ÀBEIRA DO LEITO
CLÍNICA CIRURGICA
O uso de telas resolveu o problema da recidiva na cirurgia da hérnia inguinal?
Elias Jirjoss Ilias; Paulo Kassab
Médicos do depto de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP
A incidência da doença ainda é desconhecida, mas estima-se que 5% da população desenvolverá uma hérnia da parede abdominal. Aproximadamente 75% das hérnias ocorrem na região inguinal, sendo dois terços dessas indiretas e um terço diretas. Os homens tem 25 vezes mais probabilidade de ter hérnia inguinal que as mulheres e também predominam no sexo masculino as hérnias indiretas. As hérnias diretas são raras em mulheres, no entanto as hérnias femorais são muito mais frequentes nas mulheres que nos homens, numa proporção de 10 para 1.
Os reparos anteriores são os mais utilizados atualmente, com uma grande diversidade de técnicas com e sem o uso de telas
O tratamento cirúrgico das hérnias, ao contrário do que se pensa, esta longe de um consenso. Nos últimos anos, por diversos fatores inclusive econômicos, divulgou-se que o uso de próteses pela técnica livre de tensão havia resolvido o problema das recidivas na cirurgia da hérnia inguinal. Porém, o que temos visto, tanto na literatura médica quanto em nossa experiência profissional, é que as recidivas continuam acontecendo com o uso de telas além do surgimento de novos problemas como a dor crônica pelo uso dessas próteses.
Trabalhos sérios com longo seguimento de pacientes têm demonstrado índices de recidiva muito semelhantes com e sem o uso de telas quando a cirurgia é realizada por profissionais competentes. As telas também podem apresentar infecção e rejeição em pequena porcentagem de casos.
Alguns estudos demonstram índices de dor crônica após a colocação de próteses para correção da hérnia inguinal em até 34% dos pacientes. Essa dor pode ser tratada de diversas formas, indo desde o uso de analgésicos até a retirada cirúrgica da prótese.
Estudos brasileiros e internacionais têm relatado índices de recidiva muito altos nas técnicas de correção de hérnias sem o uso de próteses. A técnica de Bassini é citada comumente como uma das técnicas que mais apresentam recidivas, podendo chegar em alguns trabalhos a 25%.
Bassini reportou, em 1894, uma casuística de 206 operações para correção de hérnia inguinal inclusive com cirurgia de urgência com casos de estrangulamento. Seus pacientes tiveram acompanhamento por cinco anos, sendo seus resultados surpreendentes sem nenhuma morte pré-operatória e com apenas oito recidivas.
Isto nos leva a refletir como em época tão remota e com parcos recursos materiais e tecnológicos, Bassini teve resultados muito melhores que diversos autores em publicações recentes?
Acreditamos que os fatores são diversos e entre eles podemos citar a heterogenicidade das equipes cirúrgicas, principalmente em hospitais de ensino, a falta de conhecimento anatômico e da fisiopatologia das hérnias inguinais, a falta de orientações na alta hospitalar dos pacientes referentes aos cuidados necessários no pós-operatório, a crença muito difundida no meio cirúrgico de que a cirurgia de herniorrafia inguinal é um procedimento simples e ficando assim relegada aos cirurgiões mais jovens e consequentemente com menos experiência, além da falta de bom senso para a escolha da melhor técnica para cada caso com a crença de que o conhecimento de uma ou duas técnicas é o suficiente para a correção de todo tipo de hérnia inguinal.
Quanto ao uso de telas, achamos que muito de sua divulgação se deve à pressão da indústria de próteses que obtêm grandes lucros com a venda de materiais. Além disso, temos observado que muitos residentes e cirurgiões mais jovens desconhecem as técnicas apropriadas para o uso de telas como o tamanho ideal do material a ser utilizado, os pontos de fixação da tela, os planos anatômicos para colocação da prótese de acordo com o tipo de hérnia e as possíveis complicações inerentes ao uso de qualquer prótese. Isso levou esses jovens cirurgiões à crença de que o uso de telas resolveu todos os problemas apresentados pela cirurgia convencional sem o uso de próteses. Outros fatores que levam ao desconhecimento das complicações e recidivas das cirurgias com próteses são: a falta de seguimento a longo prazo, que é particularmente difícil de ser realizada principalmente nos hospitais públicos, e a alta rotatividade de cirurgiões e residentes nos hospitais de ensino, que impossibilita o profissional que realizou a cirurgia de ter o seguimento de longo prazo uma vez que as recidivas geralmente são vistas por residentes novos que não foram os que realizaram o primeiro procedimento operatório.
Em nossa casuística pessoal, com 144 casos operados sem o uso de telas e com acompanhamento de pelo menos cinco anos desses pacientes tivemos, duas recidivas herniárias com uma taxa aproximada de 1,5%. Acreditamos que esse bom resultado se deve à experiência da equipe cirúrgica e por não haver rotatividade dos elementos constituintes da equipe há muitos anos. As técnicas utilizadas foram as de Bassini e McVay, sendo a escolha feita de acordo com cada tipo de hérnia seguindo a classificação de Nihus.
Conclusão
A cirurgia de hérnia inguinal ainda está longe de um consenso sobre qual a melhor técnica operatória para a sua correção. Acreditamos que como tudo em medicina, o melhor tratamento seja aquele baseado no perfil de cada paciente e no bom senso e experiência do médico.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
16 Jul 2009 -
Data do Fascículo
2009