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Recomendações do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem, da Sociedade Brasileira de Mastologia e da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia para o rastreamento do câncer de mama

Resumo

Objetivo:

Apresentar as recomendações do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem, da Sociedade Brasileira de Mastologia e da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia para o rastreamento por imagem do câncer de mama no Brasil.

Materiais e métodos:

Foram analisados os estudos científicos disponíveis nas bases científicas Medline e Lilacs. Na ausência de dados probatórios, as recomendações refletiram o consenso da comissão de especialistas.

Recomendações:

O rastreamento mamográfico anual é recomendado para as mulheres entre 40 e 74 anos. Acima de 75 anos deve ser reservado para as mulheres que tenham expectativa de vida maior que 7 anos. O rastreamento complementar com ultrassonografia deve ser considerado para as mulheres com mamas densas. O rastreamento complementar com ressonância magnética é recomendado para as mulheres com alto risco. A tomossíntese é uma forma de mamografia que pode ser considerada para o rastreamento do câncer de mama, quando disponível.

Unitermos:
Rastreamento do câncer de mama; Mamografia; Ultrassonografia; Ressonância magnética

Abstract

Objective:

To present the current recommendations for breast cancer screening in Brazil, as devised by the Brazilian College of Radiology and Diagnostic Imaging, the Brazilian Breast Disease Society, and the Brazilian Federation of Gynecological and Obstetrical Associations.

Materials and methods:

We analyzed scientific studies available in the Medline and Lilacs databases. In the absence of evidence, the recommendations reflected the consensus of a panel of experts.

Recommendations:

Annual mammography screening is recommended for women 40-74 years of age. Among women ≥ 75 years of age, annual mammography screening should be reserved for those with an expected survival > 7 years. Complementary ultrasound should be considered for women with dense breasts. Complementary magnetic resonance imaging is recommended for women at high risk. When available, an advanced form of mammography known as tomosynthesis can be considered as a means of screening for breast cancer.

Keywords:
Breast cancer screening; Mammography; Ultrasound; Magnetic resonance imaging

INTRODUÇÃO

A mortalidade pelo câncer de mama tem sido reduzida em vários países com programas organizados de rastreamento(11 Myers ER, Moorman P, Gierisch JM, et al. Benefits and harms of breast cancer screening: a systematic review. JAMA. 2015;314:1615-34.,22 Feig SA. Screening mammography benefit controversies: sorting the evidence. Radiol Clin North Am. 2014;52:455-80.). No Brasil, apesar de todos os esforços empregados, tem-se observado aumento, tanto na incidência quanto na mortalidade(33 Gonzaga CM, Freitas-Junior R, Souza MR, et al. Disparities in female breast cancer mortality rates between urban centers and rural areas of Brazil: ecological time-series study. Breast. 2014;23:180-7.

4 Freitas-Junior R, Rodrigues DCN, Corrêa RS, et al. Contribution of the Unified Health Care System to mammography screening in Brazil, 2013. Radiol Bras. 2016;49:305-10.
-55 Badan GM, Roveda Junior D, Ferreira CAP, et al. Complete internal audit of a mammography service in a reference institution for breast imaging. Radiol Bras. 2014;47:74-8.). Uma particularidade do câncer de mama no Brasil e em outros países em desenvolvimento é que a sua incidência nas mulheres com idade entre 40 e 50 anos é proporcionalmente maior que a de países desenvolvidos(66 Forouzanfar MH, Foreman KJ, Delossantos AM, et al. Breast and cervical cancer in 187 countries between 1980 and 2010: a systematic analysis. Lancet. 2011;378:1461-84.

7 Martins E, Freitas-Junior R, Curado MP, et al. Temporal evolution of breast cancer stages in a population-based cancer registry in the Brazilian central region. Rev Bras Ginecol Obstet. 2009;31:219-23.
-88 De Castro Mattos JS, Mauad EC, Syrjänen K, et al. The impact of breast cancer screening among younger women in the Barretos Region, Brazil. Anticancer Res. 2013;33:2651-5.).

Ações que visam a padronizar o rastreamento do câncer de mama, assim como a esclarecer a população sobre a importância da sua realização, devem ser estimuladas. Em 2012, o Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR), a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), por meio da Comissão Nacional de Mamografia, publicaram as recomendações para o rastreamento por imagem do câncer de mama no Brasil(99 Urban LABD, Schaefer MB, Duarte DL, et al. Recommendations of Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem, Sociedade Brasileira de Mastologia, and Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia for imaging screening for breast cancer. Radiol Bras. 2012;45:334-9.). O objetivo do presente artigo é apresentar uma atualização dessas recomendações, com base nas publicações científicas mais recentes e relevantes sobre o tema.

MÉTODO DE TRABALHO

Foram analisados os estudos científicos disponíveis nas bases científicas Medline e Lilacs, para responder a questão clínica: "Qual o impacto da mamografia, ultrassonografia, ressonância magnética e tomossíntese no rastreamento do câncer de mama de acordo com a faixa etária e risco pessoal e familiar?". A avaliação foi baseada nos níveis de evidência científica do Oxford Centre for Evidence-Based Medicine(1010 Centre for Evidence-Based Medicine. Oxford centre for evidencebased medicine - levels of evidence. [cited 2017 March 23]. Available from: http://www.cebm.net/oxford-centre-evidence-based-medicine-levels-evidence-march-2009
http://www.cebm.net/oxford-centre-eviden...
) e nos critérios da Grading of Recommendations Assessment, Development and Evaluation(1111 Guyatt GH, Oxman AD, Vist GE, et al. GRADE: an emerging consensus on rating quality of evidence and strength of recommendations. BMJ. 2008;336:924-6.). Na ausência de dados probatórios, as recomendações refletiram o consenso da comissão de especialistas das três entidades.

As recomendações foram classificadas em quatro categorias, descritas abaixo, de acordo com o grau de evidência científica e de consenso entre os especialistas.

Categoria A - Recomendação baseada em fortes evidências científicas, com consenso uniforme entre o CBR, a SBM e a Febrasgo para que esta recomendação seja apoiada vigorosamente.

Categoria B - Recomendação baseada em razoáveis evidências científicas, com consenso uniforme entre o CBR, a SBM e a Febrasgo para que esta recomendação seja apoiada vigorosamente.

Categoria C - Recomendação baseada em poucas evidências científicas, mas com consenso entre o CBR, a SBM e a Febrasgo para que esta recomendação seja apoiada vigorosamente.

Categoria D - Recomendação baseada em consenso de especialistas entre o CBR, a SBM e a Febrasgo para que esta recomendação seja apoiada.

Essas recomendações serão revistas a cada três anos.

RECOMENDAÇÕES PARA O RASTREAMENTO

RASTREAMENTO DAS MULHERES COM RISCO POPULACIONAL USUAL

Mamografia

  • Recomenda-se o rastreamento anual com mamografia para as mulheres entre 40 e 74 anos, preferencialmente com técnica digital (categoria A);

  • A partir dos 75 anos recomenda-se o rastreamento com mamografia, preferencialmente digital, para as mulheres que tenham expectativa de vida maior que 7 anos, baseada nas comorbidades (categoria D).

Ultrassonografia

  • Não existem dados que deem suporte para o rastreamento com ultrassonografia para todas as mulheres de risco populacional usual;

  • A ultrassonografia deve ser considerada como adjunta à mamografia nas mulheres com mamas densas (categoria B).

Ressonância magnética

  • Não existem dados que deem suporte para o rastreamento com ressonância magnética para as mulheres de risco populacional usual.

Tomossíntese

  • Recomenda-se que a tomossíntese seja considerada em associação à mamografia digital (COMBO ou sintetizada) no rastreamento, quando disponível (categoria B).

RASTREAMENTO DAS MULHERES DE ALTO RISCO PARA CÂNCER DE MAMA

Mamografia

  • Mulheres com mutação dos genes BRCA1 ou BRCA2, ou com parentes de 1° grau com mutação provada, devem realizar o rastreamento anual com mamografia a partir dos 30 anos de idade (categoria B);

  • Mulheres com risco ≥ 20% ao longo da vida, calculado por um dos modelos matemáticos baseados na história familiar, devem realizar rastreamento anual com mamografia iniciando 10 anos antes da idade do diagnóstico do parente mais jovem (não antes dos 30 anos) (categoria B);

  • Mulheres com história de terem sido submetidas a irradiação no tórax entre os 10 e 30 anos de idade devem realizar rastreamento anual com mamografia a partir do 8° ano após o tratamento radioterápico (não antes dos 30 anos) (categoria C);

  • Mulheres com diagnóstico de síndromes genéticas que aumentam o risco de câncer de mama (como Li-Fraumeni, Cowden e outras) ou parentes de 1° grau acometidos devem realizar rastreamento anual com mamografia a partir do diagnóstico (não antes dos 30 anos) (categoria D);

  • Mulheres com história pessoal de hiperplasia lobular atípica, carcinoma lobular in situ, hiperplasia ductal atípica, carcinoma ductal in situ e carcinoma invasor de mama devem realizar rastreamento anual com mamografia a partir do diagnóstico (categoria C);

Ressonância magnética

  • Mulheres com mutação dos genes BRCA1 ou BRCA2, ou com parentes de 1° grau com mutação provada, devem realizar rastreamento anual com ressonância magnética a partir dos 25 anos de idade (categoria A);

  • Mulheres com risco ≥ 20% ao longo da vida, calculado por um dos modelos matemáticos baseados na história familiar, devem realizar rastreamento anual com ressonância magnética iniciando 10 anos antes da idade do diagnóstico do parente mais jovem (não antes dos 25 anos) (categoria A);

  • Mulheres com história de irradiação no tórax entre os 10 e 30 anos de idade devem realizar rastreamento anual com ressonância magnética a partir do 8° ano após o tratamento radioterápico (não antes dos 25 anos) (categoria C);

  • Mulheres com diagnóstico de síndromes genéticas que aumentam o risco de câncer de mama (como Li-Fraumeni, Cowden e outras) ou parentes de 1° grau acometidos devem realizar rastreamento anual com ressonância magnética a partir do diagnóstico (não antes dos 25 anos) (categoria D);

  • Mulheres com história pessoal de hiperplasia lobular atípica, carcinoma lobular in situ, hiperplasia ductal atípica, carcinoma ductal in situ e carcinoma invasor de mama devem realizar rastreamento anual com ressonância magnética a partir do diagnóstico (categoria C);

Ultrassonografia

  • Deve ser utilizada como substituta da ressonância magnética para as mulheres que não puderem realizá-la por qualquer motivo (categoria B).

Tomossíntese

  • Recomenda-se que a tomossíntese seja considerada em associação à mamografia digital (COMBO ou sintetizada) no rastreamento, quando disponível (categoria B).

Justificativa

O principal benefício do rastreamento é a redução na mortalidade pelo câncer de mama em mulheres acima de 40 anos. Para avaliar o efeito do rastreamento mamográfico na redução da mortalidade, foram realizados 11 estudos prospectivos, controlados e randômicos(11 Myers ER, Moorman P, Gierisch JM, et al. Benefits and harms of breast cancer screening: a systematic review. JAMA. 2015;314:1615-34.,22 Feig SA. Screening mammography benefit controversies: sorting the evidence. Radiol Clin North Am. 2014;52:455-80.). Com exceção dos dois estudos realizados no Canadá (CNBSS 1 e 2, ambos com forte viés de seleção(1212 Tarone RE. The excess of patients with advanced breast cancer in young women screened with mammography in the Canadian National Breast Screening Study. Cancer. 1995;75:997-1003.), tendo incluído número desproporcional de portadoras de nódulos palpáveis no grupo estudo), os demais mostraram redução no risco relativo de morrer pelo câncer de mama em mulheres que realizaram o rastreamento mamográfico em relação às que não realizaram(11 Myers ER, Moorman P, Gierisch JM, et al. Benefits and harms of breast cancer screening: a systematic review. JAMA. 2015;314:1615-34.,22 Feig SA. Screening mammography benefit controversies: sorting the evidence. Radiol Clin North Am. 2014;52:455-80.). Individualmente, o estudo que mostrou a maior redução na mortalidade associada ao rastreamento mamográfico foi o Swedish Two-County Trial, com redução de 31% no grupo submetido ao rastreamento mamográfico no seguimento de 29 anos(1313 Tabár L, Vitak B, Chen TH, et al. Swedish two-county trial: impact of mammographic screening on breast cancer mortality during 3 decades. Radiology. 2011;260:658-63.). Diversas metanálises com dados desses estudos foram realizadas. Na metanálise feita pelo Independent UK Panel, a redução na mortalidade pelo câncer de mama foi estimada em 20%(1414 Independent UK Panel on Breast Cancer Screening. The benefits and harms of breast cancer screening: an independent review. Lancet. 2012;380:1778-86.), e na conduzida pela Cochrane, em 19%(1515 Gotzsche PC, Jorgensen KJ. Screening for breast cancer with mammography. Cochrane Database Syst Rev. 2013;4:1-59.).

Por outro lado, a magnitude da redução na mortalidade pelo câncer de mama observada nos estudos tem sido questionada por alguns investigadores. Praticamente, esses investigadores dão um peso muito grande aos estudos canadenses citados (CNBSS), sem considerar os defeitos desses estudos. Argumentam, ainda, que a maioria foi realizada nas décadas de 60, 70 e 80 e seus resultados não expressariam os avanços terapêuticos que ocorreram desde então. Especulam que algumas mulheres que morreram por câncer de mama no grupo não rastreado, hoje, iriam sobreviver. E que os avanços terapêuticos tornaram o rastreamento mamográfico com a detecção precoce do câncer de mama menos relevante(1616 Jorgensen KJ, Gotzsche PC. Breast cancer screening: benefit or harm? JAMA 2016;315:1402.). No entanto, existe pouca evidência científica para sustentar essas especulações. Deve-se enfatizar que as estimativas nos estudos realizados nas décadas de 70, 80 e 90 também não expressam os avanços tecnológicos na mamografia e a potencial detecção de um maior número de cânceres curáveis do que no passado(1717 Tabar L, Chen TH, Hsu CY, et al. Evaluation issues in the Swedish Two-County Trial of breast cancer screening: an historical review. J Med Screen. 2017;24:27-33.,1818 Villar VCFL, De Seta MH, Andrade CLT, et al. Evolution of mammographic image quality in the state of Rio de Janeiro. Radiol Bras. 2015;48:86-92.).

RASTREAMENTO ENTRE 40 E 49 ANOS

Alguns estudos avaliaram o impacto do rastreamento mamográfico, especificamente, em mulheres com idade entre 40 e 49 anos. O Age Trial, estudo prospectivo, controlado e randômico, realizado no Reino Unido, mostrou redução de 25% no risco relativo de morte nos primeiros 10 anos de rastreamento, em mulheres entre 39 e 49 anos(1919 Moss SM, Cuckle H, Evans A, et al. Effect of mammographic screening from age 40 years on breast cancer mortality at 10 years' follow-up: a randomised controlled trial. Lancet. 2006;368:2053-60.). Hellquist et al., após 16 anos de seguimento, observaram redução de 29% na mortalidade associada ao rastreamento em mulheres entre 40 e 49 anos. Em mulheres entre 40 e 44 anos, foi observada redução na mortalidade de 18%, e entre 45 e 49 anos, de 32%(2020 Hellquist BN, Duffy SW, Abdsaleh S, et al. Effectiveness of population-based service screening with mammography for women ages 40 to 49 years: evaluation of the Swedish Mammography Screening in Young Women (SCRY) cohort. Cancer. 2011;117:714-22.). Em outro estudo observacional, Jonsson et al. mostraram redução de 38% na mortalidade pelo câncer de mama em mulheres com idade entre 40 e 49 anos(2121 Jonsson H, Bordás P, Wallin H, et al. Service screening with mammography in Northern Sweden: effects on breast cancer mortality - an update. J Med Screen. 2007;14:87-93.). Além disso, como já citado, o Brasil, como outros países em desenvolvimento, apresenta proporção de portadoras de câncer de mama nessa faixa etária proporcionalmente maior que a dos países desenvolvidos(33 Gonzaga CM, Freitas-Junior R, Souza MR, et al. Disparities in female breast cancer mortality rates between urban centers and rural areas of Brazil: ecological time-series study. Breast. 2014;23:180-7.,55 Badan GM, Roveda Junior D, Ferreira CAP, et al. Complete internal audit of a mammography service in a reference institution for breast imaging. Radiol Bras. 2014;47:74-8.). Dessa forma, o CBR, a SBM e a Febrasgo recomendam a inclusão desse grupo de mulheres no rastreamento para o câncer de mama.

RASTREAMENTO ACIMA DE 74 ANOS

Os estudos prospectivos, controlados e randômicos não incluíram mulheres acima de 74 anos, não havendo dados diretos sobre o rastreamento nessa faixa. Todavia, a expectativa de vida das mulheres tem aumentado, com incidência crescente do câncer de mama na faixa etária acima dos 75 anos. Atualmente, cerca de 26% das mortes por câncer de mama ocorrem em mulheres com diagnóstico após os 74 anos. Outro fator que estimula o rastreamento mamográfico nesse grupo é a maior sensibilidade e especificidade da mamografia(2222 Hartman M, Drotman M, Arleo EK. Annual screening mammography for breast cancer in women 75 years old or older: to screen or not to screen. AJR Am J Roentgenol. 2015;204:1132-6.,2323 Walter LC, Schonberg MA. Screening mammography in older women: a review. JAMA. 2014;311:1336-47.). Considerando todos esses fatores, muitas organizações médicas recomendam a individualização da decisão, que deve ser discutida com a mulher. Dessa forma, o CBR, a SBM e a Febrasgo recomendam o rastreamento para esse grupo de mulheres que tenham expectativa de vida acima de 7 anos.

RASTREAMENTO DA POPULAÇÃO DE ALTO RISCO

Quando uma mulher é classificada como de alto risco, a intensificação do rastreamento por imagem inclui duas alterações em relação ao rastreamento na população geral. A primeira é a antecipação do início do rastreamento, pois os tumores nessas mulheres tendem a se desenvolver mais precocemente. A segunda é a incorporação da ressonância magnética ou da ultrassonografia como métodos complementares, em razão das limitações da mamografia, que são maiores nessa faixa etária.

Mulheres com alto risco genético

Em mulheres portadoras de mutação nos genes BRCA1 ou BRCA2 observou-se que o uso do rastreamento suplementar com ultrassonografia e ressonância magnética associou-se à detecção de um significativo número de tumores adicionais, com superioridade da ressonância magnética(2424 Sung JS, Dershaw DD. Breast magnetic resonance imaging for screening high-risk women. Magn Reson Imaging Clin N Am. 2013;21:509-17.

25 Phi XA, Saadatmand S, De Bock GH, et al. Contribution of mammography to MRI screening in BRCA mutation carriers by BRCA status and age: individual patient data meta-analysis. Br J Cancer. 2016;114:631-7.
-2626 França LKL, Bitencourt AGV, Paiva HLS, et al. Role of magnetic resonance imaging in the planning of breast cancer treatment strategies: comparison with conventional imaging techniques. Radiol Brasil. 2017;50:76-81.). Uma revisão sistemática dos estudos realizados demonstrou que as sensibilidades da mamografia e da ultrassonografia, isoladas, foram 36% e 40%, respectivamente, e quando associadas, foi 55%. A sensibilidade da ressonância magnética isolada foi 81%, e quando combinada com a mamografia foi 93%. Ou seja, o uso da ultrassonografia como método suplementar aumentou o número de tumores detectados, porém, quase 50% dos tumores não foram identificados(2727 Lord SJ, Lei W, Craft P, et al. A systematic review of the effectiveness of magnetic resonance imaging (MRI) as an addition to mammography and ultrasound in screening young women at high risk of breast cancer. Eur J Cancer. 2007;43:1905-17.). Estudos mais recentes confirmaram esses achados. Riedl et al. relataram sensibilidade geral igual para mamografia e ultrassonografia, isoladas, de 38%, e quando combinadas, de 50%. A ressonância magnética isolada mostrou sensibilidade de 90%, e combinada com a mamografia, de 93%, não havendo qualquer incremento quando combinada à ultrassonografia(2828 Riedl CC, Luft N, Bernhart C, et al. Triple-modality screening trial for familial breast cancer underlines the importance of magnetic resonance imaging and questions the role of mammography and ultrasound regardless of patient mutation status, age, and breast density. J Clin Oncol. 2015;33:1128-35.). Entretanto, esses resultados favoráveis somente serão alcançados se os exames de ressonância magnética forem de alta qualidade e com médicos qualificados para a sua leitura, assim como se houver a disponibilidade de continuar a investigação com a biópsia das lesões detectadas somente pela ressonância magnética ou um centro de referência para realizar esses procedimentos(2929 Kuhl C, Weigel S, Schrading S, et al. Prospective multicenter cohort study to refine management recommendations for women at elevated familial risk of breast cancer: the EVA trial. J Clin Oncol. 2010;28:1450-7.,3030 Bitencourt AGV. Subdividing BI-RADS category 4 breast lesions observed on magnetic resonance imaging: is it feasible? Radiol Bras. 2016;49(3):v.). Por essa razão, a ressonância magnética é o método suplementar de escolha no rastreamento dessas mulheres, e a ultrassonografia deve ser utilizada apenas se a ressonância magnética, por qualquer razão, não puder ser realizada.

Outras síndromes genéticas

As demais síndromes genéticas que aumentam o risco para câncer de mama são raras e não há estudos específicos em relação ao rastreamento do câncer de mama. Atualmente, há recomendações por parte dos especialistas para rastreamento de mulheres portadoras, ou não testadas, mas com familiares de 1° grau com síndrome de Cowden, Bannayan-Riley Ruvalcaba, Li Fraumeni(2424 Sung JS, Dershaw DD. Breast magnetic resonance imaging for screening high-risk women. Magn Reson Imaging Clin N Am. 2013;21:509-17.). Sugere-se que essas mulheres realizem o rastreamento de modo similar ao recomendado para mulheres com mutação nos genes BRCA1 ou BRCA2.

Irradiação torácica

Mulheres submetidas a irradiação torácica apresentam risco maior de desenvolver câncer de mama ao longo da vida, comparável ao risco observado em mulheres com mutação nos genes BRCA. Porém, o risco não é o mesmo para todas as mulheres. Há um aumento linear entre o risco e a dose de radiação, o volume do campo irradiado e a idade ao tratamento. Nesse grupo, a mamografia e a ressonância magnética se complementam no rastreamento(3131 Elkin EB, Klem ML, Gonzales AM, et al. Characteristics and outcomes of breast cancer in women with and without a history of radiation for Hodgkin's lymphoma: a multi-institutional, matched cohort study. J Clin Oncol. 2011;29:2466-73.). Ng et al. relataram que as sensibilidades da mamografia e da ressonância magnética, isoladas, foram 68% e 67%, respectivamente, nessas mulheres, e quando combinadas, a sensibilidade foi elevada para 94%(3232 Ng AK, Garber JE, Diller LR, et al. Prospective study of the efficacy of breast magnetic resonance imaging and mammographic screening in survivors of Hodgkin lymphoma. J Clin Oncol. 2013;31:2282-8.). Dessa forma, recomenda-se o rastreamento de modo similar ao recomendado para mulheres com mutação nos genes BRCA1 ou BRCA2 para todas as pacientes que foram submetidas a irradiação torácica antes dos 30 anos de idade.

Hiperplasia ductal atípica e neoplasia lobular

A hiperplasia ductal atípica e as neoplasias lobulares (hiperplasia lobular atípica e carcinoma lobular in situ) são tanto lesões precursoras como fatores de risco para o câncer de mama, elevando o risco relativo de desenvolver câncer de 4 até 10 vezes após o diagnóstico(3333 Sung JS, Malak SF, Bajaj P, et al. Screening breast MR imaging in women with a history of lobular carcinoma in situ. Radiology. 2011;261:414-20.,3434 Badan GM, Roveda Júnior D, Piato S, et al. Diagnostic underestimation of atypical ductal hyperplasia and ductal carcinoma in situ at percutaneous core needle and vacuum-assisted biopsies of the breast in a Brazilian reference institution. Radiol Bras. 2016;49:6-11.). Há consenso de que essas mulheres devem iniciar o rastreamento mamográfico anual logo após o diagnóstico. O grande debate se concentra na realização da ressonância magnética. A American Cancer Society (ACS), na atualização de suas recomendações para o rastreamento do câncer de mama, ressaltou que não há evidências para recomendar ou contraindicar a ressonância magnética e que a decisão deve ser individualizada(3535 Smith RA, Andrews K, Brooks D, et al. Cancer screening in the United States, 2016: a review of current American Cancer Society guidelines and current issues in cancer screening. CA Cancer J Clin. 2016;66:96-114.). No entanto, é crescente o número de defensores do uso da ressonância magnética. Dessa forma, recomenda-se o rastreamento de modo similar ao recomendado para mulheres com mutação nos genes BRCA1 ou BRCA2 para esse grupo de mulheres.

História pessoal de câncer de mama

Mulheres com antecedente pessoal de câncer de mama apresentam maior risco de desenvolver um segundo câncer na mama tratada ou contralateral(3636 Houssami N, Abraham LA, Kerlikowske K, et al. Risk factors for second screen-detected or interval breast cancers in women with a personal history of breast cancer participating in mammography screening. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev. 2013;22:946-61.). Um estudo recente estimou que o risco vitalício para o desenvolvimento do segundo câncer foi superior a 20-25%, limiar este considerado pela ACS para classificar a mulher como de alto risco e indicar o rastreamento complementar com a ressonância magnética(3535 Smith RA, Andrews K, Brooks D, et al. Cancer screening in the United States, 2016: a review of current American Cancer Society guidelines and current issues in cancer screening. CA Cancer J Clin. 2016;66:96-114.). Outro estudo investigou a importância da ressonância magnética em mulheres submetidas ao tratamento conservador, com mamografia e ultrassonografia negativas. A taxa de detecção foi 18 cânceres a cada 1.000 mulheres, que é comparável à taxa de detecção observada em mulheres com mutação nos genes BRCA. A sensibilidade e a especificidade da ressonância magnética foram, respectivamente, 92% e 82%(3737 Gweon HM, Cho N, Han W, et al. Breast MR imaging screening in women with a history of breast conservation therapy. Radiology. 2014;272:366-73.). Outros autores também observaram resultados semelhantes(3838 Giess CS, Poole PS, Chikarmane SA, et al. Screening breast MRI in patients previously treated for breast cancer: diagnostic yield for cancer and abnormal interpretation rate. Acad Radiol. 2015;22:1331-7.). Dessa forma, recomenda-se o rastreamento com mamografia associada a ressonância magnética para as mulheres que foram submetidas ao tratamento conservador de mama.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A TOMOSSÍNTESE MAMÁRIA

A tomossíntese é uma evolução da mamografia digital, permitindo avaliação mais acurada da mama. Vários estudos foram publicados confirmando a eficácia da tomossíntese no rastreamento do câncer de mama, pois gera aumento da taxa detecção de câncer, bem como redução do número de falso-positivos e redução da taxa de reconvocação(3939 Houssami N, Bernardi D, Pellegrini M, et al. Breast cancer detection using single-reading of breast tomosynthesis (3D-mammography) compared to double-reading of 2D-mammography: evidence from a population-based trial. Cancer Epidemiol. 2017;47:94-9.

40 Skaane P, Bandos AI, Gullien R, et al. Comparison of digital mammography alone and digital mammography plus tomosynthesis in a population-based screening program. Radiology. 2013;267:47-56.
-4141 Ciatto S, Houssami N, Bernardi D, et al. Integration of 3D digital mammography with tomosynthesis for population breast-cancer screening (STORM): a prospective comparison study. Lancet Oncol. 2013;14:583-9.). O Oslo Trial foi um estudo prospectivo que comparou a mamografia digital com a tomossíntese associada a mamografia digital, observando 27% de aumento na taxa de detecção de câncer no grupo com tomossíntese, assim como redução de 15% na taxa de falso-positivos, com consequente diminuição de procedimentos invasores(4040 Skaane P, Bandos AI, Gullien R, et al. Comparison of digital mammography alone and digital mammography plus tomosynthesis in a population-based screening program. Radiology. 2013;267:47-56.). O STORM Trial comparou a mamografia digital versus a tomossíntese associada a mamografia digital em 7.292 mulheres(4141 Ciatto S, Houssami N, Bernardi D, et al. Integration of 3D digital mammography with tomosynthesis for population breast-cancer screening (STORM): a prospective comparison study. Lancet Oncol. 2013;14:583-9.). Foi observado aumento de 51% na taxa de detecção de câncer de mama com o uso da tomossíntese e redução de 17% na taxa de falso-positivos. Friedewald et al. analisaram 454.850 exames, dos quais 281.187 foram de mamografia digital e 173.663 de tomossíntese, realizados retrospectivamente em 13 centros nos Estados Unidos(4242 Friedewald SM, Rafferty EA, Rose SL, et al. Breast cancer screening using tomosynthesis in combination with digital mammography. JAMA. 2014;311:2499-507.). Observaram aumento de 41% na taxa de detecção de câncer de mama, ocorrendo principalmente entre os tumores invasores iniciais, com redução de 15% na taxa de falso-positivos, fato positivo na redução dos custos do rastreio. Outros estudos confirmaram esses achados(4343 Gilbert FJ, Tucker L, Gillan MG, et al. The TOMMY trial: a comparison of TOMosynthesis with digital MammographY in the UK NHS Breast Screening Programme-a multicentre retrospective reading study comparing the diagnostic performance of digital breast tomosynthesis and digital mammography with digital mammography alone. Health Technol Assess. 2015;19:i-xxv, 1-136.,4444 Conant EF, Beaber EF, Sprague BL, et al. Breast cancer screening using tomosynthesis in combination with digital mammography compared to digital mammography alone: a cohort study within the PROSPR consortium. Breast Cancer Res Treat. 2016;156:109-16.).

Alguns pontos ainda são discutidos quanto ao protocolo de realização do exame de tomossíntese. A Food and Drug Administration recomenda a realização do exame combinado (COMBO), no qual são realizadas as incidências habituais da mamografia digital (mediolateral oblíqua e craniocaudal) e após a aquisição da tomossíntese também nos dois planos (mediolateral oblíqua e craniocaudal). A dose de radiação, que foi a grande preocupação inicial, tem-se mostrado inferior à dose limite (dose limite de 3,0 mGy por incidência). Estudos recentes têm demonstrando a eficácia da mamografia sintetizada, que é uma nova técnica de reconstrução da mamografia digital com base nas imagens da tomossíntese. O uso da mamografia sintetizada permitiria manter os benefícios da tomossíntese, enquanto reduziria a dose de radiação quase pela metade(4545 Freer PE, Winkler N. Synthesized digital mammography imaging. Radiol Clin North Am. 2017;55:503-12.). Dessa forma, o CBR, a SBM e a Febrasgo, de acordo com a literatura disponível, consideram que a tomossíntese, com o protocolo COMBO ou associada a mamografia sintetizada, pode ser considerada para o rastreamento para o câncer de mama, quando acessível e disponível. Esses dados serão revisados em três anos.

CONCLUSÃO

A redução da mortalidade pelo câncer de mama registrada inicialmente nos Estados Unidos e na Europa é fruto de décadas de investimentos voltados para o diagnóstico precoce e acesso da população ao tratamento adequado. A detecção precoce beneficia as mulheres com cirurgias menos mutilantes, aumenta as possibilidades de cura, reduz os custos finais do tratamento e mantém economicamente ativa uma faixa importante da população feminina. São fundamentais esforços nesse sentido serem aplicados no Brasil.

  • Trabalho realizado na Comissão Nacional de Mamografia do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR), São Paulo, SP, da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), São Paulo, SP, e da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Este artigo é fruto de uma diretriz conjunta entre o CBR, a SBM e a Febrasgo e será publicado nas respectivas revistas dessas sociedades.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    14 Fev 2016
  • Aceito
    29 Jul 2016
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