Resumo
Este artigo centra-se na problemática sobre como os atores políticos e administrativos se relacionam, concentrando-se na seleção de altos funcionários públicos como peças-chave no processo de implementação de políticas públicas. Em relação à metodologia adotada, foram realizadas uma revisão da literatura e uma análise documental, bem como a aplicação de um questionário on-line para altos funcionários que ocupavam cargos gerenciais entre 2004 e 2011 (n = 964). Em todas as análises, foram considerados estatisticamente significativos os resultados dos testes de hipóteses, com um valor de p igual ou inferior a .05 (p ≤ .05). A análise permitiu confirmar dois componentes/critérios principais que estão na fonte da seleção de altos funcionários públicos (políticos e profissionais) e, dentro de cada um, os respetivos fatores que os compõem. Pudemos reconhecer que o componente político tem seu peso, mas não foi possível confirmar completamente a hipótese de que, em Portugal, os fatores que influenciaram a seleção de altos funcionários públicos eram predominantemente políticos.
Palavras-chave: dicotomia; política; administração; profissionalização; politização
Resumen
Este documento respalda la problemática acerca de cómo los actores políticos y administrativos se relacionan, enfocando particularmente la selección de altos funcionarios públicos como clave en el proceso de implementación de políticas públicas. Con respecto a la metodología utilizada, se realizaron una revisión de la literatura y un análisis documental, así como la aplicación de un cuestionario online a altos funcionarios que ocuparon cargos gerenciales entre 2004 y 2011 (n = 964). En todos los análisis se consideraron estadísticamente relevantes los resultados de dos pruebas de hipótesis con un valor de p igual o inferior a .05 (p ≤ .05). El análisis permitió confirmar dos componentes/criterios principales que están en la fuente de la selección de altos funcionarios públicos (políticos y profesionales) y, dentro de cada uno, los respectivos factores que los componen. Pudimos reconocer que el componente político tiene su peso, pero no fue posible confirmar completamente la hipótesis de que, en Portugal, los factores que influyeron en la selección de los altos funcionarios públicos fueron principalmente políticos.
Palabras clave: dicotomía; política; administración; profesionalización; politización
Abstract
This article addresses the issue of how political and administrative actors relate to each other, focusing on the selection of Senior Civil Servants as key actors to implement public policies. A literature review and documental analysis were carried out, and an on-line questionnaire was applied to Senior Civil Servants in managerial positions in Portugal between 2004 and 2011 (n = 964). The results show that, in all cases, the p-value was equal or less than .05 (p ≤ .05). The analysis allowed us to confirm two main criteria used for the selection of Senior Civil Servants (political and professional) and their respective factors. Despite indicating that the political criterion somehow plays a role in the selection of public officials in Portugal, the study could not confirm the hypothesis that political factors are predominant when hiring senior civil servants in the country.
Keywords: dichotomy; policy; administration; professionalization; politicization
1. INTRODUÇÃO
A dicotomia política-administração é uma das temáticas da ciência da Administração (mas não só) à qual, ao longo do tempo, muitos autores têm dedicado especial atenção. Surge, em particular a partir de Woodrow Wilson, como uma das questões fundamentais e estruturais para as relações entre política e administração, influenciando a forma como as políticas públicas podem ser implementadas. Em causa, estão, por um lado, as configurações organizacionais que permitem a separação/integração entre política e administração, e, por outro, as relações que se estabelecem entre os atores políticos e administrativos. Essa é, pois, uma das questões cruciais que hoje as democracias contemporâneas debatem e está relacionada à interação entre os atores políticos e administrativos (Kernaghan, 2000 como citado em Peters, 1987; Neuhold, Vanhoonacker, & Verhey, 2013; Sherman, 1998).
Nesse quadro, procurou-se aprofundar o conhecimento acerca da seleção dos dirigentes públicos no contexto da evolução dos modelos de Estado e administração, bem como melhor conhecer as relações que se estabelecem, na definição e na implementação das políticas públicas, entre atores administrativos e atores políticos em Portugal, caracterizando, em particular, a população de dirigentes da administração pública portuguesa e a seleção de dirigentes públicos portugueses, dividindo essa população em dirigentes superiores e intermédios, nos termos do Estatuto do Pessoal Dirigente português, explorando também os cargos de coordenação.
Para tal, avançaram-se as seguintes hipóteses:
-
Em Portugal, entre 2004 e 2011, os fatores que influíram na seleção de dirigentes públicos superiores foram predominantemente políticos.
-
Em Portugal, entre 2004 e 2011, os fatores que influíram na seleção de dirigentes intermédios foram predominantemente técnicos.
-
Em Portugal, entre 2004 e 2011, os fatores que influíram na seleção de dirigentes públicos são distintos conforme se trate de dirigentes intermédios ou superiores.
Tais hipóteses serão enquadradas, numa primeira parte, pela revisão da literatura, na problemática relativa à separação/convergência entre política e administração. Num segundo ponto, depois desse enquadramento, são analisados, com base num inquérito por questionário (n = 964), os fatores que mais contribuem para a seleção dos dirigentes públicos em Portugal, utilizando-se como técnica de análise estatística principal a Análise de Componentes Principais. Tendo por base as respostas registadas pelos dirigentes respondentes, procedeu-se também à caracterização dessa população, quer do ponto de vista demográfico, quer do ponto de vista profissional, mediante estatística descritiva.
Por fim, são apresentadas as principais conclusões, discutindo-se os resultados no quadro da literatura analisada, permitindo avaliar e discutir a problemática clássica da separação entre política e Administração em Portugal.
2. POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO: SEPARAÇÃO OU CONVERGÊNCIA?
A problemática da separação entre política e Administração, presente na respetiva dicotomia, é uma questão estudada há vários séculos e que esteve na origem da public administration, ou ciência da administração, como disciplina. A importância do estudo dessa relação advém do fato de a Administração Pública ser uma estrutura determinante no processo de governação, constituindo um elemento fundamental na configuração e na arquitetura do Estado. A dicotomia política-administração é uma das questões mais antigas no estudo científico da Administração Pública. Apesar da grande quantidade de material escrito em torno desta matéria, sua discussão permanece atual, considerando que uma total separação entre política e Administração é impraticável ou mesmo indesejável.
A questão que se coloca, pelo menos desde o século XIX, tem a ver com o balanceamento de poder e o relacionamento entre os atores políticos e administrativos, de forma a otimizar os resultados para a sociedade. As primeiras tentativas de índole prática com vista à separação da Administração da política datam de 1854, quando foi produzido, no Reino Unido, um relatório que dava conta do poderoso sistema de interesses vigente na altura: the existing system is supported by long usage and powerful interests (Northcote Trevelyan Report, 1854). Em 1860, começa também a ser debatida a introdução do Merit System. Duas décadas mais tarde, nos Estados Unidos, em janeiro de 1883, foi publicado o Pendleton Act, uma lei federal que estatuiu a Civil Service Comission.
Tal ato marca a adoção de um sistema de mérito, em vez do até então existente spoils system, caracterizado por ser corrupto e discricionário. A ideia, para acabar com o sistema de patronage, seria criar um sistema de carreira na Administração Pública que se caracterizasse por (Eymeri, 2001): permanência (emprego para a vida); unidade e uniformidade, com recrutamento dos melhores e carreiras autogeridas; anonimato; neutralidade política.
Apesar do entusiasmo com que essa questão surgiu e veio a ser aprofundada ao longo das décadas seguintes, o processo de profissionalização da Administração foi moroso (Ferraz, 2008a). Por exemplo, em 1904, apenas metade dos funcionários da Administração federal dos Estados Unidos havia sido recrutada por um sistema de mérito (Peters, 1996).
Do ponto de vista teórico, outro marco importante na autonomização da Administração relativamente à política, fundamental na afirmação do sistema de mérito, foi a publicação de Wilson, em 1887: The Study of Administration (Rocha, 2009). O autor defendeu uma rigorosa separação entre política e Administração, de modo a que o spoils system fosse completamente eliminado e emergisse uma Administração científica. Acrescem ainda os contributos de Goodnow e Weber. O primeiro reforçou as ideias que caracterizavam o modelo idealizado por Wilson, realçando, no plano teórico, as fronteiras entre as funções políticas e as funções administrativas. O segundo confirmou essa mesma distinção, tornando o modelo de Administração uma burocracia hierarquicamente organizada (Rocha, 2000).
O contributo de Weber centrou-se, essencialmente, no estatuto da burocracia, como meio organizado para a racionalidade legal, económica e técnica. Weber entendia que as organizações que se organizassem segundo os princípios burocráticos seriam superiores às outras (Rocha, 2000). A racionalidade e o domínio técnico eram, pois, nessa concepção, incompatíveis com um sistema altamente politizado, afirmando-se, por essa razão, o modelo baseado no mérito. Essa seria, aliás, uma forma de limitar o poder arbitrário e absolutista - em linha com a dupla subordinação da Administração - não só ao poder político, mas também ao (Estado de) direito.
Acreditava-se que os funcionários, detentores de conhecimentos técnicos, deveriam servir não só à classe política, mas ao interesse público. A implementação de políticas ficaria, assim, isenta de questões partidárias, e os funcionários agiriam de acordo com direitos e deveres estabelecidos em estatuto específico dos funcionários - conhecido como funcionário público, e não da coroa, evidenciando a transição do Estado absolutista para o Estado de direito.
Nesse modelo, a Administração, fortemente condicionada pela lei, tinha seu domínio de atividade muito bem delimitado e assente numa estrutura de controle e comando formalmente hierarquizada. Os processos de trabalho, simples e rotineiros, fruto da elevada divisão do trabalho, encontravam-se padronizados por meio de leis, regras, regulamentos e procedimentos formais. A estrutura de direção reservava para si o poder de decisão. A decisão estava, assim, fortemente centralizada, com o objetivo de controlar todas as ações num ambiente e num contexto de estabilidade. O Estatuto de Funcionário Público, com “emprego para a vida”, visava proteger o cidadão da arbitrariedade política, ao contrário do que comumente se julga nos nossos dias.
Além disso, o estatuto previa, para incorporar na Administração as salvaguardas do Estado de direito, uma progressão automática nas carreiras, burocratizada, de forma a não sofrer influências político-partidárias subversivas do interesse público. Um regime remuneratório acima da média, por comparação ao setor privado, visava, por um lado, atrair e manter os melhores quadros na Administração e, por outro, conferir ao(à) trabalhador/administração (em benefício do cidadão) neutralidade, imparcialidade, independência e subjugação à lei, mesmo perante orientações políticas ilegais, evitando que ele se deixasse corromper e se mantivesse fiel ao Estado de direito.
A tendência era, nesse contexto, de separação entre política e Administração, assente, como refere Chevallier (2002), num postulado fundamental: o ator político tem o poder de comando […] a Administração, por intermédio dos seus funcionários, executa. Essa separação devia ser absoluta, não existindo grandes dúvidas relativamente aos papéis diferenciados da Administração e da política (Kellner, 1981):
-
A Administração existe para assessorar os políticos nas suas decisões e na concretização delas.
-
poder político eleito é responsabilizado perante o Parlamento pelas políticas públicas que fórmula.
Sem prejuízo para a evolução registada de um sistema de patronage e de espólio para um mais profissional, em que se diferencia [melhor] a atividade administrativa da atividade política, a linha separadora dessas atividades continuava a não ser totalmente clara e, assim, discutível à dicotomia política-administração. As razões que justificam tal situação se fundamentam na natureza intrinsecamente política da Administração (Stillman, 1997; Waldo, 1948 como citado em Chevallier, 2002): a gestão pública é mais o produto do contexto profissional e institucional, que o produto da previsão de um conjunto de normas fixas (Kickert, 2005 como citado em Peters & Pierre, 2004).
Se tradicionalmente se defendia uma total separação entre política e Administração, assente na dicotomia de Wilson (Cope, Leishman, & Starie, 1997), hoje, cada vez mais autores (Aberbach, 1988; Aberbach, Putnam, & Rockman, 1981; Dowding, 1995; Ferraz, 2008b; Giauque, Resenterra, & Siggen, 2009; Kellner, 1981; Mulgan, 2007; Peters, 1986) constatam ligações próximas entre as esferas política e administrativa. Isso se deveu, em muito, à descrença no modelo tradicional burocrático. Colocava-se em causa, dessa forma, a dificuldade, ou mesmo o falhanço, da criação de um sistema de administração burocrático (Ferraz, 2008b; Giauque et al., 2009; Mulgan, 2007) assente na separação entre política e Administração. Consequentemente, questionava-se a neutralidade e a independência da Administração face ao poder político.
Apesar de teoricamente esse ter sido o sistema dominante durante vários anos e de ter contribuído para uma redução dos sistemas de favorecimento, a verdade é que, na prática, a total separação entre política e aAdministração foi sempre questionada (Catlaw & Hu, 2009; Chevallier, 2002; Leon & Vogenbeck, 2007; Downs, 1978; Ferraz, 2008b; Peters, 2001a; Peters & Pierre, 2004; Stillman, 1997).
Downs (1978 como citado em Rocha, 2005a) vai mais longe e contesta a separação entre política e Administração como realidade. Para o autor, os burocratas não podem ser considerados totalmente máquinas pois têm interesses próprios. Também Mozzicafreddo (2001) sustenta que o poder não circula apenas a partir do topo da hierarquia: existem espaços de poder e de autonomia nos escalões intermédios ou na base da estrutura organizativa, aquando da aplicação de procedimentos, regulamentos e interpretação das diretivas de topo. Mozzicafreddo (2001) sugere que, hoje, a ideia de uma administração pública desinteressada e apostada apenas na imparcialidade e na universalidade das medidas não é tão evidente ou pacífica. Tais espaços de poder, presentes em nível administrativo, com capacidade de influência da decisão, advêm do conhecimento técnico e específico, essencial ao processo de governação dos burocratas que, progressivamente, ganharam certa autonomia e passaram a ser reconhecidos por deter mais conhecimento sobre algumas questões políticas do que os próprios políticos (Peters, 1987). Por essa razão, a generalidade de modelos e teorias reconhece que os funcionários são figuras poderosas (Dowding, 1995), influenciando as estruturas organizacionais públicas, conforme salientado por Mintzberg (1995).
Essa premissa contraria a total separação entre política e administração. Kellner (1981) salienta mesmo que, graças à falta de conhecimento técnico dos políticos, é inevitável que os funcionários públicos detenham poder e influência superiores aos que as teorias democráticas permitiriam. O mote dos anos 1970 - officials propose, ministers dispose, officials execute […] civil servants are our servants (Kellner, 1981, p. 203) - está longe de constituir um simples processo de governação. Dowding (1995) diz que, como conselheiros políticos, os funcionários influenciam diretamente a formulação das políticas, o que lhes confere uma conotação política e uma atividade de formulação, mais do que uma atividade passiva e subordinada de aplicação ou implementação. Acresce que as burocracias são constantes, estáveis e permanentes, detendo um conhecimento tecnocrático que lhes confere um poder informal, capaz de limitar a atuação de um governo.
A Teoria da Escolha Pública é, porventura, a que mais fomentou o interesse pelo conhecimento das interações entre política e Administração nas últimas décadas. A teoria, defendida por Downs (1967 como citado em Rocha, 2005b) em Inside Bureaucracy, categorizava os diferentes tipos de burocratas quanto aos comportamentos, afirmando que não são neutros e dependem das intenções do burocrata
Todo esse contexto propicia um contínuo de funções que tornam a fronteira entre política e Administração uma mescla de papéis que dificultam a identificação da linha de separação entre política e Administração e a atribuição de papéis e responsabilidades diferenciadas.
Coloca-se, assim, a dificuldade da implementação de uma estrutura burocrática neutral e independente do poder político, como Weber havia preconizado na concepção do modelo de estruturação burocrática. Acrescenta Dowding (1995) que, de facto, parece não ser possível afirmar e garantir que a administração é politicamente neutral, já que os ministros sempre quiseram parcialidade na escolha de seus colaboradores.
A generalidade dos autores reconhece que é difícil fazer uma total separação entre política e Administração. Peters (2001a) afirma que são o dinamismo histórico-cultural e a configuração da tomada de decisão (mais ou menos fragmentada) que estabelecem a fronteira entre política e Administração. Nesse dinamismo, o New Public Management ficou associado a uma grande variedade de intervenções, trajetórias e intensidades de reforma (Hood & Lodge, 2006).
Esse modelo de organização do Estado e da Administração, espalhado por todo o mundo ocidental como uma moda (Carvalho, 2008b), motivou a discussão de muitos acadêmicos. As reformas implementadas com base no New Public Management, em particular durante os governos de Thatcher no Reino Unido e de Reagen nos Estados Unidos (Cohen & Eimicke, 2011), perspectivavam o recurso a mecanismos de mercado como alternativa à provisão tradicional de bens ou serviços aos cidadãos, com base em pressupostos e teorias de racionalidade econômica, cujas origens remontam aos teóricos da escolha pública e a seus discípulos (Denhardt & Denhardt, 2007; Moreira & Alves, 2010), e no pressuposto de que as organizações públicas eram dominadas pelos interesses dos “produtores dos serviços públicos” (Stoker, 2006).
O objetivo era melhorar a prestação dos serviços públicos, construir novas formas de parceria entre organizações estatais e não estatais, bem como de novos tipos de regulação e responsabilização (Pitschas, 2003), procurando desmantelar o pilar burocrático da tradicional administração pública (Stoker, 2006).
O modelo proposto como alternativa assentava na crença de que a gestão empresarial era superior à gestão pública, daí a denominação de New Public Management, e que, portanto, todas as atividades e todos os serviços administrativos não nucleares às funções do Estado poderiam ser externados e providos pelo setor privado (Moreira & Alves, 2010), assentando a formulação clássica do New Public Management (Hood & Jackson, 1991).
Perante esse contexto, durante a década de 1980, houve um movimento de aproximação, de um número vasto de países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), a esses princípios, incluindo Portugal. É de assinalar que, no período (2002-2010), tomaram posse três governos, sendo de registrar que a reforma iniciada com as Resoluções do Conselho de Ministros nº 95/2003 e 53/2004, bem como os seus objetivos, se manteve, na generalidade, em cada um dos três governos, independentemente do viés político-partidário. O período ficou marcado por um forte aprofundamento do New Public Management, que ditou uma reorganização do Estado e da Administração, com maior ênfase na sua empresarialização, uma nova filosofia de gestão de recursos humanos, a introdução de mecanismos de mercado na administração, uma tendência para o outsourcing e para a centralização de serviços com vista ao atingimento de economias de escala, criação de entidades de serviços partilhados (GERAP e ANCP).
Importa, pois, analisar como a nova reforma influenciou os fatores de seleção dos dirigentes públicos em Portugal, o que se fará no ponto que se segue.
3. FATORES QUE CONTRIBUEM PARA A SELEÇÃO DOS DIRIGENTES PÚBLICOS EM PORTUGAL
Para melhor entender a seleção de dirigentes públicos em Portugal, importa, antes de mais nada, identificar, com base no estatuto do pessoal dirigente vigente em Portugal, a tipologia de cargos de direção. A lei diferencia dois níveis - que podem ser mais se os estatutos dos organismos assim o previrem -, cada um com dois graus, conforme a OCDE recomenda:1
Nível 1 - Direção superior / Top Public Service
1º grau - diretores-gerais, secretário-geral, inspetor-geral ou presidente.
2º grau: subdiretor-geral, adjunto de secretário-geral, subinspetor-geral, vice-presidente e vogal de direção.
Nível 2 - Direção intermédia / Top Management Service
1º grau - diretor de serviços.
2º grau - chefe de divisão.
A constituição deste estudo teve por base a tipologia de cargos explanada acima. Com a base de dados constituída (n = 964), realizou-se a extração, por meio do método das componentes principais, analisando a matriz de correlações, com máximo de interações por convergência de 25. Utilizou-se ainda a rotação Varimax, um método de rotação ortogonal proposto por Kaiser (1958). A ideia consiste em que, “para cada rotação dos fatores que ocorre, há o aparecimento de altas cargas para poucas variáveis, enquanto as demais cargas ficarão próximas de zero” (Mager, 1973). Para averiguar a adequação da análise dos dados, utilizou-se a estatística de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), que compara as correlações entre as variáveis, isto é, indica a proporção da variância dos dados que pode ser atribuída a um fator comum, variando entre 0 e 1.
Para avaliar a adequação da amostra à aplicação da análise fatorial, recorreu-se à informação constante do quadro que se segue.
No desenvolvimento dessa etapa, recorreu-se ao aplicativo SPSS, versão 23, em que foram seguidas as etapas que a seguir se descrevem:
-
Análise da matriz das correlações anti-imagem, teste da esfericidade e medida KMO, com o objetivo de verificar se é adequada para a realização da análise.
-
Extração dos fatores de rotação pelo método Varimax, a fim de facilitar sua interpretação.
-
Interpretação dos fatores e análise dos escores obtidos.
-
Validação do modelo.
4. DIRIGENTES SUPERIORES: FATORES QUE INFLUENCIARAM A SELEÇÃO ENTRE 2004 E 2011
Aplicando-se à amostra em estudo os testes referenciados em nota de rodapé, obteve-se, com esse modelo, uma explicação de 60,7% de variância total na seleção de dirigentes superiores, por meio da agregação de 2 componentes, conforme tabelas e gráficosabaixo.
No gráfico abaixo, verifica-se a existência do ponto de inflexão no fator 3, pelo que, recorrendo ao critério do scree plot, o número de fatores a serem extraídos corresponde ao número de fatores à esquerda do ponto de inflexão (Cattell, 1966), ou seja, 2.
Na tabela abaixo são apresentados os factor loading após rotação, que permitem identificar a matriz de componentes.
5. DIRIGENTES INTERMÉDIOS: FATORES QUE INFLUENCIARAM A SELEÇÃO ENTRE 2004 E 2011
Feitos os testes, obteve-se, com esse modelo, uma explicação de 51,5% de variância total na seleção de dirigentes intermédios, com a agregação de 2 componentes, conforme tabelas e gráficos abaixo.
No gráfico abaixo, verifica-se a existência do ponto de inflexão no fator 3, pelo que, recorrendo ao critério do scree plot (Cattell, 1966), o número de fatores a serem extraídos corresponde ao número de fatores à esquerda do ponto de inflexão, ou seja, 2.
Na tabela abaixo são apresentados os fator loading após rotação que permitem identificar a matriz de componentes.
6. O PERFIL DO DIRIGENTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PORTUGUESA
6.1 Gênero
No que respeita à análise da amostra por gênero, verifica-se uma distribuição quase perfeita do total dos cargos de direção (50,2% no masculino contra 49,8% no feminino). Ainda que as diferenças não sejam particularmente relevantes, porém, quanto mais elevado é o cargo, maior é o peso de dirigentes do gênero masculino.
6.2 Idade
No que respeita à idade, 59,2% dos dirigentes têm mais de 46 anos. Entre 36 e 45 estão 35,3%, e, com menos de 36 anos, 5,5% (Tabela 6). A idade média dos dirigentes, tendo em consideração que as elas foram apresentadas em classes de amplitudes diferentes, foi calculada por recurso à identificação do centro de classe. Dessa forma, foi possível verificar que a idade média dos dirigentes da administração pública portuguesa é de ~48 anos. Se considerarmos apenas os superiores, a idade média é de aproximadamente 50 anos. Já a idade média dos intermédios é de ~47 anos.
6.3 Naturalidade
No que respeita à naturalidade dos dirigentes, a maioria é natural de Lisboa (31,10%). O segundo distrito com mais dirigentes naturais é o do Porto (10,4%). É também de salientar um peso relativamente elevado - terceira maior naturalidade de dirigentes - dos países africanos de língua oficial portuguesa (Palop), o que se pode justificar por uma tardia descolonização - entre aqueles, apenas 4,82% têm menos de 35 anos.
6.4 Habilitações literárias
No que diz respeito às habitações, e apesar de o Estatuto do Pessoal Dirigente (EPD) exigi-la como requisito para o desempenho de cargos de direção, 20 inquiridos não tinham licenciatura (aproximadamente 2%).
Quanto ao número de dirigentes com habilitações ao nível de mestrado ou doutorado, registra-se uma percentagem de 18,46% - dos quais apenas 2,8% são doutores. No que concerne à área de habilitação dos inquiridos, aquelas em que há mais dirigentes públicos são, não incluindo a categoria “outras áreas”, por ordem decrescente:
-
Direito;
-
Administração/Gestão pública;
-
Economia;
-
Gestão;
-
Ciências exatas.
6.5 Família: os ascendentes dos dirigentes
Uma das características mais apontadas ao patronage (Flinders, 2009; Montjoy & Watson, 1995) é o fato de estar conotado à distribuição de cargos na administração a pessoas familiares ou próximas de atuais titulares de cargo. A maioria dos dirigentes nunca teve ascendentes ou descendentes trabalhando na administração (64,42%); 31,95% afirma ter tidos ascendentes; 2,80%, descendentes; e 0,83%, ascendentes e descendentes.
Curiosamente, quanto maior o cargo de direção, menor é a porcentagem de ascendentes de dirigentes que haviam trabalhado no passado na administração. Essa relação já não se verifica nos casos em que os dirigentes têm descendentes na administração. Entre eles, apenas cerca de 27,28% afirmaram que os parentes não têm/tiveram funções de direção ou cargos políticos. Nota-se, porém, uma elevada porcentagem de inquiridos que preferiram não responder à questão (62,66%). Entre os que responderam, a maioria desempenhou um cargo de direção na administração pública (8,71%), e somente 1,5% um cargo político. Aproximadamente 10% afirmam que tiveram ou têm um ascendente ou descendente desempenhando funções de direção na administração ou cargos políticos. A distribuição das respostas não se altera em função do cargo desempenhado.
Um dos indicadores mais utilizados nas pesquisas de caracterização dos dirigentes públicos é a qualificação dos ascendentes. Na amostra, dos 964 respondentes, só 216 tinham, entre os ascendentes diretos, pais licenciados. A decomposição dos dados relativos às habilitações superiores dos ascendentes, por área de formação e tipo de cargo desempenhado, demonstra que as 3 mais comuns, não considerando áreas não categorizadas, foram:
Direção intermédia
-
Ciências exatas ou naturais/Saúde
-
Ciências da educação
-
Engenharia civil ou mecânica
Direção superior
-
Ciências da educação
-
Engenharia civil ou mecânica
-
Direito
6.6 Experiência no setor privado
Uma parte muito significativa dos dirigentes (superiores e intermédios) não tem experiência no setor privado (54,05%) e iniciou a carreira profissional diretamente na administração pública. Com experiência profissional no setor privado inferior a 10 anos há 40,35% de dirigentes. Com mais de 10, apenas 5,6%. Entre estes, os de grau de direção superior são maioria (8,33%), seguidos por dirigentes intermédios (5,21%) e por cargos de coordenação não inseridos no EPD (3,84%).
Se considerarmos apenas as funções de direção no setor privado, 78,63% dos dirigentes nunca a desempenharam. Os que têm experiência de direção no setor privado até 10 anos representam 15% de dirigentes, tendo os superiores maior representatividade (19,44%) face aos intermédios (14,71%). Com mais de 10 anos, a experiência de direção é idêntica, sendo os titulares de cargos de direção superior os que têm mais representatividade (7,64%) face aos cargos de direção intermédia (5,34%).
6.7 Experiência no setor público: carreira, antiguidade e cargos de direção
Somente 1,2% (dirigentes superiores) e 0,8% (dirigentes intermédios), entre todos os inquiridos, não tem vínculo com a Administração Pública. Isso se explica pelo fato de só poderem exercer funções de direção intermédia pessoas vinculadas à Administração - exceto se, numa primeira fase, o concurso tiver ficado deserto.
Só 12,4% dos dirigentes intermédios têm menos de 10 anos de setor público. A grande maioria tem mais de 11 anos na Administração (87,7%). Interessa conhecer, entre os que estão integrados à Administração ública, quais as carreiras de que são provenientes. Entre os respondentes, 4,10% não têm qualquer vínculo com a Administração. Entre os que se encontram vinculados à administração, a maior parte (69,30%) se encontra na situação de origem, na carreira de técnico superior, e 25,8% em carreiras especiais. Sem expressão e em carreiras para as quais não é exigida licenciatura está 0,7%, majoritariamente desempenhando funções de coordenação não integradas no EPD.
Mais da metade dos respondentes tem menos de 8 anos de experiência de direção, e 45% tem 9 ou mais anos. Com mais de 30 anos há apenas 1%, e a porcentagem de dirigentes com 16 a 30 anos de experiência é de 14,4%.
Entre os respondentes que tiveram mais funções de direção, encontram-se os superiores (18% tiveram 5 ou mais cargos), enquanto os intermédios e aqueles que desempenham cargos de coordenação representaram, respectivamente, 7,68% e 5,76%. A situação mais comum, no caso dos intermédios, é terem desempenhado até 2 cargos distintos (71,74%). Já no caso dos superiores, para alcançar os 50% é necessário considerar até 3 cargos de direção distintos.
Levando em conta as estruturas administrativas em que as funções acima referidas tiveram lugar, a maioria foi no Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social; no Ministério da Ciência, da Tecnologia e do Ensino Superior; e no Ministério das Finanças e da Administração Pública.2
O número de respostas evidenciadas foi superior aos inquiridos na medida em que se tem em consideração que os dirigentes desempenharam mais do que um cargo e que isso pode ter ocorrido em diferentes estruturas administrativas. Outro dado com interesse no âmbito do presente estudo diz respeito ao número de reconduções ou renovações de comissão de serviço, por referência à função de direção atual ou à última desempenhada. Cerca de um terço dos dirigentes intermédios e superiores nunca viu renovada sua comissão de serviço e se encontra no primeiro mandato. A tendência relativamente ao número de reconduções parece ser a mesma entre os cargos de direção previstos no EPD, diminuindo o número de dirigentes à medida que aumenta o de reconduções.
Com mais de 2 reconduções em funções de direção superior, isto é, mais de 9 anos no mesmo cargo (3 ou mais reconduções), existiam 18,74% de dirigentes. Já se considerarmos a porcentagem dos que tiveram 4 ou mais reconduções no mesmo cargo (mais de 12 anos), o valor reduz para 8,33%, o que demonstra relativa estabilidade no exercício de algumas das funções de direção superior.
Nos cargos de direção intermédia, com 3 ou mais reconduções em funções de direção, isto é, mais de 9 anos no mesmo cargo, existiam 22,13% de dirigentes. No entanto, se considerarmos a porcentagem dos que tiveram 4 ou mais reconduções no mesmo cargo (mais de 12 anos), o valor reduz para 10,15%, o que demonstra relativa estabilidade no exercício de algumas das funções de direção superior.
As funções de direção com mais estabilidade - quer para funções de direção superior, quer intermédia - se encontram nos ministérios correspondentes às áreas sociais: Ministério da Ciência, da Tecnologia e do Ensino Superior (MCTES), Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social (MTSS) e Ministério da Saúde (MS).
Os ministérios que contam com o maior número de dirigentes em primeiro mandato são: MCTES, MTSS, Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas (MADRP) e MS. Isso pode ser explicado pela dimensão do ministério e por uma maior representatividade de inquiridos desses órgãos. O aparecimento do MADRP pode estar relacionado à substituição de dirigentes decorrente das reformas associadas ao Programa de Reforma da Administração Central do Estado (Prace).
6.8 Formação profissional
Um número relativamente elevado de dirigentes que não teve qualquer formação técnica relevante para o exercício de funções de direção durante os 5 anos anteriores à data de aplicação do presente estudo (17,5%). Se a essa porcentagem somarmos o número de não respostas ou “não sei”, ela sobe para 27,9%. Esse valor se aproxima do número de dirigentes que se encontra pela primeira vez em comissão de serviço, permitindo o estatuto do pessoal dirigente que a formação obrigatória decorra até o fim da primeira comissão de serviço, sendo critério apenas para a renovação, e não para o provimento.
Quase dois terços dos respondentes (32,2%) têm mais de 120 horas de formação relevantes realizadas nos últimos 5 anos. O número de dirigentes que realizou ações de formação previstas no EPD foi maior após 2007, 3 anos depois de se tornar obrigatória.
6.9 Rotatividade e cessação de funções
A rotatividade de dirigentes é também um sinal de politização frequentemente utilizado. Os dados relativos à renovação da comissão de serviço dos dirigentes nomeados permitem verificar que 60,89% afirmam que suas comissões foram sempre renovadas. Quase 40% (39,11%) dizem que a comissão nem sempre foi renovada.
Entre aqueles que afirmaram que a comissão de serviço nem sempre foi renovada, a maioria (52,9%) refere que a razão se deve a “alterações estruturais na organização” (32,41%) ou “aceitação de outros cargos públicos” (20,50%). Apesar de 54,85% dos dirigentes assumir que a não renovação da comissão se deveu a fatores exógenos, 42,15% justifica a não renovação com fatores endógenos.
Se descontarmos, porém, a porcentagem relativa à “não renovação por aceitação de outros cargos de direção” (20,50%), os fatores endógenos caem para 31,10% e os exógenos aumentam para 68,99%. Nenhum dirigente menciona que a comissão de serviço não foi renovada por motivos relacionados à avaliação de desempenho em funções de direção.
Durante a vida profissional dos dirigentes, incluindo as funções desempenhadas atualmente, a maioria (68,36%) diz ter desempenhado um (35,79%) ou dois (32,57%) cargos de direção. À medida que o número de cargos distintos aumenta, diminui a quantidade de dirigentes com cargos desempenhados. O número médio de cargos distintos desempenhados é de 2,27 cargos - 2,95 nos de direção superior, 2,14 nos de direção intermédia e 1,82 nos de coordenação.
7. CONCLUSÃO
Em Portugal, as reformas das últimas décadas assentaram essencialmente no New Public Management, sendo ainda pouco sólida a abordagem prática da governança. Foi possível identificar/confirmar dois componentes que estão na origem da seleção dos dirigentes públicos: político e profissional, em linha com o descrito na literatura e agora demonstrado estatisticamente (Peters, 1996; Peters, 2001b; Downding, 1995; Downs, 1967 como citado em Rocha, 2005b; Goodnow & Weber, 1959 como citado em Rocha, 2000; Peters, 2001; Wilson, 1887), demonstrando, em linha com outros autores (Neuhold et al., 2013), a inexistência de fatores apenas neutrais e independentes do poder político, orientados exclusivamente pelo mérito. A natureza política da administração (Chevallier, 2002; Kellner, 1981; Mozzicafreddo, 2001; Waldo,1948 como citado em Stillman, 1997) faz com que o componente de profissionalização esteja também presente nos fatores identificados.
Quanto aos fatores associados ao componente profissional na seleção dos dirigentes superiores, que parecem ter maior peso do que o componente político, identificam-se: conhecimentos oriundos da área de formação/especialização; experiência anterior na administração pública; e funções semelhantes realizadas antes, como técnico na mesma área. No tocante ao componente político, os 3 principais fatores são: frequência, com regularidade, de círculos de decisão-chave; ideologia política; e filiação partidária.
Essa tendência de sobreposição dos fatores profissionais aos políticos se verifica também no nível dos dirigentes intermédios, sendo os 3 principais as competências comportamentais da pessoa, os conhecimentos oriundos da área de formação/especialização e as habilidades previstas no estatuto do pessoal dirigente, evidenciadas perante o júri de um concurso ou perante o dirigente que procede à nomeação.
Já no componente político, os fatores são, também por ordem de importância: ideologia política; frequência, com regularidade, de círculos de decisão-chave; e filiação partidária.
Foi possível confirmar duas das três hipóteses, não tendo sido possível confirmar totalmente a outra, conforme se apresenta em seguida.
No contexto da nova governança, no perfil dos dirigentes públicos, passa a ser essencial um conjunto de novas competências, associadas a novos papéis que aqueles devem desempenhar e que abalam a tradicional dicotomia política-administração, sendo o dirigente público de tipo ideal aquele que consegue intermediar a esfera política, a administrativa e, agora, a democrática-social. Nessa triangulação, é essencial, para potenciar a inovação e a resolução de problemas complexos que hoje se colocam ao Estado, que os dirigentes se concentrem em agregar preferências sociais, fomentar a participação em rede, moderar e conciliar interesses, construir consensos, garantir a representatividade de todos os interessados e a neutralidade e independência das propostas, assegurar a transparência dos processos participativos, dinamizar a informação e o conhecimento e comunicar.
Acredita-se que essa será a principal evolução no perfil dos dirigentes públicos e que, no caso português, embora a nova governança não esteja ainda plenamente implementada, deverão começar a ser tomadas iniciativas de modernização administrativa que conduzam o perfil dos dirigentes públicos para os desafios da sociedade. Aqui, terá particular importância o perfil de dirigente público, quer em nível de sua seleção, quer em nível de sua formação.
Conquanto se reconheça o interesse em conhecer melhor o impacto do modelo de funcionamento da Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CReSAP) na administração pública portuguesa, a opção tomada no âmbito do presente trabalho realça o período anterior à sua criação por duas razões: a primeira tem a ver com o período temporal que o presente trabalho exigiu, tendo-se sobreposto no tempo à transição do modelo de nomeação política anterior para o procedimento concursal da CReSAP, não tendo ainda decorrido o tempo considerado suficiente (superior a uma comissão de serviço); a segunda está relacionada à necessidade de conhecer as dinâmicas de relacionamento entre os atores políticos e administrativos em momento anterior e de criar a CReSAP para que, mais tarde, em outros estudos, se possa comparar o impacto de criação dela.
Incentivam-se, pois, estudos complementares ao que aqui termina que permitam comparar, em momento posterior ao atual, o relacionamento entre políticos e dirigentes públicos, decorrentes do modelo introduzido com a criação da CReSAP. Isso permitirá comparar, recorrendo à reavaliação das variáveis aqui tratadas, a evolução trazida pela CReSAP, decorrido o tempo necessário para a consolidação do sistema instituído.
Atendendo à natureza da temática em estudo e, não obstante se tenha definido um problema de pesquisa e várias hipóteses de estudo, recorrendo a metodologias quantitativas e qualitativas, acredita-se que o contributo principal terá sido dado na clarificação de modelos de estudo que permitam uma melhor abordagem futura dessa problemática, em particular criando condições para que, em estudos posteriores, possam ser realizadas comparações evolutivas da forma como a seleção de dirigentes públicos e os fenômenos de politização e/ou profissionalização evoluíram, em particular no contexto da implementação das reformas da Administração Pública portuguesa, designadamente da criação da CReSAP.
Pôde concluir-se ainda que, em linha com outros países, como a França, os dirigentes se posicionam, ideologicamente, mais à esquerda do que à direita, conforme já referenciado na literatura da especialidade (Rouban, 2007).
Apesar de em Portugal as reformas da administração terem tido algum impacto nas estruturas administrativas, isso não foi suficiente para que a autonomia da gestão se compadecesse com uma diminuição da politização da alta direção pública.
O contributo para o desenvolvimento teórico nessa área de estudo se centra na confirmação prática dos principais fatores que estão na origem da seleção de dirigentes públicos e na identificação de seus subfatores/critérios.
Os resultados alcançados permitirão também realizar comparações futuras entre países, comparando fatores e indicadores de politização e/ou profissionalização. Acredita-se que o estudo realizado dá um contributo para o estudo da disciplina da ciência da administração e para o conhecimento de relações e configurações político-administrativas no desenho e na implementação de políticas públicas.
REFERÊNCIAS
- Aberbach, J. D. (1988). Image IV Revisited: Executive and Political Roles. Governance, 1, 1-25.
- Aberbach, J. D., Putnam, R. D., & Rockman, B. A. (1981). Bureaucrats and politicians in western democracies Cambridge, MA: Harvard University Press.
- Catlaw, T. J., & Hu, Q. (2009). Legitimacy and public administration constructing the american bureaucratic fields. American Behavioral Scientist, 53(3), 458-481.
- Cattell, R. B. (1966). The scree test for the number of factors. Multivariate Behavioral Research, 1(2), 245-276.
- Chevallier, J. (Ed.) (2002). Science administrative Paris, France: PUF.
- Cohen, S., & Eimicke, W. (2011). Contraction Out. In M. Bevir. (Ed.), The SAGE handbook of governance (1 ed., pp. 576). London, UK: Sage.
-
Cope, S., Leishman, F., & Starie, P. (1997). Globalization, new public management and the enabling State. International Journal of Public Sector Management, 10(6), 444-460. Recuperado de https://doi.org/10.1108/09513559710190816
» https://doi.org/10.1108/09513559710190816 - deLeon, P., & Vogenbeck, A. M. (2007). Public Policy. In J. Rabin, W. B. Hildreth, & G. J. Miller. (Eds.), Handbook of Public Administration Boca Raton, FL: CRC Press Taylor & Francis.
- Denhardt, J., & Denhardt, R. (2007). The New Public Service: Serving, not Steering Armonk, NY: M. E. Sharpe.
- Dowding, K. M. (1995). Policy-making: civil servants in the cross fire. In K. Dowding. (Ed.), The Civil Service (pp. 108-128). London, UK: Routledge.
- Downs, A. (1978). Inside bureaucracy Boston, MA: Little.
- Eymeri, J.-M. (2001). Pouvoir politique et haute administration: une comparaison européenne Maastricht, The Netherlands: EIPA.
- Ferraz, D. (2008a). A selecção de dirigentes públicos no contexto da evolução do Estado e da administração: contributos para uma definição de uma política integrada (Dissertação de Mestrado), ISCTE, Lisboa, Portugal.
- Ferraz, D. (Ed.). (2008b). A alta direcção pública no contexto da evolução dos modelos Estado e de administração (Cadernos INA, vol. 36). Oeiras, Portugal: INA.
- Flinders, M. (2009). The politics of patronage in the United Kingdom: shrinking reach and diluted permeation. Governance, 22(4), 547-570.
- Giauque, D., Resenterra, F., & Siggen, M. (2009). Modernization routes and relations between political and administrative spheres in Switzerland. International Review of Administrative Sciences, 75, 687-713.
- Hood, C., & Lodge, M. (2006). The politics of public service bargains: reward, competency, loyalty-and blame Oxford, UK: Oxford University Press.
- Kaiser, H. F. (1958). The varimax criterion for analytic rotation in factor analysis.Psychometrika,23(3), 187-200.
- Kellner, P. e. L. C.-H. (1981). The civil servants. An inquiry into Britain’s ruling class London, UK: Raven Books.
- Mager, P. (1973). COOLEY, W. W. und P. R. LOHNES: Multivariate data analysis. J. Wiley and Sons Inc., New York1971, 364S. Biometrische Zeitschrift, 15(4), 294-295.
- Mintzberg, H. (1995). In Estrutura e dinâmica das organizações (pp. 345-408). Lisboa, Portugal: Dom Quixote.
- Montjoy, R. S., & Watson, D. J. (1995). A case for reinterpreted dichotomy of politics and administration as a professional standard in council-manager government. Public Administration Review, 55(3), 231.
- Moreira, J. M., & Alves, A. A. (2010). Gestão pública e teoria das burocracias Oeiras, Portugal: INA.
- Mozzicafreddo, J. (2001). Modernização da administração pública e poder político. In J. Mozzicafreddo & J. Gomes (Eds.), Administração e política: perspectivas de reforma da administração pública na Europa e nos Estados Unidos Oeiras, Portugal: Celta Editora.
- Mulgan, R. (2007). Truth in Government and the politicization of public service advice. Public Administration, 85(3), 569-586.
- Neuhold, C., Vanhoonacker, S., & Verhey, L. (Eds.). (2013).Civil servants and politics: a delicate balance New York, NY: Springer.
- Peters, B. G. (1986). The relationship between civil servants and political executives Glasgow, UK: University of Strathclyde Centre for the Study of Public Policy.
- Peters, B. G. (1987). Politicians and bureaucrats in the politics of policy-making. In J. E. Lane (Ed.), Bureaucracy and Public Choice (pp. 256-282). London, UK: Sage.
- Peters, B. G. (2001a). The future of governing (2. ed.). Lawrence, KS: University Press of Kansas.
- Peters, B. G. (Ed.) (1996). The future of governing: four emerging models Lawrence, KS: University Press of Kansas .
- Peters, B. G. (Ed.) (2001b). The politics of bureaucracy (5 ed.). London, UK: Routledge.
- Peters, B. G., & Pierre, J. (2004). Politicization of the civil service in comparative perspective London, UK: Routledge .
- Pitschas, R. (2003). Reformas da Administração Pública na União Europeia-Porque necessitamos de mais ética no serviço público. In J. Mozzicafreddo, J. S. Gomes, & J. S. Batista. (Orgs.), Ética e Administração - Como modernizar os serviços públicos?(pp. 31-46). Oeiras, Portugal: Celta Editora .
- Rocha, J. A. O. (2000). Gestão de recursos humanos na administração pública Lisboa, Portugal: MGI - Management Global Information.
- Rocha, J. A. O. (2005a). Gestão de recursos humanos na administração pública Lisboa, Portugal: Escolar Editora.
-
Rocha, J. A. O. (2005b). Quadro geral da evolução da gestão de recursos humanos na administração pública. Recuperado dehttp://hdl.handle.net/1822/290
» http://hdl.handle.net/1822/290 - Rocha, J. A. O. (2009). Gestão pública e modernização administrativa Oeiras, Portugal: INA.
- Rouban, L. (2007). Public Management and Politics: Senior Bureaucrats in France. Public Administration, 85, 473-502.
- Stillman, R. (1997). American vs. european public administration: does public administration make the modern state or does the state make public administration. Public Administration Review, 57(4), 332-338.
-
Stoker, G. (2006). Public Value Management: A New Narrative for Networked Governance? The American Review of Public Administration, 36(1), 41-57. Recuperado de https://doi.org/10.1177/0275074005282583
» https://doi.org/10.1177/0275074005282583 -
The Northcote-Trevelyan Report. (1954). Public Administration, 32(1), 1-16. Recuperado de https://doi.org/10.1111/j.1467-9299.1954.tb01719.x
» https://doi.org/10.1111/j.1467-9299.1954.tb01719.x
-
1
Os estatutos do pessoal dirigente anteriores tinham também essa distinção presente. Não se trata, portanto, de uma inovação do novo estatuto. Ainda assim, importa demonstrar que a lei continua a realizar tal distinção.
-
2
Designação dos ministérios à data de realização do inquérito por questionário.
-
3
Ainda que alguns possam ser os mesmos, surgem com importância relativa distinta.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
02 Nov 2020 -
Data do Fascículo
Sep-Oct 2020
Histórico
-
Recebido
15 Nov 2019 -
Aceito
11 Jun 2020