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Um novo sinal na neuroimagem da paracoccidioidomicose

A paracoccidioidomicose (PCM) é uma doença fúngica sistêmica causada pelo Paracoccidioides brasiliensis e pelo Paracoccidioides lutzii(11 Shikanai-Yasuda MA, Mendes RP, Colombo AL, et al. Brazilian guidelines for the clinical management of paracoccidioidomycosis. Epidemiol Serv Saude. 2018;27(spe):e0500001.). Duas formas clínicas principais de PCM são descritas: a forma aguda ou subaguda (tipo juvenil) e a forma crônica (tipo adulto)(22 Franco M, Montenegro MR, Mendes RP, et al. Paracoccidioidomycosis: a recently proposed classification of its clinical forms. Rev Soc Bras Med Trop. 1987;20:129-32.). Sua forma crônica (tipo adulto) é uma doença endêmica nas Américas do Sul e Central, afetando predominantemente os trabalhadores rurais, geralmente entre os 30 e 50 anos de idade, com nítida predominância pelo sexo masculino. No Brasil, a PCM acontece principalmente nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Mato Grosso(33 Trad HS, Trad CS, Elias Junior J, et al. Revisão radiológica de 173 casos consecutivos de paracoccidioidomicose. Radiol Bras. 2006;39:175-9.). A doença é adquirida pela inalação dos conídios produzidos na forma micelial, que se transforma na forma leveduriforme, causando classicamente uma infecção pulmonar benigna. Posteriormente, a doença pode se disseminar por via hematogênica e/ou linfática para outros órgãos(44 Borges-Walmsley MI, Chen D, Shu X, et al. The pathobiology of Paracoccidioides brasiliensis. Trends Microbiol. 2002;10:80-7.). É mais comum em hospedeiros imunocompetentes. Uma pequena porcentagem ocorre em pacientes imunocomprometidos, o que, na grande maioria, tem sido relatado em pacientes com HIV(55 Almeida Jr JN, Peçanha-Pietrobom PM, Colombo AL. Paracoccidioidomycosis in immunocompromised patients: a literature review. J. Fungi (Basel). 2018;5:2.).

Nas últimas décadas, com o desenvolvimento da neuroimagem, verificou-se que o acometimento do sistema nervoso central (SNC) é muito mais comum do que se pensava, podendo acontecer em até a 36% dos casos(66 Oliveira VF, Magri MMC, Levin AS, et al. Systematic review of neuroparacoccidioidomycosis: the contribution of neuroimaging. Mycoses. 2023;66: 168-75.). Duas formas principais de neuroparacoccidioidomicose (NPCM) são descritas: a forma meníngea e a forma pseudotumoral(77 Lorenzoni PJ, Chang MR, Paniago AMM, et al. Paracoccidioidomycosis meningitis: case report. Arq Neuropsiquiatr. 2002;60:1015-8.,88 Gasparetto EL, Liu CB, Carvalho Neto A, et al. Central nervous system paracoccidioidomycosis: imaging findings in 17 cases. J Comput Assist Tomogr. 2003;27:12-7.). Dessas, a forma pseudotumoral é a mais comum, apresentando-se com granulomas únicos ou múltiplos no parênquima encefálico ou na medula espinhal(99 Elias Jr J, Santos AC, Carlotti Jr CG, et al. Central nervous system paracoccidioidomycosis: diagnosis and treatment. Surg Neurol. 2005;63 Suppl 1:S13-21.). Os achados radiológicos são bastante variáveis. Na tomografia computadorizada, o padrão mais comumente descrito é a de lesão hipodensa com realce anelar, o que não auxilia muito no diagnóstico etiológico por se assemelhar a muitas doenças granulomatosas do SNC ou mesmo a algumas neoplasias cerebrais. A presença de lesões calcificadas com realce anelar ou lesões multiloculadas auxilia mais no diagnóstico de NPCM, porém, são padrões menos comumente encontrados. Na ressonância magnética (RM), os principais achados descritos são hiperintensidade na imagem ponderada em T1 e hipointensidade na imagem ponderada em T2. O realce periférico, em um padrão de “realce em anel”, é o padrão mais consistente nas imagens ponderadas em T1 pós-contraste. Também são encontrados padrões nodulares, heterogêneos, leptomeníngeos e paquimeníngeos de realce pelo contraste. Mais recentemente, foram descritos os aspectos em técnicas avançadas de RM quantitativa, como DWI, SWI, espectroscopia de prótons e perfusão por RM. A restrição à difusão foi encontrada em menos de 50% dos casos. Na espectroscopia foram encontrados picos lipídicos. No SWI foi descrito o sinal da borda dupla, semelhante ao abscesso cerebral piogênico. Assim, mesmo as novas técnicas se mostraram inespecíficas e com sobreposição com outras doenças do SNC(66 Oliveira VF, Magri MMC, Levin AS, et al. Systematic review of neuroparacoccidioidomycosis: the contribution of neuroimaging. Mycoses. 2023;66: 168-75.,1010 Rosa Júnior M, Amorim AC, Baldon IV, et al. Paracoccidioidomycosis of the central nervous system: CT and MR imaging findings. AJNR Am J Neuroradiol. 2019;40:1681-8.). Com isso, em áreas endêmicas, como o Brasil, esse diagnóstico deve ser considerado como diagnóstico diferencial, quando uma massa com realce em anel é observada na neuroimagem(88 Gasparetto EL, Liu CB, Carvalho Neto A, et al. Central nervous system paracoccidioidomycosis: imaging findings in 17 cases. J Comput Assist Tomogr. 2003;27:12-7.,99 Elias Jr J, Santos AC, Carlotti Jr CG, et al. Central nervous system paracoccidioidomycosis: diagnosis and treatment. Surg Neurol. 2005;63 Suppl 1:S13-21.). Em razão da inespecificidade dos métodos de imagem, biópsia cerebral ainda é o método mais utilizado para o diagnóstico definitivo de NPCM(66 Oliveira VF, Magri MMC, Levin AS, et al. Systematic review of neuroparacoccidioidomycosis: the contribution of neuroimaging. Mycoses. 2023;66: 168-75.).

Ainda não está claro qual deve ser o tratamento de escolha para a NPCM, pois o utilizado nos estudos é muito heterogêneo. As drogas mais empregadas são trimetoprim-sulfametoxazol e anfotericina B. Mesmo com o tratamento, cerca de 76% dos pacientes apresentam sequelas e o atraso no início do tratamento contribui para uma maior incidência delas(66 Oliveira VF, Magri MMC, Levin AS, et al. Systematic review of neuroparacoccidioidomycosis: the contribution of neuroimaging. Mycoses. 2023;66: 168-75.).

O artigo “Star of Bethlehem sign” in the analysis of the evolution of brain lesions during and after treatment for neuroparacoccidioidomycosis, de autoria de Santana et al.(1111 Santana LM, Peçanha PM, Falqueto A, et al. “Star of Bethlehem sign” in the analysis of the evolution of brain lesions during and after treatment for neuroparacoccidioidomycosis. Radiol Bras. 2023;56:000-000.) e publicado neste número da Radiologia Brasileira, apesar de ser uma análise retrospectiva, faz uma contribuição significativa ao realizar uma abordagem diferente de outros trabalhos, trazendo pela primeira vez na literatura uma análise evolutiva do aspecto de imagem por RM pós-tratamento, analisando um total de 56 lesões cerebrais de NPCM. Nesse trabalho foi encontrado que em lesões menores que 1,2 cm, 84,4% desapareceram durante o tratamento, enquanto as lesões maiores tendem, mesmo com o tratamento, a se manter estáveis em tamanho e com manutenção do realce periférico. Isso pode indicar que a instituição precoce do tratamento pode melhorar o prognóstico do paciente. Além disso, os autores descrevem um interessante achado, nomeado por eles como “Star of Bethlehem sign”, que seria a presença de um nódulo excêntrico mural, com realce pós-contraste, observado em lesões maiores que 1,2 cm e que desapareceu com o tratamento. Assim, seu desaparecimento pode ser um marcador de inatividade da lesão, visto que os outros aspectos de tamanho e realce periférico persistiram ao longo do tempo, mesmo após o término do tratamento. Outros estudos prospectivos e com biópsia dessas lesões pós-tratamento podem vir a corroborar essa hipótese.

REFERENCES

  • 1
    Shikanai-Yasuda MA, Mendes RP, Colombo AL, et al. Brazilian guidelines for the clinical management of paracoccidioidomycosis. Epidemiol Serv Saude. 2018;27(spe):e0500001.
  • 2
    Franco M, Montenegro MR, Mendes RP, et al. Paracoccidioidomycosis: a recently proposed classification of its clinical forms. Rev Soc Bras Med Trop. 1987;20:129-32.
  • 3
    Trad HS, Trad CS, Elias Junior J, et al. Revisão radiológica de 173 casos consecutivos de paracoccidioidomicose. Radiol Bras. 2006;39:175-9.
  • 4
    Borges-Walmsley MI, Chen D, Shu X, et al. The pathobiology of Paracoccidioides brasiliensis. Trends Microbiol. 2002;10:80-7.
  • 5
    Almeida Jr JN, Peçanha-Pietrobom PM, Colombo AL. Paracoccidioidomycosis in immunocompromised patients: a literature review. J. Fungi (Basel). 2018;5:2.
  • 6
    Oliveira VF, Magri MMC, Levin AS, et al. Systematic review of neuroparacoccidioidomycosis: the contribution of neuroimaging. Mycoses. 2023;66: 168-75.
  • 7
    Lorenzoni PJ, Chang MR, Paniago AMM, et al. Paracoccidioidomycosis meningitis: case report. Arq Neuropsiquiatr. 2002;60:1015-8.
  • 8
    Gasparetto EL, Liu CB, Carvalho Neto A, et al. Central nervous system paracoccidioidomycosis: imaging findings in 17 cases. J Comput Assist Tomogr. 2003;27:12-7.
  • 9
    Elias Jr J, Santos AC, Carlotti Jr CG, et al. Central nervous system paracoccidioidomycosis: diagnosis and treatment. Surg Neurol. 2005;63 Suppl 1:S13-21.
  • 10
    Rosa Júnior M, Amorim AC, Baldon IV, et al. Paracoccidioidomycosis of the central nervous system: CT and MR imaging findings. AJNR Am J Neuroradiol. 2019;40:1681-8.
  • 11
    Santana LM, Peçanha PM, Falqueto A, et al. “Star of Bethlehem sign” in the analysis of the evolution of brain lesions during and after treatment for neuroparacoccidioidomycosis. Radiol Bras. 2023;56:000-000.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Jul/Ago 2023
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