Acessibilidade / Reportar erro

Análise da prevalência de atelectasia em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica Instituição: Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), Piracicaba, SP, Brasil.

Resumo

Justificativa e objetivo:

Observar a prevalência de atelectasia em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica e a influência do índice de massa corporal (IMC), do sexo e da idade sobre a prevalência de atelectasia.

Método:

Estudo retrospectivo de 407 pacientes e laudos de radiografias de tórax feitas antes e após a cirurgia bariátrica durante 14 meses. Apenas os pacientes submetidos à cirurgia bariátrica por laparotomia foram incluídos.

Resultados:

Houve uma prevalência geral de atelectasia de 37,84%, com maior prevalência nas bases pulmonares e em mulheres (RR = 1,48). Houve uma proporção de 30% para a influência da idade nos indivíduos com menos de 36 anos e de 45% naqueles com mais de 36 anos (RR = 0,68). Não houve influência significativa do IMC sobre a prevalência de atelectasia.

Conclusão:

A prevalência de atelectasia em cirurgia bariátrica é de 37% e os principais fatores de risco são sexo feminino e idade superior a 36 anos.

PALAVRAS-CHAVE
Obesidade mórbida; Cirurgia bariátrica; Atelectasia pulmonar; Fisioterapia respiratória

Abstract

Background and objective:

To observe the prevalence of atelectasis in patients undergoing bariatric surgery and the influence of the body mass index (BMI), gender and age on the prevalence of atelectasis.

Method:

Retrospective study of 407 patients and reports on chest X-rays carried out before and after bariatric surgery over a period of 14 months. Only patients who underwent bariatric surgery by laparotomy were included.

Results:

There was an overall prevalence of 37.84% of atelectasis, with the highest prevalence in the lung bases and with greater prevalence in women (RR = 1.48). There was a ratio of 30% for the influence of age for individuals under the age of 36, and of 45% for those older than 36 (RR = 0.68). There was no significant influence of BMI on the prevalence of atelectasis.

Conclusion:

The prevalence of atelectasis in bariatric surgery is 37% and the main risk factors are being female and aged over 36 years.

KEYWORDS
Morbid obesity; Bariatric surgery; Pulmonary atelectasis; Physiotherapy specialty

Introdução

A obesidade atingiu proporções epidêmicas e, em 2008, mais de 1,4 bilhão de adultos estavam acima do peso.11 World Health Organization. Media centre: obesity and over-weight. Genebra: WHO; 2012. Available at: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs311/en/
http://www.who.int/mediacentre/factsheet...
,22 Yurcisin BM, Gaddor MM, DeMaria EJ. Obesity and bariatric surgery. Clin Chest Med. 2009;30:539-53. Além das comorbidades que acompanham os indivíduos obesos, algumas alterações no sistema respiratório e na função pulmonar podem ser encontradas devido ao acúmulo de gordura ao redor das costelas, do diafragma e do abdômen, o que limita o movimento da caixa torácica.33 McCallister JW, Adkins EJ, O’Brien JM. Obesity and acute lung injury. Clin Chest Med. 2009;30:495-508.

A obesidade é uma doença crônica33 McCallister JW, Adkins EJ, O’Brien JM. Obesity and acute lung injury. Clin Chest Med. 2009;30:495-508.,44 Coutinho WF. Consenso latino-americano de obesidade: federação latino-americana de sociedades de obesidade. Arq Bras Endocrinol Metab. 1999;43:21-67. e a cirurgia bariátrica é indicada para pacientes que não respondem ao tratamento conservador.44 Coutinho WF. Consenso latino-americano de obesidade: federação latino-americana de sociedades de obesidade. Arq Bras Endocrinol Metab. 1999;43:21-67.

Em um estudo conduzido por Chung et al.55 Chung F, Mezei G, Tong D. Pre-existing medical conditions as predictors of adverse events in day - case surgery. Br J Anaesth. 1999;83:262-70. demonstrou-se que a obesidade é precursora do surgimento de complicações respiratórias nos períodos intraoperatório e pós-operatório, durante ou após a cirurgia. Como a gastroplastia – uma das técnicas de cirurgia bariátrica – é uma cirurgia abdominal superior, alterações inerentes a esse procedimento podem ocorrer, como redução dos volumes pulmonares, aumento da frequência respiratória e disfunção muscular respiratória.66 Barbalho-Moulim MC, Miguel GPS, Forti EMP, et al. Silicone-ring roux-en-y gastric bypass in the treatment of obesity: effects of laparoscopic versus laparotomic surgery on respiration. Obes Surg. 2011;21:194-9. O desenvolvimento de atelectasia é frequente entre todos os tipos de pacientes durante a anestesia geral.77 Coussa M, Proietti S, Schnyder P, et al. Prevention of atelectasis formation during the induction of general anesthesia in morbidly obese patients. Anesth Analg. 2004;98:1491-5.,88 Tokics L, Hedenstierna G, Svensson L, et al. V/Q distribution and correlation to atelectasis in anesthetized paralyzed humans. J Appl Physiol. 1996;81:1822-33. Ao submeter pacientes à cirurgia abdominal superior eletiva, Pereira et al.99 Pereira EDB, Farensin SM, Fernandes ALG. Morbidade respiratória nos pacientes com e sem síndrome pulmonar obstrutiva submetidos a cirurgia abdominal alta. Rev Assoc Med Bras. 2000;46:15-22. descobriram uma incidência de 32% de complicações pulmonares nos pacientes com síndrome pulmonar restritiva, em comparação com 6% de complicações nos paciente sem comorbidades respiratórias. Atelectasia ocorreu em 34% da amostra total.

A situação é pior em pacientes obesos nos quais a atelectasia pode surgir e persistir por até 24 horas após a extubação, o que não ocorre em pacientes que não são obesos.1010 Eichenberger AS, Proietti S, Wicky S, et al. Morbid obesity and postoperative pulmonary atelectasis: an underestimated problem. Anesth Analg. 2002;95:1788-92. Além disso, mesmo durante o procedimento cirúrgico, o manejo da cavidade abdominal resulta em elevação diafragmática e aumenta ainda mais a possibilidade de atelectasia.1111 Torrington KG, Sorenson DE, Sherwood LM. Postoperative chest percussion with postural drainage in obese patients following gastric stapling. Chest. 1984;86:891-5.

De acordo com Martí-Valeri et al.,1212 Martí-Valeri C, Sabaté A, Masdevall C, et al. Improvement of associated respiratory problems in morbidly obese patients after open Roux-en-Y gastric bypass. Obes Surg. 2007;17:1102-10. que avaliaram pacientes com síndrome de apneia obstrutiva do sono (SAOS), uma prevalência de atelectasia de 17% foi diagnosticada por radiografia de tórax após a cirurgia bariátrica.

No entanto, há uma ausência de dados na literatura sobre a prevalência de atelectasia após cirurgia bariátrica, embora saibamos que essa pode ser uma das causas de disfunção pulmonar e insuficiência respiratória nesses pacientes.

Reconhecer e identificar as complicações respiratórias no pós-operatório de cirurgia abdominal superior podem contribuir para o desenvolvimento de estratégias preventivas.

A hipótese deste estudo é que os pacientes com obesidade mórbida que se submetem à cirurgia podem ter um índice mais elevado de atelectasia devido ao aumento de gordura abdominal e à necessidade de anestesia geral.

O objetivo deste estudo foi observar a prevalência de atelectasia em pacientes obesos e obesos mórbidos submetidos à gastroplastia com o uso da técnica de bypass gástrico em Y de Roux (RYGB) por laparotomia, avaliar as radiografias de tórax 48 horas após a cirurgia e observar qualquer influência do IMC, do sexo ou da idade sobre a prevalência de atelectasia.

Métodos

O estudo seguiu o Código de Ética e foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Metodista de Piracicaba, SP, Brasil (número de protocolo 09/08). Este é um estudo retrospectivo no qual laudos de radiografias de tórax feitas após a cirurgia bariátrica foram analisados no momento da alta hospitalar (48 h após a cirurgia). Os dados foram coletados por 14 meses. Os laudos foram coletados a partir de prontuários dos pacientes submetidos à cirurgia bariátrica.

Apenas os pacientes submetidos a cirurgias com a técnica RYGB por laparotomia, com IMC acima de 35 kg.m-2, sem sintomas pulmonares ou doença pulmonar e com teste de função pulmonar e radiografia de tórax no pré-operatório normais foram incluídos. Todos os pacientes foram submetidos ao teste de função pulmonar e fizeram uma radiografia de tórax, mas doenças pulmonares não foram identificadas. Dispneia não foi considerada como uma comorbidade respiratória por ser comum em pacientes com obesidade mórbida.

Os critérios de exclusão foram pacientes com SAOS ou asma ou aqueles que apresentaram qualquer complicação cirúrgica (fístulas, hemorragia etc.) ou clínica que pudesse interferir no tempo de internação hospitalar, aumentar o risco de complicações pulmonares, exigir internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) ou o uso de pressão positiva contínua em vias aéreas (PPCVA), pressão positiva das vias aéreas em dois níveis (BiPAP®) ou oxigenioterapia adicional, exceto aquela padronizada durante a recuperação no pós-operatório ou que apresentaram condições instáveis no pós-operatório.

Os pacientes receberam medicação pré-anestésica inalatória com sevoflurano e por via intravenosa com propofol, com manutenção do anestésico via bomba de infusão contínua de remifentanil. Bloqueadores neuromusculares (rocurônio, pancurônio) foram administrados durante o procedimento e também morfina, essa administrada até a completa recuperação pós-anestesia, conforme necessário. Dipirona e cetoprofeno foram administrados como analgésicos na enfermaria via cateter periférico. Ventilação mecânica foi feita com o equipamento Dräger Fabius GS no modo volume controlado, com volume corrente de 6-8 mL.kg-1, PEEP a 5 cm H2O e fração inspirada de oxigênio entre 0,4 e 0,6. Os pacientes permaneceram no hospital por três dias e suas radiografias de tórax no pré-operatório não indicaram alterações do parênquima pulmonar, de acordo com os laudos do radiologista.

No período pós-operatório, todos os pacientes receberam fisioterapia respiratória convencional duas vezes por dia, com respiração profunda, uso de espirometria de incentivo, manobras de higiene brônquica (se necessário), tosse ativa ou assistida e deambulação assistida (pelo menos 60 metros) durante a sessão. Além disso, todos os pacientes participaram de um grupo multidisciplinar (médico, fisioterapeuta, nutricionista, psicólogo e preparador físico) durante o acompanhamento no pré-operatório.

Os exames radiológicos foram feitos no período pós-operatório; isto é, 48 h após a cirurgia bariátrica, antes da alta hospitalar. Antes das radiografias de tórax, os pacientes fizeram quatro sessões de fisioterapia, com duas sessões no primeiro dia de pós-operatório e duas no segundo dia.

As radiografias de tórax foram avaliadas a partir dos laudos emitidos pelo radiologista do hospital. Os seguintes critérios foram usados para detectar a presença de atelectasia, de acordo com Woodring e Reed:1313 Woodring JH, Reed JC. Types and mechanisms of pulmonary atelectasis. J Thorac Imaging. 1996;11:92-108. deslocamento de fissuras interlobulares; opacidade pulmonar; elevação do diafragma; deslocamento de traqueia, coração, mediastino e hilo pulmonar; hiperinsuflação pulmonar compensatória; aproximação das costelas; perda de volume alveolar. Os dados referentes s idade, sexo, altura, massa corporal atual, peso corporal ideal, excesso de massa corporal e IMC também foram coletados.

Os dados foram processados com o uso do pacote estatístico SPSS (versão 13.0) e do BioStat (versão 5.3). O teste de Shapiro-Wilk foi aplicado para testar a normalidade e, em caso de normalidade, os dados foram expressos em média e desvio padrão (DP). Os pacientes incluídos foram computados na base de dados, juntamente com as informações demográficas, e dicotomizados como “sim” ou “não” para as seguintes alterações radiográficas: atelectasia, anormalidades cardíacas, pneumoperitônio, congestão pulmonar, efusão pleural e pneumonia. A análise estatística teve como base um estudo da relação entre os resultados dos testes de detecção de atelectasia e as variáveis IMC, idade e sexo, com o uso do risco relativo (RR) com intervalo de confiança de 95%. Além disso, o teste do qui-quadrado (G-teste) foi usado para analisar a associação estatística entre gênero e atelectasia. Para os dados de IMC e idade, pontos de corte foram estabelecidos para a análise com base na mediana dos dados. Valores de p ≤ 0,05 foram considerados estatisticamente significativos.

Resultados

O tempo médio de cirurgia foi de 132 ± 12 minutos. Os pacientes permaneceram na sala de recuperação pós-anestesia por 3 h, em média, e receberam oxigênio a 28% durante esse período. Quando necessário, receberam analgésicos de acordo com a prescrição médica e fisioterapia respiratória duas vezes por dia durante o período pós-operatório, incluindo exercícios com inspiração profunda e fracionada, tosse, uso de incentivador respiratório e deambulação.

Dos pacientes com radiografias de tórax normais no pré-operatório, 413 pacientes foram selecionados e suas radiografias (uma por paciente) foram coletadas para a análise. Desses, seis pacientes e suas respectivas radiografias de tórax foram excluídos porque as radiografias foram feitas após o período determinado, o que dificultou a análise. Portanto, 407 pacientes e seus respectivos exames foram analisados. As tabelas 1 e 2 resumem as características do grupo, com prevalência do sexo feminino na amostra (82,8%).

Tabela 1
Características do grupo: variáveis contínuas
Tabela 2
Características do grupo: variáveis categóricas

Ao analisar os laudos radiológicos, uma prevalência de atelectasia de 37,84% foi observada na amostra (fig. 1), localizada principalmente nas bases pulmonares (tabela 3).

Figura 1
Prevalência de alterações radiográficas.

Tabela 3
Localização de atelectasia

A tabela 3 mostra que alguns pacientes apresentaram atelectasia em mais de uma região do pulmão. Contudo, devemos ressaltar que nenhum dos pacientes diagnosticados com atelectasia apresentou qualquer repercussão clínica.

Uma diferença estatisticamente significativa foi observada entre os sexos para a prevalência de atelectasia, com maior prevalência em mulheres (p = 0,043). Ao analisar o risco relativo, um RR de 1,48 (95% IC 0,98-2,21; p = 0,02) foi observado, com uma taxa de 40% para as mulheres e 27% para os homens. Ao analisar a influência da idade sobre a prevalência de atelectasia, um RR de 0,68 (95% IC 0,52-,88; p = 0,001) foi observado, com uma taxa de 30% para os indivíduos com idade inferior a 36 anos e 45% para aqueles com idade superior a 36 anos. O RR do IMC para a prevalência de atelectasia foi de 0,94 (95% IC 0,73-1,21; p = 0,35), com uma prevalência de 36% para os indivíduos com IMC abaixo de 44 kg.m-2 e de 38% para aqueles com IMC acima 44 kg.m-2.

Discussão

Podemos observar que as mulheres constituíram a maioria da amostra deste estudo, o que coincide com o estudo conduzido por Ogden et al.,1515 Ogden CL, Yanovski SZ, Carroll MD, et al. The epidemiology of obesity. Gastroenterology. 2007;132:2087-102. no qual uma prevalência maior de obesidade foi observada em mulheres.

Em cirurgia bariátrica, vários estudos relataram que a obesidade é um fator de risco independente para o desenvolvimento de complicações no pós-operatório;55 Chung F, Mezei G, Tong D. Pre-existing medical conditions as predictors of adverse events in day - case surgery. Br J Anaesth. 1999;83:262-70.,1616 Qaseem A, Snow V, Fitterman N, et al. Risk assessment for and strategies to reduce perioperative pulmonary complications for patients undergoing noncardiothoracic surgery: a guideline from the American College of Physicians. Ann Intern Med. 2006;144:575-80.,1717 Rose K, Cohen MM, Wigglesworth DF, et al. Critical respiratory events in the postanesthesia care unit. Anesthesiology. 1994;81:410-8. e durante a anestesia geral complicações pulmonares muitas vezes surgem, incluindo atelectasia.77 Coussa M, Proietti S, Schnyder P, et al. Prevention of atelectasis formation during the induction of general anesthesia in morbidly obese patients. Anesth Analg. 2004;98:1491-5.,1818 Perilli V, Sollazzi L, Bozza P, et al. The effects of the reverse trendelenburg position on respiratory mechanics and blood gases in morbidly obese patients during bariatric surgery. Anesth Analg. 2000;91:1520-5. Contudo, os resultados deste estudo não mostraram aumento do risco de atelectasia devido ao aumento do IMC. De acordo com Woodring e Reed,1313 Woodring JH, Reed JC. Types and mechanisms of pulmonary atelectasis. J Thorac Imaging. 1996;11:92-108. a obesidade mórbida pode apresentar atelectasia por compressão do parênquima pulmonar porque o conteúdo abdominal movimenta o diafragma em direção cefálica, o que pode ser agravado em supinação. Durante a anestesia geral, o desenvolvimento de atelectasia pode ocorrer mesmo em indivíduos saudáveis e está associado ao aumento do shunt no período intraoperatório, com comprometimento da troca gasosa.1919 Lundquist H, Hedenstierna G, Strandberg A, et al. CT assessment of dependent lung densities in man during general anaesthesia. Acta Radiol. 1995;36:626-32. Talvez a melhor explicação para a sua ocorrência seja uma disfunção do diafragma por meio de inibição do reflexo do nervo frênico durante o manejo cirúrgico, com consequente paresia diafragmática.2020 Ramos GC, Pereira E, Gabriel-Neto S, et al. Aspectos históricos da pressão arterial de oxigênio e espirometria relacionados à operação abdominal. ABCD Arq Bras Cir Dig. 2009;22:50-6. A atelectasia surge dentro de minutos após a indução da anestesia em 85%-90% dos pacientes e seus efeitos adversos persistem no período pós-operatório, o que afeta a recuperação dos pacientes.1010 Eichenberger AS, Proietti S, Wicky S, et al. Morbid obesity and postoperative pulmonary atelectasis: an underestimated problem. Anesth Analg. 2002;95:1788-92.,1919 Lundquist H, Hedenstierna G, Strandberg A, et al. CT assessment of dependent lung densities in man during general anaesthesia. Acta Radiol. 1995;36:626-32.,2121 Duggan M, Kavanagh BP. Pulmonary atelectasis: a pathogenic perioperative entity. Anesthesiology. 2005;102:838-54. Tais efeitos da anestesia geral são mais pronunciados em indivíduos obesos.

Em um estudo conduzido por Eichenberger et al.,1010 Eichenberger AS, Proietti S, Wicky S, et al. Morbid obesity and postoperative pulmonary atelectasis: an underestimated problem. Anesth Analg. 2002;95:1788-92. indivíduos obesos e eutróficos foram acompanhados por meio de tomografias computadorizadas de tórax, feitas nos períodos pré-indução da anestesia, pós-extubação e em 24 h de pós-operatório. Os autores observaram que houve atelectasia em ambos os perfis de pacientes após a indução da anestesia, mas nos indivíduos eutróficos essa foi resolvida em poucas horas, mas persistiu por até 24 h após a cirurgia nos indivíduos obesos. Os resultados apresentados neste estudo mostraram uma alta prevalência de atelectasia (37,84%) na população de pacientes submetidos à cirurgia bariátrica. Embora se trate de atelectasia laminar, a presença dessa alteração pode ter grande impacto em obesos mórbidos, que já apresentam alterações na função pulmonar e na mecânica dos músculos respiratórios.33 McCallister JW, Adkins EJ, O’Brien JM. Obesity and acute lung injury. Clin Chest Med. 2009;30:495-508.,2222 Dumont L, Mattys M, Mardirosoff C, et al. Changes in pulmonary mechanics during laparoscopic gastroplasty in morbidly obese patients. Acta Anaesthesiol Scand. 1997;41:408-13.,2323 Pelosi P, Croci M, Calappi E, et al. Prone positioning improves pulmonary function in obese patients during general anesthesia. Anesth Analg. 1996;83:578-83.

A radiografia de tórax pós-cirurgia bariátrica é um procedimento hospitalar de rotina e sempre feita no segundo dia de pós-operatório ou aproximadamente 48 h após a cirurgia. O estudo da Eichenberger et al.1010 Eichenberger AS, Proietti S, Wicky S, et al. Morbid obesity and postoperative pulmonary atelectasis: an underestimated problem. Anesth Analg. 2002;95:1788-92. concluiu as avaliações 24 h após a extubação, mas no presente estudo ainda observamos uma elevada prevalência de atelectasia mesmo em 48 h após a cirurgia.

A presença de atelectasia no pós-operatório pode resultar em queixas frequentes de dispneia em pacientes com obesidade mórbida.2424 Remístico PPJ, Araújo S, Figueiredo LC, et al. Impact of alveolar recruitment maneuver in the postoperative period of videolaparoscopic bariatric surgery. Rev Bras Anestesiol. 2011;61:163-8. A maioria das atelectasias observadas no presente estudo era localizada nas regiões basais do pulmão. De acordo com Sood,2525 Sood A. Altered resting and exercise respiratory physiology in obesity. Clin Chest Med. 2009;30:445-54. o indivíduo obeso apresenta um aumento do fechamento das vias aéreas nas regiões dependentes do pulmão e não há deslocamento cefálico do diafragma devido à compressão dos conteúdos abdominais. Nesses pacientes, tais alterações são mais pronunciadas após a cirurgia bariátrica, adicionam outros fatores, como a dor, o medo de respirar profundamente e a supressão do mecanismo da tosse, seja por causa da dor ou pela depuração mucociliar diminuída devido à intubação, anestesia e analgesia, o que causa o acúmulo de secreções pulmonares e favorece o surgimento de atelectasia.2626 Smith MCL, Ellis ER. Is retained mucus a risk factor for the development of postoperative atelectasis and pneumonia? Implications for the physiotherapist. Physiother Theory Pract. 2000;16:69-80.

As hipóteses deste estudo incluíram a possibilidade do aumento de atelectasias com o aumento da idade e do IMC. Essa hipótese só foi confirmada para a variável idade para a qual, ao adotarmos uma média de 36 anos, observamos uma prevalência maior de atelectasia no grupo com mais idade. O fato de não observarmos uma relação entre o IMC e a prevalência de atelectasia pode ser explicado pela amostra que foi composta apenas de pacientes com obesidade mórbida, aqueles com risco maior de desenvolver atelectasia.1010 Eichenberger AS, Proietti S, Wicky S, et al. Morbid obesity and postoperative pulmonary atelectasis: an underestimated problem. Anesth Analg. 2002;95:1788-92. Caso a amostra fosse constituída de indivíduos eutróficos nas mesmas condições clínicas de pós-operatório e procedimento cirúrgico, talvez o risco observado tivesse sido maior nos pacientes com obesidade mórbida. Quanto ao sexo feminino como um fator de risco para o desenvolvimento de atelectasia, uma hipótese que pode explicar esse achado, pelo menos em parte, é a presença de mamas excessivamente grandes nessas voluntárias com obesidade mórbida. De acordo com Cunha et al.,2727 Cunha MS, Santos LL, Viana AA, et al. Avaliação da função pulmonar em pacientes submetidas à mastoplastia redutora. Rev Col Bras Cir. 2011;38:11-4. mamas grandes e volumosas podem ter um efeito restritivo sobre o tórax e interferir na dinâmica respiratória. Eles observaram um aumento da capacidade pulmonar total (CPT) e do volume residual (VR) em voluntárias submetidas à mastoplastia redutora. A redução da CPT e do VR antes da redução de mama pode favorecer o surgimento de alterações pulmonares.

Devido ao grande risco de complicações pulmonares a que os pacientes estão expostos no período pós-operatório, seria útil pensar em métodos eficazes para minimizar essas complicações.

Um modo de prevenir as complicações pulmonares relacionadas à cirurgia bariátrica e a outras cirurgias abdominais superiores é o início precoce de terapia respiratória, com monitoramento em todas as fases das sessões tanto ambulatorial quanto de internação, incluindo o uso de espirometria de incentivo e pressão positiva, que proporciona a rápida recuperação da função pulmonar e impede a formação de atelectasia.2626 Smith MCL, Ellis ER. Is retained mucus a risk factor for the development of postoperative atelectasis and pneumonia? Implications for the physiotherapist. Physiother Theory Pract. 2000;16:69-80.,2828 Ebeo CT, Benotti PN, Byrd RP, et al. The effect of bi-level positive airway pressure on postoperative pulmonary function following gastric surgery for obesity. Respir Med. 2002;96:672-6.3232 Reinius H, Jonsson L, Gustafsson S, et al. Prevention of atelectasis in morbidly obese patients during general anesthesia and paralysis. Anesthesiology. 2009;111:979-87.

Portanto, concluímos que em 48 h após a cirurgia bariátrica a prevalência de atelectasia na população em questão foi de 37%, o que pode ser considerado relevante. A atelectasia foi predominante nas bases pulmonares e os principais fatores de risco para o seu desenvolvimento foram sexo feminino e idade superior a 36 anos.

Limitações do estudo

A limitação deste estudo está relacionada ao fato de não haver um grupo de indivíduos eutróficos submetidos à cirurgia abdominal superior em paralelo com o grupo de obesos, para que pudéssemos comparar a prevalência de atelectasia nessas duas populações e estabelecer o risco relativo em pacientes com uma grande variação de IMC.

  • Instituição: Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), Piracicaba, SP, Brasil.

References

  • 1
    World Health Organization. Media centre: obesity and over-weight. Genebra: WHO; 2012. Available at: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs311/en/
    » http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs311/en/
  • 2
    Yurcisin BM, Gaddor MM, DeMaria EJ. Obesity and bariatric surgery. Clin Chest Med. 2009;30:539-53.
  • 3
    McCallister JW, Adkins EJ, O’Brien JM. Obesity and acute lung injury. Clin Chest Med. 2009;30:495-508.
  • 4
    Coutinho WF. Consenso latino-americano de obesidade: federação latino-americana de sociedades de obesidade. Arq Bras Endocrinol Metab. 1999;43:21-67.
  • 5
    Chung F, Mezei G, Tong D. Pre-existing medical conditions as predictors of adverse events in day - case surgery. Br J Anaesth. 1999;83:262-70.
  • 6
    Barbalho-Moulim MC, Miguel GPS, Forti EMP, et al. Silicone-ring roux-en-y gastric bypass in the treatment of obesity: effects of laparoscopic versus laparotomic surgery on respiration. Obes Surg. 2011;21:194-9.
  • 7
    Coussa M, Proietti S, Schnyder P, et al. Prevention of atelectasis formation during the induction of general anesthesia in morbidly obese patients. Anesth Analg. 2004;98:1491-5.
  • 8
    Tokics L, Hedenstierna G, Svensson L, et al. V/Q distribution and correlation to atelectasis in anesthetized paralyzed humans. J Appl Physiol. 1996;81:1822-33.
  • 9
    Pereira EDB, Farensin SM, Fernandes ALG. Morbidade respiratória nos pacientes com e sem síndrome pulmonar obstrutiva submetidos a cirurgia abdominal alta. Rev Assoc Med Bras. 2000;46:15-22.
  • 10
    Eichenberger AS, Proietti S, Wicky S, et al. Morbid obesity and postoperative pulmonary atelectasis: an underestimated problem. Anesth Analg. 2002;95:1788-92.
  • 11
    Torrington KG, Sorenson DE, Sherwood LM. Postoperative chest percussion with postural drainage in obese patients following gastric stapling. Chest. 1984;86:891-5.
  • 12
    Martí-Valeri C, Sabaté A, Masdevall C, et al. Improvement of associated respiratory problems in morbidly obese patients after open Roux-en-Y gastric bypass. Obes Surg. 2007;17:1102-10.
  • 13
    Woodring JH, Reed JC. Types and mechanisms of pulmonary atelectasis. J Thorac Imaging. 1996;11:92-108.
  • 14
    Metropolitan height and weight tables. Stat Bull. 1983;64:2-9.
  • 15
    Ogden CL, Yanovski SZ, Carroll MD, et al. The epidemiology of obesity. Gastroenterology. 2007;132:2087-102.
  • 16
    Qaseem A, Snow V, Fitterman N, et al. Risk assessment for and strategies to reduce perioperative pulmonary complications for patients undergoing noncardiothoracic surgery: a guideline from the American College of Physicians. Ann Intern Med. 2006;144:575-80.
  • 17
    Rose K, Cohen MM, Wigglesworth DF, et al. Critical respiratory events in the postanesthesia care unit. Anesthesiology. 1994;81:410-8.
  • 18
    Perilli V, Sollazzi L, Bozza P, et al. The effects of the reverse trendelenburg position on respiratory mechanics and blood gases in morbidly obese patients during bariatric surgery. Anesth Analg. 2000;91:1520-5.
  • 19
    Lundquist H, Hedenstierna G, Strandberg A, et al. CT assessment of dependent lung densities in man during general anaesthesia. Acta Radiol. 1995;36:626-32.
  • 20
    Ramos GC, Pereira E, Gabriel-Neto S, et al. Aspectos históricos da pressão arterial de oxigênio e espirometria relacionados à operação abdominal. ABCD Arq Bras Cir Dig. 2009;22:50-6.
  • 21
    Duggan M, Kavanagh BP. Pulmonary atelectasis: a pathogenic perioperative entity. Anesthesiology. 2005;102:838-54.
  • 22
    Dumont L, Mattys M, Mardirosoff C, et al. Changes in pulmonary mechanics during laparoscopic gastroplasty in morbidly obese patients. Acta Anaesthesiol Scand. 1997;41:408-13.
  • 23
    Pelosi P, Croci M, Calappi E, et al. Prone positioning improves pulmonary function in obese patients during general anesthesia. Anesth Analg. 1996;83:578-83.
  • 24
    Remístico PPJ, Araújo S, Figueiredo LC, et al. Impact of alveolar recruitment maneuver in the postoperative period of videolaparoscopic bariatric surgery. Rev Bras Anestesiol. 2011;61:163-8.
  • 25
    Sood A. Altered resting and exercise respiratory physiology in obesity. Clin Chest Med. 2009;30:445-54.
  • 26
    Smith MCL, Ellis ER. Is retained mucus a risk factor for the development of postoperative atelectasis and pneumonia? Implications for the physiotherapist. Physiother Theory Pract. 2000;16:69-80.
  • 27
    Cunha MS, Santos LL, Viana AA, et al. Avaliação da função pulmonar em pacientes submetidas à mastoplastia redutora. Rev Col Bras Cir. 2011;38:11-4.
  • 28
    Ebeo CT, Benotti PN, Byrd RP, et al. The effect of bi-level positive airway pressure on postoperative pulmonary function following gastric surgery for obesity. Respir Med. 2002;96:672-6.
  • 29
    Jaber S, Delay JM, Chanques G, et al. Outcomes of patients with acute respiratory failure after abdominal surgery treated with noninvasive positive pressure ventilation. Chest. 2005;128:2688-95.
  • 30
    Zoremba M, Dette F, Gerlach L. Short-Term respiratory physical therapy treatment in the pacu and influence on postoperative lung function in obese adults. Obes Surg. 2009;19:1346-54.
  • 31
    Forti EMP, Ike D, Barbalho-Moulim M, et al. Effects of chest physiotherapy on the respiratory function of postoperative gastroplasty patients. Clinics. 2009;64:683-9.
  • 32
    Reinius H, Jonsson L, Gustafsson S, et al. Prevention of atelectasis in morbidly obese patients during general anesthesia and paralysis. Anesthesiology. 2009;111:979-87.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    14 Abr 2014
  • Aceito
    26 Nov 2014
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org