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Tumores congênitos do pescoço

DIRETRIZES EM FOCO

Tumores congênitos do pescoço

Autoria: Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Colégio Brasileiro de Radiologia

Participantes: Carlos N. Lehn, Helma M. Chedid, Luiz A.C. Correa, Marcos R. Magalhães, Otávio A. Curioni

Descrição do método de coleta de evidência: Revisão da bibliografia disponível.

Graus de recomendação e força de evidência:

A: Estudos experimentais ou observacionais de melhor consistência.

B: Estudos experimentais ou observacionais de menor consistência.

C: Relatos de casos (estudos não controlados).

D: Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consensos, estudos fisiológicos ou modelos animais

INTRODUÇÃO

A complexidade anatômica do pescoço propicia o surgimento de diversos tipos de anomalias congênitas, que devem ser diferenciadas de doenças inflamatórias e de neoplasias. Como em outras regiões, as anomalias congênitas cervicais são mais comumente diagnosticadas nos primeiros anos de vida. Apesar disso, muitos casos se manifestam tardiamente, inclusive na terceira idade.

A anamnese do paciente deve incluir a idade na época do aparecimento da lesão, tipo de crescimento (se houver), sintomas associados, histórico familiar, tentativas anteriores de tratamento e evolução.

O exame físico deve ser completo para afastar a possibilidade de outras anomalias simultâneas em regiões distintas do corpo. O exame loco-regional deve abordar toda a via aerodigestiva superior, e atenção especial deve ser dada à região cervical. A inspeção cuidadosa de orifício ou trajetos fistulosos e da posição da anomalia (mediana ou lateral) pode auxiliar no diagnóstico. A palpação e a ausculta de tumores cervicais, quando indicada, são importantes para a determinação da mobilidade, da presença de sinais inflamatórios e de fluxo vascular no seu interior. Tais cuidados auxiliam na prevenção de acidentes, como a punção inadvertida de tumores vasculares, que pode levar à formação de hematomas.

Os métodos diagnósticos auxiliares incluem a ultra-sonografia, a tomografia computadorizada e a punção aspirativa por agulha fina. A ultra-sonografia pode esclarecer o conteúdo da lesão, se sólida ou cística. Sua utilização em conjunto com a punção aspirativa é importante para a seleção dos casos que devem ou não ser puncionados e auxilia na localização do melhor sítio para punção.

A tomografia computadorizada é reservada para as situações em que o exame físico e a ultra-sonografia não tenham sido conclusivos ou quando as dimensões da lesão indiquem a necessidade de uma melhor avaliação dos planos profundos do pescoço e das relações anatômicas entre a lesão e estruturas importantes, tais como os vasos cervicais, nervos, faringe e laringe, traquéia e esôfago, mediastino superior, entre outros. A ressonância magnética é um método diagnóstico de grande valia, pois possibilita avaliação com ótima resolução de contraste dos planos teciduais profundos, com a grande vantagem de utilizar radiação não ionizante.

Linfangiomas

São considerados anomalias do sistema linfático e ocorrem, predominantemente, na região da cabeça e pescoço. São raros em adultos1(C), sua origem embriológica é controversa2(D) e podem ser classificados, histopatologicamente, em três variedades3(D):

• Linfangioma simples;

• Linfangioma cavernoso;

• Higroma cístico.

As diferenças dizem respeito ao tamanho dos espaços vasculares e à espessura da adventícia, que podem variar de acordo com a localização.

Cerca de 80% dos linfangiomas localizam-se no terço inferior do pescoço, junto ao triângulo posterior. Lesões maiores podem atingir o compartimento visceral e comprimir a via aerodigestiva. A maior parte dos casos é diagnosticada ao nascimento pela deformidade ou aumento de volume do local acometido. Alguns casos podem se manifestar mais tardiamente. Não são comuns os casos com obstrução respiratória, e a deformidade estética é o principal sinal desta anomalia.

O diagnóstico é feito pelo exame físico e, quando necessário, com o auxílio da ultra-sonografia ou da tomografia computadorizada (nos casos com lesões mais extensas). A ultra-sonografia também pode permitir a correlação dos seus achados com o tipo histopatológico do linfangioma4(C).

O tratamento pode incluir desde a observação da lesão até a escleroterapia e a excisão cirúrgica. Nos casos de lesões muito volumosas envolvendo estruturas nobres e nas quais o risco de seqüelas e complicações é maior que o benefício, a observação é o método de escolha. A observação de regressão e estabilização da lesão são as justificativas desta opção5(C).

A excisão cirúrgica é complicada pela natureza recidivante desta doença6(C). Embora a excisão cirúrgica possa proporcionar maior chance de controle da doença, a incidência de complicações torna a indicação cirúrgica mais difícil, particularmente em algumas regiões, como a glândula parótida7(C).

A escleroterapia é uma opção de tratamento com bons resultados, dependendo da experiência e método utilizado8-9(C).

Anomalias dos arcos branquiais

São tumores congênitos laterais, resultantes de defeitos de desenvolvimento embrionário que afetam os arcos branquiais. Representam remanescentes do aparato branquial, que deveria desaparecer durante o crescimento e a gênese das estruturas cervicais.

Sua apresentação clínica ocorre sob a forma de cistos ou de fístulas, geralmente congênitas, mas que podem se manifestar ao longo da vida. Os cistos podem se manifestar tardiamente, mas as fístulas são, quase sempre, diagnosticadas ao nascimento ou na infância.

A presença de infecção nestas anomalias torna seu quadro clínico mais evidente e pode ser a causa de fistulização de um cisto pré-existente.

O diagnóstico é primariamente clínico, mas a ultra-sonografia pode auxiliar no diagnóstico diferencial de um cisto branquial10(C).

Anomalias do primeiro arco branquial

Devem-se diferenciar os cistos do primeiro arco branquial dos cistos ou sinus pré-auriculares. Estes são sempre laterais ao trajeto do nervo facial e não têm relação com o conduto auditivo externo.

Os cistos do primeiro arco branquial são classificados em dois tipos:

• Tipo I – anomalias de origem ectodérmica, duplicação membranosa do conduto auditivo externo, com formação de cisto ou fístula posterior à concha auditiva.

• Tipo II – anomalias compostas de ecto e mesoderma, com formação de cisto ou fístula na concha, no canal auditivo externo ou no pescoço.

Anomalias do segundo arco branquial

São as anomalias branquiais mais comuns. Podem se apresentar como cistos ou fístulas, com abertura ao longo da borda anterior do músculo esternocleidomastóideo, no seu terço médio. Pode haver fístula completa, incompleta interna e incompleta externa. O trajeto segue a bainha carotídea, cruzando o nervo hipoglosso e chegando à tonsila faríngea. A fístula incompleta interna é a mais rara.

Os cistos são classificados, segundo Proctor, em quatro tipos11(D):

• Tipo I: na borda anterior do esternocleidomastóideo;

• Tipo II: sobre a veia jugular interna e aderidos ao esternocleidomastóideo;

• Tipo III: se estendem por entre as artérias carótidas interna e externa;

• Tipo IV: têm contato com a parede faríngea.

Anomalias do terceiro arco branquial

São raras e geralmente representadas por fístulas. O orifício externo pode se localizar na mesma posição das fístulas de segundo arco. O trajeto segue a bainha carotídea, posteriormente à carótida interna, sobre o nervo hipoglosso e segue o nervo laríngeo superior até o seio piriforme12(C).

Anomalias do quarto arco branquial

São consideradas como uma possibilidade teórica, embora existam relatos de casos13(C). Seu trajeto seria descendente, em direção ao tórax, recorrendo ao pescoço após passar sob a aorta ou sob a artéria subclávia (dependendo do lado) e tendo o orifício interno no esôfago cervical.

O tratamento das anomalias branquiais é a excisão cirúrgica. Os cuidados e complicações são inerentes às relações anatômicas de cada um dos tipos. No caso dos cistos e fístulas do primeiro arco, a preocupação principal é com o nervo facial14(C). Nas de segundo e terceiro arcos, com os nervos hipoglosso, acessório, vago e seus ramos, artérias carótidas e veia jugular. Nas fístulas, as incisões de pele devem ser escalonadas, evitando-se uma grande cicatriz longitudinal.

Cisto do ducto tireoglosso

É a anomalia congênita de linha média mais comum. Origina-se da permanência do trato tireoglosso, após a descida da tireóide até sua posição normal. O diagnóstico é feito até os dez anos de idade em cerca de 30% dos casos; entre dez e 20 anos, em 20%; entre 20 e 30 anos, em 15% e após 30 anos, em 35%15(D).

A apresentação clínica é de um cisto na linha média, na altura da membrana tirohóidea. Pode haver infecção do cisto simultânea a episódios de infecções de vias aéreas superiores. A formação de fístula é secundária à infecção do cisto16(D).

Na investigação diagnóstica deve-se ter certeza de que existe tireóide tópica. A ultra-sonografia é o método utilizado para o diagnóstico, com cerca de 90% de acurácia17(B). Em casos de dúvidas, pode-se utilizar a punção aspirativa para o diagnóstico diferencial. Este método propicia o diagnóstico correto em até 96% dos casos18(B).

O tratamento de escolha é a remoção do cisto e de todo o trajeto até o forâmen cecum, pela operação de Sistrunk, que inclui a remoção da porção central do corpo do osso hióide. Sem esta medida o índice de recorrência é de cerca de 85%. Após a padronização da técnica citada, os índices de recorrência diminuíram para menos de 10%19(D).

A presença de carcinoma papilífero num cisto tireoglosso não é freqüente (menor que 1%) e raramente o diagnóstico é feito no pré-operatório20-21(C ). Há controvérsias sobre a realização ou não de tireoidectomia total nesta situação, mas se a tireóide não apresentar alterações estruturais (nódulos), a operação de Sistrunk associada à supressão com tiroxina é eficaz22(C).

O texto completo da diretriz "Tumores Congênitos do Pescoço" está disponível nos sites: www.projetodiretrizes.org.br e www.amb.org.br.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Set 2007
  • Data do Fascículo
    Ago 2007
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