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Uso da manta térmica na prevenção da hipotermia intraoperatória

Use of forced-air to prevent intraoperative hypothermia

Resumos

OBJETIVO: A hipotermia é prejudicial no período perioperatório. Não há consenso sobre o melhor método de aquecimento ativo e nem sobre o melhor período para fazê-lo. Este estudo teve como objetivo primário verificar a eficácia de diferentes períodos de utilização da manta térmica à temperatura de 38°C, como método de prevenção da hipotermia intraoperatória. Como objetivo secundário avaliou-se os efeitos adversos do uso da manta térmica na temperatura de 38°C. MÉTODOS: Foram comparados quatro grupos de 15 pacientes submetidos a operações ortopédicas. No grupo controle (Gcont) os pacientes não utilizaram manta térmica, nos grupos pré (Gpré), intra (Gintra) e total (Gtotal), os pacientes utilizaram manta térmica a 38ºC, respectivamente, durante 30 minutos antes da indução anestésica, após a indução anestésica até 120 minutos e antes e após a indução. Foram avaliados: temperatura central (timpânica), periférica (pele), da sala cirúrgica, variação das condições hemodinâmicas e efeitos adversos do aquecimento. RESULTADOS: O Gtotal foi o único grupo que não teve variação significativa da temperatura central. A temperatura central dos pacientes do grupo Gtotal foi significativamente maior (p <0,05) do que a dos outros grupos aos 60 e 120 min após a indução. Os pacientes dos grupos Gcont, Gpré e Gintra apresentaram hipotermia aos 60 min. CONCLUSÃO: O uso da manta térmica com fluxo de ar aquecido foi eficaz como método de prevenção da hipotermia intraoperatória quando foi empregada desde 30 min antes da indução anestésica até 120 min após o início da anestesia. Nas condições do estudo não ocorreram eventos adversos.

Ortopedia; Monitorização intraoperatória; Temperatura corporal; Hipotermia; Complicações intraoperatórias


OBJECTIVE: Hypothermia is a life-threatening event during the perioperative period. No consensus has been reached about the best active warming approach for such cases. Furthermore there is no consensus on the most appropriate time to warm a hypothermic patient. This study aimed to assess the efficacy of a forced-air blanket to warm patients at 38ºC before and during surgery. Following utilization of the forced-air blanket, adverse effects were evaluated. METHODS: Patients submitted to orthopedic surgeries were divided into four groups of 15 patients. In the control group (Gcont), patients were not warmed with a forced-air blanket. In the preoperative group (Gpre), intraoperative group (Gintra), and total group (Gtotal), patients were warmed at 38°C, during 30 minutes before anesthetic induction, after anesthetic induction up to 120 minutes and before and after the induction, respectively. Parameters evaluated were central (tympanic) temperature, peripheral (skin) temperature, operating room temperature, variations in the hemodynamic conditions and warming-induced adverse effects. RESULTS: Only Gtotal did not show significant variation in central temperature. Central temperatures of Gtotal patients were significantly higher (p <0.05) than those of other groups at 60 and 120 min after induction. In Gcont, Gpre and Gintra, patients were hypothermic at 60 min. CONCLUSION: The forced-air blanket is effective to prevent intraoperative hypothermia when applied for a period ranging from 30 min before anesthetic induction to 120 min after anesthetic induction. In the conditions of this study, adverse effects were not observed.

Orthopedics; Intraoperative monitoring; Body temperature; Hypothermia; Intraoperative complications


ARTIGO ORIGINAL

Uso da manta térmica na prevenção da hipotermia intraoperatória

Use of forced-air to prevent intraoperative hypothermia

Ricardo Caio Gracco de BernardisI,* * Correspondência: Rua Afonso de Freitas, nº. 305 – Apto. 61 Paraíso – SP CEP: 04006-051 Telefone/Fax: (11) 3285-1034 Celular: (11) 9277-3523 rcaiog@yahoo.com.br ; Mauro Prado da SilvaII; Judymara Lauzi GozzaniIII; Marcelo Lacava PagnoccaIV; Lígia Andrade da Silva Telles MathiasV

IMestrado - Coordenador do Serviço de Anestesiologia do Hospital São Luiz Gonzaga, São Luiz Gonzaga, RS

IIResponsável pela residência de Anestesiologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP

IIIMédica responsável pelo Grupo da Dor da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, S. Paulo, SP

IVMédico assistente doutorado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP

VChefe do Serviço de Anestesiologia da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP

RESUMO

OBJETIVO: A hipotermia é prejudicial no período perioperatório. Não há consenso sobre o melhor método de aquecimento ativo e nem sobre o melhor período para fazê-lo. Este estudo teve como objetivo primário verificar a eficácia de diferentes períodos de utilização da manta térmica à temperatura de 38°C, como método de prevenção da hipotermia intraoperatória. Como objetivo secundário avaliou-se os efeitos adversos do uso da manta térmica na temperatura de 38°C.

MÉTODOS: Foram comparados quatro grupos de 15 pacientes submetidos a operações ortopédicas. No grupo controle (Gcont) os pacientes não utilizaram manta térmica, nos grupos pré (Gpré), intra (Gintra) e total (Gtotal), os pacientes utilizaram manta térmica a 38ºC, respectivamente, durante 30 minutos antes da indução anestésica, após a indução anestésica até 120 minutos e antes e após a indução. Foram avaliados: temperatura central (timpânica), periférica (pele), da sala cirúrgica, variação das condições hemodinâmicas e efeitos adversos do aquecimento.

RESULTADOS: O Gtotal foi o único grupo que não teve variação significativa da temperatura central. A temperatura central dos pacientes do grupo Gtotal foi significativamente maior (p <0,05) do que a dos outros grupos aos 60 e 120 min após a indução. Os pacientes dos grupos Gcont, Gpré e Gintra apresentaram hipotermia aos 60 min.

CONCLUSÃO: O uso da manta térmica com fluxo de ar aquecido foi eficaz como método de prevenção da hipotermia intraoperatória quando foi empregada desde 30 min antes da indução anestésica até 120 min após o início da anestesia. Nas condições do estudo não ocorreram eventos adversos.

Unitermos: Ortopedia. Monitorização intraoperatória. Temperatura corporal. Hipotermia. Complicações intraoperatórias.

SUMMARY

OBJECTIVE: Hypothermia is a life-threatening event during the perioperative period. No consensus has been reached about the best active warming approach for such cases. Furthermore there is no consensus on the most appropriate time to warm a hypothermic patient. This study aimed to assess the efficacy of a forced-air blanket to warm patients at 38ºC before and during surgery. Following utilization of the forced-air blanket, adverse effects were evaluated.

METHODS: Patients submitted to orthopedic surgeries were divided into four groups of 15 patients. In the control group (Gcont), patients were not warmed with a forced-air blanket. In the preoperative group (Gpre), intraoperative group (Gintra), and total group (Gtotal), patients were warmed at 38°C, during 30 minutes before anesthetic induction, after anesthetic induction up to 120 minutes and before and after the induction, respectively. Parameters evaluated were central (tympanic) temperature, peripheral (skin) temperature, operating room temperature, variations in the hemodynamic conditions and warming-induced adverse effects.

RESULTS: Only Gtotal did not show significant variation in central temperature. Central temperatures of Gtotal patients were significantly higher (p <0.05) than those of other groups at 60 and 120 min after induction. In Gcont, Gpre and Gintra, patients were hypothermic at 60 min.

CONCLUSION: The forced-air blanket is effective to prevent intraoperative hypothermia when applied for a period ranging from 30 min before anesthetic induction to 120 min after anesthetic induction. In the conditions of this study, adverse effects were not observed.

Key words: Orthopedics. Intraoperative monitoring. Body temperature. Hypothermia. Intraoperative complications.

INTRODUÇÃO

Hipotermia é definida como temperatura corporal central menor que 36ºC e ocorre frequentemente durante procedimento anestésico, devido à inibição do centro termorregulador, aumento da exposição corporal ao ambiente e diminuição do metabolismo e da produção de calor1-4.

A diminuição da temperatura corporal ocorre imediatamente após a indução de anestesia geral5 ou regional6, decorrente da redistribuição de calor do compartimento central para o periférico. Nas intervenções cirúrgicas em que há exposição de cavidades corporais a perda de calor é maior5-8.

Sessler8 defendeu que o aquecimento do paciente antes da indução anestésica provoca aquecimento dos tecidos periféricos reduzindo a hipotermia por dois mecanismos: (1 diminuição do gradiente de temperatura central e periférico; (2 estimulação de vasodilatação, como se o sistema de termorregulação estivesse ativado para manter a dissipação do calor.

Nos pacientes cirúrgicos de alto risco, a manutenção de normotermia central no período intra-operatório é recomendável com base em estudos que demonstram redução das complicações nesses pacientes8-12,30.

O método mais efetivo de manutenção da normotermia intra-operatória é a prevenção por meio de aquecimento prévio, com o objetivo de aquecer a temperatura periférica em maior escala que a temperatura central e promover, após a indução anestésica, menor gradiente entre a temperatura central e periférica, menor redistribuição de calor, resultando em menor hipotermia13-18.

Na tentativa de prevenir a hipotermia por redistribuição, Sessler et al.5, avaliaram em sete voluntários adultos a temperatura e o tempo ideal de permanência com a manta térmica que não causasse desconforto ao paciente e fosse eficaz na prevenção da hipotermia por redistribuição. O estudo concluiu que o uso da manta térmica foi eficaz a 40°C e 43°C, mas somente a 40°C e nos primeiros sessenta minutos não houve desconforto térmico nos voluntários.

A literatura carece de publicações sobre o tempo ideal de aquecimento pré-anestésico, a temperatura do dispositivo para evitar ou minimizar a hipotermia intraoperatória, sem causar desconforto e sudorese ao paciente e, também, por quanto tempo de intra-operatório este aquecimento prévio protege o paciente de hipotermia5,19-21,26,29,30.

O objetivo primário deste estudo foiverificar a eficácia de diferentes períodos de utilização da manta térmica à temperatura de 38ºC, como método de prevenção da hipotermia intraoperatória. Como objetivo secundário avaliou-se os efeitos adversos do uso da manta térmica na temperatura de 38°C.

MÉTODOS

Após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição em maio de 2006, foram avaliados neste estudo 60 pacientes submetidos à anestesia geral para procedimentos cirúrgicos ortopédicos, de julho a dezembro do mesmo ano, que concordaram em participar.

O desfecho primário deste estudo incluiu as temperaturas central e periférica. O tamanho mínimo da amostra calculado foi de 15 pacientes em cada grupo para detectar uma diferença relevante na temperatura central e periférica (diferença da temperatura de 0,5°C dentro do grupo ou entre os grupos), de acordo com o poder da análise baseado nos seguintes parâmetros: erro tipo I (a=0,05) e erro II (b=0,8).

Após entrada no centro cirúrgico, os pacientes vestidos com avental cirúrgico sem o uso de roupas íntimas e cobertos apenas com lençol, eram encaminhados para a sala de operação, realizado sorteio do grupo e, a partir deste momento, iniciadas as medidas da temperatura timpânica com termômetro digital (Termômetro Digital de Testa/Ouvido, modelo TS 201, Techline). Foram realizadas duas aferições da temperatura timpânica sendo registrada a média delas. A temperatura periférica foi registrada com termômetro cutâneo, em forma de moeda, afixado no membro superior (antebraço) do paciente, do lado oposto à infusão da solução de cristalóide aquecida. A manta térmica foi utilizada com o aparelho de aquecimento denominado Sistema de Controle Total de Temperatura Corporal - Bair HuggerÒ, modelo 505 com a manta descartável do tipo superior ou inferior, variando de acordo com a intervenção cirúrgica programada e mantida a temperatura de 38°C.

Foram critérios de inclusão, adultos com idade de 18 a 60 anos, ASA I e II (estado físico segundo a classificação da Associação Americana de Anestesiologistas (ASA)) a serem submetidos à anestesia geral com duração mínima de duas horas para procedimentos cirúrgicos ortopédicos. Foram excluídos pacientes com quadro febril e/ou infeccioso; com Índice de Massa Corpórea inferior a 18,5 e superior a 25; portador de doença da tireóide; em uso de nifedipina; com disautonomia; com síndrome de Raynaud; paciente e/ou familiar com história sugestiva de hipertermia maligna; aqueles que não toleraram o uso da manta no pré-operatório.

Os pacientes tiveram a temperatura monitorada desde a entrada no centro cirúrgico até o período de 120 minutos após o início da anestesia, foram administradas soluções aquecidas e o sistema de ventilação foi semiaberto. De acordo com o momento e o tempo de uso da manta térmica com fluxo aquecido a 38ºC, os grupos foram divididos em quatro:

Grupo controle (Gcont): não foi utilizada manta térmica.

Grupo aquecimento pré-anestésico (Gpré): manta térmica por 30 minutos antes da indução da anestésica e retirada após a indução anestésica.

Grupo aquecimento total (Gtotal): manta térmica por 30 minutos antes da indução anestésica e manutenção durante todo o ato cirúrgico.

Grupo aquecimento intraoperatório (Gintra): manta térmica após a indução anestésica e mantida durante todo o ato cirúrgico.

A técnica anestésica foi padronizada para intervenções cirúrgicas ortopédicas sob anestesia geral com indução por via venosa com propofol 3 a 5 mg.kg -1 , fentanil 3-5 µg.kg -1 e atracúrio 0,5 mg.kg -1 , manutenção com fentanil e atracúrio nos intervalos habituais, oxigênio e óxido nitroso na proporção de 1:1 e isoflurano.

A hidratação intraoperatória foi realizada com Ringer com lactato aquecido com temperatura de infusão em torno de 35°C a 40°C.

As variáveis analisadas no estudo foram:

  • Idade, gênero, Índice de Massa Corpórea (IMC), estado físico (ASA) e local do procedimento cirúrgico;

  • Temperaturas timpânica e cutânea aferidas nos seguintes momentos: 30 minutos antes da indução anestésica (T-30), imediatamente antes da indução (T0), 60 minutos (T60) e 120 minutos (T120) após a indução.

  • Temperatura da sala aferida em T-30 e T120;

  • Saturação de oxigênio arterial; freqüência cardíaca; pressão arterial sistólica e diastólica nos momentos T-30, T0 e a cada cinco minutos até T120 e dióxido de carbono expirado a cada 5 minutos após a intubação até T120;

  • Presença de desconforto térmico (manifestação verbal espontânea do paciente) e de vasodilatação cutânea (hiperemia cutânea);

  • Eventos adversos (alterações da frequência cardíaca e/ou da pressão arterial sistêmica acima de 30% do basal).

Os resultados relativos ao sexo, estado físico e local do procedimento cirúrgico foram analisados com o teste de Qui-quadrado (c2) e a idade, IMC e temperatura periférica, central e da sala de operação no momento inicial do estudo (T-30), com a análise de variância (ANOVA).

A ANOVA de medidas repetidas foi utilizada para análise dos resultados da temperatura das salas de operação nos momentos T-30 e T120 e das temperaturas central e periférica, sendo avaliado cada grupo individualmente nos intervalos de tempo: T-30/T0, T0/ T60 e T60/T120 e os quatro grupos comparativamente. Quando a ANOVA de medidas repetidas mostrou diferença significativa entre os quatro grupos, foi realizado teste de Bonferroni para comparação grupo a grupo.

Foi feita análise descritiva dos resultados das alterações hemodinâmicas e dos efeitos adversos.

Foi considerada diferença estatística significativa quando p<0,05.

RESULTADOS

Os grupos foram homogêneos quanto à idade, ao Índice de Massa Corpórea (IMC), ao sexo, ao estado físico, ao local do procedimento cirúrgico e às temperaturas periférica, central e da sala de operações no momento do início do estudo (T-30) (Tabela 1).

No intervalo de tempo da entrada na sala de operações (T-30) até o início da indução anestésica (T0), houve variação significativa da temperatura periférica, com aumento, apenas nos grupos em que foi utilizada a manta térmica, Gpré (p = 0,02) Gtotal (p = 0,01) e não houve variação da temperatura central nos quatro grupos.

Do início da indução anestésica (T0) até 60 min após a indução (T60), houve variação significativa (p=0,0001) da temperatura periférica nos grupos Gpré (redução) e Gintra (aumento) e todos os grupos, exceto o Gtotal, apresentaram redução significativa da temperatura central (Gcontp<0,0001; Gpré p=0,001; Gintra p=0,008).

Já no período de 60 a 120 min após a indução, não houve alteração significativa da temperatura periférica nos quatro grupos e ocorreu redução significativa da temperatura central nos grupos Gcont (p<0,0001) e Gpré (p=0,004). Todos os pacientes dos grupos Gcont e Gpré estavam hipotérmicos ao final do estudo (120 min).

A análise de variância de medidas repetidas dos quatro grupos juntos desde o início (T-30) até o final do estudo (T120) mostrou interação entre grupo e tempo(p<0,0001-temperatura periférica e p = 0,002 -temperatura central), impossibilitando a análise dos grupos juntos em todos os momentos do estudo, optando-se por realizar a análise nos momentos T-30, T0 , T60 e T120. Na Tabela 3, encontram-se os resultados dos testes estatísticos nos diferentes momentos.

Em relação à temperatura central, observou-se que em T0 não houve diferença significativa entre os quatro grupos. Já nos momentos T60 e T120 , houve diferença significativa entre os grupos e o teste de Bonferroni mostrou: em T60 -Gtotal > (Gintra = Gpré); Gpré> Gcont e em T120 -Gtotal > (Gintra = Gpré) > Gcont.

Os quatro grupos tiveram comportamentos similares ao longo do tempo em relação à temperatura das salas de operações (p=0,137), verificando-se diminuição significativa da temperatura ao longo do tempo (p <0,0001).

Não houve alteração hemodinâmica significativa nos grupos durante o estudo. Não houve efeitos adversos nos pacientes com o uso da manta na temperatura de 38°C nos 30 minutos de aquecimento pré-anestésico. Vinte pacientes (66,7%) que receberam a manta térmica antes da indução da anestesia informaram conforto térmico a temperatura de 38 °C e os outros 10 (33,3%) foram indiferentes.

DISCUSSÃO

A temperatura é um dos cinco sinais vitais medidos nos pacientes e não deve ser ignorada, em momento algum, na avaliação médica. Durante o ato anestésico, a monitoração da temperatura é fundamental, uma vez que diversos fatores interferem na sua manutenção sendo recomendada no Brasil desde a resolução do CFM n° 1.802/200622.

As condições ideais de controle da temperatura da sala, no presente estudo, foram encontradas no centro cirúrgico do Departamento de Ortopedia e o critério de eleição dos pacientes manteve a variável anestesia geral (sem associação com anestesia regional).

Os métodos de aquecimento perioperatório variam de passivos com uso de cobertores de algodão ou material refratário a métodos ativos de aquecimento que podem ser o uso da manta térmica com fluxo de ar aquecido ou o colchão com fluxo de água aquecido4,5.

Não há consenso na literatura sobre o melhor método de aquecimento ativo perioperatório4,5,16,17,19,24,25, sendo assim foi escolhida a manta térmica porque está disponível em todas as salas do hospital onde o estudo foi realizado.

O uso do termômetro auricular foi baseado em trabalho de Randall27, que mostrou a precisão e acurácia da monitoração da temperatura da membrana timpânica definida como padrão para avaliar a temperatura central.

A definição do tempo de aquecimento pré-anestésico foi fundamental, pois deveria ser suficiente para evitar ou minimizar a hipotermia intraoperatória, mas não poderia ou não deveria interferir no funcionamento da programação cirúrgica.

O estudo de Just et al.28 demonstrou que 30 minutos de aquecimento ativo com temperatura entre 40°C e 42°C no pré-anestésico e a manutenção do aquecimento no intraoperatório, são suficientes para minimizar ou evitar a hipotermia perioperatória. Esse resultado associado à viabilidade operacional determinou a escolha do tempo de aquecimento prévio de 30 minutos com temperatura de 38ºC porque em estudo piloto realizado os pacientes apresentaram desconforto à temperatura de 42ºC.

Os resultados mostraram a homogeneidade entre os grupos estudados, fundamental para a análise dos demais resultados. Pode-se verificar que a temperatura periférica de entrada no centro cirúrgico, em todos os grupos, foi em média 3 a 4°C inferior à temperatura central, fato que está de acordo com o que é encontrado em trabalhos de revisão da literatura1,4,20.

No mesmo intervalo de tempo (T-30 a T0), a temperatura central manteve-se estável em todos os grupos, provavelmente devido ao fato de que a temperatura central dos pacientes quando submetidos a aquecimento da superfície cutânea antes da indução da anestesia não altera o mecanismo de regulação do hipotálamo, visto que o paciente está acordado1,4 .

Estudos com temperatura da manta térmica entre 40°C e 43°C e tempo de aquecimento pré-operatório maior que 30 min verificaram aumento da temperatura central no intervalo de tempo entre o início do aquecimento e a indução anestésica5,13,15,16.

No intervalo de tempo T0 a T60, a temperatura periférica no grupo pré-aquecimento (Gpré) teve redução significativa, ocorrendo o inverso no grupo intraoperatório (Gintra), devido ao método adotado.

Ainda neste intervalo de tempo (T0 a T60), a temperatura central do grupo controle (Gcont) teve diminuição significativa de 0,8°C, resultado comparável ao de outros autores7,28 enquanto a dos grupos aquecimento pré e intra-operatório apresentou diminuição de 0,5°C e a do grupo aquecimento total 0,1°C (alteração não significativa). Pode-se inferir que, do ponto de vista clínico, a variação de 0,1°C, no grupo aquecimento total não foi significativa, mantendo-se os pacientes normotérmicos. Após 60 min da indução, exceto o grupo aquecimento total, os outros grupos mostraram grau de hipotermialeve (Gcont=35,0°C; Gpré = 35,6°C e Gintra = 35,4°C).

Estes resultados coincidem com os de estudos com método similar, que indicam aparecimento de hipotermia no intraoperatório após 60 min de anestesia, quando utilizado aquecimento ativo apenas no intra-operatório e grau mais importante de hipotermia nos pacientes em que não é usado nenhum método de aquecimento ativo15,16,28 .

Os grupos controle e aquecimento pré-operatório apresentaram durante todo intervalo de tempo de T60 a T120, temperatura periférica similar e com diferença em torno de 2,5°C com relação aos grupos aquecimento intra-operatório e total, o que sugere nítida diferenciação neste período entre os grupos que utilizaram sistema de aquecimento e os grupos que não utilizaram.

Neste mesmo intervalo tempo, T60 a T120, observou-se diminuição da temperatura central nos grupos controle e aquecimento pré-operatório, fato que corrobora estudo de revisão de Biazzotto et al. 4. No momento, T120 pode-se verificar que a temperatura central de todos os grupos esteve abaixo de 36°C e a temperatura do grupo aquecimento total foi a única que se manteve muito próxima da normotermia (35,9°C), enquanto nos grupos controle e aquecimento pré-operatório ainda houve piora do grau de hipotermia (Gcont = 34,7°C; Gpré = 35,2°C).

Foi observada tendência de estabilização da temperatura central, no intervalo de tempo de T60 a T120, o que poderia caracterizar o platô térmico20 . O platô implicaria num equilíbrio térmico, em valores menores do que antes da anestesia.

Nenhum paciente apresentou tremor antes da indução anestésica como no estudo de Matsukawa et al.7, 1995.

A maioria dos estudos que avaliou a eficácia de métodos de aquecimento pré-operatório, na prevenção de hipotermia intraoperatória, utilizou tempo de aquecimento no período pré-operatório, de 45 a 120 min5,13,15,16,24. O estudo atual mostrou que, com 30 min de aquecimento no período pré-operatório e manutenção no intraoperatório, foi possível evitar a ocorrência de hipotermia em cirurgia ortopédica de 60 min de duração. Pode-se supor que, caso a temperatura da sala de operações seja mantida constante em 21°C a 22°C, provavelmente o método será também eficaz para cirurgias de 120 min de duração.

CONCLUSÃO

O uso da manta térmica com fluxo de ar aquecido para cirurgia ortopédica foi eficaz como método de prevenção da hipotermia intraoperatória quando esta foi empregada desde 30 min antes da indução anestésica até 120 min após o início da anestesia.

Nas condições do estudo não ocorreram eventos adversos, com o uso da manta térmica na intensidade moderada (38°C).

Conflito de interesse: não há

Artigo recebido: 22/06/08

Aceito para publicação: 12/02/09

Trabalho realizado na Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, S. Paulo, SP

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Set 2009
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Aceito
      12 Fev 2009
    • Recebido
      22 Jun 2008
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