Resumos
A Classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS) para os tumores do tecido hematopoético e linfoide (4ª edição, 2008)¹ representa uma atualização da 3ª edição, 2001². Apresentamos a seguir um resumo dessas alterações nos grupos das doenças mieloproliferativas, mileodisplásicas, leucemias mieloides agudas, neoplasias de células precursoras B e T, e neoplasias de células B, T e NK maduras. O entendimento das alterações genético-moleculares e os resultados alcançados com propostas terapêuticas inovadoras nesses grupos de doenças demandam constante reavaliação de sua classificação, justificando as alterações importantes aqui discutidas1,3-5.
Organização Mundial da Saúde; classificação; doenças linfoproliferativas; síndromes mielodisplásicas; doenças mieloproliferativas; doenças mielodisplásicas-mieloproliferativas
The World Health Organization (WHO) Classification of tumors of hematopoietic and lymphoid tissues (4th edition, 2008)¹ presents an updated version of the 3rd edition published in 2001². A summary of these changes relates to the groups of chronic myeloproliferative disorders, myelodisplasia, acute myeloid leukemias, neoplasms of precursor B and T cells and neoplasms derived of mature B, T and NK cells. A better understanding of molecular genetic changes and results achieved with innovative therapeutic approaches in these groups of diseases requires constant reassessment of the classifications, supporting the major changes discussed here, including interesting comments from literature1, 3-5.
World Health Organization; classification; lymphoproliferative disorders; myeloproliferative disorders; myelodysplasticm-myeloproliferative diseases
ARTIGO DE REVISÃO
Classificação da Organização Mundial da Saúde para os tumores dos tecidos hematopoético e linfoide, 4ª edição, 2008 - principais modificações introduzidas em relação à 3ª edição, 2001
Maria Claudia Nogueira ZerbiniI; Fernando Augusto SoaresII; Elvira Deolinda Rodrigues Pereira VellosoIII; Maria de Lourdes L. F. ChaufailleIV; Roberto Pinto PaesV
IPós-Doutorado em Patologia; Professora Doutora do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP, São Paulo, SP
IIProfessor Titular do Departamento de Patologia da Faculdade de Odontologia, USP; Diretor do Departamento de Anatomia Patológica do Hospital do Câncer A. C. Camargo, São Paulo, SP
IIIProfessora Doutora; Médica-Hematologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP; Médica do Laboratório Clínico, Setor de Citogenética do Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP
IVProfessora Livre-Docente, Disciplina de Hematologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP; Médica do Fleury Medicina Diagnóstica, Responsável pelo Laboratório de Citogenética, São Paulo, SP
VProfessor-Adjunto, Departamento de Patologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP
Correspondência para Correspondência para: Maria Claudia Nogueira Zerbini Faculdade de Medicina da USP Departamento de Patologia Av. Dr. Arnaldo, 455 São Paulo - 05415-070 Tel: (11) 3061 7234; (11) 9622 5879 / Fax: (11) 3064 2744 czerbini@usp.br
RESUMO
A Classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS) para os tumores do tecido hematopoético e linfoide (4ª edição, 2008)1 representa uma atualização da 3ª edição, 20012. Apresentamos a seguir um resumo dessas alterações nos grupos das doenças mieloproliferativas, mileodisplásicas, leucemias mieloides agudas, neoplasias de células precursoras B e T, e neoplasias de células B, T e NK maduras. O entendimento das alterações genético-moleculares e os resultados alcançados com propostas terapêuticas inovadoras nesses grupos de doenças demandam constante reavaliação de sua classificação, justificando as alterações importantes aqui discutidas1,3-5.
Unitermos: Organização Mundial da Saúde; classificação; doenças linfoproliferativas; síndromes mielodisplásicas; doenças mieloproliferativas; doenças mielodisplásicas-mieloproliferativas.
Neoplasias mieloproliferativas (NMP)
Esse grupo de neoplasias sofreu modificações consideráveis nessa nova edição. O termo doenças mieloproliferativas foi modificado para neoplasias mieloproliferativas (NMP), ressaltando seu caráter clonal. O reconhecimento de mutações/rearranjos em genes que codificam proteínas com atividade tirosina quinase como BCR-ABL (leucemia mieloide crônica [LMC]), JAK2 (policitemia vera [PV], mielofibrose primária [MFP], trobocitemia essencial [TE]), kit (mastocitose) e das doenças mieloides e linfoides que cursam com rearranjos do PDGFRA, PDGFRB e FGFR1 foram importantes para definir novos grupos de doenças e modifficar critérios diagnósticos prévios. A seguir são resumidas as principais modificações na classificação das NMP:
1. A mastocitose, antes estudada em capítulo isolado, foi incluída nesta categoria, mantendo-se a mesma classificação6.
2. Alguns casos que anteriormente preenchiam critérios para leucemia eosinofílica crônica (LEC) migraram para o grupo de neoplasias mieloides e linfoides com eosinofilia e anormalidades nos genes PDGFRA, PDGFRB e FGRR1. Na ausência desses rearranjos, assim como da fusão BCR-ABL, a doença volta a pertencer à categoria da LEC, sem outra especificação.
3. Os algoritmos diagnósticos para PV, TE e MFP foram modificados incluindo o status mutacional do gene JAK2 e de outros genes correlatos. Achados histológicos da medula óssea, particularmente dos megacariócitos, foram reforçados como critérios diagnósticos.
4. Os critérios para a fase acelerada da LMC foram mantidos, e novos foram propostos. Ainda há controvérsia quanto a sua relevância clínica na era do uso dos inibidores de tirosina quinase.
5. O limiar de contagem plaquetária para a TE foi reduzido de 600.000/mm3 para 450.0000/mm3.
Neoplasias mieloides e linfoides com eosinofilia e anormalidades dos genes PDGFRA, PDGFRB E FGFR1
Constituem um grupo novo na classificação da OMS, 2008. Essas neoplasias raras são definidas como doenças clonais causadas por anormalidades em genes que codificam as cadeias alfa ou beta de receptores com atividade tirosina quinase: receptor do fator de crescimento derivado da plaqueta (PDGFR) ou do receptor do fator de crescimento do fibroblasto (FGFR1). A grande importância do reconhecimento dessas neoplasias é a resposta das mesmas ao uso de inibidores de tirosina quinase, particularmente ao imatinibe. Postula-se que as neoplasias com tais anormalidades genéticas tenham origem em uma célula progenitora pluripotente mieloide-linfoide. Uma característica frequente é a eosinofilia, sendo essas doenças previamente reconhecidas como LEC, leucemia mielomonocítica crônica (LMMC) com eosinoflilia, síndrome mieloproliferativa / síndrome mielodisplásica (SMP/SMD) com eosinofilia e síndrome hipereosinofílica. A apresentação clínica é heterogênea, associando-se geralmente a NMP ou mesmo a doença linfoide. Alguns casos podem se apresentar como leucemia mieloide aguda (LMA), leucemia linfoide aguda (LLA) de células B ou T, linfoma linfoblástico T e doenças com proliferação de mastócitos. O mais frequente rearranjo gênico alterando o PDGFRA é a fusão FIPL1-PDGFRA decorrente de deleção críptica da região cromossômica 4q12, só detectada por técnicas moleculares. Já os rearranjos no gene PDGFRB (localizado em 5q33) e no gene FGFR1 (localizado em 8p11) podem ser detectados com o cariótipo ou o Fluorescence insitu hybridization (FISH) com sonda de ruptura identificando translocações envolvendo diferentes genes parceiros.
Neoplasias mielodisplásicas/mieloproliferativas (NMD/MP)
Essas doenças incluem neoplasias mieloides clonais que apresentam características clínicas e laboratoriais de mielodisplasia e de mieloproliferação. Apesar de alguns casos de LMMC e LMC atípica BCR/ABL negativa apresentarem mutação em JAK2, essas doenças são mais bem caracterizadas por alterações nas vias de sinalização intracelular RAS/MASK. Para serem incluídas nesse grupo, é necessária a exclusão da fusão gênica BCR-ABL e de rearranjos nos genes PDGFRA, PDGFRB e FGFR.
Outras modificações nesse grupo de neoplasias incluem:
1. A LMC atípica foi renomeada para LMC atípica BCR/ABL negativa.
2. A anemia refratária com sideroblastos em anel associada à trombocitose (ARSA/T), também denominada previamente de trombocitemia essencial com sideroblastos em anel, foi incluída em categoria provisória. Os critérios diagnósticos da ARSA/T incluem os da NMP/MD inclassificável associados aos critérios morfológicos de ARSA, contagem plaquetária acima de 450.000/mm3 e presença de megacariócitos anômalos observados na TE ou na MFP. Cerca de 60% das ARSA/T apresentam a mutação JAK, ou a mutação MPL W515/L.
Síndromes mielodisplásicas (SMD)
As SMD são doenças clonais da célula precursora hematopoética caracterizada por citopenias, displasia em uma ou mais linhagens mieloides, hematopoese ineficaz, apoptose aumentada e tendência à evolução para LMA. O critério diagnóstico de <20% de blastos na medula óssea (MO) e no sangue periférico (SP) é mantido. É reforçado o diagnóstico diferencial entre SMD e LMA quando se observa a presença de >50% de células eritroides na MO. A presença de >20% de blastos entre as células não eritroides, não plasmócitos e não linfócitos define LMA, enquanto <20% de blastos define SMD. Nessa última situação, volta-se ao número percentual de blastos entre todas as células nucleadas para a classificação da SMD. Ainda nesta classificação, é melhor elucidada a etiologia da SMD com del(5q) isolada pela participação do gene RPS14, envolvido na função de proteínas ribossomais.
As principais modificações da nova classificação OMS incluem:
1. Criação do subtipo citopenia refratária com displasia de uma linhagem (CR), incluindo anemia refratária, neutropenia refratária e plaquetopenia refratária, algumas delas antes incluídas no grupo da SMD inclassificável (SMD/I). Esse grupo inclui uni ou bicitopenias, <5% de blastos na MO, presença de displasia em apenas uma linhagem e <15% de sideroblastos em anel.
2. A citopenia refratária com displasia de múltiplas linhagens (CR/DML) abrange também a CR/DML com sideroblastos em anel, visto não haver diferença de prognóstico entre elas.
3. O diagnóstico de SMD/I pode ser definido na vigência de três situações: 1) presença de critérios de CR ou CR/DML, mas com 1% de blastos no SP; 2) presença de CR com pancitopenias; e 3) presença de citopenias persistentes com <1% de blastos no SP e <5% na MO, displasia em <10% de células em uma ou mais linhagens mieloides e com anormalidades citogenéticas associadas à SMD.
4. Inclusão da SMD da infância (SMD-P) e de uma categoria provisória, a citopenia refratária da infância (CR-P). Para crianças com 2% a 19% de blastos no SP e 5% a 19% de blastos na MO, é utilizado o mesmo critério de AREB, como nos adultos. Já a CR-P, que compreende cerca de 50% dos casos de SMD-P, é caracterizada por citopenias persistentes, <5% de blastos em MO e <2% em SP, associadas a displasias e hipocelularidade medular em 75% dos casos. O diagnóstico diferencial entre a CR-P hipoplásica e aplasia medular é difícil e se baseia particularmente em displasias no aspirado e histologia da MO.
Leucemia mieloide aguda (LMA) e neoplasia de precursor relacionado
Deve-se lembrar a priori que para se considerar o diagnóstico da leucemia, os blastos devem corresponder a mais de 20% na contagem diferencial de 200 células no SP ou 500 células na MO. Na OMS, 2008 foram incorporadas as alterações genéticas aos algoritmos diagnósticos para a LMA.
LMA com anormalidades genéticas recorrentes
As leucemias com anormalidades genéticas recorrentes que codificam fatores de transcrição e que englobavam a LMA com t(8;21) ou ETO/AML1 (agora denominados RUNX1/RUNX1T1), a t(15;17) ou PML/RARA, a inv(16) ou CBFB/MYH11 e a 11q23 ou MLL, receberam novos elementos bem definidos abaixo descritos. A descoberta da importância de genes mutados (KIT, FLT3, MLL, CEBP, NPM1, WT1, BAALC, ERG e MN1) na leucemogênese permitiu a caracterização de subtipos de LMA com cariótipo normal, que possibilitaram sua designação como entidades específicas. Nesse contexto, as alterações mais importantes foram as seguintes:
1. As LMAs com alterações genéticas recorrentes, como t(8;21)(q22;q22), inv(16)(p13.1q22) ou t(16;16)(p13.1;q22) e leucemia promielocítica (LPA) com t(15;17)(q22;q12) são consideradas como leucemia independentemente da porcentagem de blastos no sangue periférico ou na medula óssea.
2. As LPA chamadas variantes, isto é, com translocações envolvendo outros cromossomos, tais como 11q23(ZBTB16), 11q13(NuMA), 5q35(NPM) ou 17q11.2(STAT5B), devem ser designadas com o parceiro específico. Nem todas são responsivas ao ATRA ou apresentam morfologia típica.
3. A LMA com alteração do 11q23 ou MLL foi revista, e a LMA com t(9;11)(p22;q23) ou MLLT3/MLL, que é a mais frequente, passa a ser assim designada. As outras alterações envolvendo 11q23 com mais de 80 parceiros continuam a ser denominadas como anormalidades do MLL. Entretanto, recomenda-se que as translocações variantes sejam também especificadas. Outras anomalias como a duplicação parcial em tandem do MLL não são alocadas nessa categoria.
4. Três novas entidades citogenéticas foram acrescentadas por apresentar morfologia e comportamento clínico distintos: a) LMA com t(6;9)(p23;q34) ou DEK/NUP214; b) LMA com inv(3)(q21q26.2) ou t(3;3)(q21;q26.2) ou RPN1/EVI1; e c) LMA megacarioblástica com t(1;22)(p13;q13) ou RBM15/MKL1.
5. Duas categorias provisórias foram incorporadas: LMA com NPM1 mutado e LMA com CEBPA mutado. Ainda que a mutação FLT3 não tenha sido incluída em uma categoria provisória, a pesquisa dessa mutação é recomendada para todos os casos de LMA com cariótipo normal.
LMA com alterações relacionadas à mielodisplasia
Em relação à LMA com displasia de múltiplas linhagens, inicialmente introduzida na classificação para incorporar as LMA com características displásicas, cariótipo desfavorável, expressão aumentada de glicoproteína de resistência a drogas (MDR) e resposta desfavorável à quimioterapia, passa agora a ser denominada LMA com alterações relacionadas à mielodisplasia. Para tanto, os critérios foram ampliados para incluir a história de síndrome mielodisplásica (SMD) ou mielodisplásica/mieloproliferativa (SMD/ MP) prévia. Deve haver mais de 20% de blastos no SP ou MO, ter evoluído de SMD ou SMD/MP previamente documentada, apresentar alterações cromossômicas relacionadas especificamente a SMD e exibir displasia em 50% ou mais das células de duas linhagens mieloides. Caso o cariótipo seja normal, deve-se investigar mutação de FLT3, NMP1 e CEPBA, que se presentes, devem ser notificadas no diagnóstico.
Neoplasias mieloides relacionadas à terapia (NM-T)
Quanto à neoplasia mieloide relacionada à terapia, que englobava LMA, SMD e SMD/MP, aparece agora como um subgrupo único das LMAs. LMA-T, SMD-T e SMD/ MP-T devem ser consideradas, do ponto de vista biológico, como entidade única. Não há mais a recomendação de diferenciá-las de acordo com o agente terapêutico usado, ou seja, se radioterapia, agente alquilante ou inibidor de topoisomerase II, como era anteriormente orientado. A despeito de as anormalidades cromossômicas dos casos de neoplasias secundárias à terapia serem praticamente idênticas às das LMAs relacionadas à mielodisplasia, os primeiros apresentam, via de regra, pior desenlace que os segundos, com a mesma alteração citogenética, fato que sugere tratar-se de doenças biologicamente díspares.
LMA sem outra especificação (LMA, SOE)
A LMA, SOE, que engloba todos os casos que não preencheram critérios para as demais categorias, sofreu um esvaziamento na medida em que outros subgrupos passaram a ser reconhecidos. Alguns casos de leucemia eritroide ou megacarioblástica podem ser agora reclassificados como LMA com alterações relacionadas à mielodisplasia. Optou-se por manter o nome da leucemia de acordo com a característica morfológica, citoquímica e imunofenotípica da célula acometida. Para esse subgrupo são necessários mais de 20% de blastos no SP ou MO, exceto para a leucemia eritroide aguda, que é baseada na porcentagem de eritroblastos anormais para a eritroide pura e na porcentagem de mieloblastos de permeio às células não eritroides para o tipo eritroide/mieloide. Os promonócitos da leucemia com diferenciação monocítica são considerados na contagem como blastos.
Três novas entidades mieloides passaram a ser consideradas
1. Sarcoma mieloide, anteriormente denominado de sarcoma granulocítico ou cloroma, consiste na proliferação extramedular de blastos de uma ou mais linhagens mieloides que substitui a arquitetura normal do tecido original.
2. Proliferações mieloides relacionadas à síndrome de Down compreendem a mielopoese transitória anormal e a leucemia mieloide, apresentando morfologia, imunofenótipo, características clínicas e moleculares peculiares com mutação GATA1.
3. Neoplasia de célula blástica dendrítica plasmocitoide, definida como derivada de precursores das células dendríticas plasmocitoides, era anteriormente reconhecida como linfoma de célula blástica NK ou como neoplasia hematodérmica CD4+/CD56+. Trata-se de neoplasia considerada agora entre as neoplasias mieloides, sendo clinicamente agressiva e caracterizada por lesões de pele associadas a linfadenopatia regional.
Leucemias agudas de linhagem ambígua
A nova versão OMS, 2008 aloca essas doenças em um capítulo separado e altera os critérios diagnósticos. Assim, casos sem marcadores de linhagem específicos são denominados leucemia aguda indiferenciada e geralmente expressam CD34, HLA-Dr, e/ou CD38 e, por vezes, TdT, mas não expressam antígenos mieloide ou linfoide específicos. As leucemias cujos blastos expressam concomitantemente na mesma célula antígenos de mais de uma linhagem ou que têm populações distintas de blastos que são de linhagens diferentes são intituladas de leucemia aguda de fenótipo misto.
Foi criada uma entidade provisória, a leucemia/linfoma linfoblástico de célula NK. A maioria dos casos previamente reconhecidos como leucemia linfoma de células blásticas NK são agora designados como neoplasia de célula blástica dendrítica plasmocitoide, como citado anteriormente. Ainda que o fenótipo de neoplasia de precursores de células NK verdadeiras não esteja claro, o diagnóstico deve ser considerado quando os blastos expressam CD56 com antígenos associados à célula T imatura, como CD7 e CD2, na ausência de qualquer antígeno de expressão B ou mieloide e sem rearranjo de gene do receptor de célula T.
Neoplasias de precursor linfoide: leucemia/linfoma linfoblástico B e leucemia/linfoma linfoblástico T
A denominação de leucemia/linfoma de precursor B foi substituída por leucemia/linfoma linfoblástico B, havendo a preocupação de se incorporar as alterações genéticas. Segue-se também a convenção usada na abordagem terapêutica para a diferenciação entre linfoma e leucemia, que considera a presença de massa tumoral acompanhada por 25% ou mais de células nucleoladas na medula óssea (linfoblatos) como leucemia linfoblástica aguda em detrimento de linfomaqual seja na presença de massa tumoral acompanhada por 25% ou mais de células nucleoladas na medula óssea (linfoblastos) considera-se leucemia linfoblástica aguda em detrimento de linfoma. Por outro lado, como a LLA raramente se apresenta com baixa porcentagem de linfoblastos, se houver <20% de blastos o diagnóstico de LLA deve ser protelado até que evidências irrefutáveis confirmem o mesmo. Além disso, situação rara na qual há <20% de blastos na MO, na ausência de evidência de massa extramedular, mas na presença de alteração cromossômica recorrente associada a LLA, pode-se considerar o diagnóstico de LLA desde que a procura por massa extramedular tenha sido exaustiva para afastar linfoma linfoblástico. Atente-se ainda para o detalhe de que a denominação de LLA-B não pode ser usada para linfoma de Burkitt, o qual é neoplasia de célula B madura. Diante do fato de várias anormalidades cromossômicas definirem características clínicas, imunofenotípicas e prognósticas, elas são agora consideradas como entidades distintas; por exemplo, LLA/linfoma com t(1;19)(q23;p13.3), TCRF3/ PBX1 etc. Nesse contexto, casos de LLA de crianças com cariótipo normal devem ser complementados com a investigação da t(12;21)(p13;q22) por Fluorescence insitu hybridization (FISH) ou o rearranjo ETV6/RUNX1 não detectável pela citogenética clássica, pois essa anormalidade identifica prognóstico favorável. Na mesma linha, todos os pacientes devem ser avaliados para a presença de cromossomo Philadelphia e/ou rearranjo BCR/ABL1 pela sua importância prognóstica desfavorável. Casos com eosinofilia devem ser adicionalmente investigados para t(5;14) (q31;q32) ou IL3/IGH, pois podem ter baixa porcentagem de blastos e a presença dessa anormalidade cromossômica é suficiente para a conclusão diagnóstica de LLA. Além disso, diante de eosinofilia também devem ser procurados os rearranjos FGFR1, os quais, se presentes, qualificam o diagnóstico de leucemia/linfoma linfoblástico associado a rearranjo FGFR1. Na ausência de qualquer alteração citogenética ou molecular após exaustiva análise, a LLA é classificada como leucemia/linfoma linfoblástico B sem outra especificação. A leucemia/linfoma linfoblástico T apresenta frequentemente rearranjos cromossômicos envolvendo 14q11.2, 7q35, 7p14-15, que são loci de receptores de célula T alfa, beta e gama, respectivamente. Como o significado patogenético dessas anormalidades ainda não está claro, esse subtipo de leucemia não é subclassificado de acordo com a alteração genética.
Neoplasias de células B maduras
1. Leucemia linfoide crônica (LLC)/linfoma linfocítico (LL) - os critérios para o diagnóstico de LLC foram revistos de acordo com o International Workshop on CLL7.
- O diagnóstico de LLC na ausência de envolvimento extramedular exige > 5x109/L células B com imunofenótipo de LLC no SP. Pacientes com linfocitose em níveis inferiores, persistente por 3 meses e acompanhada de citopenia ou sintomas relacionados à doença também podem ser concluídos como LLC.
- O termo LL é usado para casos com morfologia tecidual e imunofenótipo de LLC, linfadenopatia sem citopenia devido a infiltração por LLC e < 5x109/L células B no SP.
- A categoria linfocitose B monoclonal é reconhecida e definida como a presença de população de linfócitos B monoclonais no SP com imunofenótipo na maioria das vezes de LLC, porém sem os critérios para LLC. O significado clínico dessa entidade ainda não está definido.
2. Entre os linfomas esplênicos, foi introduzida a categoria linfoma/leucemia de células B inclassificável, a qual inclui duas entidades provisórias raras, o linfoma esplênico difuso da polpa vermelha, de linfócitos B pequenos e a tricoleucemia-variante, cuja relação entre elas próprias e entre elas e o linfoma esplênico da zona marginal e o linfoma esplênico com linfócitos vilosos ainda deve ser melhor definida. O termo linfoma/leucemia de células B inclassificável deve ser utilizado para os linfomas de linfócitos B pequenos que não apresentem os critérios para as entidades acima, assim como para nenhum dos outros linfomas de linfócitos B pequenos clássicos.
- O linfoma esplênico difuso da polpa vermelha, de linfócitos B pequenos é considerado sinônimo da entidade menos específica denominada linfoma esplênico com linfócitos vilosos, havendo alguma superposição com a tricoleucemia-variante.
- A tricoleucemia-variante apenas muda de posição na classificação, pois deixa de ser considerada como relacionada biologicamente à tricoleucemia.
3. Linfoma linfoplasmocítico (LLPl) - os critérios para o diagnóstico não mudam, mas é recomendado o diagnóstico de linfomas de linfócitos B pequenos com diferenciação plasmocítica seguido dos possíveis diagnósticos diferenciais para aquelas situações nas quais não são preenchidos os critérios para o LLPl ou para as entidades clássicas do grupo de linfomas de linfócitos B pequenos que podem apresentar diferenciação plasmocítica. Em relação à macroglobulinemia de Walldeström (MW), de acordo com o International Workshop of WM, 20028, passa a ser definida como LLP com envolvimento da MO e gamopatia monoclonal de qualquer nível sérico.
4. Linfoma da zona marginal nodal perde de células B do nome, e os casos pediátricos passam a ser classificados separadamente por apresentarem-se em geral localizados e com excelente prognóstico.
5. Linfoma folicular (LF) - em relação à graduação histológica, os critérios continuam os mesmos, mas graus 1 e 2 passam a ser considerados em conjunto como baixo grau. Em relação ao grau 3, permanecem os critérios para 3A e 3B. Áreas focais de grau 3 em um LF de baixo grau devem ser notificadas e semiquantificadas no diagnóstico. Em um LF grau 3 (A ou B), a presença de componente difuso (pode ser confirmado pela ausência de CFD por meio do CD21 ou CD23) merece um diagnóstico separado adicional de linfoma difuso de grandes células B (LDGCB) com uma estimativa de sua proporção. Áreas de LDGCB estão presentes em 60% a 80% dos LF-3B, sendo menos frequentes nos LF-3A. Variantes do LF são reconhecidas e incluem:
- LF pediátrico - caracteristicamente BCL2 negativos, t(11;14) BCL2/IGH negativos e frequentemente grau 3, porém com evolução favorável.
- LF primário do intestino - frequentemente duodenal, similar aos LF nodais, geralmente localizado e com boa evolução, inclusive sem tratamento.
- Neoplasia folicular in situ - populações de centroitos CD10+/BCL2+ em proporções variadas nos centros germinativos de alguns folículos - ainda de significado clínico incerto.
6. Linfoma centrofolicular primário da pele - aparece como entidade distinta, incluída a partir da classificação da WHO-EORTC DE 20059.
7. Linfoma de células do manto (LCM) - os critérios diagnósticos permanecem os mesmos, mas admite-se um espectro clínico amplo com casos mais indolentes, particularmente com comprometimento predominante de MO e SP. É descrita uma forma de LCM in situ de significado clínico e biológico incerto. No outro extremo do espectro clínico estão as variantes agressivas, nomeadas como blastoide (semelhantes ao linfoma linfoblástico), e pleomórfica (semelhante ao LDGCB). A avaliação da proliferação celular por meio da contagem de mitoses ou da proporção de células Ki-67+ é considerada fator prognóstico relevante, embora sem cut-off definido.
8. Linfoma difuso de grandes células B (LDGCB) - é introduzida uma longa lista de novas entidades e subtipos do LDGCB, relacionados particularmente a locais específicos e a associação com vírus (EBV e/ou HHV8), esses últimos com frequente características morfológicas e imunofenotípicas de diferenciação B terminal (plasmoblástica).
Neoplasias de células T e NK maduras
A classificação das neoplasias T/NK da OMS, 2008, trouxe importantes informações em relação aos critérios diagnósticos, etiologia e prognóstico desse grande grupo de neoplasias. De maneira didática, as neoplasias T/NK serão apresentadas em quatro grupos: 1) Linfomas T predominantemente nodais; 2) Linfomas T/NK extranodais; 3) Linfomas T/NK cutâneos; e 4) Linfomas T/NK de apresentação predominantemente leucêmica. As principais modificações nas neoplasias de células T podem ser observadas, de forma resumida, no Quadro 1.
1. Linfomas T de apresentação predominantemente nodal
O maior grupo de linfomas T chamados de linfomas de células T periféricas não especificados sofreu poucas modificações. A mais sutil delas é que passou de não especificado (unspecified) para sem outras especificações (not otherwise specified). Suas variantes, o linfoma de zona T e o linfoma linfo-epitelioide (linfoma de Lennert) foram mantidas sendo incorporada a variante folicular. Esta última pode simular os linfomas B de padrão nodular (LF, LZM e LCM) e teria origem nas células T helper foliculares (TFH), tal como os linfomas T angioimunoblásticos (LTAI) (vide adiante).
Os linfomas de grandes células anaplásicas (LGCA) foram agora subdivididos em ALK positivo e ALK negativo. Isso torna obrigatória a pesquisa da expressão dessa proteína. Os LGCA/ALK negativo têm prognóstico pior do que os ALK positivo, embora ainda superior aos linfomas de células T periféricas, SOE. O diagnóstico de LGCA-ALK negativo implica na presença de morfologia clássica, células citotóxicas, expressão menos frequente de EMA e mais frequente de marcadores T. No LGCA-ALK positivo os critérios permanecem os mesmos, sendo adicionada uma nova variante (Hodgkin-like, similar à esclerose nodular) às variantes reconhecidas (pequenas células e linfo-histiocítica).
Finalmente, o LTAI manteve-se com a mesma nomenclatura e critérios diagnósticos, registrando-se o reconhecimento de sua célula de origem como uma população específica de células CD4+ designada de TFH (Tcell follicular helper). Marcadores típicos dessas células, como a citocina CXCL13 e a proteína PD1 (program death 1), assim como o CD10, podem ser utilizados na identificação desses linfomas.
2. Neoplasias de células T/NK predominantemente extranodais
Poucas modificações foram introduzidas nesse grupo de linfomas, mantendo-se as mesmas quatro entidades: o linfoma T associado à enteropatia, o linfoma T subcutâneo paniculítico, o linfoma T hepatoesplênico e o linfoma extranodal T/NK do tipo nasal. Esses dois últimos (hepatoesplênico e nasal) mantiveram-se praticamente inalterados.
O linfoma T subcutâneo paniculítico na classificação OMS, 2008 não inclui aqueles com origem em células Tγδ, que passam a ser incluídos nos linfomas cutâneos (veja adiante). O que a classificação traz de novo nesses linfomas é o reconhecimento de que essas neoplasias estão associadas a doenças autoimunes (especialmente lupus eritematoso) e que compartilham similaridades com a paniculite lúpica profunda. As células são CD8+, com expressão de granzima B, perforina e βF1. Ao contrário do linfoma cutâneo de células Tγδ, não há a expressão de CD56; hemofagocitose é observada em menos de 20% dos casos e se acompanha de melhor prognóstico.
Os linfomas T associados à enteropatia foram subdivididos em tipo I (clássico) e tipo II (monomórfico), ambos com prognóstico desfavorável. O tipo clássico corresponde a grande maioria dos casos e está geralmente associado a doença celíaca, com apresentação histológica e clínica variável. A maioria das células é grande, acompanha-se de infiltrado inflamatório e apresenta imunofenótipo CD3+/CD5-/CD7+//CD4-CD8-20%+)/CD103+/granzima/perforina+/CD30±. O tipo II, ou monomórfico, representa menos de 20% do total de casos, tem apresentação histopatológica mais uniforme e apresenta um perfil imunofenotípico diferente, sendo CD8+/ CD56+. É reconhecido ainda o linfoma T associado à enteropatia em sua forma in situ, caracterizada por linfócitos intraepiteliais clonais, manifestando-se clinicamente como doença celíaca refratária à retirada do glúten ou jejunite ulcerativa.
3. Linfomas T/NK de apresentação cutânea
Os linfomas T/NK cutâneos são classificados como micose fungoide, síndrome de Sèzary, doenças linfoproliferativas cutâneas CD30, linfoma cutâneo de células Tγδ e duas entidades provisórias, o linfoma cutâneo epidermotrópico agressivo de células T citotóxicas CD8+ e o linfoma cutâneo de células T pequenas e médias CD4+.
As definições de micose fungoide e de síndrome de Sèzary não sofreram alterações. Ficou melhor caracterizada a classificação dos linfonodos, que define de forma mais precisa as categorias N1 (linfadenopatia dermatopática com agrupados de células atípicas - entre três e seis células), N2 (linfadenopatia dermatopática com escassas células cerebriformes menores do que 7,5 mm e manutenção da arquitetura) e N3 (envolvimento neoplásico evidente mesmo que parcial). O estadiamento clínico também foi modificado e novos fatores patogenéticos foram definidos.
As doenças linfoproliferativas de células T CD30+ incluem os LGCA primários da pele, a papulose linfomatoide e os casos limítrofes. Não são observadas alterações significativas nos critérios diagnósticos dessas entidades, sendo reconhecidos os três subtipos histológicos (A, B e C) da papulose linfomatoide.
O linfoma cutâneo de células Tγδ já foi anteriormente comentado e foi separado dos linfomas paniculíticos. Muito mais frequentemente esses linfomas comprometem o tecido celular subcutâneo, mas não poupam a derme e a epiderme, sendo reconhecidos os subtipos epidermotrópico, dérmico e predominantemente subcutâneo. São comumente observadas a necrose, a angioinvasão e a hemofagocitose.
Foram incluídas duas entidades provisórias e raras. A primeira delas é o linfoma cutâneo epidermotrópico agressivo de células T citotóxicas CD8+, que tem como característica curso agressivo, com necrose e ulceração da pele. A segunda entidade é o linfoma cutâneo de células T pequenas e médias CD4, com excelente prognóstico. O diagnóstico diferencial dessas entidades com processos reacionais é dificil, uma vez que se associam a infiltrado de plasmócitos e linfócitos B. Os principais critérios diagnósticos são a perda de antígenos T e o rearranjo clonal do TCR. São ambas entidades cujos defeitos moleculares se desconhece.
Finalmente, o linfoma de células NK blásticas é excluído desse grupo e passa a ser reconhecido como neoplasia de células dendríticas plasmocitoides, como citado anteriormente.
4. Neoplasias T/NK de apresentação predominantemente leucêmica
A única alteração significativa foi a inclusão da doença linfoproliferativa crônica de células NK como entidade provisória, carcterizada por aumento crônico e indolente da contagem de células NK, com difícil diagnóstico diferencial utilizando os processos reacionais.
Artigo recebido: 30/07/2010
Aceito para publicação: 18/10/2010
Conflito de interesses: Não há.
Trabalho realizado no Departamento de Patologia - Faculdade de Medicina da USP, São Paulo, SP
- 1. Swerdlow SH, Campo E, Harris NL, Jaffe ES, Pileri SA, Stein H, et al. editors. World Health Organization classification of tumors of haematopoietic and lymphoid tissues. Lyon: IARC Press; 2008.
- 2. Jaffe ES, Harris NL, Stein H, Wardiman JW, editors. Tumors of haematopoietic and lymphoid tissues. Lyon: IARC Press; 2001
- 3. Vardiman JW, Thiele J, Arber DA, Brunning RD, Borowitz MJ, Porwit A, et al. The 2008 revision of theWorld Health Organization (WHO) classification of myeloid neoplasms and acute leukemia: rationale and important changes. Blood. 2009;114(5):937-51.
- 4. Weinberg OK, Seetharam M, Ren L, Seo K, Ma L, Merker JD, et al. Clinical characterization of acute myeloid leukemia with myelodysplasia-related changes as defined by the 2008 WHO classification system. Blood. 2009;113(9):1906-8.
- 5. Tefferi A, Thiele J, Vardiman JW. The 2008 World Health Organization Classification System for Myeloproliferative Neoplasms. Order Out of Chaos. Cancer. 2009;115(17):3842-47.
- 6. Valent P, Hans H, Escribano L, Longley BJ, Bi CY, Schwartz LB, et al. Diagnostic criteria and classification of mastocytosis: a consensus proposal. Leukemia Res. 2001;25(7):603-25.
- 7. Hallek M, Cheson BD, Catovsky D, Calligaris-Cappio F, Dighiero G, Döhner H, et al. Guidelines for the diagnosis and treatment of chronic lymphocytic leukemia: a report from the International Workshop on Chronic Lymphocytic Leukemia updating the National Cancer Institute-Working Group 1996 guidelines. Blood. 2008;111(12):5446-56.
- 8. Owen RG, Treon SP, Al Katib A, Fonseca R, Greipp PR, McMaster ML, et al. Clinicopathological definition of Waldeström's macroglobulinemia: consensus panel recommendations from the Second International Workshop on Waldeström's macroglobulinemia. Semin Oncol. 2003;30(2):110-5.
- 9. Willemze R, Jaffe ES, Burg G, Cerroni L, Berti E, Swerdlow SH, et al. WHO-EORTC classification for cutaneous lymphomas. Blood. 2005;105(10):3768-85.
Correspondência para:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
25 Fev 2011 -
Data do Fascículo
Fev 2011
Histórico
-
Recebido
30 Jul 2010 -
Aceito
18 Out 2010