As coinfecções têm sido uma realidade nos pacientes acometidos pelo novo coronavírus (COVID-19), em especial naqueles com acometimento grave, incluindo infecções secundárias bacterianas, fúngicas e mesmo outros vírus, sendo descrita coinfecção bacteriana em até 14,3% dos pacientes criticamente acometidos(1).
No número anterior da Radiologia Brasileira, o artigo de Mançano et al.(2) aborda a associação especial entre dois independentes, graves e prioritários problemas de saúde pública no Brasil e no mundo: um deles de evolução milenar, a tuberculose, e outro recente, pela COVID-19. Atualmente, estima- se que um quarto da população mundial (aproximadamente 2 bilhões de pessoas) encontrem-se infectados pela primeira, e até o momento computam-se cerca de 282 milhões de casos confirmados de COVID-19(3,4). Um rápido paralelo entre as doenças permite perceber semelhanças, como, por exemplo, a transmissão aerógena, os sintomas (tosse e febre), o potencial para sequelas estruturais pulmonares e o estigma social que determinam. Por outro lado, marcantes diferenças são evidentes, como, por exemplo, enquanto a COVID-19 usualmente apresenta curso benigno em crianças, 16% das mortes por tuberculose em indivíduos HIV negativos aconteceram neste grupo etário em 2020(3,5).
Sob a perspectiva da tuberculose como um grave problema de saúde pública mundial, a consequência imediata da pandemia da COVID-19 foi a redução de novos diagnósticos/notificações. O antes crescente número de notificações de tuberculose no mundo entre 2017 e 2019 foi seguido de uma redução de 18% no intervalo entre 2019 e 2020 (de 7,1 milhões para 5,8 milhões), estando o Brasil entre os países que mais contribuíram para esta redução(3). Concomitante a este panorama, houve um aumento dos óbitos por tuberculose tanto nas áreas global, regional e por países, revertendo anos de progresso na redução do número de mortes pela doença(3).
Do ponto de vista do indivíduo, o aspecto de maior relevância seria a possibilidade de maior gravidade e mortalidade em pacientes coinfectados com COVID-19 e tuberculose(1,6,7). As metanálises e revisões sistemáticas de Sarkar et al.(1) e Aggarwal et al.(7) demonstraram risco aproximadamente duas vezes maior de mortalidade em pacientes coinfectados com tuberculose e SARS-CoV-2. Este aumento seria similar ao relatado para outras comorbidades (por exemplo: diabetes, hipertensão e doenças cardiovasculares), que conhecidamente afetam negativamente o prognóstico dos pacientes com COVID-19(7). Contudo, na revisão de Gao et al.(6), os autores não encontraram significância estatística no aumento da mortalidade em pacientes coinfectados. Dentre as situações que poderiam afetar o desfecho da associação, citam-se idade avançada, sexo masculino, manifestações avançadas da tuberculose, tuberculose multirresistente, bem como uso de ventilação invasiva no curso da COVID-19(8,9).
Aspecto que aproxima o manejo das duas doenças é a relevância da avaliação por métodos de imagem. A imagem faz parte da investigação inicial na suspeita de tuberculose ativa (em especial, a radiografia do tórax), inclusive podendo dar suporte a eventual tratamento empírico nos pacientes com clínica/imagem sugestivos e sem detecção da micobactéria no escarro ou teste rápido molecular específico(10). Na pandemia por COVID-19, os métodos de imagem têm sido largamente utilizados, tanto para fins de suporte diagnóstico quanto para auxílio na estratificação de gravidade, e embora de maneira geral sejam desaconselhados como ferramenta de triagem, estão indicados em contextos clínicos específicos, por exemplo, em pacientes com quadro clínico moderado/grave ou em risco de progressão e situações como indisponibilidade do PCR, auxílio na decisão de internação em ambiente hospitalar/unidades de terapia intensiva e avaliação de diagnósticos diferenciais ou outras doenças associadas(11-17). Diversos sistemas de estratificação de probabilidade COVID-19 foram publicados no curso da pandemia, tanto para estudos radiográficos quanto para tomografia do tórax, com concordância interobservador variável(18).
Embora ainda exista relevante argumentação na literatura a respeito da relação causal ou fortuita da associação entre as duas doenças, o fato é que o dueto se apresenta potencialmente deletério, tanto do ponto de vista individual quanto de saúde pública, merecendo atenção especial a situação de países em desenvolvimento, com maiores taxas de infecção por tuberculose e privação de recursos(3,19,20). Nesse contexto, e considerando-se o relevante papel dos radiologistas no auxílio à condução desses dois agravos, o artigo de Mançano et al.(2) merece atenção especial.
Referências bibliográficas
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
16 Mar 2022 -
Data do Fascículo
Mar-Apr 2022