CORRESPONDÊNCIAS
A humanização da medicina no Brasil: reflexões
O caráter multifatorial da saúde, tão bem explicado e definido por Sérgio Arouca1, expressa o quanto ainda pode ser feito na redução sustentada das doenças marcadas pelo contexto social, além de promover-se o bem-estar físico e mental da população brasileira.
A sociedade, em especial a comunidade científica, deve lutar arduamente pela universalização deste novo conceito de saúde, buscando sempre defender a necessidade de construção de uma sociedade mais igualitária e aliar os ideais políticos com a promoção da saúde.
A Saúde Pública brasileira evoluiu muito nos últimos anos, quando muitas questões sociais e estruturais foram adicionadas ao seu contexto. As Conferências Nacionais de Saúde, os Conselhos Municipais, a descentralização das ações (municipalização) e a universalização dos direitos representam excelentes conquistas do Sistema Único de Saúde (SUS).
Não obstante, o momento atual revela ainda a precariedade de investimentos em políticas intersetoriais. A estrutura do SUS ainda é centrada principalmente no modelo assistencial e o Ministério da Saúde é organizado segundo a lógica hospitalar2. É necessário redefinir prioridades e discutir a substituição da Secretaria de Assistência à Saúde (SAS) e do pagamento por prestação de serviços, por um modelo que preconize um contrato global com metas de desempenho e qualidade definidas pela população.
O Programa Saúde da Família (PSF) pode ser utilizado como uma ferramenta para reestruturar o sistema de saúde2. Cabe às equipes do PSF prestar atendimento personalizado às famílias segundo o conceito de desenvolvimento local, integral e sustentável.
Outro desafio para o século XXI é a necessidade de humanização da saúde. A adaptação do currículo médico à visão moderna de saúde através das novas diretrizes curriculares dos cursos de medicina no Brasil3 representa uma importante conquista neste aspecto. Além da diversificação dos cenários de aprendizagem incluindo treinamento junto à comunidade, em unidades básicas de saúde, ambulatórios, serviços de emergência e enfermarias de hospitais comunitários3 , a consolidação definitiva desse novo olhar para a saúde exige também o incentivo cada vez maior de projetos na área de medicina preventiva.
Em um país subdesenvolvido como Brasil onde a população é numerosa e os recursos financeiros são escassos , convém valorizar práticas alternativas de saúde, menos dispendiosas, como a fitoterapia, a acupuntura e a homeopatia.
Importa salientar ainda a necessidade de maiores investimentos em políticas de gestão participativa em saúde. A exigibilidade do direito à saúde requer que a população se aproprie de informações sobre os princípios e diretrizes do SUS. Os espaços compartilhados de controle social deverão assumir o desafio de formação de uma cultura de co-responsabilidade, pautada na concepção da saúde como bem público, direito social, e dever do Estado, incluindo governo e sociedade.
No Brasil, diferentes meios de comunicação são utilizados para difusão, à população, de conteúdos informativos sobre a saúde e o SUS4. A busca de novos canais de escuta da comunidade, entretanto, é fundamental para a consolidação do SUS como política de efetiva universalização dos direitos de cidadania, possibilitando a atuação global e precisa baseada nas reais percepções, demandas e necessidades da população.
As iniciativas voluntárias (através de projetos de extensão na área de medicina preventiva, por exemplo) pautadas em valores de humanização e solidariedade promovem espaços compartilhados de atuação e englobam outros setores do governo comprometidos com a produção de saúde (ex. as universidades federais). Tais iniciativas constituem exemplos de práticas de articulação intersetorial, fundamentais para a efetiva inclusão social da população brasileira.
Frente à reafirmação da necessidade de mudança, nós dedicamos nossas palavras à memória da construção filosófica e política que sempre esteve presente no pensamento e nos atos do sanitarista Sérgio Arouca, exemplo inestimável para estudantes de medicina que sonham e buscam seus ideais de transformar a saúde e estendê-la para toda a população brasileira.
Israel de Lucena Martins Ferreira
Tiago Pessoa Tabosa e Silva
Fortaleza - CE
Referências
1. Arouca ASS. O dilema preventivista: contribuição para a compreensão e crítica da medicina preventiva [tese]. Campinas: Faculdade de Ciências Médicas, Universidade de Campinas; 1975.
2. Arouca ASS. RADIS entrevista Sérgio Arouca: o eterno guru da Reforma Sanitária. RADIS Comunicação em Saúde 2002;3:18-21. Disponível em: http://bvsarouca.cict.fiocruz.br. [citado 23 dez. 2006].
3. Martins MA. Ensino médico [editorial]. Rev Assoc Med Bras. 2006;52(5):282-2.
4. Rivera FJU, Artmann E. Planejamento e gestão em saúde: flexibilidade metodológica e agir comunicativo. Ciênc Saúde Coletiva. 1999;4(2):355-65.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
31 Jul 2007 -
Data do Fascículo
Jun 2007