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A mulher coronariopata no climatério após a menopausa: implicações na qualidade de vida

The post menopausal climacteric woman with coronary artery disease: implications to quality of life

Resumos

OBJETIVOS: Avaliar a qualidade de vida em mulheres com doença isquêmica do coração no climatério após a menopausa. MÉTODOS: O estudo incluiu 100 mulheres após a menopausa, sendo 50 portadoras de doença arterial coronária (DAC) em seguimento no Instituto do Coração (InCor) HC-FMUSP e 50 que não apresentavam doenças associadas (grupo controle) atendidas no Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza da FSP - USP. A qualidade de vida foi avaliada mediante a utilização de dois instrumentos: uma entrevista estruturada e a aplicação do questionário genérico de avaliação de qualidade de vida ( SF - 36 ). RESULTADOS: Os grupos eram homogêneos em relação à idade da última menstruação: 49 ±3,9 anos na DAC e 49,2±3 anos no grupo controle. Os grupos também eram similares quanto à escolaridade: 84% possuíam primeiro grau (completo ou incompleto); estado civil: casadas 64% das DAC e 45% do grupo controle e viúvas 18% da DAC e 24% das controle. A atividade profissional fora do lar foi significativamente mais freqüente no grupo controle (52%) e 14% nas DAC (p=0,0001). Ambos os grupos demonstraram percepções semelhantes no que se refere à sexualidade. A avaliação da qualidade de vida pelo SF - 36 mostrou melhores resultados no grupo controle em relação a: capacidade física (84 vs 50,5 na DAC); aspectos físicos (84 vs 45,5); estado geral de saúde (87,2 vs 59,1); vitalidade (69,7 vs 51,4) e escore total dos componentes mentais (70,4 vs 58,6). CONCLUSÃO: A coronariopatia interfere na qualidade de vida das mulheres após a menopausa, limitando a capacidade física e o desempenho das atividades da vida diária, além de intensificar as dificuldades emocionais desse período.

Qualidade de vida; Doença arterial coronária; Climatério


PURPOSE: To analyse the quality of life of post menopausal women with coronary artery disease. METHODS: The population consisted of 100 women, divided into 2 groups. The firstgroup made up of 50 women whose average age was 58 ± 4,2 years with > stable coronary artery disease (CAD) proved by angiography undergoing treatment at The Heart Institute (InCor) - University of São Paulo Medical School, Brazil (CAD group). This group was compared with 50 women (55.1±5.4 years old) without clinical evidence of coronary artery disease (control group) from a primary health care center, Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza, São Paulo - FSP- USP. The quality of life was assessed by a structured interview and by Medical outcomes study 36-item short-form health survey (SF-36) validated to the Brazilian population. RESULTS: They were homogenous regarding age of the last menstruation period: 49±3.9 years old in CAD and 49.2±3 years old in controls. The groups were also similar in education level, marital status (64% of CAD and 45% of controls were married; and 18% of CAD and 24% of controls were widowhood). The active working satatus was more frequent in controls than in CAD (52% vs. 14%; p= 0.0001). Both groups showed similar perceptions in their sexual experience. The evaluation of quality of life by SF-36 showed better scores for the control group in: physical functioning (84 vs. 50.5), role physical (84 vs. 45,5) , general health (87.2 vs. 59.1), vitality (69.7 vs. 51,4), p<0.0001; and total score of mental components (70.4 vs. 58.6), p = 0.028. CONCLUSION: Coronary artery disease alters the quality of life of climacteric women by limiting the physical capacity to perform ordinary daily activities and by intensifying emotional conflicts usually present in this phase of life.

Life quality; Coronary artery disease; Climacteric


Artigo Original

A MULHER CORONARIOPATA NO CLIMATÉRIO APÓS A MENOPAUSA: IMPLICAÇÕES NA QUALIDADE DE VIDA

* * Correspondência: Maria Elenita Corrêa de Sampaio Favarato InCor ¾ HCFMUSP Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44 Cep: 05304-900 - Fone/Fax: 3069-5427 psielenita@incor.usp.br M.E.C. DE S. FAVARATO, J.M. ALDRIGHI

Trabalho realizado no Departamento de Saúde Materno Infantil da Faculdade de Saúde Pública e Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, SP

RESUMO ¾ OBJETIVOS: Avaliar a qualidade de vida em mulheres com doença isquêmica do coração no climatério após a menopausa.

MÉTODOS: O estudo incluiu 100 mulheres após a menopausa, sendo 50 portadoras de doença arterial coronária (DAC) em seguimento no Instituto do Coração (InCor) HC-FMUSP e 50 que não apresentavam doenças associadas (grupo controle) atendidas no Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza da FSP - USP. A qualidade de vida foi avaliada mediante a utilização de dois instrumentos: uma entrevista estruturada e a aplicação do questionário genérico de avaliação de qualidade de vida ( SF - 36 ).

RESULTADOS: Os grupos eram homogêneos em relação à idade da última menstruação: 49 ±3,9 anos na DAC e 49,2±3 anos no grupo controle. Os grupos também eram similares quanto à escolaridade: 84% possuíam primeiro grau (completo ou incompleto); estado civil: casadas 64% das DAC e 45% do grupo controle e viúvas 18% da DAC e 24% das controle. A atividade profissional fora do lar foi significativamente mais freqüente no grupo controle (52%) e 14% nas DAC (p=0,0001). Ambos os grupos demonstraram percepções semelhantes no que se refere à sexualidade. A avaliação da qualidade de vida pelo SF - 36 mostrou melhores resultados no grupo controle em relação a: capacidade física (84 vs 50,5 na DAC); aspectos físicos (84 vs 45,5); estado geral de saúde (87,2 vs 59,1); vitalidade (69,7 vs 51,4) e escore total dos componentes mentais (70,4 vs 58,6).

CONCLUSÃO: A coronariopatia interfere na qualidade de vida das mulheres após a menopausa, limitando a capacidade física e o desempenho das atividades da vida diária, além de intensificar as dificuldades emocionais desse período.

UNITERMOS: Qualidade de vida. Doença arterial coronária. Climatério.

INTRODUÇÃO

O climatério, período da vida situado entre os 35 e 65 anos, constitui uma transição entre a fase reprodutiva e aquela em que a reprodução natural não é mais possível. Diversas mudanças fazem parte desse período, sendo que a menopausa, isto é, a última menstruação, é um evento muito significativo.

No início deste século, apenas 6% das mulheres atingiam a menopausa e estima-se que no ano 2025, 23% da população dos países desenvolvidos estará com mais de 60 anos.1

Culturalmente, a menopausa representa um marco na determinação de mudanças na vida da mulher, inclusive em seu papel social. Por outro lado, a menopausa propicia sintomas desconfortáveis e aumento na incidência de doenças. Entre elas destaca-se a doença cardiovascular, que de fato é mais prevalente, quando comparada com a fase pré-menopausa.2 Estudos epidemiológicos3 demonstraram que com a idade as mulheres apresentam aumento progressivo na incidência da doença isquêmica do coração (DIC); assim, após a menopausa, o risco da DIC se eleva, aproximando-se ao dos homens em torno dos 65 anos.

As reações emocionais no climatério são variáveis; de fato, muitas mulheres vivenciam esse período de forma assintomática ou com sintomas inexpressivos, entendendo-o como o início de uma nova etapa, ou seja, a de amadurecimento existencial que lhes permitirão uma vida com maior segurança e confiança; outras, porém, vivenciam-o de forma negativa e apresentam vários sintomas e queixas psíquicas, destacando-se a irritabilidade, ansiedade, depressão e as disfunções sexuais (alterações do desejo, da excitação e do orgasmo). Os sintomas são mais exacerbados em mulheres que perderam seu papel social e não redefiniram seus objetivos existenciais.4 Dennerstein,5 por sua vez, relatou que fatores da personalidade e tendências ansiosas correlacionam-se com maior número de queixas psicológicas.

Schindler6 considera que as doenças depressivas são as desordens psiquiátricas mais prevalentes da metade para a última fase da vida, sendo que as mulheres são mais vulneráveis do que os homens. A correlação entre depressão e climatério ainda é assunto controverso; trata-se de questão complexa, pois durante esse período outras inquietudes tornam-se evidentes, tais como o envelhecimento, a morte dos pais, a saída dos filhos de casa em busca de independência e a dificuldade no relacionamento conjugal após muitos anos de vida em comum. Essas intercorrências podem provocar uma reavaliação de seus papéis de mãe e mulher, fazendo-a deparar-se com questionamentos relacionados a sua existência pregressa e futura.

Por outro lado, a cardiopatia promove um comprometimento geral no indivíduo, afetando-o nos segmentos afetivo-emocional, intelectual e social; além do mais, por ser uma afecção ameaçadora, gera medo, ansiedade e insegurança, sinalizando para o indivíduo sua vulnerabilidade e finitude. Rozanski et al.7 relatam que há cinco fatores psicossociais que contribuem de forma significativa para a etiopatogenia e expressão da doença isquêmica do coração; incluem a depressão, ansiedade, personalidade competitiva, o isolamento social e o estresse crônico.

A sobreposição de duas situações críticas que envolvem importantes aspectos psicossociais - o fim do período reprodutivo e a presença da doença cardiovascular - pode interferir negativamente na qualidade de vida dessas mulheres.

OBJETIVO

Avaliar a qualidade de vida em mulheres portadoras de doença isquêmica do coração no climatério após a menopausa.

MÉTODOS

Procedimentos: A qualidade de vida foi avaliada mediante a utilização de dois instrumentos: uma entrevista estruturada e um questionário genérico de avaliação de qualidade de vida, elaborado por Ware e Sherboune8, para pesquisa em saúde, "Questionário genérico de avaliação de qualidade de vida (SF-36)". O SF-36 foi traduzido para o português e validado para nossa população9.

Casuística: O estudo incluiu 100 mulheres no climatério após a menopausa (última menstruação há mais de um ano) e com idade inferior a 65 anos. Foram divididas em dois grupos: o A composto por 50 mulheres, portadoras de doença arterial coronária, comprovada por cinecoronariografia, que faziam seguimento ambulatorial no Instituto do Coração ¾ InCor ¾ HCFMUSP, vinculadas ao SUS e que não estavam em terapia de reposição hormonal (TRH); e o B, composto por 50 usuárias do Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza, da Faculdade de Saúde Pública ¾ USP, que não apresentavam doenças associadas e também não estavam em uso de TRH.

Procedimentos estatísticos: O tamanho da amostra foi calculado com base em estudo anterior que utilizou o SF 36, em mulheres no climatério não portadoras de doenças.10 Para o tratamento estatístico dos dados utilizou-se a Análise Descritiva Univariada. Para comparação entre os subgrupos, avaliou-se a existência de associação entre as variáveis.

RESULTADOS

A caracterização dos dois grupos é apresentada na tabela 1.

A entrevista estruturada revelou os seguintes dados:

Vida familiar: Entre as coronariopatas, 70% tinham companheiro e no grupo controle, 58%. Quando questionadas a respeito da qualidade deste relacionamento, 48,6% das coronariopatas consideraram bom e 51,5% regular ou ruim. No grupo controle, 48,3% classificaram como bom e 51,7% regular ou ruim. As diferenças em relação a vida familiar não foram estatisticamente significantes. No grupo das coronariopatas, 94% tinham filhos e no controle 78%, resultando numa diferença significativa (p = 0,012). A avaliação da qualidade do relacionamento com os filhos foi predominantemente boa e sem diferença estatística entre os dois grupos.

Aspectos emocionais: Percebe-se que todas as queixas emocionais foram relatadas por mais da metade das mulheres coronariopatas, com menor percentual nas saudáveis. Os aspectos emocionais avaliados foram: tristeza, choro fácil, nervosismo, dificuldade de concentração, insatisfação com a vida, ansiedade, alteração de memória, irritabilidade, desejo de isolamento e sensação de cansaço e esgotamento. Ocorreu diferença significativa em relação ao choro fácil (p = 0,04) e à sensação de cansaço e esgotamento (p = 0,04).

Auto-imagem: Apesar de 48% das coronariopatas terem percebido alteração na aparência ou viço da pele, 52% estavam satisfeitas com a aparência atual. O mesmo ocorreu com as mulheres do grupo controle, onde 60% estavam satisfeitas com a aparência atual e o mesmo percentual referiu alterações negativas na aparência e viço da pele. No que se refere a alteração de peso; a maioria, tanto entre as coronariopatas, quanto entre as controles, referiram aumento do mesmo. No grupo das coronariopatas, a porcentagem de diminuição do peso foi maior, contudo sem diferença estatisticamente significante. Quando questionadas a respeito da percepção de outras pessoas sobre a aparência física, 46% e 68%, respectivamente, nos grupos de coronariopatas e controles, relataram a percepção de piora (p = 0,04).

Em relação ao sentimento de preservação das capacidades, isto é, sentir-se tão capaz quanto era anos atrás, no grupo das coronariopatas 52% consideraram manter suas capacidades e 48% já não se sentem tão capazes. No grupo controle, 76% acham que preservam suas capacidades e 24% sentem piora. Nesse aspecto há uma diferença significante (p = 0,03).

Sintomas: Percentual de 74% das coronariopatas referiram apresentar algum sintoma, enquanto no grupo controle 26% queixaram-se de sintomas, (p < 0,001). O sintoma de dor osteoarticular esteve presente de modo semelhante nos dois grupos. Em relação aos sintomas ligados ao climatério, não houve diferença significativa entre os dois grupos.

Cirurgias: Entre as pacientes coronariopatas, 30% já haviam sofrido cirurgia de revascularização do miocárdio. Em relação às cirurgias obstétricas, ginecológicas, da mama e de varizes não houve diferença entre os dois grupos.

Vida sexual: No grupo das coronariopatas, 60% referem ter vida sexual e no controle 46%. Entre as mulheres que têm vida sexual ativa, verificou-se importante queixa de diminuição do desejo. Em relação à satisfação com a vida sexual, 36,66% e 43,47%, respectivamente, nos grupos de coronariopatas e controles, relataram satisfação com a freqüência e qualidade das relações sexuais. No grupo das coronariopatas, 56,66% consideram que o parceiro está satisfeito com a vida sexual do casal e no grupo controle 60,86%. A queixa de pouca lubrificação vaginal foi relatada por 46,66% das coronariopatas e por 60,86% do grupo controle, não apresentando diferença estatística (p = 0,45). Apesar da dispareunia (dor durante relação sexual) ser três vezes mais freqüente nas mulheres do grupo controle 30,4%, contra 10% nas coronariopatas, essa diferença não alcançou significância estatística (p=0,08).

Percepção da qualidade de vida: Apesar da freqüência de auto-avaliação da qualidade de vida como boa ser maior no grupo controle (52%), contra 32% no grupo das coronariopatas, essa diferença não foi estisticamente significante (p = 0,07). Os motivos apontados pelas pacientes como justificativa para classificarem a qualidade de vida como " Boa ", foram: relação familiar satisfatória; situação econômica estável; estar com saúde; trabalho satisfatório; aceitação passiva da realidade e equilíbrio emocional.

A classificação da qualidade de vida como "Regular" decorreu, em sua maior parte, de problemas na relação familiar. A classificação da qualidade de vida como "Ruim" foi motivada particularmente por problemas na relação familiar, no grupo das coronariopatas, e por aspectos emocionais no grupo controle.

Planos para o futuro: Significativo percentual 46% e 40%, respectivamente, nos grupos de coronariopatas e controles, referiram não ter planos para o futuro. Os planos para o futuro incluem amplo leque de opções que incluem questões referentes à saúde, aspectos econômicos, familiares, emocionais, perspectivas educacionais e de lazer.

Como melhorar a vida: No grupo das coronariopatas, 20% não sabem o que poderiam fazer para melhorar a vida; 6% consideram que estão bem, não havendo necessidade de mudança e 4% acham que não há mais condições de melhora. No grupo controle, 30% não sabem como poderiam melhorar a vida e 6% consideram que estão bem.

SF - 36: Houve diferença estatisticamente significante com melhores resultados no grupo controle quanto à capacidade funcional, aspectos físicos, estado geral da saúde, escore total dos componentes físicos, vitalidade e escore total dos componentes mentais. Não houve diferença entre os grupos quanto a dor, aspectos sociais, aspecto emocional e saúde mental (Tabela 2).

DISCUSSÃO

Os dois grupos mostraram-se homogêneos em relação à época em que ocorreu a menopausa e nível socioeconômico-cultural. Quanto à escolaridade, constatou-se que 84% dos dois grupos cursaram 1° grau, resultado similar ao da população feminina brasileira na mesma faixa etária no Estado de São Paulo.11

No grupo de coronariopatas constatou-se que a maioria (68%) dedica-se exclusivamente aos afazeres domésticos. No grupo controle, 52% das mulheres, além das atividades domésticas, trabalham também fora do lar, diferentemente das coronariopatas em que apenas 14% vivem esta situação. Esta diferença pode ser explicada pelo estado físico, visto que a coronariopatia causa importantes sintomas como cansaço (44%) e dor precordial (22%) dificultando, dessa forma, o engajamento em trabalhos fora de casa. Além do mais, como o grupo de coronariopatas é formado predominantemente por mulheres de baixa escolaridade, e como esta condição, na maioria das vezes, redunda no achado de trabalhos mais pesados, é possível que explique também o reduzido número de coronariopatas que trabalham fora de casa.

Ao se analisar os resultados do SF-36, no que tange aos componentes físicos (capacidade funcional, aspecto físico e estado geral de saúde), constatam-se diferenças significativas entre as coronariopatas e o grupo controle. Assim, as coronariopatas mostram-se muito mais limitadas em sua condição física. Entretanto, ao se avaliar o componente dor no SF-36, verifica-se que não há diferença significativa entre os grupos, apesar das coronariopatas terem mais dor precordial. As causas de maior interferência nas atividades do dia-dia nos dois grupos foram a dor lombar e limitação de movimentos, decorrente do comprometimento osteoarticular e provavelmente relacionado ao fator idade. Diferentemente do físico, os componentes mentais do SF-36 (aspectos sociais, emocionais e saúde mental) não desvelaram diferenças significativas entre os dois grupos.

Conforme visto anteriormente, a coronariopatia exerce forte impacto sobre os componentes físicos, levando a diferenças significativas entre os dois grupos; entretanto, no que se refere aos componentes mentais, as dificuldades emocionais, sociais e de relações interpessoais não mostram diferenças tão acentuadas, embora na avaliação total do componente mental as coronariopatas mostrem-se em desvantagem. Apesar da vitalidade ser parte integrante dos componentes mentais, ela pode também ter interferência do componente físico; por isso, os resultados mostraram um maior prejuízo entre as coronariopatas.

Os sintomas ligados ao climatério como ondas de calor, transpiração excessiva, suores noturnos, não apresentaram diferenças significativas entre os dois grupos; ressalta-se, no entanto, que as ondas de calor foram freqüentes nos dois grupos, resultado que assemelha-se ao de Halbe,12 em que 75% a 85% das mulheres são acometidas pelos fogachos, sendo geralmente desencadeados por quadros emocionais, e que podem alterar a rotina de vida.

Cabe lembrar que o climatério tem uma evolução diferente para cada mulher, dependendo de suas características intrapsíquicas e contexto sócio-cultural, podendo assim, ser mais ou menos conflitante. É um período de vulnerabilidade que pode exacerbar condições psíquicas patológicas preexistentes, ou, por outro lado, ser vivido como momento de desenvolvimento e amadurecimento pessoal, abrindo-se perspectivas em direção ao futuro.13 Nas investigações de Sherwin 14, observou-se que entre mulheres norte-americanas que procuram atendimento médico na fase da menopausa, 79% apresentam sintomas físicos e 65% referem variados graus de depressão, expressando a relevância dos sintomas psicológicos.

As atividades sociais e de lazer apontaram resultados semelhantes entre os dois grupos. A participação em festas e viagens ocorrem com baixa freqüência e as justificativas relacionam-se, em sua maioria, às dificuldades econômicas.

Em relação a auto-imagem, incluindo a satisfação com a aparência atual e a percepção das alterações no viço da pele, os resultados foram semelhantes nos dois grupos, embora o depoimento de algumas mulheres reforcem a percepção de que alterações corporais são conceituadas como muito negativas.

No tocante ao sentimento de preservação das capacidades física e funcional, ocorreu significativa diferença entre os grupos; assim, no grupo controle, 76% consideraram preservar ambas as capacidades; esse resultado é explicado pela manutenção da atividade profissional graças à condição física adequada para o trabalho, ou seja, não se deparam com limites físicos na execução de atividades da vida diária. Para as coronariopatas estes limites da capacidade física e funcional representam grande perda.

No que se refere a alterações de peso, embora as diferenças não sejam significativas, as coronariopatas relatam maior diminuição de peso. O emagrecimento pode estar ligado às dietas restritivas para hipertensão e diabetes, além do que é enfatizado constantemente pelo cardiologista a necessidade de controle do peso. Observa-se que o emagrecimento acaba influenciando na auto-estima destas mulheres. Quando questionadas a respeito da percepção dos outros sobre sua aparência física, 38% das coronariopatas referem que os outros as percebem melhor e justificam pelo emagrecimento. A menopausa associa-se a modificações na composição corpórea, independente de alterações no peso; são características a perda rápida do conteúdo mineral ósseo, o declínio da massa muscular e o aumento da massa gordurosa. Na mulher, antes da menopausa, o tecido adiposo predomina habitualmente na região glútea e femoral, diferentemente daquela após a menopausa, em que ocorre um predomínio da gordura abdominal.15 As mudanças corpóreas que começam a ocorrer na meia-idade normalmente provocam uma auto-estranheza inicial. Depois, espera-se que a mulher incorpore essas mudanças e reorganize sua nova identidade, embora isso não ocorra em algumas pessoas.12

Nosso estudo revela elevada porcentagem de mulheres com diminuição do desejo sexual; entre as coronariopatas 66,66% e no grupo controle 69,56%.

As transformações biológicas, sociais, psicológicas e interpessoais, que ocorrem conjuntamente no climatério, promovem relevante papel na determinação da função sexual nesta etapa da vida. Embora o interesse e a satisfação sexuais conservem-se na menopausa, há mulheres que vivenciam um declínio ou suspensão dos mesmos.Em relação à qualidade e freqüência da vida sexual somente 36,66% das coronariopatas referem satisfação, e 43,74% do grupo controle.

A sexualidade no climatério é influenciada por diversos fatores psicossociais, destacando-se o relacionamento afetivo com o parceiro, experiências prévias, além de influências sociais e culturais. A insatisfação com a sexualidade pode surgir como subproduto da interação deficiente do casal e mais de 50% das mulheres, em ambos os grupos, consideram o relacionamento com o companheiro regular e ruim.

A auto-estima afetada negativamente pode levar essas mulheres a se considerarem menos atraentes e desejáveis e, em decorrência, tornam-se inseguras, prejudicando o exercício da sexualidade.

A queixa de diminuição da lubrificação vaginal aparece em 46,66% das coronariopatas e em 60,86% do grupo controle. Segundo Lauritzen,16 tal redução afeta o prazer e o desejo sexual, porém apenas a dispareunia, que neste estudo foi apontada por 10% das coronariopatas e 30,43% do grupo controle, está associada à redução da freqüência de relações sexuais. Além disso, a literatura denota que a disfunção sexual atinge 25% a 35% das mulheres entre 35 e 39 anos e 51% a 75% entre os 60/65 anos.17;18;19%

Apenas uma paciente atribuiu os sintomas da DIC como impedimento para o exercício da sexualidade. A coronariopatia não foi o principal fator na qualidade da vida sexual, diferentemente do componente afetivo dos relacionamentos conjugais que mostrou ser o preponderante nas dificuldades observadas na esfera sexual.

A auto-avaliação sobre a qualidade de vida revelou entre as coronariopatas o predomínio de uma avaliação regular (60%) e no grupo controle uma avaliação boa (52%). Satisfação no trabalho, bom relacionamento familiar e estabilidade econômica, são os fatores que mais pesam na avaliação das mulheres do grupo controle para classificarem a qualidade de vida como boa. Observa-se muitas vezes que a avaliação vem envolvida por uma aceitação passiva da realidade.

Entre as coronariopatas, a auto-avaliação da qualidade de vida como regular deve-se, na maioria das vezes, às dificuldades de relacionamento familiar, seguido dos problemas de saúde e da situação econômica precária.

Em relação aos planos para o futuro, chama atenção a porcentagem de mulheres que não estabelecem planos para suas vidas, 46% entre as coronariopatas e 40% no grupo controle. Entre as coronariopatas, o plano para futuro que aparece com maior destaque é o envolvimento no tratamento para melhorar a doença, o que reforça que os problemas de saúde representam o grande fator de interferência na qualidade de vida. No grupo controle os planos predominantes são os que envolvem lazer, passeio, viagens, trabalhar e ter casa própria.

Quando questionadas sobre o que poderiam fazer para melhorar a vida, observam-se atitudes depressivas, passivas, com pouco envolvimento com o próprio destino; entre as coronariopatas, 20% não sabem o que poderiam fazer para melhorar a vida, 6% consideram que estão bem assim e 4% apresentam perspectivas sombrias, ou seja, admitem que não há mais condições de melhora. No grupo controle 30% também não sabem como poderiam melhorar a vida e 6% consideram que estão bem.

Trabalhar para melhorar a situação econômica aparece como fator principal nos dois grupos. Para as coronariopatas ter atividades de lazer e viagens também é bastante citado, bem como mudar o estilo de vida no sentido de ter hábitos mais saudáveis. Ter saúde para poder melhorar a vida aparece apenas entre as coronariopatas.

O conteúdo da fala das mulheres, em ambos os grupos, deixa transparecer com freqüência aspectos depressivos. A sintomatologia depressiva é altamente prevalente em indivíduos com mais de 50 anos, sendo que uma série de fatores biológicos, psicológicos e sociais contribui para torná-los mais vulneráveis. No caso da mulher, em particular, existe ainda outro fator que pode facilitar o aparecimento de sintomas depressivos: é a flutuação dos níveis de estrogênio na perimenopausa, ou seja, quatro anos antes de se instalar a menopausa. É, também, importante considerar que esta fase de vida associa-se a uma série de eventos que podem contribuir para precipitar um quadro depressivo: morte de entes queridos, separação, mudança de papel social e, principalmente, no caso das coronariopatas, o surgimento da doença, o convívio com limites físicos e tratamento.

Almeida e Fráguas Jr.20 referem que há três possíveis formas de associação entre depressão e doença cardiovascular: a depressão pode ser um fator de risco para o desenvolvimento de doença cardiovascular; as doenças cardiovasculares podem facilitar o aparecimento de sintomatologia depressiva e a doença cardiovascular não se associa com a depressão, mas pode correlacionar-se com fatores de risco comuns a ambas as doenças.

É importante salientar que em nosso estudo muitas mulheres demonstraram através de seus relatos não terem um significado para a vida. Diversos estudos têm reconhecido a importância de um significado para a existência, a fim de se obter satisfação pessoal. Significado pessoal tem recebido definições envolvendo componentes de natureza cognitiva, motivacional e afetiva. Nesse sentido, Wong21 elaborou uma definição síntese que engloba diversos componentes: "significado pessoal é um sistema construído individualmente, isto é, fundamentado em valores e capaz de dotar a vida de satisfação pessoal".

A mulher que entra em crise na meia-idade pode estar em busca de recapturar o sentimento de significado proveniente da vida criativa. Winnicott22 relata que o sintoma de uma vida não criativa é o sentimento de futilidade, de que nada importa.

Nos últimos anos os gerontólogos têm voltado sua atenção para o estudo do envelhecimento bem sucedido; embora não se tenha chegado ainda a um consenso sobre este conceito, admite-se que ele deveria incluir adequada saúde física, bem-estar psicológico e competência de adaptação21.

CONCLUSÕES

As mulheres sem coronariopatia apresentam-se mais ativas e com maior auto-estima no que se refere ao sentimento de preservação das capacidades.

Tanto nas mulheres coronariopatas como nas sem coronariopatia ocorre significativa diminuição do desejo sexual na pós-menopausa, bem como insatisfação com a freqüência e qualidade da vida sexual. Há tendência a apresentarem poucos planos para o futuro com metas e objetivos incertos e a presença freqüente de conteúdos depressivos.

A coronariopatia interfere na qualidade de vida das mulheres após a menopausa, limitando a capacidade física e o desempenho das atividades da vida diária, além de intensificar as dificuldades emocionais comuns nesse período.

SUMMARY

The post menopausal climacteric woman with coronary artery disease: implications to quality of life

PURPOSE: To analyse the quality of life of post menopausal women with coronary artery disease.

METHODS: The population consisted of 100 women, divided into 2 groups. The firstgroup made up of 50 women whose average age was 58 ± 4,2 years with > stable coronary artery disease (CAD) proved by angiography undergoing treatment at The Heart Institute (InCor) - University of São Paulo Medical School, Brazil (CAD group). This group was compared with 50 women (55.1±5.4 years old) without clinical evidence of coronary artery disease (control group) from a primary health care center, Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza, São Paulo - FSP- USP. The quality of life was assessed by a structured interview and by Medical outcomes study 36-item short-form health survey (SF-36) validated to the Brazilian population.

RESULTS: They were homogenous regarding age of the last menstruation period: 49±3.9 years old in CAD and 49.2±3 years old in controls. The groups were also similar in education level, marital status (64% of CAD and 45% of controls were married; and 18% of CAD and 24% of controls were widowhood). The active working satatus was more frequent in controls than in CAD (52% vs. 14%; p= 0.0001). Both groups showed similar perceptions in their sexual experience. The evaluation of quality of life by SF-36 showed better scores for the control group in: physical functioning (84 vs. 50.5), role physical (84 vs. 45,5) , general health (87.2 vs. 59.1), vitality (69.7 vs. 51,4), p<0.0001; and total score of mental components (70.4 vs. 58.6), p = 0.028.

CONCLUSION: Coronary artery disease alters the quality of life of climacteric women by limiting the physical capacity to perform ordinary daily activities and by intensifying emotional conflicts usually present in this phase of life. [Rev Ass Med Brasil 2001; 47(4): 339-45]

KEY WORDS: Life quality. Coronary artery disease. Climacteric.

Artigo recebido: 02/04/2001

Aceito para publicação: 02/10/2001

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    Maria Elenita Corrêa de Sampaio Favarato
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jan 2002
    • Data do Fascículo
      Dez 2001

    Histórico

    • Aceito
      02 Out 2001
    • Recebido
      02 Abr 2001
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