À beira do leito
Bioética
HÁ AUTONOMIA PARA O PACIENTE NA UTI?
Os avanços científicos e tecnológicos possibilitaram ampliar o conhecimento sobre o funcionamento do corpo humano, que, cada vez mais, vem sendo empregado na manutenção e prolongamento da vida, criando-se uma maior probabilidade de sobrevivência graças a alta tecnologia encontrada nas UTIs.
Porém, frente a esta nova realidade surgem algumas questões éticas; pode o paciente decidir por seu tratamento dentro da UTI ou por sua interrupção? Qual é a autonomia de um paciente internado na UTI? Na prática observa-se que, pelo seu "estado de iminente risco de vida", o paciente na UTI perde a sua autonomia, sendo a relação profissional baseada quase que exclusivamente na beneficência e não maleficência do médico.
Será que frente a esta posição paternalista não podemos observar "efeitos colaterais" nos pacientes nas UTIs? Objetivamente, há o isolamento do paciente do mundo em geral, existindo o prejuízo na percepção temporal e corporal, além do incômodo causado pelos ruídos dos aparelhos e pela intervenção constante da equipe de profissionais. Subjetivamente, percebe-se que o paciente mais fragilizado fisicamente é isolado das pessoas com quem convive, além de não se beneficiar do conforto que pode ser trazido por um único vínculo médico-paciente, já que nas UTIs existe o necessário sistema de plantões, havendo rodízio da equipe de saúde. Acrescenta-se a isso o estímulo das incertezas e fantasias pelo contato com a dor, o sofrimento e a morte próprios e nos leitos vizinhos.
Estar-se-ia fazendo o melhor para o paciente do ponto de vista bioético? No âmbito técnico, pode-se pensar que a UTI cumpre a função de fornecer o máximo da ciência médica possível na busca da cura das doenças e prolongamento da vida, mas, no âmbito emocional, se afasta o médico do vínculo com pacientes em estados graves ou terminais, já que há a divisão do cuidado do paciente com outros profissionais, livrando-lhe do envolvimento com a dor e a morte, dando-lhe a ilusão de que foi feito todo o possível, deixando de lado os outros aspectos que compõem um ser humano, como por exemplo, o relacionamento afetivo, a qualidade de vida ou o respeito à autonomia.
Enquanto a medicina Biológica utilizada nas UTIs supre o paciente com a aplicação do conhecimento técnico, em muitos casos se deixa de observar a condição humana da pessoa doente, relegando para segundo plano o lado humanista da medicina.
CLAUDIO COHEN
GISELE J. GOBBETTI
Referências
1. Cohen C, Marcolino JAM. Autonomia & Paternalismo. In Segre M, Cohen C, organisadores. Bioética. São Paulo: EDUSP, 1999, 2a ed. ampl.
2. Vincent JL. Information in the ICU: are we being honest whith our patients? The result of a European questionnaire. Intensive Care Med. 1998; 24: 1251-6.
3. The Society of Critical Care Medicine Ethics Committee- Attitudes of critical care medicine profissionals concerning forgoing life-sustaining treatments. Crit Care Med 1992; 20:320-6.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
27 Nov 2001 -
Data do Fascículo
Set 2001