.
O Consenso americano não recomenda a realização de cinecoronariografia após angioplastia ou cirurgia, em pacientes assintomáticos, a não ser em protocolos de pesquisa aprovados por comissões de ética1. Também não é recomendada a realização do exame em pacientes sintomáticos após revascularização, não passíveis de reintervenções1.
Cirurgia não cardíaca
O Consenso americano recomenda a rea-lização de cinecoronariografia em pacientes com doença coronária provável ou conhecida nas seguintes situações1: a) presença de isquemia de alto risco (Tabelas I e 2) após testes provocativos; b) angina de difícil controle clínico; c) angina instável em cirurgias não cardíacas de alto risco (cirurgias vasculares ou de grande porte) ou risco intermediário (endarterectomia de carótida, cirurgias de crânio e pescoço, cirurgia intratorácica ou intraperitoneal, cirurgia ortopédica e cirurgia de prostata; d) respostas inconclusivas aos testes provocativos de isquemia em pacientes com cardiopatia grave ou infarto recente, que serão submetidos à cirurgia não cardíaca de alto risco.
É discutível a realização de cinecoronariografia em pacientes sem história de doença coronária, com respostas alteradas aos testes provocativos de isquemia, mas não enquadradas no alto risco1. Nesses casos, costuma-se realizar o procedimento quando será realizada cirurgia vascular de grande porte ou em casos de cirurgia não cardíaca de urgência em convalescentes de infarto do miocárdio1.
Não está indicada a cinecoronariografia em procedimentos endoscópicos ou superficiais ou pequenas cirurgias (catarata, mama) em pacientes com respostas negativas ou de baixo risco aos testes provocativos de isquemia; da mesma forma, o exame não está indicado em pacientes revascularizados assintomáticos com bom desempenho ao exercício ou, por outro lado, em pacientes graves não passíveis de revascularização ou que recusem esse procedimento.
Cirurgia cardíaca em portadores de valvopatias, cardiopatias congênitas ou insuficiência cardíaca
Nesses casos, está recomendada a realização de cinecoronariografia em pacientes adultos > 40 anos, em pacientes com angina ou evidência de isquemia aos testes provocativos, em presença de anomalias coronárias, suspeita de embolia coronária durante endocardite infecciosa, no preparo para transplante cardíaco e em casos de insuficiência cardíaca com isquemia ou secundária a aneurismas após infarto do miocárdio ou outras complicações mecânicas1.
REFERÊNCIAS
Artigo recebido: 17/04/02
Aceito para publicação: 12/08/02
Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, S. Paulo, SP
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
22 Jul 2003 -
Data do Fascículo
Jun 2003
Histórico
-
Aceito
12 Ago 2002 -
Recebido
17 Abr 2002