Acessibilidade / Reportar erro

Memória olfativa de curta duração e função olfativa após anestésicos inalatórios: estudo clínico randomizado

Resumo

Introdução e objetivos:

O estudo avaliou o efeito pós-operatório de dois agentes anestésicos inalatórios distintos na memória olfativa de curta duração e na função olfativa em pacientes submetidos à microcirurgia de laringe.

Método:

O estudo prospectivo controlado randomizado avaliou, consecutivamente, 102 pacientes com alteração vocal submetidos à microcirurgia de laringe sob anestesia geral. Trinta e quatro pacientes não obedeceram aos critérios de inclusão e/ou não aceitaram participar do estudo e foram excluídos. Os pacientes foram divididos em dois grupos. Quatro pacientes do Grupo 1 e quatro do Grupo 2 foram perdidos durante o seguimento. O Grupo 1 (n = 30) recebeu sevoflurano durante a anestesia e o Grupo 2 (n = 30), desflurano. Comparamos resultados pré e pós-operatórios de memória olfativa e funções olfativas, realizando o Connecticut Chemosensory Clinical Research Center Olfactory test.

Resultados:

Foram incluídos um total de 33 (55%) homens e 27 (45%) mulheres. A idade média foi 48,18 ± 13,88 anos (variação: 19-70 anos). As funções olfativas pré e pós-operatórias não apresentaram diferença estatisticamente significante dentro dos grupos no pós-operatório (p > 0,05). A memória olfativa pré e pós-operatória não mostrou diminuição estatisticamente significante quando avaliada três horas após a cirurgia (p< 0,05).

Conclusões:

Memória e funções olfativas não foram alteradas pelo desflurano no pós-operatório imediato. Embora o sevoflurano não tenha alterado as funções olfativas, causou efeito temporário negativo na memória olfativa no pós-operatório imediato.

PALAVRAS-CHAVE
Memória olfativa; Anestesia inalatória; Desflurano; Sevoflurano

Abstract

Background and objectives:

This clinical trial aimed to evaluate the effects of two different inhalation anesthetic agents on postoperative olfactory memory and olfactory function in patients who underwent micro laryngeal surgery.

Methods:

This randomized prospective controlled study consisted of 102 consecutive patients with a voice disorder. The patients underwent micro laryngeal surgery for voice disorders under general anesthesia. Patients who did not meet inclusion criteria and/or declined to participate (n = 34) were excluded from the study. Patients were divided into two groups. Four patients from Group 1 and four patients from Group 2 were lost to follow-up. Group 1 (n = 30) received sevoflurane, and Group 2 (n = 30) received desflurane during anesthesia. We compared the results by performing the pre-op and post-op Connecticut Chemosensory Clinical Research Center Olfactory test.

Results:

Thirty-three patients (55%) were male and 27 (45%) were female. The mean age was 48.18 ± 13.88 years (range: 19‒70 years). Preoperative and postoperative olfactory functions did not show a significant difference within the groups postoperatively (p > 0.05). Preoperative and postoperative olfactory memory showed a significant decrease 3 hours after the surgery (p < 0.05).

Conclusions:

Olfactory functions and memory were not affected by desflurane in the early postoperative period. Although sevoflurane did not affect olfactory functions, it had a temporary negative effect on olfactory memory in the early postoperative period.

KEYWORDS
Olfactory memory; Inhalation anesthesia; Desflurane; Sevoflurane

Introdução

A disfunção olfativa ocorre em aproximadamente 5% da população geral.11 Adelman BT. Altered taste and smell after anesthesia: cause and effect?. Anesthesiology. 1995;83:647-9.,22 Bramerson A, Johansson L, Ek L, et al. Prevalence of olfactory dysfunction: the Skovde population-based study. Laryngoscope. 2004;114:733-7. Têm sido descritos graves problemas associados a segurança, alimentação e higiene pessoal em pacientes com distúrbios da função olfativa.33 Doty RL, McKeown DA, Lee WW, et al. A study of the test-retest reliability of ten olfactory tests. Chem Senses. 1995;20:645-56. Os distúrbios olfativos são frequentemente observados na população geral, e têm efeito negativo na qualidade de vida.44 Landis BN, Konnerth CG, Hummel T. A study on the frequency of olfactory dysfunction. Laryngoscope. 2004;114:1764-9. As principais causas de distúrbios olfativos são infecções do trato respiratório alto, doenças sistêmicas, doenças nasais (por exemplo, sinusite, pólipos nasais), traumatismo craniano, doenças neurodegenerativas e uso de fármacos.55 Doty RL. Studies of human olfaction from the University of Pennsylvania Smell and Taste Center. Chemical Senses. 1997;22:565-86.

A memória olfativa é uma função cerebral crucial para os mamíferos. Os escopos da memória olfativa incluem defesa, reprodução, obtenção de alimentos e interação mãe-filho.66 Firestein S. How the olfactory system makes sense of scents. Nature. 2001;413:211-8. A disfunção cognitiva pós-operatória é um fenômeno clinicamente identificado após cirurgia e é associado a problemas no desempenho das atividades cotidianas e aumento na morbidade e mortalidade.77 Zhang B, Tian M, Zhen Y, et al. The effects of isoflurane and desflurane on cognitive function in humans. Anesth Analg. 2012;114:410-5. Anestesia geral causa diminuição reversível da memória de curto prazo, que se resolve rapidamente após o término da ação dos anestésicos gerais.88 Jugovac I, Imas O, Hudetz AG. Supraspinal anesthesia: behavioral and electroencephalographic effects of intracerebroventricularly infused pentobarbital, propofol, fentanyl, and midazolam. Anesthesiology. 2006;105:764-78.

Os anestésicos inalatórios são frequentemente empregados em todos os tipos de procedimento cirúrgico. As drogas anestésicas têm sido associadas à disfunção olfativa no pós-operatório, mas parecem não causar hiposmia ou anosmia.11 Adelman BT. Altered taste and smell after anesthesia: cause and effect?. Anesthesiology. 1995;83:647-9. Vários estudos abordaram os efeitos negativos dos anestésicos na função olfativa em animais.99 Cain WS, Gent JF, Goodspeed RB, et al. Evaluation of olfactory dysfunction in the Connecticut Chemosensory Clinical Research Center. Laryngoscope. 1988;98:83-8. Entretanto, ainda não foram adequadamente estudados os efeitos nas funções olfativas produzidos pelos anestésicos inalatórios no período pós-operatório imediato.

O objetivo do presente estudo foi examinar os efeitos de dois anestésicos inalatórios na memória e função olfativas no pós-operatório de pacientes submetidos a microcirurgia de laringe.

Método

O estudo foi realizado em 102 pacientes de um hospital terciário que apresentavam distúrbio de voz e foram submetidos a microcirurgia de laringe. O protocolo do estudo e o consentimento informado foram aprovados pela comissão de ética e pesquisa do hospital e foi obtido o consentimento dos participantes. Os dados coletados do prontuário médico incluíam idade, sexo e história da moléstia atual.

Pacientes com lesões vocais benignas foram incluídos no estudo. Os critérios de exclusão foram desvio do septo nasal, cirurgia nasal prévia, tonsilectomia, pólipos nasais, doença sinusal preexistente, alergia nasal, distúrbio olfativo subjetivo preexistente, como em usuários de medicamento intra-nasal, doenças sistêmicas, como diabetes mellitus, doença reumatológica ou oncológica. Os pacientes que não atenderam aos critérios de inclusão e/ou recusaram-se a participar (n = 34) foram excluídos do estudo. Um programa de randomização gerou sequência de alocação aleatória.1010 Urbaniak GC, Plous S. http://www.randomizer.org/, 2013 (retrieved on June 22, 2013).
http://www.randomizer.org/...
Os pacientes foram divididos em dois grupos. Quatro pacientes do Grupo 1 e quatro do Grupo 2 foram perdidos durante o seguimento. O Grupo 1 (n = 30) recebeu sevoflurano e o Grupo 2 (n = 30) recebeu desflurano durante anestesia. O médico assistente, cego em relação ao estudo, registrou os dados dos pacientes.

Os pacientes foram submetidos a anestesia geral e microcirurgia de laringe indicada para correção de distúrbios da voz. Todos os pacientes foram submetidos a exame completo de ouvido, nariz e orofaringe. No dia anterior à cirurgia, as lesões das cordas vocais e as patologias nasais foram avaliadas com nasofaringoscópio flexível e estroboscópio. Além disso, os participantes que aceitaram a cirurgia foram submetidos à avaliação pré-operatória na clínica de anestesia.

Técnica de anestesia

Todos os pacientes foram submetidos a anestesia geral e intubação traqueal para a realização do procedimento cirúrgico. Sem a administração de pré-medicação, os pacientes foram encaminhados à sala cirúrgica e os dados demográficos foram coletados. A monitorização constituiu-se de eletrocardiografia contínua, saturação arterial periférica de oxigênio e pressão arterial não invasiva. Após a instalação de catéter venoso periférico, procedeu-se à indução da anestesia geral com 2 µg.kg-1 de fentanil, 2 mg.kg-1 de propofol e 0,6 mg.kg-1 de rocurônio, e foi iniciada ventilação mecânica com pressão positiva intermitente via tubo endotraqueal. O volume corrente foi ajustado para 8 mL.kg-1 e a frequência respiratória, para manter o valor de CO2 em 35 ± 5 mmHg. Para a anestesia, empregou-se sevoflurano no primeiro grupo e desflurano no segundo grupo. As doses de agentes anestésicos inalados foram ajustadas para manter a dose de agente inalatório em 1 CAM (isto é, 2% para sevoflurano e 6% para desflurano). A mistura de oxigênio e ar foi ajustada para obter FiO2 de 40% e iniciou-se a infusão de 0,15-0,25 µg.kg.-min.-1 de remifentanil. Todos os pacientes receberam paracetamol 10 mg.kg-1 e tramadol 1 mg.kg-1 por via intravenosa para analgesia pós-operatória, aproximadamente 15 minutos antes do final da cirurgia. Finalmente, o efeito do relaxante muscular foi antagonizado com 0,04 mg.kg-1 de neostigmina e 0,02 mg.kg-1 de atropina. Não foi utilizado vasoconstritor no campo cirúrgico. Após o retorno de função muscular adequada, os pacientes foram transferidos para a unidade de recuperação pós-operatória seguindo o protocolo padrão e a alta foi dada quando o escore de Aldrete modificado era 9 ou mais. Todas as cirurgias duraram entre 40-60 minutos. Não foram descritos efeitos colaterais ou complicações relacionados aos agentes anestésicos.

As funções olfativas foram avaliadas no pré e pós-operatório, empregando-se o teste de olfato do Centro de Pesquisa Clínica Quimiosensorial de Connecticut (CCCRC, do inglês Connecticut Chemosensory Clinical Research Center). O teste do CCCRC inclui uma avaliação do limiar de butanol para a função olfativa e um teste de identificação de odores para a memória olfativa. Nem todos os pacientes foram submetidos a programa de dieta especial.

Teste de memória olfativa

O teste do CCCRC foi realizado em uma sala inodora, sob condições padronizadas, usando um kit de teste olfativo disponível no mercado. Para ambas as partes do teste, cada narina foi testada separadamente, pedindo-se que o indivíduo ocluísse a narina oposta. Empregaram-se sete estímulos olfativos (talco infantil, chocolate, canela, café, naftalina, manteiga de amendoim e sabão), e um estímulo usado para testar a função sensorial do nervo trigêmeo (Vick VapoRub, empresa farmacêutica Eczacıbası, Turquia). A capacidade de detectar Vick confirma a função intacta do nervo trigêmeo. Todos os participantes detectaram o Vick e o estímulo não foi considerado para a pontuação final. Os testes olfativos foram conduzidos individualmente e foram atribuídos escores de 0 a 7 (0: pior olfação, 7: melhor olfação).

Teste de função olfativa

Para cada teste, dois frascos de vidro eram apresentados a cada paciente. Uma continha água e o outro uma concentração diluída de butanol. Os frascos eram idênticos na aparência e eram apresentados simultaneamente. Solicitava-se que os indivíduos mantivessem uma narina obstruída enquanto cheiravam o frasco com a narina contralateral. Perguntava-se aos participantes se havia algo além de água nos frascos. Se a seleção deles estivesse incorreta, uma concentração maior de butanol era oferecida, assim como o frasco contendo apenas água. Se o indivíduo identificasse corretamente a mesma concentração de butanol, cinco vezes consecutivas, o escore era documentado para essa narina. A outra narina era então testada separadamente, e os escores de ambas as narinas foram calculados como média para obter-se o escore final. A concentração mais forte de butanol (frasco 0) era de 4% de butanol em água deionizada. Cada diluição seguinte (frascos 1-9) era uma diluição 1:3 com água deionizada. Os escores possíveis variaram de 0 a 9, mas todos os escores 7 e maiores obtinham escore 7 pelo teste olfativo do CCCRC.1111 Leon EA, Catalanotto FA, Werning JW. Retronasal and orthonasal olfactory ability after laryngectomy. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2007;133:32-6.,1212 Spielman AI. Chemosensory function and dysfunction. Crit Rev Oral Biol Med. 1998;9:267-91.

Para a avaliação de memória e função olfativas, os escores do teste olfativo do CCCRC, medidos no dia anterior à cirurgia, foram considerados como a linha de base e comparados com os escores obtidos 3 horas e 5 semanas após a cirurgia.

Análise de dados

Para análise estatística dos dados foi empregado o software IBM SPSS Statistics 22 (IBM SPSS, Turquia). Os dados foram analisados por métodos estatísticos descritivos (média e desvio padrão) e o teste de Shapiro Wilks avaliou a distribuição normal dos parâmetros. O teste t de Student foi usado para comparar os dados dos parâmetros quantitativos que apresentavam distribuição normal e o teste do qui-quadrado foi usado para comparar os dados qualitativos. Testes ANOVA repetidos foram utilizados para comparar grupos paramétricos dependentes. O teste de esfericidade de Mauchly avaliou a hipótese de esfericidade para os dados repetidos e o valor de p de “esfericidade assumida” foi descrito. O teste de correção de Bonferroni Post-Hoc comparou as diferenças. Os resultados foram avaliados usando Intervalos de Confiança de 95% (IC), e o nível de significância foi estabelecido em p< 0,05.

Resultados

Foram estudados 60 pacientes de maneira consecutiva. Do total, 33 eram homens (55%) e 27, mulheres (45%). A idade média foi 48,18 ± 13,88 anos (variação: 19-0 anos). Não houve diferença estatisticamente significante entres os grupos quanto à idade e o gênero (p = 0,162; p = 0,795); (tabelas 1 e 2).

Tabela 1
Estatística descritiva da idade e sexo dos grupos
Tabela 2
Estatística descritiva da idade por sexo

A função olfativa pré e pós-operatória foi comparada entre grupos e dentro de cada grupo. Tanto o Grupo 1 como o 2 não apresentaram diferença estatisticamente significante dentro do grupo no pós-operatório (p = 0,508; p = 0,715). Os valores obtidos três horas após a cirurgia e na primeira semana não mostraram diferenças estatisticamente significantes entre os grupos (p = 0,494; p = 0,431); (tabela 3).

Tabela 3
Comparação da função olfativa pré- e pós-operatória (teste de limiar de butanol) entre grupos e dentro dos grupos

A memória olfativa pré e pós-operatória foi comparada entre grupos e dentro de cada grupo. Houve diferença estatisticamente significante entre os resultados dentro do Grupo 1 (p = 0,019). Bonferonni Post-Hoc foi usado para comparar as diferenças. Houve diminuição significante três horas após o procedimento cirúrgico (0,001). Entretanto, não houve diferença estatisticamente significante entre os resultados obtidos no pré-operatório e na primeira semana (p > 0,05). O Grupo 2 não mostrou diferença estatisticamente significante dentro do grupo no pós-operatório (p = 0,804). As medidas pós-operatórias de três horas e na primeira semana não mostraram diferença estatisticamente significante entre os grupos (p = 0,943; p = 0,967); (tabela 4).

Tabela 4
Comparação da memória olfativa pré- e pós-operatória (teste de identificação) entre grupos e dentro dos grupos

Discussão

A memória olfativa é essencial para a manutenção das funções fisiológicas diárias e contribui de forma considerável para a qualidade de vida.1313 Leopold DA. The relationship between nasal anatomy and human olfaction. Laryngoscope. 1988;98:1232-8. Neste estudo, analisamos os efeitos do desflurano e sevoflurano na memória e função olfativas no pós-operatório precoce de pacientes submetidos a microcirurgia de laringe sob anestesia geral.

Os estímulos olfativos são detectados na região olfatória do nariz. As moléculas odorantes se dissolvem no muco no epitélio olfatório e conectam-se às células receptoras olfatórias. Dessa maneira, a informação química das moléculas odorantes causa um potencial de ação nas células receptoras do olfato. Esses impulsos são, então, transportados para o bulbo olfatório no cérebro. A seguir, são transportados pelo trato e estria olfatórios para o córtex olfatório.1414 Brunjes PC, Illig KR, Meyer EA. A field guide to the anterior olfactory nucleus (cortex). Brain Res Brain Res Rev. 2005;50:305-35. A memória olfativa localiza-se no córtex piriforme, na amígdala e no córtex entorrinal.1515 Cullen MM, Leopold DA. Disorders of smell and taste. Med Clin North Am. 1999;83:57-74. O olfato é o único dos cinco sentidos transportado diretamente para as regiões do córtex do cérebro sem passar pelo tálamo.1616 Veyrac A, Nguyen V, Marien M, et al. Noradrenergic control of odor recognition in a nonassociative olfactory learning task in the mouse. Learn Mem. 2007;14:847-54. Os sistemas de neurotransmissão associados ao olfato (adrenérgico e ácido gama-aminobutírico) são sabidamente comprometidos pelos anestésicos.1717 Michel F, Constantin JM. Sevoflurane inside and outside the operating room. Expert opinion on pharmacotherapy. 2009;10:861-73.

Os agentes anestésicos voláteis são frequentemente usados em anestesia e geralmente são bem tolerados pelos indivíduos sem doenças sistêmicas, mas, muito raramente, complicações imprevistas podem ser observadas. Atualmente, o sevoflurano, o isoflurano e o desflurano constituem os anestésicos voláteis halogenados fundamentais usados nos países desenvolvidos.1818 Konstantinidis I, Tsakiropoulou E, Iakovou I, et al. Anosmia after general anaesthesia: a case report. Anaesthesia. 2009;64:1367-70. Os casos de anosmia pós-anestesia têm sido pouco relatados na literatura. Konstantinidis et al. descreveram a presença de anosmia em uma paciente de 60 anos submetida a cirurgia urológica.1919 Dhanani NM, Jiang Y. Anosmia and hypogeusia as a complication of general anesthesia. J Clin Anesth. 2012;24:231-3. A paciente recebeu para a anestesia geral fentanil, propofol e sevoflurano e foi feita a hipótese de que a anosmia teria sido causada pelo efeito direto do sevoflurano no epitélio olfatório, resultando em disfunção olfativa do tipo periférica.1919 Dhanani NM, Jiang Y. Anosmia and hypogeusia as a complication of general anesthesia. J Clin Anesth. 2012;24:231-3.,2020 Bilgi M, Demirhan A, Akkaya A, et al. Effects of Isoflurane on Postoperative Olfactory Memory. Acta Medica Mediterranea. 2014;30:453-6. Vários estudos sugeriram que, dentre os anestésicos gerais, o fentanil e o propofol diminuam a resposta olfativa.77 Zhang B, Tian M, Zhen Y, et al. The effects of isoflurane and desflurane on cognitive function in humans. Anesth Analg. 2012;114:410-5. No entanto, em nosso estudo, não foi encontrada anosmia no pós-operatório.

Na literatura, são encontrados poucos estudos investigando o efeito dos agentes e técnicas anestésicas na memória olfativa. Vários estudos demonstraram que o isoflurano, anestésico inalatório comumente usado, pode causar neurotoxicidade associada a disfunção cognitiva ou prejuízo na aprendizagem/memória. Contudo, não foram observados tais efeitos quando foi investigado o desflurano, outro anestésico inalatório frequentemente usado na clínica. Por outro lado, um estudo clínico indicou que anestesia geral com isoflurano a 1,2% não tem efeito significativo na memória olfativa.2121 Kostopanagiotou G, Kalimeris K, Kesidis K, et al. Sevoflurane impairs post-operative olfactory memory but preserves olfactory function. Eur J Anaesthesiol. 2011;28:63-8.

Kostopanagiotou et al. demonstraram que o sevoflurano prejudicou a memória olfativa pós-operatória, não obstante a preservação da função olfativa.88 Jugovac I, Imas O, Hudetz AG. Supraspinal anesthesia: behavioral and electroencephalographic effects of intracerebroventricularly infused pentobarbital, propofol, fentanyl, and midazolam. Anesthesiology. 2006;105:764-78. O Teste de Identificação de Aroma da Universidade da Pensilvânia (UPSIT, do inglês University of Pennsylvania Smell Identification Test) foi usado nesse estudo nas primeiras três horas pós-operatórias. O teste do CCCR foi empregado em nosso estudo e dois agentes anestésicos diferentes foram avaliados. Além da mensuração descrita por Kostopanagiotou et al., também consideramos os resultados após a primeira semana pós-operatória. Nosso estudo mostrou que o efeito negativo do sevoflurano na memória olfativa resolveu-se completamente após a primeira semana.

Yildiz et al. analisaram o efeito do desflurano empregado na concentração de 6% na memória olfativa pós-operatória, empregando o Brief-Smell Identification Test TM (B-SIT).2222 Yildiz I, Bayır H, Saglam I, et al. The effect of desflurane on postoperative olfactory memory. Eur Rev Med Pharmacol Sci. 2016;20:2163-7. Os autores relataram que o desflurano não teve efeito na memória olfativa de curto prazo, semelhante ao observado por nós em relação ao desflurano. Aos resultados previamente publicados por aqueles autores, nós acrescentamos os dados que obtivemos da primeira semana pós-operatória e também não encontramos diferença.

Michael et al. avaliaram os efeitos de cinco anestésicos inalatórios na capacidade de aprendizagem e memória em ratos.2323 Alkire MT, Gorski LA. Relative amnesic potency of five inhalational anesthetics follows the Meyer-Overton rule. Anesthesiology. 2004;101:417-29. Eles descobriram que altas doses de sevoflurano, halotano e desflurano produziram efeitos negativos na aprendizagem, enquanto desflurano a 0,44% teve efeitos adversos significativos na memória. Callaway et al. estudaram os efeitos da anestesia com desflurano em ratos. Eles demonstraram que os efeitos do desflurano na aprendizagem e na memória dependiam de idade e dose.2424 Callaway JK, Jones NC, Royse AG, et al. Memory impairment in rats after desflurane anesthesia is age and dose dependent. J Alzheimers Dis. 2015;44:995-1005. Os estudos foram realizados em animais, empregando doses variadas, enquanto nosso estudo foi realizado em humanos, administrando-se doses terapêuticas padrão. A concentração alveolar mínima foi mantida acima de 1 em nosso estudo, empregando sevoflurano e desflurano em concentrações de 2% e 6%, respectivamente.

As limitações de nosso estudo podem ser listadas como uma deficiência em nossa população participante e ausência de avaliação de diferentes doses de desflurano e sevoflurano administradas por períodos mais longos com o objetivo de determinar os efeitos pós-operatórios em longo prazo dos agentes.

Conclusões

O desflurano não apresentou efeitos na função e memória olfativas no período pós-operatório precoce. Embora o sevoflurano não tenha alterado as funções olfativas, observou-se efeito temporário negativo na memória olfativa no pós-operatório imediato. Para comentários mais confiáveis, mais estudos com coortes maiores são necessários.

References

  • 1
    Adelman BT. Altered taste and smell after anesthesia: cause and effect?. Anesthesiology. 1995;83:647-9.
  • 2
    Bramerson A, Johansson L, Ek L, et al. Prevalence of olfactory dysfunction: the Skovde population-based study. Laryngoscope. 2004;114:733-7.
  • 3
    Doty RL, McKeown DA, Lee WW, et al. A study of the test-retest reliability of ten olfactory tests. Chem Senses. 1995;20:645-56.
  • 4
    Landis BN, Konnerth CG, Hummel T. A study on the frequency of olfactory dysfunction. Laryngoscope. 2004;114:1764-9.
  • 5
    Doty RL. Studies of human olfaction from the University of Pennsylvania Smell and Taste Center. Chemical Senses. 1997;22:565-86.
  • 6
    Firestein S. How the olfactory system makes sense of scents. Nature. 2001;413:211-8.
  • 7
    Zhang B, Tian M, Zhen Y, et al. The effects of isoflurane and desflurane on cognitive function in humans. Anesth Analg. 2012;114:410-5.
  • 8
    Jugovac I, Imas O, Hudetz AG. Supraspinal anesthesia: behavioral and electroencephalographic effects of intracerebroventricularly infused pentobarbital, propofol, fentanyl, and midazolam. Anesthesiology. 2006;105:764-78.
  • 9
    Cain WS, Gent JF, Goodspeed RB, et al. Evaluation of olfactory dysfunction in the Connecticut Chemosensory Clinical Research Center. Laryngoscope. 1988;98:83-8.
  • 10
    Urbaniak GC, Plous S. http://www.randomizer.org/, 2013 (retrieved on June 22, 2013).
    » http://www.randomizer.org/
  • 11
    Leon EA, Catalanotto FA, Werning JW. Retronasal and orthonasal olfactory ability after laryngectomy. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2007;133:32-6.
  • 12
    Spielman AI. Chemosensory function and dysfunction. Crit Rev Oral Biol Med. 1998;9:267-91.
  • 13
    Leopold DA. The relationship between nasal anatomy and human olfaction. Laryngoscope. 1988;98:1232-8.
  • 14
    Brunjes PC, Illig KR, Meyer EA. A field guide to the anterior olfactory nucleus (cortex). Brain Res Brain Res Rev. 2005;50:305-35.
  • 15
    Cullen MM, Leopold DA. Disorders of smell and taste. Med Clin North Am. 1999;83:57-74.
  • 16
    Veyrac A, Nguyen V, Marien M, et al. Noradrenergic control of odor recognition in a nonassociative olfactory learning task in the mouse. Learn Mem. 2007;14:847-54.
  • 17
    Michel F, Constantin JM. Sevoflurane inside and outside the operating room. Expert opinion on pharmacotherapy. 2009;10:861-73.
  • 18
    Konstantinidis I, Tsakiropoulou E, Iakovou I, et al. Anosmia after general anaesthesia: a case report. Anaesthesia. 2009;64:1367-70.
  • 19
    Dhanani NM, Jiang Y. Anosmia and hypogeusia as a complication of general anesthesia. J Clin Anesth. 2012;24:231-3.
  • 20
    Bilgi M, Demirhan A, Akkaya A, et al. Effects of Isoflurane on Postoperative Olfactory Memory. Acta Medica Mediterranea. 2014;30:453-6.
  • 21
    Kostopanagiotou G, Kalimeris K, Kesidis K, et al. Sevoflurane impairs post-operative olfactory memory but preserves olfactory function. Eur J Anaesthesiol. 2011;28:63-8.
  • 22
    Yildiz I, Bayır H, Saglam I, et al. The effect of desflurane on postoperative olfactory memory. Eur Rev Med Pharmacol Sci. 2016;20:2163-7.
  • 23
    Alkire MT, Gorski LA. Relative amnesic potency of five inhalational anesthetics follows the Meyer-Overton rule. Anesthesiology. 2004;101:417-29.
  • 24
    Callaway JK, Jones NC, Royse AG, et al. Memory impairment in rats after desflurane anesthesia is age and dose dependent. J Alzheimers Dis. 2015;44:995-1005.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2020

Histórico

  • Recebido
    24 Mar 2019
  • Aceito
    1 Dez 2019
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org