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A influência de aspectos organizacionais das instituições de ensino e pesquisa sobre os custos de transação na formação de parcerias com governos locais

Influencia de los aspectos organizativos de las instituciones educativas y de investigación en los costos de transacción en la formación de alianzas con gobiernos locales

Resumo

De que forma aspectos organizacionais das instituições de ensino e pesquisa influenciam os custos de transação para efetivação de parcerias com administrações locais? Com base em dados inéditos de um survey online para o conjunto de 95 instituições de ensino, com respostas validadas, o presente artigo se propôs a responder a essa pergunta por meio de um estudo quantitativo buscando verificar a correlação entre características das parcerias firmadas e três aspectos organizacionais selecionados: a descentralização dos campi; existência de estrutura de acolhimento de potenciais parceiros (porta de entrada); e existência de instâncias de aprovação. Com base em proposições relativas aos custos de transação, extraídas da teoria da ação institucional coletiva, foram formuladas hipóteses envolvendo o efeito de cada aspecto organizacional. Os resultados apontaram, ao final, que a descentralização dos campi influencia não apenas na presença como também no número de experiências relevantes de parcerias com municípios. Já a estruturação de “portas de entrada” nas instituições de formação afeta mais especificamente o grau de formalização das parcerias, oferecendo maior segurança jurídica e estabilidade. A presença de instâncias de aprovação para as parcerias negociadas nas instituições de ensino e pesquisa parece não afetar, em sentido positivo ou negativo, a firmação dessas parcerias.

Palavras-chave:
cooperação; custos de transação; municípios; instituições de ensino e pesquisa

Resumen

¿Cómo influyen los aspectos organizativos de las instituciones de educación y de investigación en los costos de transacción para establecer alianzas con las administraciones locales? Basado en datos inéditos de una encuesta en línea realizada a un grupo de 95 instituciones educativas, con respuestas validadas, este artículo se propuso responder a esta pregunta a través de un estudio cuantitativo que busca verificar la correlación entre las características de las alianzas firmadas y tres aspectos organizacionales seleccionados: descentralización de campus; existencia de una estructura de acogida de socios potenciales (pasarela) y existencia de órganos de aprobación. A partir de proposiciones relativas a los costos de transacción, extraídas de la teoría de la acción institucional colectiva, se formularon hipótesis que involucran el efecto de cada aspecto organizacional. Los resultados mostraron, finalmente, que la descentralización de los campus influye no sólo en la presencia, sino también en el número de experiencias relevantes de alianzas con municipios. La estructuración de “pasarelas” en instituciones de formación incide más específicamente en el grado de formalización de las alianzas, ofreciendo mayor seguridad jurídica y estabilidad. La presencia de organismos de aprobación de las alianzas negociadas en instituciones de enseñanza y de investigación no parece afectar, ni positiva ni negativamente, al establecimiento de dichas alianzas.

Palabras clave:
cooperación; costos de transacción; municipios; instituciones de enseñanza e investigación

Abstract

How do organizational aspects of education and research institutions influence transaction costs in establishing partnerships with local administrations? Based on unpublished data from an online survey of a group of 95 educational institutions this article aims to answer this question through a quantitative study seeking to verify the correlation between the characteristics of the partnerships formed and three selected organizational aspects: decentralization of campuses, the existence of a structure to welcome potential partners (gateway), and the presence of approval bodies. Based on propositions relating to transaction costs extracted from the theory of collective institutional action, hypotheses were formulated involving the effect of each organizational aspect. The results showed that the decentralization of campuses influences not only the presence but also the number of relevant experiences of partnerships with municipalities. Structuring “gateways” in training institutions more precisely affects the degree of formalization of partnerships, offering greater legal security and stability. However, the presence of approval bodies for partnerships negotiated in teaching and research institutions does not seem to affect, either positively or negatively, the establishment of these partnerships.

Keywords:
cooperation; transaction costs; municipalities; higher education and research institutions

1. INTRODUÇÃO

O arranjo federativo brasileiro sob a Constituição de 1988 atribuiu aos municípios um amplo conjunto de responsabilidades por políticas públicas e, em que pese o forte impacto das políticas de bem-estar social como saúde, educação assistência social nesse processo de descentralização (Arretche, 2004Arretche, M. (2004). Federalismo e políticas sociais no Brasil: problemas de coordenação e autonomia. São Paulo em Perspectiva, 18(2), 17-26.; Almeida, 2007Almeida, M. H. T. (2007). O estado no Brasil contemporâneo: um passeio pela história. In C. R. Melo, & M. A. Sáez(Eds.), A democracia brasileira: balanço e perspectivas para o século 21 (pp. 17-37). Editora UFMG.), tais políticas abarcaram também serviços de iluminação pública, manutenção e pavimentação de vias urbanas, remoção de resíduos sólidos e conservação do meio ambiente. A descentralização, por sua vez, induziu a necessidade de fortalecimento das capacidades municipais para atender à população (Grin & Abrucio, 2018Abrucio, F., & Grin, E. (2018). Qué decir de las capacidades estatales de los municípios brasileños en un contexto de descentralización de políticas? Revista del CLAD Reforma y Democracia, 70, 20-35.; Linhares et al., 2017Linhares, P. T. F. S., Messenberg, R. P., & Ferreira, A. P. L. (2017). Transformações na federação brasileira: o consórcio intermunicipal no Brasil do início do século XXI. Boletim de Análise Político-Institucional, 12, 67-74.).

Para lidar com esse leque de atribuições, a realização de parcerias com outros governos (Abrucio et al, 2013Abrucio, F., Filippim, E. S., & Dieguez, R. C. (2013). Inovação na cooperação intermunicipal no Brasil: a experiência da Federação Catarinense de Municípios (Fecam) na construção de consórcios públicos. Revista de Administração Pública, 47(6), 1543-568.; Machado & Andrade, 2014Machado, J. A., &Andrade, M. L. C.(2014). Cooperação intergovernamental, consórcios públicos e sistemas de distribuição de custos e benefícios. Revista de Administração Pública, 48(3), 695-720.; Rocha, 2016Rocha, C. V. (2016). A cooperação federativa e a política de saúde: o caso dos consórcios intermunicipais de saúde no estado do Paraná. Cadernos da Metrópole, 18(36), 377-399.), com organismos internacionais (Fuga, 2014Fuga, P. H. D. (2014). Governos subnacionais e relações internacionais: o caso dos municípios brasileiros. Revista Cippus, 3(2), 68-92.) e com organizações privadas e da sociedade civil (Melo, 2010Melo, E. M. (2010). Organizações da sociedade civil de interesse público e as parcerias com os municípios do estado de Pernambuco: um olhar sobre a atuação das OSCIPs à luz do ideário de sua criação (Dissertação de Mestrado). Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.), propiciou a ampliação das possibilidades de prestação de serviços públicos. Ocorre, entretanto, que a cooperação e a atuação conjunta de diferentes organizações não acontecem espontaneamente. O sucesso na formação de redes de cooperação dependeu de uma série de fatores como legados culturais e institucionais; indução por níveis de governo mais abrangentes, como estados e governo nacional; ação de lideranças políticas regionais; regras sistêmicas ou incentivos financeiros; advocacy intergovernamental; entre outros (Grin, 2019Grin, E. J. (2019). Federalismo, governança e cooperação intermunicipal no Brasil: um balanço da literatura. In J. M. B. Carneiro, & E. S. Brito(Org.), Consórcios intermunicipais e políticas públicas regionais. Oficina Municipal.; Grin et al., 2016Grin, E. J., Demarco, D. J., & Abrucio, F. L. (Orgs.). (2021). Capacidades estatais municipais: o universo desconhecido no federalismo brasileiro. Editora da UFRGS/CEGOV.).

Da ótica das instituições de ensino e pesquisa1 1 Para efeitos desse artigo, instituições de ensino e pesquisa incluem organizações de ensino superior e centros de pesquisa (centros, institutos e fundações), bem como escolas de governo e similares. , as atividades de extensão compreendem a realização de parcerias com a sociedade, aí inclusas aquelas realizadas por meio de governos locais, como parte constitutiva de seu funcionamento. A própria missão dessas organizações, em particular das universidades, foi se modificando e evoluindo para se adaptar a mudanças sociais e às demandas de estudantes, professores e do conjunto da comunidade em que estão inseridas (Paleari et al., 2014Paleari, S., Donina, D., & Meoli, M. (2015). The role of the university in twenty-first century European society. Journal of Technology Transfer, 40(3), 369-379.). Já sob a ótica dos municípios parceiros, parcerias com instituições de ensino e pesquisa constituem uma oportunidade para desenvolver suas capacidades e se apoiar nas tecnologias sociais disponíveis para prover suas políticas públicas. Compreender a atuação dessas organizações e suas conexões com a sociedade, bem como os obstáculos postos à firmação dessas parcerias, dialoga com essa agenda de pesquisa mais ampla (Rueda et al., 2020Rueda, I., Acosta, B., & Cueva, F. (2020). Las universidades y sus prácticas de vinculación con la sociedad. Educação e Sociedade, 41, e218154.).

O presente artigo opera dentro de um recorte específico, ao se propor a analisar a relevância de aspectos organizacionais das instituições de ensino e pesquisa (universidades, institutos de pesquisa e escolas de governo) para a realização de parcerias com municípios brasileiros. Precisamente busca-se responder à questão: de que forma esses aspectos organizacionais das instituições de ensino e pesquisa influenciam os custos de transação para efetivação de parcerias com administrações locais?

Consistente com a abordagem da Ação Institucional Coletiva (AIC), tomamos os custos de transação como categoria que inclui os recursos despendidos para que duas ou mais entidades coletivas possam produzir e implementar um contrato ou acordo. Três fatores de natureza organizacional das instituições de ensino e pesquisa foram levados em consideração para se analisar essas parcerias: a) a descentralização dos campi; b) a existência de estruturas especializadas para acolher municípios, potenciais parceiros (como uma “porta de entrada”)2 2 As “portas de entrada” remetem à existência de estruturas, rotinas e burocracia especializadas para realização de parcerias com os municípios. A seguir, esse conceito será retomado no formato de hipótese e operacionalizado para realização de testes empíricos. ); e c) a existência de instâncias de aprovação das parcerias negociadas nas instituições de ensino e pesquisa.

Neste trabalho, a análise estatística de natureza exploratória buscou identificar correlações entre tais fatores e atributos das parcerias firmadas com os municípios, sendo os dados utilizados gerados no âmbito do Projeto UniverCidades, conduzido pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) e financiado pela União Europeia, que tratou das parcerias entre governos locais e instituições de ensino e pesquisa. Foram realizadas duas iniciativas principais nesse projeto. A primeira ocorreu no final de 2017 com objetivo de identificar quais as demandas por conhecimentos e informações por parte dos municípios e quais as fontes de conhecimento ou informação mais procuradas pelos gestores locais. A segunda pesquisa visou mapear as parcerias existentes e seus arranjos institucionais. A discussão deste artigo está relacionada a esta última pesquisa, cujo levantamento empírico contou com a parceria da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP).

A contribuição deste estudo, mesmo que restrito ao lado ofertante da parceria (as instituições de ensino e pesquisa), se apresenta como inovadora ao ir além do caráter descritivo que marca majoritariamente os trabalhos sobre o tema. Seus achados, correlacionando seu sucesso com variáveis precisas e teoricamente justificadas, oferecem oportunidades de avanço na literatura sobre o tema.

Após esta introdução, na segunda seção, serão discutidos alguns dilemas teóricos da realização de parcerias envolvendo organizações, em particular sobre os fatores com capacidade para reduzir os custos de transação existentes em parcerias institucionais. A terceira seção abordará o contexto institucional brasileiro para realizações de parcerias entre instituições de ensino e pesquisa e governos locais com a finalidade de produzir atividades extensionistas. A quarta seção abordará a metodologia utilizada na pesquisa, explicitando as hipóteses de trabalho, e apresentará seus resultados. A quinta seção fará análise e discussão dos dados empíricos. Por fim, na sexta seção, esboçamos algumas conclusões e recomendamos passos necessários para se aprofundar na compreensão das questões organizacionais envolvidas nessas parcerias.

2. COOPERAÇÃO E CUSTOS DE TRANSAÇÃO ENVOLVENDO ORGANIZAÇÕES

Os custos de transação constituem uma categoria-chave para compreender o sucesso e o fracasso na formação das parcerias interinstitucionais. Neste trabalho, tomamos essa categoria no sentido atribuído pela Ação Institucional Coletiva (AIC), uma abordagem constituída originalmente como campo de estudos para análise dos problemas de cooperação em organizações regionais norte-americanas, especialmente conselhos regionais e de governos, organizações de planejamento metropolitanas e parcerias intermunicipais (Kim et al., 2022Kim, S. Y., Swann, W. L., Weible, C. M., Bolognesi, T., Krause, R. M., Park, A. Y. S., Tang, T., Maletsky, K., & Feiock, R. C. (2022). Updating the institutional collective action framework. Policy Studies Journal, 50(1), 9-34.). Nessas organizações regionais, governos locais atuariam de forma cooperativa, porém sem renunciar à sua autonomia e independência ao longo das barganhas desenvolvidas, constituindo associações com autoridade limitada (Kwon, 2007Kwon, S.-W. (2007). Regional governance institutions and interlocal cooperation for service delivery. Wayne State University.), com as quais não se relacionariam de maneira hierárquica.

A AIC é tributária da discussão do dilema estratégico entre aderir ou não à cooperação, originalmente descrito no clássico The logic of collective action, de Mancur Olson Junior (1968), estendendo-a, entretanto, aos problemas de cooperação entre organizações, como governos locais (Skuzinski, 2015Skuzinski, T. S. (2015). Risk, rationality, and regional governance (Doctoral Dissertation). University of Michigan, Ann Arbor, MI, EUA.). Trata-se de uma estrutura construída originalmente sobre uma extensiva literatura interessada naquelas situações em que incentivos individuais levariam resultados coletivos não desejados por qualquer indivíduo. Como tributária das contribuições de Ostrom (1990Ostrom, E. (1990). Governing the commons: the evolution of institutions for collective action. Cambridge University Press., 2005Ostrom, E. (2005).Understanding institutional diversity. Princeton University Press.), entretanto, assumiu como objeto a extensão dessas situações aos contextos em que tais indivíduos seriam governos compostos, definidos a partir de posições institucionais, de autoridades ou de regras de agregação de preferências. Como Ostrom, a AIC reconheceu nesses atores a capacidade estratégica, articulando, porém, aos benefícios e custos esperados, as normas compartilhadas e as taxas de desconto despendidas ao longo do processo de barganha (Ostrom, 1990Ostrom, E. (1990). Governing the commons: the evolution of institutions for collective action. Cambridge University Press.), além de fatores contextuais envolvendo a natureza do problema cooperativo, as preferências dos atores e as instituições nas quais interagem (Kim et al., 2022Kim, S. Y., Swann, W. L., Weible, C. M., Bolognesi, T., Krause, R. M., Park, A. Y. S., Tang, T., Maletsky, K., & Feiock, R. C. (2022). Updating the institutional collective action framework. Policy Studies Journal, 50(1), 9-34.).

Os arranjos cooperativos constituiriam estratégia para maximizar recursos à disposição dos gestores locais e, ao fazê-lo, ampliar suas possibilidades de sucesso na carreira política (Kwon, 2008Kwon, S.-W. (2008). Regional organizations and interlocal cooperation among Florida cities. Florida State University.). A solução cooperativa, entretanto, envolveria a superação de um dilema social básico, na medida em que cada governo local deveria escolher entre ceder poder a uma autoridade regional para realizar benefícios, perdendo as condições para processar autonomamente certos temas ou, em sentido contrário, renunciando a esses benefícios para evitar perder o controle sobre decisões relativas a esses mesmos temas. Sob a primeira escolha, sacrifica parte de sua autonomia para receber benefícios regionais; sob a segunda, abdica destes últimos em favor de manter a primeira.

A superação desse dilema estaria imersa nos riscos de colaboração estruturados no contexto específico: poderiam ser riscos de deserção ou traição; riscos de coordenação; e, ainda, riscos de discordância, tipicamente existentes naqueles casos em que os potenciais parceiros têm preferências distintas sobre a situação futura a ser realizada por meio da cooperação (Feiock, 2013Feiock, R. C. (2013). The institutional collective action framework. Policy Studies Journal, 41(3), 397-425.). A solução institucional para superar esses riscos de colaboração poderia ser encontrada nos mecanismos de integração entre governos locais, que cobririam desde aquelas formas de integração interlocal menos institucionalizadas - como redes informais baseadas na confiança entre parceiros -, passando por contratos voluntários formais entre os governos interessados até chegar a entidades regionais, que recebem delegação de poder para agir independentemente da autorização prévia desses governos (Feiock, 2013Feiock, R. C. (2013). The institutional collective action framework. Policy Studies Journal, 41(3), 397-425.; Kim et al., 2022Kim, S. Y., Swann, W. L., Weible, C. M., Bolognesi, T., Krause, R. M., Park, A. Y. S., Tang, T., Maletsky, K., & Feiock, R. C. (2022). Updating the institutional collective action framework. Policy Studies Journal, 50(1), 9-34.).

Tais mecanismos de integração, entretanto, implicam custos distintos em duas dimensões. Numa primeira (vertical), os custos de decisão crescem com o tamanho do grupo de participantes ou com o número de tarefas ou issues envolvidas na cooperação; numa segunda (horizontal), os custos de autonomia crescem à medida em que há maior renúncia da autonomia dos governos locais em favor da organização regional (Feiock, 2013Feiock, R. C. (2013). The institutional collective action framework. Policy Studies Journal, 41(3), 397-425.; Kim et al., 2022Kim, S. Y., Swann, W. L., Weible, C. M., Bolognesi, T., Krause, R. M., Park, A. Y. S., Tang, T., Maletsky, K., & Feiock, R. C. (2022). Updating the institutional collective action framework. Policy Studies Journal, 50(1), 9-34.). Os custos de decisão tenderiam a ser menores, por exemplo, naquelas associações que cuidam apenas de parte dos bens ou serviços em uma política pública ou envolvendo um número limitado de municípios - via de regra, seria o caso das parcerias abordadas neste trabalho.

Entretanto, se são uma parte dos custos de transação, não se resumem aos custos de decisão e de autonomia. Eles abarcam todos os recursos gastos para identificar interessados em realizar uma transação, negociar e chegar a um acordo, bem como formalizar um contrato e aplicar as medidas necessárias para que seja observado (Coase, 1960Coase, R. (1960). The problem of social cost. Journal of Law and Economics, 3(1), 1-44.). Sua magnitude é um elemento-chave para explicar a adesão ou não à cooperação, sendo relevante que sejam superados pela magnitude dos benefícios alcançados com a cooperação (Feiock, 2007Feiock, R. C. (2007). Rational choice and regional governance. Journal of Urban Affairs, 29(1), 47-63.). Os custos de transação manteriam relação inversa com a probabilidade de cooperação, ou seja, quanto maiores, menos prováveis seriam.

Considerados esses pontos, a agenda de pesquisa da teoria da ação institucional coletiva tem se ocupado do esforço de identificar e dimensionar o peso dos fatores que poderiam afetá-los para então motivar governos locais a aderir ou não à cooperação na solução de problemas coletivos (Hawkins, 2010Hawkins, C. V. (2010). Competition and cooperation: local government joint ventures for economic development. Journal of Urban Affairs, 32(2), 253-275.; Kwon, 2008Kwon, S.-W. (2008). Regional organizations and interlocal cooperation among Florida cities. Florida State University.). Neste ponto, vale retomar a contribuição de Ostrom (2005Ostrom, E. (2005).Understanding institutional diversity. Princeton University Press.) para uma segunda geração de estudos da Rational Choice, em especial na consideração do caráter iterativo das interações entre os agentes envolvidos - o que agregou variáveis reputacionais, de reciprocidade e de confiança na solução do dilema da cooperação -, além de temas relacionados às falhas ou assimetrias de informação, que trouxeram o problema da formação das expectativas dos atores ou do desequilíbrio informacional como relevantes no plano explicativo.

Esses fatores explicativos para o sucesso ou fracasso na cooperação incluiriam, assim, atributos dos agentes governamentais percebidos pelos interlocutores envolvidos na transação, como o grau de homogeneidade ou heterogeneidade entre eles (Feiock, 2005Feiock, R. C. (2005). Institutional collective action and local governance. Wayne State University., 2007Feiock, R. C. (2007). Rational choice and regional governance. Journal of Urban Affairs, 29(1), 47-63.; Gerber & Gibson, 2005Gerber, E. R., & Gibson, C. C. (2005). Balancing competing interests in American regional governance. Notre Dame University.; Kwon, 2007Kwon, S.-W. (2007). Regional governance institutions and interlocal cooperation for service delivery. Wayne State University.; Tavares & Feiock, 2013Tavares, A. F., & Feiock, R. C. (2013). Intermunicipal cooperation and regional governance in Europe: an institutional collective action framework. ECPR.), de modo que quanto mais desiguais ou heterogêneos, maiores seriam os custos de transação esperados para identificar uma pauta cooperativa de interesse comum. Outros fatores se relacionariam às próprias características dos bens ou serviços compartilhados numa pauta cooperativa comum, por exemplo, o fracionamento e a mensurabilidade desses bens ou serviços. Tais atributos, uma vez ausentes, poderiam inviabilizar a confiança na repartição dos benefícios entre associados segundo as contribuições de cada um (Feiock, 2005Feiock, R. C. (2005). Institutional collective action and local governance. Wayne State University., 2007Feiock, R. C. (2007). Rational choice and regional governance. Journal of Urban Affairs, 29(1), 47-63.; Tavares & Feiock, 2013Tavares, A. F., & Feiock, R. C. (2013). Intermunicipal cooperation and regional governance in Europe: an institutional collective action framework. ECPR.; Kwon, 2007Kwon, S.-W. (2007). Regional governance institutions and interlocal cooperation for service delivery. Wayne State University.). As próprias regras do processo decisório, adotadas numa organização regional ou intermunicipal constituída para sustentar a cooperação, poderiam aumentar os custos de transação - por exemplo, ao envolver um grande número de participantes ou exigindo supermaiorias (Gerber & Gibson, 2005Gerber, E. R., & Gibson, C. C. (2005). Balancing competing interests in American regional governance. Notre Dame University., 2009Gerber, E. R., & Gibson, C. C. (2009). Balancing regionalism and localism: how institutions and incentives shape American transportation policy. American Journal of Political Science, 53(3), 633-648.), características que tornam penosa a superação do poder de veto dos participantes. Fatores como reputação e desenvolvimento da confiança entre interlocutores, ao mitigar a incerteza nas barganhas entre interlocutores interagindo face a face (Carr, 2013Carr, J. B., & Hawkins, C. V. (2013). The costs of cooperation: what the research tells us about managing the risks of service collaborations in the US. State and Local Government Review, 45(4), 224-239.), poderiam reduzir os custos de transação. Também poderia ocorrer sob a mera existência prévia de laços sociais entre gestores ou especialistas atuando nas diversas estruturas governamentais envolvidas (Kim et al., 2022Kim, S. Y., Swann, W. L., Weible, C. M., Bolognesi, T., Krause, R. M., Park, A. Y. S., Tang, T., Maletsky, K., & Feiock, R. C. (2022). Updating the institutional collective action framework. Policy Studies Journal, 50(1), 9-34.; Zeemering, 2019Zeemering, E. S. (2019). Do interlocal contracts seek collaborative efficiency? An investigation of police service delivery in California cities. Public Management Review, 21(7), 968-987.). Ainda a respeito deste último ponto, vale menção ao achado de Aldag e Warner (2018Aldag, A. M., & Warner, M. (2018). Cooperation, not cost savings: explaining duration of shared service agreements. Local Government Studies, 44(3), 350-370.): com o passar do tempo de duração das parcerias, essas redes poderiam substituir os acordos formais entre as partes em razão da sua capacidade de gerar confiança na manutenção do processo de cooperação.

No caso do presente estudo, envolvendo não propriamente governos locais em torno de um problema de ação coletiva, mas sim a realização de parcerias entre atores organizacionais de natureza distinta - governos locais e organizações de ensino e pesquisa -, tomaremos como variável de interesse não propriamente aquelas mencionadas logo antes, mas sim determinados atributos organizacionais dessas últimas organizações. Municípios e organizações de ensino e pesquisa podem perseguir fins distintos (os primeiros, a agregação de novos recursos técnicos e de conhecimento; as últimas, campo para desenvolvimento de ações extensionistas ou de pesquisa), mas compartilham interesse comum no desenvolvimento de projetos cooperados que os viabilizem. Observaremos neste trabalho como aqueles atributos organizacionais influenciam os custos de transação de modo a facilitar ou dificultar a firmação das parcerias com os governos locais.

Mas antes de apresentar e explorar algumas dessas hipóteses, descreveremos o contexto institucional em que tem sido desenvolvidos arranjos cooperativos ou parcerias que constituem o objeto deste trabalho, ou seja, entre centros de ensino e pesquisa ou universidades, de um lado, e munícipios brasileiros, de outro.

3. PARCERIAS ENTRE INSTITUIÇÕES DE ENSINO E PESQUISA E GOVERNOS LOCAIS PARA ATIVIDADES EXTENSIONISTAS

O número de instituições de ensino e pesquisa no Brasil sofreu um crescimento significativo com a criação de diversas universidades e institutos federais desde meados dos anos 2000, tendo o número de matrículas em cursos de graduação crescido cerca de 58% entre 2007 e 2017 (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira [INEP], 2018Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (2018). Censo da Educação Superior: divulgação dos resultados principais. http://portal.mec.gov.br/docman/setembro-2018-pdf/97041-apresentac-a-o-censo-superior-u-ltimo/file
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). Concomitantemente a essa expansão, cresceram também as iniciativas para conectar os estabelecimentos à comunidade, incluindo aquelas classificadas de forma ampla como “ações sociais” e de “educação continuada”, perpassando ainda atividades de “acompanhamento de egressos”, cuja vinculação com a sociedade é menos clara (Rueda et al., 2020Rueda, I., Acosta, B., & Cueva, F. (2020). Las universidades y sus prácticas de vinculación con la sociedad. Educação e Sociedade, 41, e218154.).

Historicamente, os estabelecimentos de ensino e pesquisa brasileiros representaram espaços institucionais de geração e disseminação de conhecimento. O art. 207 da Constituição Federal de 1988 tomou a “indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão” como um princípio a orientar a universidade brasileira, a despeito de sua autonomia didático-científica, administrativa e de gestão. A extensão se tornou, assim, um dos três pilares a sustentar a atuação desses estabelecimentos no país, sendo definida como “processo interdisciplinar, educativo, cultural, científico e político que promove a interação transformadora entre Universidade e outros setores da sociedade” (Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras [ForProex], 2012Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras. (2012, maio) Política Nacional de Extensão Universitária. https://www.ufmg.br/proex/renex/images/documentos/2012-07-13-Politica-Nacional-de-Extensao.pdf
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, p. 15). Os projetos de extensão viabilizam a transmissão desse conhecimento às comunidades em que essas instituições estão inseridas, ao mesmo tempo que permitem a construção de novos conhecimentos a partir da aprendizagem em campo.

Entre as “comunidades” contempladas, as prefeituras municipais são instituições que apresentam forte demanda por conhecimento e soluções de problemas, potencializando os desafios à atividade extensionista, de “fortalecer a relação autônoma e crítico-propositiva [...] com as políticas públicas por meio de programas estruturantes, capazes de gerar impacto social” (ForProex, 2012Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras. (2012, maio) Política Nacional de Extensão Universitária. https://www.ufmg.br/proex/renex/images/documentos/2012-07-13-Politica-Nacional-de-Extensao.pdf
https://www.ufmg.br/proex/renex/images/d...
, p. 22). É sabido que, se as universidades concentram de forma amplamente majoritária o conhecimento gerado a partir do ensino e pesquisa, também “os municípios brasileiros, de forma geral, possuem poucas capacidades estatais para responderem ao conjunto de atribuições que crescentemente passaram a ser de sua responsabilidade” (Grin et al., 2021Grin, E. J., Demarco, D. J., & Abrucio, F. L. (Orgs.). (2021). Capacidades estatais municipais: o universo desconhecido no federalismo brasileiro. Editora da UFRGS/CEGOV., p. 674). A carência ou presença de profissionais com formação superior explica o desempenho das políticas urbanas, especialmente nas funções de planejamento e regulação governamental, nos municípios brasileiros (Marenco, 2017Marenco, A. (2017). Burocracias profissionais ampliam capacidade estatal para implementar políticas? Governos, burocratas e legislação em municípios brasileiros. Dados, 60(4), 1025-1058.).

É curioso que estudos internacionais pertinentes a realidades bem distintas tenham retratado situações relativamente similares no que se refere às carências de capacidades locais e gaps nas relações de parceria com instituições de ensino e pesquisa. Lundberg e Andresen (2012Lundberg, H., & Andresen, E. (2012). Cooperation among companies, universities and local government in a Swedish context. Industrial Marketing Management, 41(3), 429-437.) trataram dos obstáculos à cooperação entre poder público, universidades e setor empresarial no caso sueco, destacando a importância dos financiadores de projetos para transpô-los. Peasle et al. (2011)Peaslee, L., Swartz, N. J., & Wodicka, R. A. (2011). Enhancing local government capacity through university-community partnerships. In Proceedings of the APSA 2011 Annual Meeting, San Francisco, CA, EUA., com base em um survey online com 95 gestores locais nos Estados Unidos, concluíram haver um significativo gap na colaboração entre universidades e governos locais, estando entre as maiores necessidades não satisfeitas o apoio a atividades de planejamento estratégico e treinamento dos servidores. Por fim, Lis (2021Lis, M. (2021). Higher education institutions as partners in growing innovation of local economy. Social Sciences, 10(8), 316.) também constatou, em um survey com 66 representantes de governos locais na Polônia, uma grande diferenciação entre expectativas e necessidades para cooperação com universidades, apontando uma baixa satisfação destas últimas. No Brasil, os poucos estudos disponíveis retratam experiências extensionistas bem-sucedidas (Cassemiro, 2020Cassemiro, T. S. (2020). O impacto social da parceria dos governos municipais com as universidades interiorizadas (Trabalho de Conclusão de Curso). Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.; Silva et al., 2020Silva, G. A. B., Silva, S. R. A., Souza, I. L., & Moneiro, L. S. (2020). Parceria entre governo local e universidades: formação do Observatório da Cidade de Macaé no contexto de rede colaborativa interinstitucional e intersetorial. Vértices, 22(3), 412-428.), porém faltam estudos mais abrangentes sobre este tipo de parceria.

Nesta mesma direção, debates realizados pela CNM no Seminário Iniciativas Inovadoras da Gestão Municipal, em dezembro de 2015, destacaram a distância que ainda existe entre as universidades e a sociedade. A despeito da evolução da extensão universitária, ainda era tímido o grau de articulação entre os centros de ensino e pesquisa e atores da sociedade bem como do Poder Público, como os governos municipais. Ciente da necessidade de desenvolver capacidades nos municípios e de buscar parcerias, a CNM firmou, em março de 2017, um acordo com a União Europeia para executar o projeto UniverCidades: Plataforma para o Desenvolvimento e Governança Municipal. O projeto teve como objetivo geral contribuir para o fortalecimento de capacidades locais de implementação de políticas públicas a partir de identificação, promoção, intercâmbio de práticas e reaplicação de iniciativas inovadoras e bem-sucedidas para a melhoria do desempenho da gestão, prioritariamente nos locais que se caracterizem por capacidades e recursos limitados (baixo Índice de Desenvolvimento Humano - IDH).

No seu início foram realizados dois estudos de linha de base. O primeiro foi uma pesquisa de demanda, cujo objetivo foi fornecer à CNM uma visão mais acurada sobre as prioridades e necessidades dos municípios brasileiros em termos de conhecimentos e informações. O segundo consistiu em um mapeamento nacional de parcerias existentes entre os centros de ensino e pesquisa de natureza diversa, incluindo as universidades, e os municípios, bem como seus espaços institucionais para onde demandas municipais podem ser dirigidas.

A pesquisa de demanda por conhecimentos e informações foi realizada com 898 representantes de 628 municípios brasileiros (cerca de 11% do total) pertencentes a 25 estados. Os resultados revelaram que apenas 16% dos respondentes consideram os centros de ensino e pesquisa como fonte de conhecimento ou informações, opção que ficou em sétimo lugar em onze opções relativas às fontes acessíveis. Uma das explicações plausíveis está relacionada aos incentivos institucionais advindos das políticas promovidas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) nas últimas décadas, com efeitos diretos na motivação dos professores e pesquisadores para priorizar a pesquisa e a pós-graduação em detrimento da extensão universitária. No entanto, são os projetos de extensão os que abrem as principais oportunidades para parcerias entre o corpo docente e discente das universidades, por um lado, e as comunidades, incluindo as equipes técnicas dos municípios, por outro. Já a segunda pesquisa buscou realizar um mapeamento de parcerias entre Centros de Ensino e Pesquisa e Municípios. Foi realizada em parceria com a Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) e com o Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Instituições de Educação Superior Brasileiras (ForProex). A seguir, será detalhada a metodologia utilizada nessa segunda pesquisa, fonte dos dados mobilizados pelo presente artigo.

4. MÉTODO DE PESQUISA

A pesquisa tem natureza exploratória, valendo-se de metodologia quantitativa para identificação das instituições de ensino e pesquisa, dos seus aspectos organizacionais e das respectivas correlações com as experiências de parceria mantidas com prefeituras.

Para coleta de dados, foi realizado survey online com instituições de ensino indicadas nas listas da Rede Nacional de Escolas de Governo, fornecida pela ENAP, e da Rede Nacional de Extensão Universitária, administrada pelo ForProex. O survey foi especialmente desenhado para a pesquisa, em reuniões de oficina com representantes da ENAP e da CNM. Sua aplicação foi realizada por meio da plataforma LimeSurvey.

Ao todo, 406 instituições foram contatadas por e-mail e por telefone. A coleta foi realizada no período de 7 de novembro a 15 de dezembro de 20173 3 Os autores desconhecem coletas mais recentes à realizada nesse período, o que confere ineditismo às análises empreendidas pelo artigo. . Ao final, foram encaminhadas 326 respostas (80,30%). Após uma análise da base de dados, retiraram-se os questionários sem identificação dos respondentes ou da instituição pesquisada, além dos repetidos. A identificação de questionários repetidos se deu a partir da verificação de respostas fornecidas pelo mesmo respondente para a mesma organização. Após essa etapa de validação, restaram 95 respostas válidas (23%), distribuídas pelos 26 estados e o Distrito Federal, com exceção de três unidades da federação - Acre, Amapá e Piauí.

Do conjunto de 95 instituições de ensino e pesquisa investigados, temos 64 institutos e universidades públicas federais ou estaduais4 4 Há um único caso de parceria com instituição de ensino e pesquisa privada com fins lucrativos. Não há respondentes de natureza comunitária ou não governamental sem fins lucrativos. (67,37%) e 31 escolas de governo ou centros governamentais de capacitação e treinamento, ligados à administração direta ou indireta (32,63%). Desse conjunto, 42 instituições não têm campi descentralizado5 5 O questionário de pesquisa solicitou a identificação em separado da existência de campi descentralizados e da identificação dos municípios nos quais esses campi se localizam. Para uma definição formal de campi descentralizados para universidades e centros universitários, ver o anexo da Portaria Normativa MEC nº 21, de 21 de dezembro de 2017. (44,21%). Nas instituições com campi descentralizados, que somam 53 casos (55,79%), o número de campi adicionais vai de 1 a 24 unidades descentralizadas, tendo-se uma média de 5,6 campi por instituição de ensino e pesquisa com esse formato de organização. Em 40 instituições (42,1%), o município-sede é a capital de um estado. Nos demais, os municípios-sede são cidades médias ou polos regionais no interior dos estados. O único dado que aponta para o porte, o número estimado de alunos de graduação matriculados, não foi preenchido ou não se aplica para 30 instituições (31,57%). Para as demais, as matrículas aproximadas variam de 200 a 50 mil alunos. Não há dados adicionais sobre o porte (orçamento, tamanho do corpo docente etc.) nem a data de criação dessas instituições de ensino e pesquisa6 6 O relatório de pesquisa descritivo pode ser acesso no site da CNM, com o título de Catálogo de parcerias entre Centros de Ensino e Pesquisa e Municípios (2018): https://cnm.org.br/storage/biblioteca/Catálogo%20UniverCidades%20CNM%20ENAP.pdf .

O survey aplicado foi composto por quatro seções principais: i) identificação da instituição pesquisada; ii) identificação dos respondentes; iii) mapeamento das parcerias entre instituições de ensino e prefeituras; e iv) registro das experiências relevantes envolvendo a instituição de ensino pesquisada e prefeituras brasileiras.

No eixo iii (mapeamento das parcerias), foram abordados os seguintes aspectos:

  • Se existe parceria entre a instituição e as prefeituras.

  • Áreas da gestão em que ocorrem as parcerias.

  • Áreas temáticas em que ocorrem as parcerias.

  • Como as parcerias foram iniciadas (contato pessoal ou institucional).

  • Arranjos institucionais (porta de entrada, forma de registro das demandas, processo para a formulação dos termos de parceria, instâncias de aprovação, modo de formalização).

  • Fatores de sucesso e principais obstáculos para o sucesso das parcerias.

Como afirmado anteriormente, a análise de dados tem caráter exploratório, apresentando resultados de medidas de associação entre variáveis. Assume-se a validade estatística das correlações para corroborar as hipóteses como p<=0,05. Em alguns testes de hipótese, o N é inferior a 95 em razão de ausência de resposta (missing).

4.1 Hipóteses

As hipóteses tratadas neste trabalho foram agrupadas em três eixos de análise referentes a atributos organizacionais das instituições de formação envolvidas nas parcerias: a descentralização dos campi; a estruturação de “portas de entrada” para processamento das parcerias; e a presença de instâncias formais para sua aprovação.

a) Relação entre descentralização dos campi das instituições de ensino e pesquisa e parcerias

A descentralização dos campi, em tese, aproxima fisicamente a estrutura da instituição formadora dos municípios que são potenciais parceiros, reduzindo custos de transação no que se refere à identificação de eventuais interessados em constituir parcerias.

De acordo com a teoria de Coase (1960Coase, R. (1960). The problem of social cost. Journal of Law and Economics, 3(1), 1-44.), esses custos incluem os recursos utilizados para encontrar interessados em realizar uma transação, negociar com eles, alcançar um acordo, formalizar um contrato e implementar as medidas necessárias para garantir sua observância. Por um lado, são um fator importante na avaliação do custo-benefício individual envolvido na promoção da ação coletiva (Feiock, 2007Feiock, R. C. (2007). Rational choice and regional governance. Journal of Urban Affairs, 29(1), 47-63.).

Por outro lado, no processo de interações repetidas, a reputação positiva e o desenvolvimento da confiança entre os atores são aspectos importantes para reduzir a incerteza nas negociações (Feiock, 2013Feiock, R. C. (2013). The institutional collective action framework. Policy Studies Journal, 41(3), 397-425.; Kim et al., 2022Kim, S. Y., Swann, W. L., Weible, C. M., Bolognesi, T., Krause, R. M., Park, A. Y. S., Tang, T., Maletsky, K., & Feiock, R. C. (2022). Updating the institutional collective action framework. Policy Studies Journal, 50(1), 9-34.) e, daí também, os custos de transação, abrindo um campo para a exploração de variáveis como a existência prévia de redes informais e interpessoais entre gestores ou burocratas (Hawkins, 2010Hawkins, C. V. (2010). Competition and cooperation: local government joint ventures for economic development. Journal of Urban Affairs, 32(2), 253-275.; Kwon, 2007Kwon, S.-W. (2007). Regional governance institutions and interlocal cooperation for service delivery. Wayne State University.). Essa confiança poderia ser favorecida pela proximidade física e pelo relacionamento reiterado e em rede dos atores relevantes, o que resulta no interesse em aferir se a descentralização poderia favorecer o seu desenvolvimento.

A partir dessas considerações, exploramos as seguintes hipóteses:

  • I Ter campi descentralizados aumenta a capilaridade e, consequentemente, o potencial de firmar parcerias com municípios.

  • II Ter campi descentralizados aumenta a capilaridade e, nesse sentido, o número de experiências relevantes por meio de parcerias com municípios.

  • III Quanto mais campi descentralizados, mais municípios parceiros.

  • IV Ter campi descentralizados aumenta a capilaridade, mas gera maior informalidade nas parcerias com municípios.

b) Relação entre “porta de entrada” (estrutura especializada para acolher municípios) nas instituições de ensino e pesquisa e parcerias

Com o aumento da escala das parcerias, instituições de formação podem desenvolver estruturas especializadas, que potencializam rotinas e burocracia especializada, para processar a formalização dos arranjos de cooperação. Presume-se que tais estruturas tenderiam a gerar economia informacional e reduzir os custos de transação necessários. Com isso, foram propostas as seguintes hipóteses:

  • V Ter uma “porta de entrada” (estrutura especializada para acolher municípios) afeta o número de experiências relevantes por meio de parcerias com municípios.

  • VI Ter uma “porta de entrada” (estrutura especializada para acolher municípios) afeta o número de municípios parceiros.

  • VII Ter uma “porta de entrada” (estrutura especializada para acolher municípios) gera maior formalidade nas parcerias com municípios.

c) Relação entre existência de instâncias de aprovação das parcerias negociadas nas instituições de ensino e pesquisa e parcerias

Teoricamente, a presença de instâncias de aprovação7 7 A expressão “instâncias de aprovação” remete a diferentes estágios ou departamentos, administrativos ou jurídicos, dentro da instituição de ensino e pesquisa, para análise e aprovação da parceria com os municípios. aumenta os custos de transação, pois as instâncias requerem justificação técnica e, muitas vezes, articulação política, mas seria uma questão a ser verificada se isso poderia impactar na formação das parcerias. Os processos decisórios, dependendo das regras empregadas (regras de consenso ou supermajoritárias, por exemplo), podem aumentar os custos de transação para se chegar a uma resolução, dado o potencial de veto que podem embutir (Gerber & Gibson, 2005Gerber, E. R., & Gibson, C. C. (2005). Balancing competing interests in American regional governance. Notre Dame University., 2009). Assim foram propostas as seguintes hipóteses:

  • VIII Ter instâncias de aprovação das parcerias negociadas gera maior formalidade nas parcerias com municípios.

  • IX Ter instâncias de aprovação das parcerias negociadas dificulta parcerias gerando menor número de municípios parceiros na instituição.

  • X Ter instâncias de aprovação das parcerias negociadas afeta o número de experiências relevantes por meio de parcerias com municípios.

5. ANÁLISE DOS DADOS

A análise dos dados foi orientada pelo conjunto de hipóteses apresentado que, como apontado, deriva da discussão sobre custos de transação e economia informacional a partir da teoria da ação institucional coletiva.

a) Relação entre descentralização dos campi das instituições de ensino e pesquisa e parcerias

O primeiro conjunto de hipóteses acerca da formação de parcerias entre instituições de formação e prefeituras diz respeito à relação entre elas e a existência de campi descentralizados. Ao se analisar a frequência de instituições com campi descentralizados, em primeiro lugar, pode-se observar que a maior parte das organizações pesquisadas (53 ou 55,8%) se encontra nessa condição.

Pretende-se compreender a correlação entre a existência de campi descentralizados e: a) o potencial para se firmar parcerias com municípios; b) a existência de experiências relevantes de parceria; c) o número de municípios associados; e d) os incentivos para maior informalidade das parcerias.

As duas primeiras hipóteses são corroboradas pelos dados. A existência de campi descentralizados está associada à existência de um maior potencial para firmar parceria (Φ = 0,359, p < 0,01). Conforme se pode observar pela Tabela 1 8 8 As tabelas e gráficos mencionados a partir daqui estão disponíveis em anexo. , praticamente todas as instituições de formação com campi descentralizados têm alguma parceria relevante com prefeituras.

Na mesma linha, os campi descentralizados estão associados à existência de mais experiências relevantes (Φ = 0,339, p < 0,05). Na Tabela 2, observa-se que as instituições de formação com campi descentralizados concentram a existência de mais de uma experiência relevante de parceria com prefeituras.

As duas últimas hipóteses levantadas, por sua vez, não são corroboradas pelos dados empíricos coletados. Ao se contrapor a quantidade de campi descentralizados ao número de municípios participantes da parceria, não se observa um padrão claro de correlação (r = 0,001; p = 0,996). Essa observação pode ser constatada pelo Gráfico 1, que se aproxima de uma nuvem de pontos, sem um padrão nítido de correlação.

Por fim, não há uma clara correlação entre a existência de campi descentralizados e maior informalidade na realização de parcerias. Como se depreende da Tabela 3, apesar de haver uma concentração maior de experiências informais em instituições de ensino e pesquisa cuja atuação se dá por meio de campi descentralizados, essa diferença para o conjunto de dados recolhidos não se mostrou estatisticamente significativa (Φ = 0,126, p = 0,279).

b) Relação entre “porta de entrada” nas instituições de ensino e pesquisa e parcerias

O segundo conjunto de hipóteses visa compreender os efeitos associados da existência ou não de estruturas especializadas para acolher municípios no âmbito das instituições de formação. Inicialmente, pode-se destacar que a maior parte dos respondentes dessa questão indicam possuir “porta de entrada” (49 respostas de 65 respondentes a esse item ou 75,38%). Essa estrutura apresenta, assim, uma frequência considerável nas instituições pesquisadas.

A análise empreendida tem por objetivo contrapor a existência de “porta de entrada” e: a) a existência de experiências relevantes com prefeituras; b) o número de municípios parceiros; e c) o grau de formalidade das parcerias.

A primeira hipótese não é corroborada pelos dados recolhidos. Não há uma associação significativa entre a existência de estruturas especializadas para o acolhimento de prefeituras e a quantidade de experiências relevantes de parceria (Φ = 0,063, p = 0,979). Conforme se observa pela Tabela 4, o fato de haver “porta de entrada” não altera de forma significativa a distribuição de experiências relevantes reportadas entre os grupos.

Para se testar a segunda hipótese, que contrapõe uma variável dummy (possuir ou não “porta de entrada”) a uma variável contínua (quantidade de municípios parceiros), foi utilizada a medida do tamanho de efeito de associação entre essas dimensões (Eta ao quadrado ou η2). De acordo com os valores comumente utilizados pela literatura (Cohen, 1988Cohen, J. (1988). Statistical power analysis for the behavioral sciences(2a ed.). Erlbaum.), a existência de uma “porta de entrada” está fracamente associada à variação no número de municípios (η2 = 0,019208 ou menos de 2%). Desse modo, a segunda hipótese também não é corroborada pelos dados recolhidos.

A última hipótese relacionada à “porta de entrada” remete a possíveis associações com o grau de formalização das parcerias realizadas. Diferentemente das duas hipóteses anteriores, os dados corroboram a hipótese de maior formalidade associada à existência de estruturas especializadas para acolher municípios no âmbito das instituições de formação (Φ = 0,452, p < 0,01). Conforme se observa pela Tabela 5, a “porta de entrada” é uma variável relevante para se observar diferenças na formalidade das parcerias. Enquanto três quartos das parcerias que não possuem “porta de entrada” estão associadas a um caráter mais informal, três quartos das iniciativas com “porta de entrada” estão vinculadas a ritos mais formais de institucionalização de parcerias.

c) Relação entre presença de instâncias de aprovação das parcerias negociadas nas instituições de ensino e pesquisa e parcerias

O último conjunto de hipóteses centra-se nas consequências de se possuir instâncias de aprovação das parcerias. Inicialmente, observa-se que a grande maioria dos casos possui instâncias de aprovação (55 respostas de 64 respondentes a esse item ou 85,93%). A investigação desenvolvida pretende contrapor a presença de instância de aprovação das parcerias e: a) a maior formalidade das parcerias realizadas; b) o número de municípios parceiros por instituição; e c) o número de experiências relevantes identificadas.

A primeira hipótese analisada se refere à existência de instâncias de aprovação e a uma maior formalidade nas parcerias com municípios. Observa-se uma associação fraca entre essas duas dimensões, que não é estatisticamente significativa pelos padrões convencionais (Φ = 0,232, p = 0,104). Ao se analisar a Tabela 6, observa-se a ausência de um padrão que possa associar a existência de instância de pactuação com maior formalidade. Desse modo, a primeira hipótese pode ser descartada.

A segunda hipótese faz referência a uma variável nominal (existência ou não de instância de pactuação) e uma variável contínua (quantidade de municípios parceiros). Como no conjunto anterior de hipóteses testadas, será necessária mensuração do tamanho de efeito por meio de Eta ao quadrado. Os resultados dessa análise estatística apontam para uma associação praticamente inexistente entre ambas as variáveis (η2 = 0,000005 ou menos de 0,00001%). A segunda hipótese pode ser, desse modo, também refutada a partir dos dados coletados.

A terceira e última hipótese investiga se há alguma associação entre a existência de instâncias de aprovação e a existência de uma ou mais experiências relevantes. A análise dos dados coletados não permite que se faça essa associação (Φ = 0,273, p = 0,301). A Tabela 7 evidencia uma concentração dos poucos casos em que são dispensadas instâncias de aprovação nas categorias sem experiência relevante ou com apenas uma experiência relevante. Para os casos em que há instâncias formais, a distribuição é relativamente homogênea em todas as categorias. Assim, a existência de uma ou mais experiências relevantes parece ser determinada por fatores distintos das instâncias de aprovação.

5.1 Discussão

A institucionalização de rotinas e procedimentos no âmbito das organizações remete a aspectos variados como a trajetória dessas organizações, o perfil dos dirigentes e a composição da força de trabalho, assim como aspectos de cultura organizacional. O presente artigo pretendeu explorar, mais restritamente, aspectos relacionados à estrutura das instituições de ensino e pesquisa e suas consequências para a institucionalização de parcerias com governos locais, considerando sua influência sobre os custos de transação envolvidos.

Em termos da estrutura organizacional observada nas instituições de formação, a existência de campi descentralizados apresenta-se como a dimensão de maior associação com o desenvolvimento de fomento de parcerias e de experiências relevantes com prefeituras. A capilaridade proveniente dos campi parece influenciar positivamente o estabelecimento de vínculos de confiança e de identificação entre os agentes das organizações de formação e dos municípios. Além disso, pode-se argumentar haver uma diminuição dos custos transacionais associados à organização dessas parcerias.

Outro traço organizacional associado a alguma correlação nas parcerias com instituições de ensino e pesquisa é a organização de “portas de entrada” para agilizar na formalização ou institucionalização das parcerias. A existência de espaços profissionalizados de recepção de parcerias parece estar associada às rotinas padronizadas e impessoais que não apenas facilitam o contato entre representantes das instituições de ensino e pesquisa e da prefeitura ou órgão municipal como também abreviam as negociações dos termos da parceria e sua formalização. Da mesma forma como observado para os campi descentralizados, as “portas de entrada” diminuem os custos transacionais para formalização das parcerias, fomentando uma prática institucionalizada de interação com gestores municipais, o que aumenta a segurança jurídica ao possibilitar que qualquer uma das partes - uma vez ofendida - possa reivindicar em alguma instância o cumprimento dos compromissos firmados.

Um último aspecto organizacional estudado foram as instâncias de aprovação. É natural se esperar que as instituições de ensino e pesquisa tenham instâncias próprias de aprovação de parcerias com os entes públicos municipais, como foi o caso observado pela pesquisa. No entanto, isso por si só não criou consequências ou implicações, positivas ou negativas, sobre as parcerias realizadas. De qualquer forma, restou que a existência de tais instâncias parece não aumentar os custos transacionais para firmação das parcerias.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, mobilizamos premissas básicas sobre os custos de transação para formação de parcerias, extraídas da abordagem da Ação Institucional Coletiva, para analisar esquemas de cooperação envolvendo atores organizacionais de natureza distinta: de um lado, governos locais; de outro, instituições de ensino e pesquisa, como universidades e escolas de governo. Embora tenham finalidades distintas, ambos os tipos de atores se beneficiam da realização de projetos cooperados. Nosso objetivo foi avaliar em que medida os atributos organizacionais das instituições de formação envolvidas - a descentralização dos campi; a estruturação de “portas de entrada” para processamento das parcerias; e a presença de instâncias formais de aprovação - afetam resultados na estruturação das redes de cooperação.

O trabalho inova, primeiramente, na aplicação dessa abordagem, usualmente dedicada ao estudo de problemas de cooperação entre entes coletivos de mesma natureza institucional. Uma segunda inovação se refere ao esforço de ir além do caráter descritivo que marca a maioria dos trabalhos sobre esse tipo de parceria. Busca-se identificar correlações entre o seu sucesso e variáveis teoricamente justificadas a partir do presumido impacto sobre os custos de transação entre as partes, oferecendo, desse modo, novas oportunidades de avançar no conhecimento do tema.

Os resultados aqui colhidos deixam algumas lições para as instituições formadoras e podem inspirar decisões quanto às políticas de extensão universitária e para a compreensão de seus vínculos com a sociedade (Rueda et al., 2020Rueda, I., Acosta, B., & Cueva, F. (2020). Las universidades y sus prácticas de vinculación con la sociedad. Educação e Sociedade, 41, e218154.; Paleari et al., 2015Paleari, S., Donina, D., & Meoli, M. (2015). The role of the university in twenty-first century European society. Journal of Technology Transfer, 40(3), 369-379.). Encontramos evidências de que a descentralização dos campi influencia não apenas na presença como também no número de experiências relevantes de parcerias com municípios. Já a estruturação de “portas de entrada” nas instituições de formação afeta mais especificamente o grau de formalização das parcerias, oferecendo maior segurança jurídica e estabilidade. A presença de instâncias de aprovação para as parcerias negociadas nas instituições de formação parece não afetar, negativa ou positivamente, a firmação de parcerias, do que se depreende que não acarretem maiores custos de transação.

Por fim, como limitações deste trabalho, o recorte adotado não incluiu a exploração dos atributos dos governos locais e sua influência sobre os já referidos custos de transação ou mesmo as condições mais gerais para firmação de parcerias com instituições de ensino e pesquisa. Trata-se de um empreendimento necessário, que no entanto, tomado com a devida seriedade, extrapolaria em muito as dimensões do presente artigo, ficando para uma agenda de continuidade da nossa pesquisa. Além disso, devemos reconhecer os riscos de viés produzidos pelo método de formação da amostra, como o de autosseleção das organizações para responder o questionário. De todo modo, o percentual de respostas obtido pelo survey online foi aproximadamente 23% dos casos ou 95 das 406 instituições contatadas. Além disso, os resultados são provenientes da análise de instituições públicas de ensino e pesquisa. No caso de instituições privadas e não governamentais, novos estudos devem ser realizados. Por fim, foram utilizadas apenas medidas de associação, o que restringiu o alcance deste estudo a um caráter exploratório. Em todo caso, faz-se aqui uma contribuição para que futuros trabalhos avancem ainda mais na abordagem do fenômeno, aplicando outras técnicas quantitativas, assim como por meio de estudos qualitativos considerando os casos teoricamente mais interessantes - como aqueles para os quais as hipóteses da Ação Institucional Coletiva prospectam resultados em uma direção oposta à efetivamente verificada. É nossa percepção, enfim, que há um longo horizonte a ser descortinado.

Seria interessante explorar futuramente outros fatores que afetam a realização de parcerias, por exemplo, variações organizacionais nas instituições formadoras quanto a uma maior ou menor valorização das atividades de extensão entre professores e pesquisadores, considerando a predominância do sistema de incentivos nas instituições acadêmicas voltados para a pesquisa e a pós-graduação. Outros aspectos futuros a explorar poderiam estar relacionados a fatores que afetam o sucesso das parcerias realizadas, assim como compreender, com a mobilização de métodos qualitativos, as percepções das instituições de ensino e pesquisa e dos municípios e associações municipais acerca dos benefícios dessas parcerias e como lidar com os custos de transação inerentes a essas interações sociais.

Em 12 de março de 2024, o governo federal anunciou a criação de cem novos campi de institutos federais, retomando, no âmbito do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), a expansão da rede federal de educação científica e tecnológica9 9 Ver: https://www.gov.br/mec/pt-br/assuntos/noticias/2024/marco/governo-federal-anuncia-100-novos-campi-de-institutos-federais . Além dos benefícios esperados dessa expansão, como impactos na economia e nas possibilidades de formação de jovens e adultos, com base nos resultados do presente artigo, espera-se que a distribuição descentralizada dos campi não apenas afete a existência de mais parcerias, mas também impacte positivamente a recorrência de parcerias substantivas entre essas instituições e os municípios brasileiros.

REFERÊNCIAS

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  • 1
    Para efeitos desse artigo, instituições de ensino e pesquisa incluem organizações de ensino superior e centros de pesquisa (centros, institutos e fundações), bem como escolas de governo e similares.
  • 2
    As “portas de entrada” remetem à existência de estruturas, rotinas e burocracia especializadas para realização de parcerias com os municípios. A seguir, esse conceito será retomado no formato de hipótese e operacionalizado para realização de testes empíricos.
  • 3
    Os autores desconhecem coletas mais recentes à realizada nesse período, o que confere ineditismo às análises empreendidas pelo artigo.
  • 4
    Há um único caso de parceria com instituição de ensino e pesquisa privada com fins lucrativos. Não há respondentes de natureza comunitária ou não governamental sem fins lucrativos.
  • 5
    O questionário de pesquisa solicitou a identificação em separado da existência de campi descentralizados e da identificação dos municípios nos quais esses campi se localizam. Para uma definição formal de campi descentralizados para universidades e centros universitários, ver o anexo da Portaria Normativa MEC nº 21, de 21 de dezembro de 2017.
  • 6
    O relatório de pesquisa descritivo pode ser acesso no site da CNM, com o título de Catálogo de parcerias entre Centros de Ensino e Pesquisa e Municípios (2018): https://cnm.org.br/storage/biblioteca/Catálogo%20UniverCidades%20CNM%20ENAP.pdf
  • 7
    A expressão “instâncias de aprovação” remete a diferentes estágios ou departamentos, administrativos ou jurídicos, dentro da instituição de ensino e pesquisa, para análise e aprovação da parceria com os municípios.
  • 8
    As tabelas e gráficos mencionados a partir daqui estão disponíveis em anexo.
  • 9
    Ver: https://www.gov.br/mec/pt-br/assuntos/noticias/2024/marco/governo-federal-anuncia-100-novos-campi-de-institutos-federais
  • DISPONIBILIDADE DE DADOS

    Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo está disponível mediante solicitação à Confederação Nacional de Municípios (CNM). O conjunto de dados não está publicamente disponível em razão de compromisso assumido com as organizações participantes da pesquisa.

FINANCIAMENTO

  • Essa pesquisa foi realizada com apoio do Projeto UniverCidades: Plataforma para o Desenvolvimento e Governança Municipal, executado pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), com o apoio financeiro da União Europeia.

Pareceristas:

  • 14
    André Marenco (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre / RS - Brasil) https://orcid.org/0000-0002-0848-9352
  • 15
    Eduardo José Grin (Fundação Getulio Vargas, São Paulo / SP - Brasil) https://orcid.org/0000-0002-0488-8487
  • 16
    Um dos pareceristas não autorizou a divulgação de sua identidade.
  • Reviewer

    Relatório de revisão por pares: o relatório de revisão por pares está disponível neste link. https://periodicos.fgv.br/rap/article/view/91296/85816

ANEXOS

Tabela 1
Existência de alguma parceria entre a instituição e a prefeitura pela existência de campi descentralizados
Tabela 2
Existência de experiências relevantes pela existência de campi descentralizados

Gráfico 1
Número de municípios atendidos pela quantidade de campi descentralizados

Tabela 3
Tipos de parceria pela existência de campi descentralizados
Tabela 4
Experiências relevantes pela existência de “porta de entrada”
Tabela 5
Tipo de parceria pela existência de “porta de entrada”
Tabela 6
Tipo de parceria pela existência de instâncias de aprovação
Tabela 7
Experiências relevantes pela existência de instâncias de aprovação

Editado por

Alketa Peci (Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro / RJ - Brasil) https://orcid.org/0000-0002-0488-1744
Gabriela Spanghero Lotta (Fundação Getulio Vargas, São Paulo / SP - Brasil) https://orcid.org/0000-0003-2801-1628

Disponibilidade de dados

Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo está disponível mediante solicitação à Confederação Nacional de Municípios (CNM). O conjunto de dados não está publicamente disponível em razão de compromisso assumido com as organizações participantes da pesquisa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    27 Out 2023
  • Aceito
    13 Abr 2024
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