Acessibilidade / Reportar erro
Este documento está relacionado com:

Politização na Fazenda: os efeitos das crises políticas e econômicas na rotatividade dos DAS

Politización en el Ministerio de Hacienda: los efectos de las crisis políticas y económicas en la rotación de los DAS

Resumo

Este trabalho analisa a rotatividade dos ocupantes de cargos de Direção e Assessoramento Superior (DAS) 4 a 6 de secretarias do Ministério da Fazenda entre 1996 e 2020. O referencial teórico são os estudos sobre a politização da burocracia estatal de alto escalão. Os dados analisados indicam que há disparidade entre a taxa de rotatividade dos ministros da Fazenda (que é baixa) e a taxa de rotatividade dos ocupantes dos cargos de DAS (que é alta). O objetivo do texto é explorar explicações para essa diferença, considerando as características distintivas desse ministério em relação aos demais: ele é mais insulado e o perfil de seu pessoal é mais técnico, e sua área de atuação (gestão fiscal e econômica) afeta interesses de grupos específicos da sociedade, os agentes do mercado privado. Os resultados indicam que as crises político-econômicas são fatores importantes na rotatividade dos DAS ao lado de turnovers presidenciais e ministeriais. A politização da burocracia de alto escalão do Ministério da Fazenda não seria tão forte quanto apontado pela literatura, mas se caracterizaria pela preservação do ministro às custas de sua equipe, cujos membros são alterados como resposta a crises de ordem política e geradas por instabilidades econômicas nacionais e internacionais.

Palavras-chave:
burocracia; elite; políticas públicas; cargo de direção; politização

Resumen

Este trabajo analiza la rotación de ocupantes de los cargos DAS (Dirección y Asesoría Superior) 4 a 6 en las secretarías del Ministerio de Hacienda entre 1996 y 2020. El marco teórico está compuesto por estudios sobre la politización de la burocracia estatal de alto nivel. Los datos analizados indican que existe una disparidad entre la tasa de rotación de los ministros de Finanzas (que es baja) y la tasa de rotación de quienes ocupan cargos DAS (que es alta). El objetivo del texto es explorar explicaciones de esta diferencia, considerando las características distintivas de este ministerio respecto de otros: está más aislado, el perfil de su personal es más técnico, y su área de actividad (gestión fiscal y económica) afecta a los intereses de grupos específicos de la sociedad, agentes del mercado privado. Los resultados indican que las crisis político-económicas son factores importantes en la rotación de los cargos DAS junto con las rotaciones presidenciales y ministeriales. La politización de la burocracia de alto nivel del Ministerio de Hacienda no sería tan fuerte como se señala en la literatura, sino que se caracterizaría por la preservación del ministro a expensas de su equipo, cuyos miembros cambian en respuesta a crisis políticas generadas por inestabilidades económicas nacionales e internacionales.

Palabras clave:
burocracia; élite; políticas públicas; puestos directivos; politización

Abstract:

This work analyzes the turnover of civil servants occupying senior management and advisory positions (called DAS 4, DAS 5, and DAS 6 in the Brazilian public bureaucracy) in the Ministry of Finance departments between 1996 and 2020. The theoretical reference is studies on the politicization of high-level state bureaucracy. The data analyzed indicates a disparity between the turnover rate of Finance Ministers (which is low) and the turnover rate of those occupying DAS positions (which is high). The article explores explanations for this difference, considering the distinctive characteristics of this ministry in relation to others: it is more insulated, the profile of its staff is more technical, and its area of activity (fiscal and economic management) affects the interests of specific groups in society, private market agents. The results indicate that political-economic crises are important factors in DAS turnover alongside presidential and ministerial turnovers. The politicization of the high-level bureaucracy of the Ministry of Finance is not as strong as pointed out in the literature but is characterized by the preservation of the minister at the expense of his team, whose members are changed in response to political crises and generated by national and international economic instabilities.

Keywords:
bureaucracy; elite; public policy; management positions; politicization.

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho analisa a politização do Ministério da Fazenda por meio da rotatividade dos ocupantes dos cargos de DAS 4 a 6 em face das crises político-econômicas entre 1996 e 2020. Esta pesquisa é relevante porque a politização da burocracia de alto escalão ainda não foi completamente analisada no Brasil, e porque ela tem natureza e mecanismos diferentes do tipo de politização mais analisado na literatura, relacionado ao clientelismo, ao partidarismo e à fragilidade da estruturação de carreiras e do profissionalismo da burocracia.

A pergunta da pesquisa é: como ocorre a politização dos ocupantes de cargos de livre nomeação no Ministério da Fazenda, considerando que esse órgão é considerado um dos mais protegidos contra politização e seus cargos seriam menos sujeitos à rotatividade devido a mecanismos de proteção contra patrimonialismo, como carreiras estruturadas e estáveis e incentivo institucionais à profissionalização?

Para respondê-la, mobilizamos dados sobre a rotatividade dos cargos DAS e de crises político-econômicas. A análise exploratória dos dados indica uma relação entre rotatividade e crises político-econômicas, e que as secretarias do Ministério da Fazenda apresentam comportamentos distintos diante das crises, apontando para maior politização do que usualmente aceito.

Assim, o trabalho mostra que, a despeito de ser entendido como infenso às pressões da política (Abrucio et al., 2010), o Ministério da Fazenda não é absolutamente isolado, e mostra como essa politização acontece nos cargos DAS. A politização da burocracia nesse Ministério não ocorre por meio da rotatividade dos ministros, nem de maneira uniforme entre as secretarias ou entre os níveis dos DAS.

2. POLITIZAÇÃO DA BUROCRACIA E CRISES ECONÔMICAS - REVISÃO DA LITERATURA

A burocracia não morreu nem está moribunda. A despeito de todas as reformas administrativas de cunho neoliberal do final do século XX que tentaram reduzi-la e/ou enfraquecê-la, ela transformou-se e aumentou seu grau de politização (DuGay, 2005Abrucio, F. L., Pedroti, P., & Pó, M. V. (2010). A formação da burocracia brasileira: trajetória e significado das reformas administrativas. In F. L. Abrucio, M. R. Loureiro, & R. S. Pacheco (Orgs.), Burocracia e política no Brasil: desafios para o Estado democrático no século XXI (pp. 27-72). Fundação Getulio Vargas.). A politização da burocracia tem sido entendida como o conjunto de mecanismos pelos quais atores políticos tentam influenciar a administração pública, ou seja, influenciar as decisões e a atuação da burocracia sobre as políticas públicas (Panizza et al., 2019Panizza, F., Peters, B. G., & Ramos Larraburu, C. R. (2019). Roles, trust and skills: A typology of patronage appointments. Public administration, 97(1), 147-161.).

A politização ocorre por meio de diversos processos na interface entre política e administração: a) as formas como a burocracia é controlada pelo presidente da República e seus ministros por meio das nomeações (Lewis, 2008Lewis, D. E. (2008). The politics of presidential appointments: political control and bureaucratic performance. Princeton University Press.); b) o provimento de cargos para membros de fora do serviço público; c) seleção e promoção de servidores por critério político e/ou partidário; d) controle político sobre elaboração e implementação das políticas públicas (Pierre & Peters, 2004Pierre, J., & Peters, B. G. (Eds.). (2004). Politicization of the civil service in comparative perspective: the quest for control. Routledge.); e) política administrativa (interações da burocracia com atores políticos como partidos, legisladores, grupos de pressão da sociedade) (Peters, 2018Peters, B. G. (2018). The politics of bureaucracy: an introduction to comparative public administration. Routledge.).

A politização da burocracia é entendida como processo pelo qual políticos eleitos, partidos políticos e grupos da sociedade tentam influenciar políticas públicas por meio da influência sobre a escolha de ocupantes dos cargos de livre nomeação. A suposição é de que esses ocupantes, por dominarem certo conhecimento, por terem certas convicções sobre opções de políticas públicas ou afinidades ideológicas com partidos, programas ou demandas de grupos da sociedade, serão capazes de influenciar as decisões do governo no sentido desejado por esses políticos ou grupos de interesse, devido à discricionariedade intrínseca a tais cargos. A politização, portanto, não se reduz à partidarização, ou seja, à seleção de ocupantes de cargos como moeda de troca na formação da coalizão legislativa.

No Brasil, a politização da burocracia é um tema historicamente tratado na chave analítica do patrimonialismo (Nunes, 1997Nunes, E. (1997). A Gramática Política do Brasil: clientelismo e insulamento burocrático. Zahar.) e, mais recentemente, tem sido abordado nessa perspectiva contemporânea da relação entre política e administração (Loureiro et al., 201Loureiro, M. R. (1997). Os economistas no governo: gestão econômica e democracia. Fundação Getulio Vargas.0). Entendemos que é preciso avançar na explicação do fenômeno da politização da burocracia com análises qualitativas. No Brasil, a partidarização é fraca, mas a rotatividade é alta e isso tem sido considerado como indicativo da influência política. Entretanto, é preciso identificar com mais precisão que tipo de influência é essa da política sobre a burocracia.

Uma das questões envolvidas no fenômeno da politização da burocracia é a definição sobre se a influência da política na administração é legítima (faz parte do processo democrático de controle social e político sobre a ação do Estado) ou ilegítima (consubstancia práticas, mesmo que não ilícitas, de apropriação privada de recursos públicos). A literatura recente aponta que a resposta a esta pergunta não é binária nem homogênea. Há diferentes graus de legitimidade da influência da política (seja por parte de partidos, líderes eleitos ou de grupos da sociedade, como grupos de interesse e ativistas) sobre a administração (as decisões de políticas públicas), que variam conforme fatores institucionais, políticos e culturais entre os países (Peters, 2018Peters, B. G. (2018). The politics of bureaucracy: an introduction to comparative public administration. Routledge.).

Na estrutura administrativa de cada país, por sua vez, as instituições têm graus de politização diferentes em função de sua autonomia e de sua área de atuação: ministérios são mais politizados que agências independentes e empresas públicas, e áreas como saúde, mídia e economia (política industrial e privatização) são mais politizadas que as áreas militar, de educação e finanças (gestão macroeconômica) (Kopecký et al., 2016Kopecký, P., Sahling, J. H. M., Panizza, F., Scherlis, G., Schuster, C., & Spirova, M. (2016). Party patronage in contemporary democracies: results from an expert survey in 22 countries from five regions. European Journal of Political Research, 55(2), 416-431.).

No Brasil, uma das vertentes mais exploradas do fenômeno da politização tem sido o estudo sobre a indicação aos cargos de alto escalão por livre nomeação e sua relação com o sistema político-partidário. Os estudos analisaram a nomeação para os cargos de Direção e Assessoramento Superior (DAS) e, a respeito deles, sabemos que, a despeito da relevância das nomeações na formação da coalizão político-partidária (Abrucio & Loureiro, 1999Abrucio, F. L., Pedroti, P., & Pó, M. V. (2010). A formação da burocracia brasileira: trajetória e significado das reformas administrativas. In F. L. Abrucio, M. R. Loureiro, & R. S. Pacheco (Orgs.), Burocracia e política no Brasil: desafios para o Estado democrático no século XXI (pp. 27-72). Fundação Getulio Vargas.; Loureiro et al., 1998Loureiro, M. R. (1997). Os economistas no governo: gestão econômica e democracia. Fundação Getulio Vargas.), a nomeação não é predominantemente baseada em filiação partidária e sofre profunda influência de relações pessoais (Praça et al., 2022Praça, S., Odilla, F., & Guedes-Neto, J. V. (2022). Patronage Appointments in Brazil, 2011-2019. In The politics of patronage appointments in Latin American Central administrations(pp. 62-89). University of Pittsburgh Press.) e de relações de confiança (Olivieri, 2007Olivieri, C. (2007). Política, burocracia e redes sociais: as nomeações para o alto escalão do Banco Central do Brasil. Revista de Sociologia e Política, 29, 147-168.), é alto o perfil profissional dos nomeados (D’Araujo & Petek, 2018D’Araujo, M. C., & Petek, J.(2018). Recrutamento e perfil dos dirigentes públicos brasileiros nas áreas econômicas e sociais entre 1995 e 2012. Revista de Administração Pública, 52, 840-862.) e a duração desses nomeados nos cargos é de aproximadamente 24 meses, ou seja, metade do tempo do mandato presidencial (Lopez & Silva, 2022Loureiro, M. R. (1997). Os economistas no governo: gestão econômica e democracia. Fundação Getulio Vargas.).

Esses estudos também mostraram que, tal como na literatura internacional (Kopecký et al., 2016Kopecký, P., Sahling, J. H. M., Panizza, F., Scherlis, G., Schuster, C., & Spirova, M. (2016). Party patronage in contemporary democracies: results from an expert survey in 22 countries from five regions. European Journal of Political Research, 55(2), 416-431.), os ministérios dedicados à atividade de coordenação governamental brasileiros, como os do Planejamento e Fazenda, são mais protegidos e profissionalizados (Batista & Lopez, 2021; Loureiro, 1997Loureiro, M. R. (2006). A participação dos economistas no governo. Análise. Revista de Administração da PUC-RS, 17(2), 345-359.; Loureiro et al., 1998Loureiro, M. R. (1997). Os economistas no governo: gestão econômica e democracia. Fundação Getulio Vargas.; Schneider, 1994Schneider, B. R. (1994). Burocracia pública e política industrial no Brasil. Sumaré.). A proteção tem relação com fatores políticos e burocráticos. Entre os primeiros, está que os ministros da Fazenda são da “cota pessoal” do presidente da República e, portanto, menos suscetíveis às crises da coalizão (Loureiro & Abrucio, 1999Loureiro, M. R. (1997). Os economistas no governo: gestão econômica e democracia. Fundação Getulio Vargas.). Entre os fatores burocráticos está que os servidores da Fazenda são membros de uma das carreiras mais antigas, profissionalizadas e valorizadas em termos salariais (Loureiro & Abrucio, 1999Loureiro, M. R. (1997). Os economistas no governo: gestão econômica e democracia. Fundação Getulio Vargas.).

Considerando que a literatura aponta que a politização da burocracia ocorre em decorrência da influência de grupos de interesse e não apenas pela influência do sistema político formal (partidos e/ou políticos eleitos), que o grau de partidarização nas nomeações do alto escalão no Brasil é baixo (os nomeados não são majoritariamente indicados pelos partidos e têm bom nível de instrução), e que o Ministério da Fazenda é considerado mais protegido da politização e mais profissionalizado, a pergunta que pretendemos responder neste trabalho é: como ocorre a politização da burocracia no Ministério da Esplanada menos politizado (ou seja, sem práticas clientelistas e com burocracia insulada e estruturada)?

Nossa hipótese é que o efeito da politização da burocracia no Ministério da Fazenda ocorre por meio da rotatividade dos cargos de DAS e não do cargo de ministro, e ocorre também em momentos de crise econômica e política e não apenas nas transições de mandato. Assim, o insulamento do ministro da Fazenda, já apontado pela literatura, é muito mais fraco do que se considerava, pois a estabilidade do ministro ocorre, mas às custas da rotatividade dos ocupantes dos cargos DAS. Ou seja, a politização na Fazenda fica “escondida” nos cargos DAS.

A literatura nacional já tem estudado o fenômeno da politização por meio da rotatividade dos cargos do alto escalão: o pressuposto é de que a manutenção no cargo indica que o nomeado realiza seu trabalho independentemente de pressões ou negociações políticas, e que a rotatividade é expressão dessas pressões, ou seja, é a expressão da politização da burocracia.

Analisando a circulação das elites burocráticas em função da alternância dos partidos no poder, Lopez e Silva (2022Lopez, F. G., Bugarin, M., & Bugarin, K. (2015). Mudanças político-partidárias e rotatividade dos cargos de confiança (1999-2013). In Lopez, F. G. (Org.), Cargos de confiança no presidencialismo de coalizão brasileiro(pp. 33-70). Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.) afirmam que a permanência dessas elites é menor em função do tempo de permanência dos ministros. O que significa, então, a alta rotatividade dessas elites em um ministério, como o da Fazenda, em que os ministros têm alta permanência? Se os partidos são fracos (Praça et al., 2022Praça, S., Odilla, F., & Guedes-Neto, J. V. (2022). Patronage Appointments in Brazil, 2011-2019. In The politics of patronage appointments in Latin American Central administrations(pp. 62-89). University of Pittsburgh Press.) é mais importante ainda considerar a hipótese sobre o papel dos grupos de interesse.

Para tanto, incluímos na análise as crises econômicas e políticas, que têm efeito reconhecido sobre a gestão econômica. Adotamos como definição de crise os acontecimentos que a literatura especializada aponta como eventos geradores de instabilidade política e/ou econômica. Apesar de a definição de crise ser, muitas vezes, afetada pela compreensão do contexto e pelas múltiplas interpretações de um fenômeno social (Maia, 2021Maia, F. (2021). Crise, crítica e reflexividade: problemas conceituais e teóricos na produção de diagnósticos de época. Sociologias, 23, 212-243.), acreditamos que foi possível identificar anos em que houve crises que afetaram as decisões do governo.

Identificamos, com base na literatura sobre história econômica, 10 crises entre 1996 e 2020:

  1. 1997 - Crise dos Tigres Asiáticos;

  2. 1998 - Crise da Rússia;

  3. 1999 - Desvalorização do Real;

  4. 2001 - Crise do Apagão;

  5. 2005 - Denúncia do Mensalão;

  6. 2006 - CPI do Mensalão;

  7. 2008 - Queda da bolsa brasileira devido à Crise do Subprime;

  8. 2013 - Jornadas de Junho;

  9. 2016 - Impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff;

  10. 2020 - Crise global econômico-sanitária da COVID-19.

Essas crises foram classificadas em dois tipos: crises da economia internacional, que afetam a economia brasileira, como crise cambial e desvalorização da moeda; e crises da política nacional, como escândalos de corrupção e protestos de rua, que afetam a economia (por exemplo, reduzindo as expectativas de crescimento econômico e/ou de investimento). Os anos 1990 foram caracterizados majoritariamente pelo primeiro tipo de crise, e os anos 2000 foram mais afetados por crises do segundo tipo.

No período do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), entre 1996 e 2001, houve quatro crises, sendo três crises econômicas internacionais e uma crise interna. A despeito do sucesso do Plano Real na redução da inflação e estabilização da economia, crises intensas afetaram o país, como a do racionamento de energia elétrica, com grande impacto na economia e na política.

Em 1997, a Crise dos Tigres Asiáticos atingiu países emergentes do sudeste asiático, e devido às relações comerciais que eles mantinham com o Brasil, o governo brasileiro utilizou reservas internacionais em moeda estrangeira para evitar desestabilizações cambiais, gerando aumento das taxas de juros e de desemprego (Helal & Rocha, 2013Helal, D. H., & Rocha, D. F. (2013). Comparando políticas de desenvolvimento e atuação do Estado: América Latina e Tigres Asiáticos. Desenvolvimento Em Questão, 11(23), 4-39. https://doi.org/10.21527/2237-6453.2013.23.4-39.
https://doi.org/10.21527/2237-6453.2013....
).

Em 1998, a Crise Financeira Russa, caracterizada por grave instabilidade econômica internacional, resultou em desvalorização da moeda brasileira em 1999, em consequência da importância da manutenção cambial na economia nacional (Pinto et al., 2005Singer, A. (2012). Os sentidos do lulismo. Companhia das Letras.).

Em 2001, no final do segundo mandato de FHC, o país enfrentou a Crise do Apagão, de natureza energética devido à escassez de chuvas em grande parte do país, exigindo o racionamento de energia elétrica, que acarretou crise econômica. O governo encontrou muita resistência política e falta de coesão no planejamento estratégico para lidar com a crise hídrica, devido ao cenário de crescimento da dívida externa a 57,4% do Produto Interno Bruto (PIB - no final de 2002) e de crescimento dos juros (Goldenberg & Prado, 2003Goldenberg, J., & Prado, L. T. S. (2003). Reforma e crise do setor elétrico no período FHC. Tempo Social, 15, 219-235.).

O governo Lula, por sua vez, entre 2003 e 2010, sofreu três crises (duas internas e uma internacional). O período entre a eleição em 2002 e o primeiro ano de mandato foi marcado por alta instabilidade econômica. O Brasil ainda sentia os efeitos da desvalorização do Real e o mercado se mostrou inseguro com a possível vitória de Lula e com a instabilidade das economias sul-americanas (Carvalho & Senhoras, 2020Carvalho, L. (2018). Valsa brasileira: do boom ao caos econômico. Todavia.). A despeito de o governo ter buscado ampliar políticas sociais sem causar grandes rupturas com antigos grupos políticos, o que exigiu a publicação da Carta ao Povo Brasileiro como medida mitigatória (Singer, 2012Singer, A. (2012). Os sentidos do lulismo. Companhia das Letras.), o cenário de desconfiança em relação à transição política recrudesceu, considerando que o PT fora o principal partido de oposição e temia-se o não cumprimento dos contratos de dívida pública doméstica e com o FMI (Jardim, 2013Jardim, M. C. (2013). A crise financeira de 2008: os discursos e as estratégias do governo e dos fundos de pensão. Dados, 56, 901-941.).

Em 2005, a denúncia do escândalo político conhecido como “Mensalão”, que teve ampla repercussão na mídia, gerou forte desgaste do governo e seus desdobramentos levaram, em 2006, à saída de Antonio Palocci do Ministério da Fazenda. A crise exigiu o redesenho da coalizão de governo (Singer, 2012Singer, A. (2012). Os sentidos do lulismo. Companhia das Letras.).

Em 2008, a Crise do Subprime, causada pelo estouro da bolha imobiliária nos EUA, provocou aumento do dólar e retração significativa do PIB brasileiro. Entretanto, o Ministério da Fazenda do governo Lula II conseguiu garantir rápida recuperação econômica ainda em 2009, a partir da adoção de medidas anticíclicas de caráter expansionista (Lima & Deus, 2013Lima, T. D., & Deus, L. N. (2013). A crise de 2008 e seus efeitos na economia brasileira. Revista Cadernos de Economia, 17(32), 52-65.). Todavia, as medidas adotadas pelo governo no combate à crise econômica mundial de 2008 tiveram como reflexo um clima de desaceleração econômica nos anos posteriores (Lima & Deus, 2013Lima, T. D., & Deus, L. N. (2013). A crise de 2008 e seus efeitos na economia brasileira. Revista Cadernos de Economia, 17(32), 52-65.).

Os governos Dilma (2011-2016) sofreram duas crises internas, e o contexto não era positivo. No início do primeiro mandato, houve redução da taxa de crescimento dos BRICS devido à retração econômica europeia de 2011 e à instabilidade da economia chinesa de 2012 (Coelho & Capinzaiki, 2017Coelho, J. C., & Capinzaiki, M. R. (2017). Hierarquia dos estados no regime econômico-financeiro: os brics e a governança econômica global. Revista Tempo do Mundo, 3(1), 131-154.). O País também sofria com “um longo ciclo de alta dos juros que, na prática, minou o projeto de reindustrialização do país” (Singer, 2018Singer, A. (2012). Os sentidos do lulismo. Companhia das Letras., p. 98). Na política, o governo adotava a “faxina ministerial” como estratégia de legitimação da gestão, mas que minou apoio político (Singer, 2018Singer, A. (2012). Os sentidos do lulismo. Companhia das Letras.), que se converteu em desgastes do governo com o eleitorado, dada a falta de crescimento econômico (Carvalho, 2018).

Em 2013, as taxas de aprovação do governo caíram de 57% para 30%, especialmente devido aos contínuos protestos de rua das Jornadas de Junho, que prolongaram o clima de instabilidade ao longo do ano (Singer, 2018Singer, A. (2012). Os sentidos do lulismo. Companhia das Letras.). As movimentações populares de insatisfação com o valor das tarifas de transporte público e a violenta repressão pela Polícia Militar levaram a uma diversificação de pautas trazidas pela classe média, incluindo o descontentamento com os escândalos de corrupção relacionados à Petrobrás e às obras da Copa do Mundo de 2014 (Singer, 2018Singer, A. (2012). Os sentidos do lulismo. Companhia das Letras.).

A segunda e fatal crise, em 2016, foi o impeachment da presidente Dilma Rousseff, que acentuou a crise política do país (Anderson, 2019Abrucio, F. L., Pedroti, P., & Pó, M. V. (2010). A formação da burocracia brasileira: trajetória e significado das reformas administrativas. In F. L. Abrucio, M. R. Loureiro, & R. S. Pacheco (Orgs.), Burocracia e política no Brasil: desafios para o Estado democrático no século XXI (pp. 27-72). Fundação Getulio Vargas.). O governo Temer, apesar da sua impopularidade (Anderson, 2019Abrucio, F. L., Pedroti, P., & Pó, M. V. (2010). A formação da burocracia brasileira: trajetória e significado das reformas administrativas. In F. L. Abrucio, M. R. Loureiro, & R. S. Pacheco (Orgs.), Burocracia e política no Brasil: desafios para o Estado democrático no século XXI (pp. 27-72). Fundação Getulio Vargas.; Taylor, 2020Taylor, M. (2020). Coalitions, corruption, and crisis: the end of Brazil’s third republic? Latin American Research Review, 55(3), 595-604.), não sofreu nenhuma crise de grandes proporções como as apontadas anteriormente.

Em 2020, num cenário de atritos entre o Executivo e o Legislativo (Avritzer, 2018Avritzer, L. (2018). O pêndulo da democracia no Brasil: uma análise da crise 2013-2018. Novos Estudos CEBRAP, 37, 273-289.), surgiu a pandemia de covid-19 e seus impactos na economia mundial (Mattei & Heinen, 2020Mattei, L., & Heinen, V. L. (2020). Impactos da crise da covid-19 no mercado de trabalho brasileiro. Brazilian Journal of Political Economy, 40, 647-668.), que se caracterizam como a última crise do período analisado.

3. METODOLOGIA

Para analisar a rotatividade nos cargos de DAS, escolhemos o método qualitativo e utilizamos como fonte dos dados os currículos dos ocupantes dos cargos, que foram coletados na internet.

O período entre 1996 e 2020 foi escolhido por ser amplo o suficiente para abarcar diversos mandatos, de partidos diferentes e com número grande de “eventos” econômicos. A coleta do nome dos ocupantes dos cargos foi feita por meio do acesso a todos os domínios on-line do Ministério da Fazenda, nas seções (“Quem é quem”) que apresentam os organogramas do ministério e os nomes dos ocupantes, sendo o de 1996 o mais antigo disponível. A pesquisa foi realizada entre 2020 e 2021, no começo da pandemia de COVID-19, por isso, todo o levantamento foi feito de modo remoto, e com data final em 2020. Utilizamos ferramentas de arquivamento de sites (Wayback Machine), pois a reforma ministerial de 2019 descontinuou os sites que continham informações dos ocupantes dos cargos (a reforma fundiu diversos órgãos, como a Fazenda, no “superministério” da Economia).

Os cargos de DAS são de livre nomeação, sendo que no máximo 40% deles podem ser ocupados por profissionais de fora do setor público, e ao menos 60% dos cargos devem ser ocupados por servidores públicos (Lei nº 14.204/2021).

Usamos estatística descritiva para análise qualitativa do impacto das crises na rotatividade dos DAS, uma vez que a quantidade de observações não era o suficiente para obtermos índices de confiança aceitáveis para realizar regressão linear simples e Probit.

Analisamos todas as sete secretarias, excluindo as duas que foram extintas no período analisado (Secretaria Federal de Controle [SFC] em 2003 e Secretaria de Patrimônio da União [SPU] em 2017):

  1. Gabinete do Ministro (GMF);

  2. Secretaria Executiva (SE);

  3. Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB);

  4. Secretaria do Tesouro Nacional (STN);

  5. Secretaria de Assuntos Internacionais (SAIN);

  6. Secretaria de Política Econômica (SPE); e

  7. Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE, que foi renomeada em 2019 como Secretaria de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência [Seprac]).

Obtivemos o currículo de 84,3% dos ocupantes dos cargos, encontrados via internet nos documentos oficiais do governo, documentos oficiais de instituições em que eles trabalharam ao longo da vida ou notícias que descrevessem seus currículos e em redes sociais (como LinkedIn). Um dos obstáculos enfrentados nessa busca foi a baixa disponibilidade de currículos em domínios públicos da web (mais frequente nos casos de auditores da Receita Federal) e no caso de indivíduos falecidos (mais frequentes para o período dos anos 1990).

Trabalhamos com 1.232 observações, sendo uma observação a ocupação no cargo por cada indivíduo ao final de determinado ano. Assim, se a pessoa ocupou mais de um cargo em anos diferentes, ela conta tantas vezes quantos cargos ocupou, bem como quantos anos ela ficou em cada cargo.

Os dados têm duas restrições: (i) a maioria dos currículos não permite distinguir a ocupação em nível mensal, portanto, a análise se fez ano a ano, inclusive para padronizá-la para todos os cargos; e (ii) contabilizaram-se apenas os nomes do último registro dos sites de cada ano (exceto para o caso do ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy, que ficou praticamente um ano no cargo, mas saiu em 21 de dezembro de 2015).

Classificamos os ocupantes dos cargos conforme Olivieri (2007Olivieri, C. (2007). Política, burocracia e redes sociais: as nomeações para o alto escalão do Banco Central do Brasil. Revista de Sociologia e Política, 29, 147-168.): (i) servidor (profissionais de carreira no setor público); (ii) profissional do mercado (desenvolveram carreira no setor privado antes e após a passagem pelo cargo DAS); e (iii) híbrido (profissionais que desenvolveram carreira tanto no setor público quanto no setor privado).

A rotatividade é a medida da mudança de ocupante de cargo de um ano para outro. Assim, a taxa de rotatividade de cada cargo é a razão entre o número de alterações de ocupantes de cada nível de cargo ao final de cada mandato presidencial (numerador) e o número total de cargos disponíveis ao final de cada mandato (denominador):

Como o numerador é o número de alterações e não o número de ocupantes de cada cargo, rotatividade “zero” significa que a mesma pessoa permaneceu no cargo durante todo o mandato presidencial. Se a taxa for “1”, significa que todos os cargos sofreram alterações em todos os anos e, caso seja maior que “1”, significa que houve mais do que uma alteração por ano.

Calculamos também a média das taxas de rotatividade para auxiliar nas análises específicas de cada secretaria e verificar os impactos das crises e dos turnovers na rotatividade dos DAS. A opção pelo cálculo da média se deu pela necessidade de comparação entre as diferentes secretarias e entre os níveis de cargos.

Por fim, adotamos como definição de crise os acontecimentos que a literatura especializada aponta como eventos geradores de instabilidade política e/ou econômica. Apesar de a definição de crise ser, muitas vezes, afetada pela compreensão do contexto e pelas múltiplas interpretações de um fenômeno social (Maia, 2021Maia, F. (2021). Crise, crítica e reflexividade: problemas conceituais e teóricos na produção de diagnósticos de época. Sociologias, 23, 212-243.), acreditamos que foi possível identificar anos em que houve crises passíveis de afetar as decisões do governo.

Para operacionalizar os dados, utilizamos as datas de crises e de mudança de mandato de presidente da República e de ministro da Fazenda. No período analisado, ocorreram dez crises políticas e/ou econômicas, quatro mudanças de mandato presidencial e oito mudanças de ministro. Como há coincidência entre as datas de algumas das crises com mudanças de mandato ou entre mudança de mandato e mudança de ministro, trabalhamos com um total de dez datas como marcas de mudança que podem ter afetado a rotatividade dos cargos DAS no Ministério da Fazenda.

4. POLITIZAÇÃO NO MINISTÉRIO DA FAZENDA: ROTATIVIDADE DE CARGOS DAS E CRISES

Esta seção apresenta: a) a caracterização dos tipos de secretarias do Ministério e do perfil dos ocupantes dos cargos DAS; e b) analisa os dados, mostrando como o padrão de rotatividade dos ministros e dos ocupantes de cargos DAS é diferente. A rotatividade dos ministros é bem mais baixa e pouco suscetível às crises, e a rotatividade dos ocupantes de DAS varia conforme o tipo de secretaria e é mais influenciada pelos eventos de crise.

4.1 Presidentes e ministros da Fazenda: uma relação de confiança

O padrão de rotatividade dos ministros da Fazenda revela que seu destino está fortemente atado ao do presidente da República: desde 1996, o ministro só sai do cargo quando acaba o mandato presidencial ou em decorrência de uma crise política e/ou econômica muito aguda.

A centralidade da economia como indicador de sucesso do mandato presidencial confere grande relevância à relação entre o presidente da República e seu ministro da Fazenda. Essa relação é marcada por extrema confiança e afinidade em termos de objetivos de política econômica, e tende a garantir aos ministros da Fazenda mais estabilidade e, portanto, menor rotatividade no cargo que aos ocupantes das demais pastas (Loureiro, 1997Loureiro, M. R. (1997). Os economistas no governo: gestão econômica e democracia. Fundação Getulio Vargas.; Loureiro & Abrucio, 2004Loureiro, M. R., & Abrucio, F. L. (2004). Política e reformas fiscais no Brasil recente. Brazilian Journal of Political Economy, 24(1), 53-76.).

A politização do cargo de ministro da Fazenda é caracterizada por essa relação de confiança, por meio da qual o presidente da República controla a economia, um setor tão vital ao sucesso do seu mandato (Loureiro, 1997), a partir do controle pessoal sobre a nomeação do ministro (Lewis, 2008Lewis, D. E. (2008). The politics of presidential appointments: political control and bureaucratic performance. Princeton University Press.).

O Gráfico 1 apresenta a rotatividade de todos os cargos analisados (ministro e DAS 4 a 6) e as datas das crises econômicas político/econômicas já descritas. O gráfico evidencia que as mudanças de ministro ocorreram, em sua maioria, na transição de mandato ou em decorrência de graves crises políticas e/ou econômicas, mas nem todas as crises levaram a mudanças de ministro. Esse é o caso da crise do início do segundo mandato de FHC (Pedro Malan permaneceu no Ministério), da crise do Subprime no segundo governo Lula (Guido Mantega permaneceu no cargo até o fim do mandato em 2010), da crise das Jornadas de Junho de 2013 (Dilma manteve Guido Mantega no cargo) e do impeachment de Dilma (Nelson Barbosa permaneceu até a posse de Temer).

O gráfico mostra, ainda, que a rotatividade dos cargos de DAS é bem maior que a dos ministros no Ministério da Fazenda. Mesmo quando não há mudança de ministro, há mudança de vários cargos DAS.

Gráfico 1
Rotatividade dos ocupantes em cargos de DAS 4 a 6 no Ministério da Fazenda entre os anos de 1996 e 2020

O cargo de ministro da Fazenda, portanto, não é usado como moeda de troca na formação de coalizões políticas, já que ele permanece estável, relativamente protegido das crises políticas e econômicas. Sua politização ocorre apenas pela relação direta, próxima e de extrema confiança entre o ministro e o presidente. Mas o mesmo não ocorre nos cargos DAS, como mostraremos a seguir.

4.2. Tipos de secretarias e perfis dos ocupantes dos cargos

Nesta seção, para analisar a politização dos ocupantes dos cargos DAS, descrevemos, primeiramente, a classificação das secretarias em função de suas diferentes atividades, e o perfil dos ocupantes de cargos.

4.2.1 Secretarias do Ministério da Fazenda: estabilidade e continuidade

Cada secretaria do Ministério da Fazenda tem incumbências específicas, seja em termos políticos (conforme a proximidade com atividades do Gabinete do Ministro), seja em termos organizacionais (considerando os diferentes tipos de atividade, como arrecadação da receita, gerenciamento da dívida pública e assuntos internacionais).

De acordo com essas diferenças, classificamos as secretarias em:

  • Secretarias centrais (que são muito próximas à rotina de atividades do ministro, como GMF e SE);

  • Secretarias burocráticas (que realizam trabalhos internos e específicos da rotina governamental, como RFB e STN); e

  • Secretarias externas (que realizam atividades mais voltadas a produzir impacto no mercado, como SAIN, SPE e SEAE).

Compondo o núcleo político do Ministério, o Gabinete do Ministro (GMF) e a Secretaria Executiva (SE) têm maior proximidade com o ministro da Fazenda e poder de influência sobre as demais secretarias. O GMF é o órgão principal pois, além de abrigar o próprio ministro, tem por função auxiliá-lo em seu expediente e dar as diretrizes para a atuação das demais secretarias. A SE, por sua vez, é órgão estratégico para a coordenação das atividades do Ministério, seguindo a direção e o sentido definidos pelo ministro e, consequentemente, do presidente (Borges & Coêlho, 2015Borges, A., & Coêlho, D. B. (2015). O preenchimento de cargos da burocracia pública federal no presidencialismo de coalizão brasileiro: análise comparada de dois ministérios - Ciência e Tecnologia e Integração Nacional. In F. G. Lopez(Org.), Cargos de confiança no presidencialismo de coalizão brasileiro(pp. 71-106). Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.), pois “um importante mecanismo de monitoramento é a nomeação de secretários-executivos (SE) da confiança do presidente, que atuam como fiscais dentro dos ministérios” (Pereira et al., 2015Pereira, C., Praça, S., Batista, M., & Lopes, F. G.(2015). A nomeação de secretários-executivos e o monitoramento da coalizão no presidencialismo brasileiro. In F. G. Lopez (Org.), Cargos de confiança no presidencialismo de coalizão brasileiro (pp. 139-164). Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada., p. 139).

As secretarias burocráticas têm atribuições relacionadas ao controle da arrecadação e do gerenciamento das contas públicas, áreas de expertise dos membros das carreiras de auditor fiscal da Receita Federal do Brasil (RFB) e de auditor federal de Finanças e Controle (STN). A Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) é uma das mais antigas e administra a arrecadação pública. A Secretaria do Tesouro Nacional (STN) gerencia as contas públicas, por meio da administração contábil e financeira. A STN é um órgão altamente técnico e politicamente estratégico, pois controla os recursos do governo como um todo para a implementação de políticas públicas e administra a dívida interna do País.

As secretarias externas são mais recentes e têm atividades menos relacionadas ao funcionamento interno da máquina administrativa e mais a aspectos que podem afetar o mercado. A Secretaria de Assuntos Internacionais (SAIN) coordena as relações da economia brasileira com outros países e blocos econômicos internacionais. A Secretaria de Política Econômica (SPE) analisa o cenário econômico do País e delineia estratégias e propostas de política econômica. A Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE)1 DISPONIBILIDADE DE DADOS Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo está disponível mediante solicitação ao autor correspondente Lucas Almendra. O conjunto de dados não está publicamente disponível devido à falta de financiamento para manter os dados em repositório online. promovia a advocacia da concorrência, acompanhando preços e revisando tarifas.

4.2.2 Perfil dos ocupantes dos cargos DAS 4 a 6 no Ministério da Fazenda: diferenças entre as secretarias

O perfil dos ocupantes dos cargos encontrado nesta pesquisa continua o mesmo que o apontado pela literatura há mais de 20 anos: economista com pós-graduação em áreas correlatas como Economia do Setor Público, Economia Internacional e Finanças (Loureiro et al., 1998), indicando a continuidade do perfil altamente profissionalizado tanto entre servidores quanto entre os ocupantes de fora da burocracia.

Esses profissionais, entretanto, se distribuem de maneira bem diferente entre as secretarias e entre os níveis dos cargos DAS. Nas secretarias centrais, a maioria dos profissionais é oriunda do mercado e híbridos; nas burocráticas, a maioria é de servidores, e nas secretarias externas há um número elevado de profissionais híbridos e do mercado (a SAIN destoa, com um número relevante de servidores).

Em relação aos níveis dos cargos DAS, a principal distinção é entre os DAS-6 e os demais cargos. Enquanto nos cargos DAS-6 há o mesmo perfil que predomina em cada tipo de secretaria (profissionais de mercado e híbridos nas secretarias centrais e externas e servidores públicos nas burocráticas), nos cargos DAS-4 e 5 há predominância de servidores, com algumas ressalvas. Nas secretarias centrais, a despeito do grande número de servidores nos DAS-4, também há um número considerável de híbridos nessa faixa hierárquica. Nas secretarias externas, os cargos DAS-5 tendem a ter uma parcela considerável de híbridos e profissionais de mercado.

4.3. Politização nas secretarias: rotatividade em face de mudança de ministro e de crises

Mesmo que a rotatividade de pessoal nos órgãos das áreas econômicas seja menor do que nos demais ministérios (Lopez et al., 2015Lopez, F. G., Bugarin, M., & Bugarin, K. (2015). Mudanças político-partidárias e rotatividade dos cargos de confiança (1999-2013). In Lopez, F. G. (Org.), Cargos de confiança no presidencialismo de coalizão brasileiro(pp. 33-70). Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.), essa rotatividade existe e é útil para compreendermos a politização da burocracia estatal de alto escalão.

Nesta seção, mostramos que a rotatividade é diferente entre as secretarias e conforme o nível de DAS, e que a rotatividade ocorre não apenas quando muda o ministro, mas em decorrência de crises econômicas e políticas.

De modo geral, como se observa no Quadro 1, a rotatividade (dados da última coluna) é maior nas secretarias externas (0,35) do que nas centrais (0,30) e nas burocráticas (0,24), e a rotatividade (dados da última linha) aumenta conforme se desce o nível hierárquico de DAS-6 (0,29), DAS-5 (0,30) até DAS-4 (0,32). O quadro apresenta a média da taxa de rotatividade para cada secretaria e para cada nível DAS.

Quadro 1
Média da taxa de rotatividade dos ocupantes em cargos de DAS 4 a 6 do Ministério da Fazenda

4.3.1 Secretarias centrais

As secretarias centrais são as mais próximas à rotina e às funções políticas e administrativas do ministro e, portanto, espera-se que seus cargos sejam ocupados por pessoas próximas ou de sua confiança. Como apontado anteriormente, o perfil dos seus DAS é de maioria de profissionais do mercado e híbridos. A rotatividade desses cargos ocorre principalmente nos momentos de troca de mandato e raramente em momentos de crise econômica. Isso indica que esses funcionários, especialmente os do GMF, compartilham com o ministro uma parte da proteção política conferida pelo presidente da República. Mas é uma proteção menos intensa, já que a rotatividade nessas secretarias é maior que a dos ministros.

O Gráfico 2 mostra que houve picos de rotatividade de DAS em 2002, 2007, 2015, 2016 e 2019. Nesses anos, ocorreram a Crise do Apagão (2002), o escândalo do Mensalão (2007) e o impeachment (2015/2016). Foram crises muito graves, que afetaram diretamente a figura dos presidentes da República da época.

Gráfico 2
Rotatividade dos ocupantes em cargos de DAS-4 a 6 no Gabinete do Ministro entre os anos de 1996 e 2020

A Crise do Apagão (2002) talvez tenha custado a manutenção do PSDB na Presidência da República. Nos governos Lula I e II houve os impactos da primeira alternância de poder na análise, em 2003, junto dos impactos do escândalo do Mensalão (2007). Nos governos Dilma I e II houve número elevado de alterações devido à “faxina ética” ministerial, com o intuito de responder publicamente a escândalos de corrupção, afetando a organização das coalizões e reduzindo a sustentação do governo durante a crise do impeachment, em 2015. Em 2016, ainda num cenário de crise político-institucional, o governo Temer também sofreu elevado número de alterações no GMF. Especificamente entre os governos Dilma II e Temer, houve a manutenção das taxas de rotatividade, o que indica um efeito de intensificação das alterações nos cargos, somando os impactos de uma alternância de poderes e uma crise político-institucional.

No ano de 2019, que tem taxa de alteração alta, houve alterações em todos os ocupantes dos cargos de DAS, devido à reforma administrativa realizada no Ministério, já mencionada neste estudo, pela qual os cargos de corregedor-geral (DAS-5) e coordenador-geral (DAS-4) integraram os quadros da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, adquirindo maior especificidade em suas atribuições para a gestão tributária do país.

Conforme o Gráfico 3, há dois momentos em que a taxa de rotatividade na SE se destaca: nos governos Lula I e II e no mandato Bolsonaro. No primeiro caso, de 2003 a 2010, as alterações normativas feitas pela Casa Civil para o processo de nomeação em cargos de comissão descentralizaram mais o governo e aumentaram a representação dos partidos da coalizão em seu interior (Lameirão, 2015Lameirão, C. (2015). Os níveis de controle da presidência sobre a coordenação política governamental e a coalizão partidária (1995-2010). In F. G. Lopez (Org.), Cargos de confiança no presidencialismo de coalizão brasileiro (pp. 165-208). Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.). Isso, somado à necessidade de se desenhar coalizões amplas para garantir a estabilidade do governo durante o escândalo do Mensalão (Singer, 2012Singer, A. (2012). Os sentidos do lulismo. Companhia das Letras.), levou ao aumento da taxa de rotatividade.

Gráfico 3
Rotatividade dos ocupantes em cargos de DAS-4 a 6 na Secretaria Executiva entre os anos de 1996 e 2020

Em 2019, o aumento da rotatividade dos cargos na SE estava relacionado com os esforços para construir apoio legislativo por meio da reforma ministerial e da possível “despetização”, ou seja, o esforço da Casa Civil para demitir funcionários associados a ou defensores das políticas públicas dos governos Lula e Dilma que haviam permanecido no governo Temer (Gallego, 2019Gallego, E. S.(2019). Los primeros pasos de Bolsonaro en Brasil. Política exterior, 33(188), 12-17.).

4.3.2 Secretarias burocráticas

As secretarias burocráticas, com RFB e STN, são ocupadas majoritariamente pelos servidores das carreiras próprias da Fazenda. O maior número de servidores públicos ocupando DAS nessas secretarias nos levaria a esperar um quadro de insulamento burocrático, como descrito por Nunes (1997) e, de fato, essas secretarias têm a menor média de rotatividade em relação às demais. Entretanto, os dados apontam que os cargos, especialmente de DAS-4 e 5, sofrem rotatividade em quase todas as crises, além dos momentos de transição de ministro.

Gráfico 4
Rotatividade dos ocupantes em cargos de DAS-4 a 6 na Secretaria da Receita Federal do Brasil entre os anos de 1996 e 2020

A STN é considerada um dos órgãos mais poderosos do Executivo Federal (Loureiro et al., 1997Loureiro, M. R. (1997). Os economistas no governo: gestão econômica e democracia. Fundação Getulio Vargas.) e possui carreira própria de auditor. Ela é um órgão estratégico, pois realiza a administração contábil e financeira e da dívida pública do País. A despeito da ocupação de seus cargos ser disputada por grupos de interesse, por controlar o orçamento federal, a STN é um dos poucos casos em que a burocracia do Executivo “redefine constantemente as decisões efetuadas no Congresso” (Loureiro et al., 1998Loureiro, M. R. (1997). Os economistas no governo: gestão econômica e democracia. Fundação Getulio Vargas., p. 58). Logo, a STN tem um papel duplo de administração dos recursos federais, ao passo que é uma lente de monitoramento do gabinete do Ministério da Fazenda e, consequentemente, da Presidência da República.

Gráfico 5
Rotatividade dos ocupantes em cargos de DAS-4 a 6 na Secretaria do Tesouro Nacional entre os anos de 1996 e 2020

Como mostra o Gráfico 5, a rotatividade dos ocupantes dos cargos da STN também é sensível às crises, como vemos no caso das crises do Apagão (2001), econômica sul-americana (2003), financeira internacional (2008) e instabilidade política pré-impeachment (2015). Por outro lado, a STN não sofreu alterações drásticas com a reforma ministerial de 2019, ao contrário das demais secretarias, o que se explica devido à preservação da integridade das diretorias da STN em meio às mudanças na criação do Ministério da Economia por meio da junção e sobreposição de órgãos de outros ministérios.

4.3.3 Secretarias externas

As secretarias externas são compostas, em sua maioria, por profissionais de fora da administração pública, e são as que têm número menor de cargos à disposição do ministro. Elas são as secretarias mais novas, criadas entre o final da década de 1980 e o início da década de 1990.

Essas secretarias têm um padrão diferente de rotatividade em relação às secretarias centrais e burocráticas: a média de rotatividade é mais alta e as crises são um componente mais relevante para as alterações dos cargos de DAS do que a própria mudança de ministros.

Há vários servidores de carreira na SAIN, que são do Ministério de Relações Exteriores (MRE), mostrando que o MRE está comumente presente em relações de troca entre o órgão e o presidente (Lima & Oliveira, 2018). Ao contrário da suposição de que a SAIN sofresse influência das flutuações econômico-financeiras internacionais, os dados apontam que a secretaria tende a ter picos de rotatividade maiores em momentos de crises nacionais.

Gráfico 6
Rotatividade dos ocupantes em cargos de DAS-4 a 6 na Secretaria de Assuntos Internacionais entre os anos de 1996 e 2020

No caso da SAIN, vemos que os cargos de DAS-6 são muito mais sensíveis à rotatividade. Já os cargos de DAS-4 e 5 tendem a ter comportamentos similares, salvo no período entre 2013 e 2017. Entre 2006 e 2012, houve tendência de queda na rotatividade dos cargos de DAS-4 e 5, ligada ao estabelecimento e fortalecimento dos BRICS em 2006, quando o Brasil passou a adquirir maior relevância em sua atuação, ainda que houvesse certa necessidade de se estabilizar as relações Executivo-Legislativo por contas das demais crises. A crise sul-americana (2003) e a do Subprime (2008) tiveram menor impacto na SAIN do que nas demais secretarias, sendo mais relevantes os impactos do Mensalão (2005) e da Crise do Subprime (2008) em suas taxas de rotatividade. Em 2019, vimos mais uma vez o impacto da reforma ministerial realizada na pasta, que produziu o maior pico na taxa de rotatividade da SAIN.

A Secretaria de Política Econômica (SPE) tem as maiores taxas de rotatividade dentre todas as secretarias, apresentando cinco anos em que a secretaria alterou todos os seus ocupantes. Diferentemente dos demais órgãos que são afetados por crises, no caso da SPE, os inícios dos mandatos políticos também têm impacto relevante para o aumento da rotatividade.

Gráfico 7
Rotatividade dos ocupantes em cargos de DAS-4 a 6 na Secretaria de Política Econômica entre os anos de 1996 e 2020

Nesse caso, assim como o da secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE), devemos nos atentar para a criação mais recente de ambos os órgãos em relação aos demais e o seu baixo número de cargos - ambas as secretarias possuem uma média de cinco cargos ao longo do período analisado. A SPE parece ser mais sensível a crises, portanto, nos interessa olhar para os seus momentos de menores picos de rotatividade. Em 2007, a queda na rotatividade pode estar atrelada à implementação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que contava com um pacote de políticas econômicas de médio e longo prazo alocadas em áreas relacionadas à infraestrutura (Bolle, 2016Bolle, M. B. (2016). Como matar a borboleta-azul: uma crônica da era Dilma. Intrínseca.; Carvalho, 2018Carvalho, L. (2018). Valsa brasileira: do boom ao caos econômico. Todavia.). Entre 2011 e 2014, apesar das taxas moderadas de rotatividade, vemos que esta é intermitente, o que pode ser reflexo do cenário de instabilidade político-institucional que emergiu durante o governo Dilma I.

Sendo a mais recente das secretarias, a SEAE tende a ter um comportamento similar à SPE, ainda que de maneira menos intensa. Quanto às alterações dos ocupantes dos cargos de DAS da SEAE, vimos que os picos de alterações se deram nos momentos de trocas de mandatos e governos e durante as crises econômicas e políticas já mencionadas neste trabalho.

Gráfico 8
Rotatividade dos ocupantes em cargos de DAS-4 a 6 na Secretaria de Acompanhamento Econômico entre os anos de 1996 e 2020

Note-se que nos anos de 2007 e 2015, a SEAE apresentou taxas de rotatividade de todos os ocupantes, períodos de forte instabilidade político-institucional. Em 2019, a SEAE também apresentou outro pico de rotatividade, que pode ser explicado pela sua conversão em Secretaria de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência (Seprac), à qual foram criadas novas atribuições e, consequentemente, novos cargos.

Para finalizar esta seção, apresentamos de forma sintética os principais achados da análise dos dados sobre rotatividade dos cargos DAS:

  1. A rotatividade é maior nas secretarias externas do que nas centrais e nas burocráticas, e a rotatividade aumenta conforme se desce o nível hierárquico de DAS-6 até 4.

  2. As secretarias centrais compartilham com o ministro uma parte da proteção política conferida pelo presidente da República, mas é uma proteção menos intensa, já que a rotatividade nessas secretarias é maior que a dos ministros.

  3. As secretarias burocráticas têm a menor média de rotatividade em relação às demais, entretanto, os cargos, especialmente de DAS-4 e 5, sofrem rotatividade em quase todas as crises, além dos momentos de transição de ministro.

  4. As secretarias externas têm média de rotatividade mais alta e as crises são um componente mais relevante para as alterações dos cargos de DAS do que a própria mudança de ministros.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pergunta da pesquisa (como ocorre a politização dos ocupantes de cargos de livre nomeação no Ministério da Fazenda?) tem como resposta, com base na análise dos dados apresentada na seção anterior, que a politização (entendida como processo pelo qual políticos, partidos e grupos da sociedade tentam influenciar políticas públicas por meio da escolha de ocupantes dos cargos de livre nomeação e expressa/identificada por meio da rotatividade nos cargos), ocorre de forma desigual conforme o tipo de secretaria:

  1. As secretarias centrais são mais protegidas da politização, pois têm rotatividade mais associada à mudança de ministro do que às crises, e têm rotatividade mais baixa que as outras secretarias (exceto as burocráticas); essas secretarias são quase tão protegidas da politização quanto o são os próprios ministros da Fazenda.

  2. As secretarias burocráticas são menos protegidas da politização do que seria o esperado, considerando que seus cargos são ocupados majoritariamente por servidores de carreira, já que sua rotatividade, mesmo sendo a mais baixa, se associa tanto à mudança de ministro quanto às crises econômicas e políticas.

  3. As secretarias externas são as mais expostas à politização, pois têm rotatividade maior e mais associada às crises do que as outras secretarias.

Nossa hipótese de que o efeito da politização da burocracia no Ministério da Fazenda ocorre por meio da rotatividade dos cargos de DAS e não do cargo de Ministro se revela, ao menos, mais forte e promissora. Os dados, ainda que insuficientes para realizarmos análises estatísticas que comprovem a causalidade entre crises e rotatividade, apontam para a existência de padrões de rotatividade diferentes e que variam conforme: a) o tipo de atividade exercida pela secretaria; b) sua proximidade com o poder político do ministro; e c) fatores externos de grande monta (como as crises econômicas e políticas).

Nesse sentido, nossa análise indica que o insulamento do Ministério da Fazenda seria mais fraco do que o apontado pela literatura, pois a estabilidade do ministro (sua baixa rotatividade) provavelmente ocorre às custas da rotatividade dos ocupantes dos cargos DAS das secretarias, especialmente nas secretarias menos centrais, ou seja, aquelas das quais o desempenho do ministro dependeria menos. A politização na Fazenda ficaria, portanto, “escondida” nos cargos DAS, e seria o “preço” para manter mais estável o núcleo decisório (secretarias centrais).

Outra contribuição importante deste trabalho é apontar a importância de se analisar a rotatividade dos cargos de forma desagregada, considerando os dados de cada tipo de secretaria e de cada nível hierárquico de DAS, bem como a influência de eventos econômicos e políticos que geram ou podem gerar grande desgaste ao presidente da República e ao governo. É provável que em outros ministérios além do da Fazenda se escondam fenômenos ainda não analisados, como diferentes níveis de resposta às crises em termos de rotatividade de pessoal, bem como a relevância de outros tipos de crises, específicas ao setor de cada ministério (como crises ambientais e climáticas, por exemplo).

Por fim, é importante destacar um limite deste tipo de estudo. A análise da rotatividade nos cargos revela muita coisa (padrões diferentes entre secretarias), mas não nos permite entender fatores importantes do processo de politização apontados por Peters (2018Peters, B. G. (2018). The politics of bureaucracy: an introduction to comparative public administration. Routledge.) e Pierre e Peters (2004Pierre, J., & Peters, B. G. (Eds.). (2004). Politicization of the civil service in comparative perspective: the quest for control. Routledge.), como o efeito dessas mudanças de pessoas sobre as decisões de implementação das políticas públicas e qual é o tipo de interação da burocracia com atores políticos como partidos, legisladores e grupos de pressão da sociedade. Somente pesquisas qualitativas que produzissem mais dados sobre as mudanças das políticas públicas, sobre as decisões dos ocupantes dos cargos e sobre essas interações e que construam modelos analíticos sobre a relação entre esses fatores é que podem levar a um entendimento mais preciso do processo de politização. Essa é uma agenda de pesquisa fundamental para entendermos a relação entre política e burocracia no Brasil.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos aos revisores pela decisiva contribuição para a versão final do artigo.

REFERÊNCIAS

  • Abrucio, F. L., Pedroti, P., & Pó, M. V. (2010). A formação da burocracia brasileira: trajetória e significado das reformas administrativas. In F. L. Abrucio, M. R. Loureiro, & R. S. Pacheco (Orgs.), Burocracia e política no Brasil: desafios para o Estado democrático no século XXI (pp. 27-72). Fundação Getulio Vargas.
  • Anderson, P. (2019). Brazil apart: 1964-2019 Verso Books.
  • Avritzer, L. (2018). O pêndulo da democracia no Brasil: uma análise da crise 2013-2018. Novos Estudos CEBRAP, 37, 273-289.
  • Bolle, M. B. (2016). Como matar a borboleta-azul: uma crônica da era Dilma Intrínseca.
  • Borges, A., & Coêlho, D. B. (2015). O preenchimento de cargos da burocracia pública federal no presidencialismo de coalizão brasileiro: análise comparada de dois ministérios - Ciência e Tecnologia e Integração Nacional. In F. G. Lopez(Org.), Cargos de confiança no presidencialismo de coalizão brasileiro(pp. 71-106). Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
  • Carvalho, L. (2018). Valsa brasileira: do boom ao caos econômico Todavia.
  • Carvalho, P. N. de, & Senhoras, E. M. (2020). Crise no regionalismo sul-americano: discussões sobre integração, fragmentação e desintegração. Revista Tempo do Mundo, 23, 61-92.
  • Codato, A., & Franz, P. (2018). Ministros-técnicos e ministros-políticos nos governos do PSDB e do PT. Revista de Administração Pública, 52, 776-796.
  • Coelho, J. C., & Capinzaiki, M. R. (2017). Hierarquia dos estados no regime econômico-financeiro: os brics e a governança econômica global. Revista Tempo do Mundo, 3(1), 131-154.
  • D’Araujo, M. C., & Petek, J.(2018). Recrutamento e perfil dos dirigentes públicos brasileiros nas áreas econômicas e sociais entre 1995 e 2012. Revista de Administração Pública, 52, 840-862.
  • DuGay, P.(Ed.). (2005). The values of bureaucracy Oxford University Press.
  • Gallego, E. S.(2019). Los primeros pasos de Bolsonaro en Brasil. Política exterior, 33(188), 12-17.
  • Goldenberg, J., & Prado, L. T. S. (2003). Reforma e crise do setor elétrico no período FHC. Tempo Social, 15, 219-235.
  • Helal, D. H., & Rocha, D. F. (2013). Comparando políticas de desenvolvimento e atuação do Estado: América Latina e Tigres Asiáticos. Desenvolvimento Em Questão, 11(23), 4-39. https://doi.org/10.21527/2237-6453.2013.23.4-39.
    » https://doi.org/10.21527/2237-6453.2013.23.4-39
  • Jardim, M. C. (2013). A crise financeira de 2008: os discursos e as estratégias do governo e dos fundos de pensão. Dados, 56, 901-941.
  • Kopecký, P., Sahling, J. H. M., Panizza, F., Scherlis, G., Schuster, C., & Spirova, M. (2016). Party patronage in contemporary democracies: results from an expert survey in 22 countries from five regions. European Journal of Political Research, 55(2), 416-431.
  • Lameirão, C. (2015). Os níveis de controle da presidência sobre a coordenação política governamental e a coalizão partidária (1995-2010). In F. G. Lopez (Org.), Cargos de confiança no presidencialismo de coalizão brasileiro (pp. 165-208). Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
  • Lamounier, B., & Figueiredo, J. R. D. L. (Eds.). (2002). A era FHC: um balanço Cultura.
  • Lewis, D. E. (2008). The politics of presidential appointments: political control and bureaucratic performance Princeton University Press.
  • Lima, R. D. C., & Oliveira, A. J. S. N. D. (2018). Manutenção e mudanças no Ministério das Relações Exteriores: perfis do corpo diplomático e padrões na carreira. Revista de Administração Pública, 52(5), 797-821.
  • Lima, T. D., & Deus, L. N. (2013). A crise de 2008 e seus efeitos na economia brasileira. Revista Cadernos de Economia, 17(32), 52-65.
  • Lopez, F. G. (2015). Evolução e perfil dos nomeados para cargos DAS na administração pública federal (1999-2014). Nota Técnica IPEA, 16 http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/5234
    » http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/5234
  • Lopez, F. G., Bugarin, M., & Bugarin, K. (2015). Mudanças político-partidárias e rotatividade dos cargos de confiança (1999-2013). In Lopez, F. G. (Org.), Cargos de confiança no presidencialismo de coalizão brasileiro(pp. 33-70). Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
  • Lopez, F. G., & Praça, S. (2015). Critérios e lógicas de nomeação para o alto escalão da burocracia federal brasileira. In F. G. Lopez (Org.), Cargos de confiança no presidencialismo de coalizão brasileiro(pp. 107-138). Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
  • Lopez, F. G., & Silva, T. M. (2019). Filiações partidárias e nomeações para cargos da burocracia federal (1999-2018). Revista de Administração Pública, 53(4), 711-731.
  • Lopez, F. G., & Silva, T. M. (2022). O carrossel burocrático dos cargos de confiança: análise de sobrevivência dos cargos de direção (DAS) do Executivo federal brasileiro (1999-2017). Revista de Ciências Sociais, 65(2), 1-29. https://doi.org/10.1590/dados.2022.65.2.263
  • Loureiro, M. R. (1997). Os economistas no governo: gestão econômica e democracia Fundação Getulio Vargas.
  • Loureiro, M. R. (2006). A participação dos economistas no governo. Análise. Revista de Administração da PUC-RS, 17(2), 345-359.
  • Loureiro, M. R., & Abrucio, F. L. (1999). Política e burocracia no presidencialismo brasileiro: o papel do Ministério da Fazenda no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 14, 69-89.
  • Loureiro, M. R., & Abrucio, F. L. (2004). Política e reformas fiscais no Brasil recente. Brazilian Journal of Political Economy, 24(1), 53-76.
  • Loureiro, M. R., Abrucio, F. L., & Rosa, C. A. (1998). Radiografia da alta burocracia federal brasileira: o caso do Ministério da Fazenda. Revista do Serviço Público, 49(4), 46-82. https://doi.org/10.21874/rsp.v49i4.400
  • Loureiro, M. R., Olivieri, C., & Martes, A. C. B. (2010). Burocratas, partidos e grupos de interesse: o debate sobre política e burocracia no Brasil. In M. R. Loureiro, F. L. Abrucio, & R. Pacheco (Eds.), Burocracia e Política no Brasil: desafios para o Estado democrático no século XXI (pp. 27-72). Fundação Getulio Vargas.
  • Maia, F. (2021). Crise, crítica e reflexividade: problemas conceituais e teóricos na produção de diagnósticos de época. Sociologias, 23, 212-243.
  • Mattei, L., & Heinen, V. L. (2020). Impactos da crise da covid-19 no mercado de trabalho brasileiro. Brazilian Journal of Political Economy, 40, 647-668.
  • Nunes, E. (1997). A Gramática Política do Brasil: clientelismo e insulamento burocrático Zahar.
  • Olivieri, C. (2007). Política, burocracia e redes sociais: as nomeações para o alto escalão do Banco Central do Brasil. Revista de Sociologia e Política, 29, 147-168.
  • Panizza, F., Peters, B. G., & Ramos Larraburu, C. R. (2019). Roles, trust and skills: A typology of patronage appointments. Public administration, 97(1), 147-161.
  • Pereira, C., Praça, S., Batista, M., & Lopes, F. G.(2015). A nomeação de secretários-executivos e o monitoramento da coalizão no presidencialismo brasileiro. In F. G. Lopez (Org.), Cargos de confiança no presidencialismo de coalizão brasileiro (pp. 139-164). Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
  • Peters, B. G. (2018). The politics of bureaucracy: an introduction to comparative public administration Routledge.
  • Pierre, J., & Peters, B. G. (Eds.). (2004). Politicization of the civil service in comparative perspective: the quest for control Routledge.
  • Pinto, B. J. M., Vilela, T. D. M., & Lima, U. S. M. (2005). A crise financeira Russa. Economics Bulletin, 28(3), A1.
  • Praça, S., Odilla, F., & Guedes-Neto, J. V. (2022). Patronage Appointments in Brazil, 2011-2019. In The politics of patronage appointments in Latin American Central administrations(pp. 62-89). University of Pittsburgh Press.
  • Schneider, B. R. (1994). Burocracia pública e política industrial no Brasil Sumaré.
  • Singer, A. (2012). Os sentidos do lulismo Companhia das Letras.
  • Singer, A. (2018). O lulismo em crise: um quebra-cabeça do período Dilma (2011-2016) Companhia das Letras.
  • Taylor, M. (2020). Coalitions, corruption, and crisis: the end of Brazil’s third republic? Latin American Research Review, 55(3), 595-604.
  • Werneck, R. L. F. (2014). Alternância política, redistribuição e crescimento, 2003-2010. In M. P. Abreu (Org.), A Ordem do Progresso: dois séculos de política econômica no Brasil(pp. 357-381). Elsevier.
  • DISPONIBILIDADE DE DADOS

    Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo está disponível mediante solicitação ao autor correspondente Lucas Almendra. O conjunto de dados não está publicamente disponível devido à falta de financiamento para manter os dados em repositório online.

Pareceristas:

  • 4
    Raphael Amorim Machado (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Brasília / DF - Brasil) https://orcid.org/0000-0003-2801-1628https://orcid.org/0000-0001-7500-4485
  • 5
    Um dos pareceristas não autorizou a divulgação de sua identidade.
  • Relatório de revisão por pares:

    O relatório de revisão por pares está disponível neste link: https://periodicos.fgv.br/cadernosebape/article/view/91485/85919
  • 1
    A Secretaria de Acompanhamento Econômico foi extinta por meio do Decreto nº 9.266, de 15 de janeiro de 2018, e foi denominada “Secretaria de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência” (Seprac) até 2020.

Editado por

Alketa Peci (Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro / RJ - Brasil) https://orcid.org/0000-0002-0488-1744https://orcid.org/0000-0002-0488-1744
Gabriela Spanghero Lotta (Fundação Getulio Vargas, São Paulo / SP - Brasil) https://orcid.org/0000-0003-2801-1628https://orcid.org/0000-0003-2801-1628

Disponibilidade de dados

Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo está disponível mediante solicitação ao autor correspondente Lucas Almendra. O conjunto de dados não está publicamente disponível devido à falta de financiamento para manter os dados em repositório online.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    23 Jun 2023
  • Aceito
    21 Maio 2024
Fundação Getulio Vargas Fundaçãoo Getulio Vargas, Rua Jornalista Orlando Dantas, 30, CEP: 22231-010 / Rio de Janeiro-RJ Brasil, Tel.: +55 (21) 3083-2731 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rap@fgv.br