Sr. Editor,
Paciente do sexo feminino, nascida a termo, sem intercorrências. Após 12 dias de vida, foi atendida na emergência pediátrica com quadro clínico de vômitos pós-prandiais frequentes, perda de peso e irritabilidade. As eliminações fisiológicas estavam presentes, segundo relato materno. O exame físico revelou distensão abdominal. Os achados laboratoriais eram compatíveis com anemia ferropriva. A radiografia de abdome mostrou distensão gasosa do estômago e duodeno proximal, sem a presença de gás distalmente, caracterizando o típico sinal da dupla bolha (Figura 1A). Os achados foram sugestivos de obstrução duodenal. A ultrassonografia de abdome confirmou os achados da radiografia, revelando distensão do estômago e duodeno, e demonstrou presença de tecido envolvendo o duodeno, sugerindo o diagnóstico de pâncreas anular como causa da obstrução duodenal (Figuras 1B e 1C). A paciente foi submetida a laparotomia exploradora, na qual se confirmou o diagnóstico de obstrução duodenal por pâncreas anular (Figura 1D). O procedimento cirúrgico realizado foi duodenostomia diamond-shaped e a paciente apresentou boa evolução pós-operatória.
A: Radiografia do abdome mostrando distensão gasosa no estômago e duodeno, com pobreza de gás distalmente, caracterizando o sinal da “dupla bolha”. B,C: Ultrassonografia do abdome demonstrando o tecido pancreático (cabeças de setas em B) envolvendo parcialmente o duodeno (setas em C). D: Fotografia obtida durante laparotomia confirmando a presença do tecido pancreático (setas) envolvendo o duodeno.
Afecções abdominais agudas são motivo de estudos recentes na literatura radiológica(11 Miranda CLVM, Sousa CSM, Cordão NGNP, et al. Intestinal perforation: an unusual complication of barium enema. Radiol Bras. 2017;50:339-40.
2 Pessôa FMC, Bittencourt LK, Melo ASA. Ogilvie syndrome after use of vincristine: tomographic findings. Radiol Bras. 2017;50:273-4.
3 Niemeyer B, Correia RS, Salata TM, et al. Subcapsular splenic hematoma and spontaneous hemoperitoneum in a cocaine user. Radiol Bras. 2017;50:136-7. - 44 Queiroz RM, Sampaio FDC, Marques PE, et al. Pylephlebitis and septic thrombosis of the inferior mesenteric vein secondary to diverticulitis. Radiol Bras. 2018;51:336-7.). A obstrução duodenal congênita é relativamente comum durante o período neonatal e pode ser dividida em completa ou parcial, intrínseca ou extrínseca. A obstrução duodenal extrínseca apresenta muitas causas, incluindo pâncreas anular, má rotação e veia porta anterior(55 Yigiter M, Yildiz A, Firinci B, et al. Annular pancreas in children: a decade of experience. Eurasian J Med. 2010;42:116-9.).
O pâncreas anular é uma malformação congênita rara, caracterizada pelo desenvolvimento de uma banda de tecido pancreático que circunda total ou parcialmente a segunda porção duodenal, determinando graus diferentes de obstrução(66 Schmidt MK, Osvaldt AB, Fraga JCS, et al. Pâncreas anular - ressecção pancreática ou derivação duodenal. Rev Assoc Med Bras. 2004;50:74-8.). Sua origem embriológica tem início entre a quinta e a sétima semana gestacional, quando os dois brotos pancreáticos, dorsal e ventral, acompanham o processo de rotação intestinal(66 Schmidt MK, Osvaldt AB, Fraga JCS, et al. Pâncreas anular - ressecção pancreática ou derivação duodenal. Rev Assoc Med Bras. 2004;50:74-8., 77 Sandrasegaran K, Patel A, Fogel EL, et al. Annular pancreas in adults. AJR Am J Roentgenol. 2009;193:455-60.). Nesse período o duodeno sofre uma rotação da esquerda para a direita, normalmente acompanhada pelo broto pancreático ventral, que migra posterior e inferiormente, fundindo-se à porção mais caudal da cabeça pancreática e ao processo uncinado, enquanto o broto dorsal se desenvolverá em corpo e cauda do pâncreas(66 Schmidt MK, Osvaldt AB, Fraga JCS, et al. Pâncreas anular - ressecção pancreática ou derivação duodenal. Rev Assoc Med Bras. 2004;50:74-8.). O pâncreas anular deve-se a uma falha da rotação do broto ventral, resultando no encarceramento do duodeno(77 Sandrasegaran K, Patel A, Fogel EL, et al. Annular pancreas in adults. AJR Am J Roentgenol. 2009;193:455-60.). Em geral, o pâncreas anular é sintomático nas crianças, especialmente no período neonatal(55 Yigiter M, Yildiz A, Firinci B, et al. Annular pancreas in children: a decade of experience. Eurasian J Med. 2010;42:116-9.), e os principais sintomas são os vômitos biliosos e a distensão abdominal(66 Schmidt MK, Osvaldt AB, Fraga JCS, et al. Pâncreas anular - ressecção pancreática ou derivação duodenal. Rev Assoc Med Bras. 2004;50:74-8.). Nos adultos, usualmente os pacientes são assintomáticos, sendo descoberto acidentalmente(55 Yigiter M, Yildiz A, Firinci B, et al. Annular pancreas in children: a decade of experience. Eurasian J Med. 2010;42:116-9., 88 Türkvatan A, Erden A, Türkoglu MA, et al. Congenital variants and anomalies of the pancreas and pancreatic duct: imaging by magnetic resonance cholangiopancreaticography and multidetector computed tomography. Korean J Radiol. 2013;14:905-13.).
Na radiografia de abdome observa-se o sinal da “dupla bolha”, indicativo de obstrução duodenal. A ultrassonografia é o primeiro exame na investigação de dor abdominal em crianças e revela duodeno distendido por líquido, podendo identificar a segunda porção duodenal encarcerada pelo tecido pancreático. Na tomografia computadorizada o tecido pancreático também pode ser visto envolvendo o duodeno(99 Nijs E, Callahan MJ, Taylor GA. Disorders of the pediatric pancreas: imaging features. Pediatr Radiol. 2005;35:358-73.). Em geral, também são realizados exames endoscópicos, mas deve-se ter em mente que ainda que a associação de achados radiológicos e endoscópicos sugira a presença de pâncreas anular, o diagnóstico definitivo só é firmado durante a intervenção cirúrgica. A realização de uma laparotomia em paciente com sintomas obstrutivos, com identificação de uma banda de tecido pancreático que circunda a segunda porção do duodeno, reforça a hipótese diagnóstica confirmada com o exame da peça ressecada(66 Schmidt MK, Osvaldt AB, Fraga JCS, et al. Pâncreas anular - ressecção pancreática ou derivação duodenal. Rev Assoc Med Bras. 2004;50:74-8.).
REFERENCES
-
1Miranda CLVM, Sousa CSM, Cordão NGNP, et al. Intestinal perforation: an unusual complication of barium enema. Radiol Bras. 2017;50:339-40.
-
2Pessôa FMC, Bittencourt LK, Melo ASA. Ogilvie syndrome after use of vincristine: tomographic findings. Radiol Bras. 2017;50:273-4.
-
3Niemeyer B, Correia RS, Salata TM, et al. Subcapsular splenic hematoma and spontaneous hemoperitoneum in a cocaine user. Radiol Bras. 2017;50:136-7.
-
4Queiroz RM, Sampaio FDC, Marques PE, et al. Pylephlebitis and septic thrombosis of the inferior mesenteric vein secondary to diverticulitis. Radiol Bras. 2018;51:336-7.
-
5Yigiter M, Yildiz A, Firinci B, et al. Annular pancreas in children: a decade of experience. Eurasian J Med. 2010;42:116-9.
-
6Schmidt MK, Osvaldt AB, Fraga JCS, et al. Pâncreas anular - ressecção pancreática ou derivação duodenal. Rev Assoc Med Bras. 2004;50:74-8.
-
7Sandrasegaran K, Patel A, Fogel EL, et al. Annular pancreas in adults. AJR Am J Roentgenol. 2009;193:455-60.
-
8Türkvatan A, Erden A, Türkoglu MA, et al. Congenital variants and anomalies of the pancreas and pancreatic duct: imaging by magnetic resonance cholangiopancreaticography and multidetector computed tomography. Korean J Radiol. 2013;14:905-13.
-
9Nijs E, Callahan MJ, Taylor GA. Disorders of the pediatric pancreas: imaging features. Pediatr Radiol. 2005;35:358-73.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Ago 2019 -
Data do Fascículo
Jul-Aug 2019
Histórico
-
Recebido
22 Out 2017 -
Aceito
28 Nov 2017