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Incidência de delírio ao despertar e fatores de risco após o uso de sevoflurano em pacientes pediátricos para cirurgia ambulatorial, Kingston, Jamaica

Resumos

Justificativa e objetivos:

Delírio ao despertar é uma complicação preocupante após o uso de sevoflurano em anestesia geral. Este estudo procurou determinar a incidência de delírio ao despertar e os fatores de risco em pacientes de um hospital pediátrico especializado, em Kingston, Jamaica.

Métodos:

Estudo transversal e observacional, incluindo pacientes pediátricos com idades entre 3-10 anos, estado físico ASA I-II, submetidos à anestesia geral com sevoflurano para procedimentos eletivos em regime ambulatorial. Os dados coletados incluíram nível de ansiedade no pré-operatório medido com a Escala de Ansiedade Pré-operatória de Yale modificada, cirurgia realizada, duração da anestesia e analgésicos administrados. No período pós-operatório, os pacientes foram avaliados para verificar a incidência de delírio ao despertar, definido como Agitação com movimentos não-intencionais, inquietação ou debatimento; inconsolável e apático à presença de enfermeiros e/ou dos pais. A necessidade de tratamento farmacológico e as complicacões pós-operatórias relacionadas a episódios de delírio ao despertar também foram registradas.

Resultados:

145 crianças foram incluídas, com incidência de delírio ao despertar em 28 (19,3%). Os episódios de delírio ao despertar apresentaram uma média de duração de 6,9 ±7,8 min; a intervenção farmacológica foi necessária em 19 pacientes (67,8%) e foi associada ao tempo de recuperação prolongado (49,4 ±11,9 versus 29,7 ±10,8 min para crianças não-agitadas; p<0,001). Os fatores positivamente associados ao delírio ao despertar incluíram idade mais jovem (p = 0,01, OR 3,3, IC95 1,2-8,6) e ansiedade moderada e grave pré-indução (p <0,001, OR 5.6, IC95 2,3-13,0). As complicacões do delírio ao despertar incluíram a remoção da linha intravenosa (n = 1) e sangramento do sítio cirúrgico (n = 3).

Conclusão:

As crianças mais jovens que apresentam ansiedade séria no período pré-operatório possuem maior risco de desenvolver delírio pós-anestesia geral com sevoflurano. A incidência global de delírio foi de 19%.

Delírio de emergência; Agitação; Sevoflurano; Anestesia pediátrica


Background and objectives:

Emergence delirium is a distressing complication of the use of sevoflurane for general anesthesia. This study sought to determine the incidence of emergence delirium and risk factors in patients at a specialist pediatric hospital in Kingston, Jamaica.

Methods:

This was a cross-sectional, observational study including pediatric patients aged 3-10 years, ASA I and II, undergoing general anesthesia with sevoflurane for elective day-case procedures. Data collected included patients' level of anxiety pre-operatively using the modified Yale Preoperative Anxiety Scale, surgery performed, anesthetic duration and analgesics administered. Postoperatively, patients were assessed for emergence delirium, defined as agitation with non-purposeful movement, restlessness or thrashing; inconsolability and unresponsiveness to nursing and/or parental presence. The need for pharmacological treatment and post-operative complications related to emergence delirium episodes were also noted.

Results:

One hundred and forty-five (145) children were included, with emergence delirium occurring in 28 (19.3%). Emergence delirium episodes had a mean duration of 6.9±7.8 min, required pharmacologic intervention in 19 (67.8%) children and were associated with a prolonged recovery time (49.4±11.9 versus 29.7± 10.8 min for non-agitated children; p<0.001). Factors positively associated with emergence delirium included younger age (p = 0.01, OR 3.3, 95% CI 1.2-8.6) and moderate and severe anxiety prior to induction (p <0.001, OR 5.6, 95% CI 2.3-13.0). Complications of emergence delirium included intravenous line removal (n = 1), and surgical site bleeding (n = 3).

Conclusion:

Children of younger age with greater preoperative anxiety are at increased risk of developing emergence delirium following general anesthesia with sevoflurane. The overall incidence of emergence delirium was 19%.

Emergence delirium; Agitation; Sevoflurane; Pediatric anesthesia


Introducción y objetivos:

El delirio de urgencias es una complicación angustiante del uso del sevoflurano en anestesia general. Este estudio intentó determinar la incidencia de delirio de urgencias y los factores de riesgo en pacientes de un hospital pediátrico especializado en Kingston, Jamaica.

Métodos:

Estudio transversal y observacional que incluía pacientes pediátricos con edades entre 3 y 10 años, estado físico ASA I-II, sometidos a la anestesia general con sevoflurano para procedimientos electivos en régimen ambulatorio. Los datos compilados incluyeron un nivel de ansiedad en el preoperatorio medido con la Escala de Ansiedad Preoperatoria de Yale modificada, cirugía realizada, duración de la anestesia y analgésicos administrados. En el período postoperatorio los pacientes fueron evaluados para verificar la incidencia de delirio de urgencias, definido como agitación con movimientos no intencionales, inquietud o desesperación; inconsolable y apático a la presencia de los enfermeros y/o de los padres. También se registraron la necesidad de tratamiento farmacológico y las complicaciones postoperatorias relacionadas con los episodios de delirio de urgencias.

Resultados:

Se incluyeron 145 niños, con una incidencia de delirio de urgencias en 28 (19,3%). Los episodios de delirio de urgencias tuvieron una media de duración de 6,9 ± 7,8 min; la inter-vención farmacológica se hizo necesaria en 19 pacientes (67,8%) y se asoció con el tiempo de recuperación prolongado (49,4 ± 11,9 versus 29,7 ± 10,8 min para niños no agitados; p < 0,001). Los factores positivamente asociados con el delirio de urgencias incluyeron la edad más joven (p = 0,01, OR: 3,3, IC 95%: 1,2-8,6) y la ansiedad moderada y grave preinducción (p < 0,001, OR: 5.6, IC 95%: 2,3-13,0). Las complicaciones del delirio de urgencias incluyeron la retirada de la línea intravenosa (n = 1) y el sangrado del sitio quirúrgico (n = 3).

Conclusión:

Los ninos más jóvenes que tenían ansiedad seria en el período preoperatorio poseen un riesgo mayor de desarrollar delirio postanestesia general con sevoflurano. La incidencia global del delirio alcanzó el 19%.

Delirio de urgencias; Agitación; Sevoflurano; Anestesia pediátrica


Introdução

A introdução de agentes anestésicos inalatórios com menor solubilidade no sangue (sevoflurano e desflurano) na prática clínica tem permitido início mais rápido, controle mais preciso e recuperação mais rápida da anestesia.1. Eger 2nd EI. New inhaled anesthetics. Anesthesiology. 1994;80:906-22.,2. Wallin RF, Regan BM, Napoli MD, et al. Sevoflurane: a new inhalational anesthetic agent. Anesth Analg. 1975;54:758-66. Sevoflurano é usado com mais frequência em anestesia pediátrica para indução e manutenção inalatórias por ser menos pungente, causar menos irritação das vias aéreas e menor depressão cardiovascular.3. Smith I, Nathanson M, White PF. Sevoflurane—a long-awaited volatile anaesthetic. Br J Anaesth. 1996;76:435-45. No entanto, seu uso tem sido associado a uma maior incidência de excitação no período pós-operatório.4. Vlajkovic GP, Sindjelic RP. Emergence delirium in children: many questions, few answers. Anesth Analg. 2007;104:84-91.

O delírio ao despertar (DD) foi descrito por diversos autores como um estado clínico durante o despertar da anestesia geral em que os pacientes estão acordados, mas apresentam um estado mental alterado, manifestado como desorientacção, inconsolabilidade, confusão e comportamento físico violento ou prejudicial.4. Vlajkovic GP, Sindjelic RP. Emergence delirium in children: many questions, few answers. Anesth Analg. 2007;104:84-91.,5. Veyckemans F. Excitation and delirium during sevoflurane anesthesia in pediatric patients. Minerva Anestesiol. 2002;68:402-5. Tais pacientes não parecem reconhecer os membros da família, exibem um comportamento involuntário e não reagem adequadamente aos estímulos externos.6. Malarbi S, Stargatt R, Howard K, et al. Characterizing the behavior of children emerging with delirium from general anesthesia. Paediatr Anaesth. 2011;21:942-50. Atualmente, não há um consenso sobre a definição de DD e alguns sistemas de classificação são usados para auxiliar no diagnóstico.6. Malarbi S, Stargatt R, Howard K, et al. Characterizing the behavior of children emerging with delirium from general anesthesia. Paediatr Anaesth. 2011;21:942-50.,7. Bajwa SA, Costi D, Cyna AM. A comparison of emergence delirium scales following general anesthesia in children. Paediatr Anaesth. 2010;20:704-11. A literatura registra uma grande porcentagem de casos (10-80%)4. Vlajkovic GP, Sindjelic RP. Emergence delirium in children: many questions, few answers. Anesth Analg. 2007;104:84-91. que podem ser, em parte, devidos a diferençcas nas definiçcões usadas para o diagnóstico. A causa ainda é desconhecida. Idade, ansiedade pré-operatória, técnica ou agentes anestésicos, tipo de procedimento cirúrgico, dor e uso ou não de medicação adjuvante foram sugeridos como fatores que desempenham um papel no desenvolvimento de DD.4. Vlajkovic GP, Sindjelic RP. Emergence delirium in children: many questions, few answers. Anesth Analg. 2007;104:84-91.,5. Veyckemans F. Excitation and delirium during sevoflurane anesthesia in pediatric patients. Minerva Anestesiol. 2002;68:402-5.,8. Voepel-Lewis T, Malviya S, Tait AR. A prospective cohort study of emergence agitation in the pediatric postanesthesia care unit. Anesth Analg. 2003;96:1625-30.,9. Eckenhoff JE, Kneale DH, Dripps RD. The incidence and etiology of postanesthetic excitement. A clinical survey. Anesthesiology. 1961;22:667-73. A incidência geralmente ocorre no período precoce de recuperação (primeiros 30 min) e a duração é curta e autolimitada, entre 5-15 min.4. Vlajkovic GP, Sindjelic RP. Emergence delirium in children: many questions, few answers. Anesth Analg. 2007;104:84-91. A intervenção farmacológica pode ser considerada, dependendo da duração e gravidade do evento e pode incluir analgésicos, benzodiazepínicos e hipnóticos como fentanil, propofol e midazolam.4. Vlajkovic GP, Sindjelic RP. Emergence delirium in children: many questions, few answers. Anesth Analg. 2007;104:84-91.

Uma recuperação agitada da anestesia pode causar danos ao paciente, incluindo o sítio cirúrgico e a remoção acidental de acesso intravenoso, drenos e curativos cirúrgicos. Cuidados adicionais de enfermagem muitas vezes são necessários,1010 . Hudek K. Emergence delirium: a nursing perspective. AORN J. 2009;89:509-16. o que pode retardar a alta do hospital e aumentar os custos, a angústia dos pais e a insatisfação geral com o atendimento anestésico.4. Vlajkovic GP, Sindjelic RP. Emergence delirium in children: many questions, few answers. Anesth Analg. 2007;104:84-91. Este estudo foi, portanto, concebido para avaliar a incidência de DE no único hospital especializado em atendimento pediátrico da Jamaica e identificar os possíveis fatores contribuintes.

Materiais e métodos

O Bustamante Hospital for Children (BHC), Kingston, Jamaica é um hospital com 283 leitos, incluindo uma unidade de Terapia Intensiva com cinco leitos. É o único hospital especializado no atendimento a crianças do nascimento aos 12 anos de idade do Caribe de língua oficial inglesa.

Todos os pacientes com estado físico ASA I e II, de acordo com a classificação da Sociedade Americana de Anestesiologistas (ASA), e idades entre 3-10 anos que se apresentaram para cirurgia eletiva em regime ambulatorial no BCH entre 18 de julho e 23 de Novembro de 2011 e nas quais sevoflurano não foi contraindicado para a indução e manutenção da anestesia, foram elegíveis para participar do estudo. Obtivemos os termos de consentimento informado assinados pelos pais ou tutores das crianças. Os critérios de exclusão foram:

  1. Disfunção neurológica pré-existente e agitação (ex., síndrome de Down, autismo).

  2. Cirurgias otorrinolaringológicas associadas à sensação de "sufocamento" (ex., adenoidectomia e amigdalectomia).

  3. Procedimentos oftalmológicos, nos quais tapa-olhos seriam aplicados no pós-operatório, o que poderia contribuir para a desorientação do paciente durante o despertar.

  4. Pacientes com deficiência visual ou auditiva que poderia resultar em desorientacção no pós-operatório.

  5. Procedimentos maiores (ex., cardíacos e neurocirúrgicos).

A avaliacção pré-operatória foi realizada e os medicamentos administrados no pré-operatório foram registrados.

A avaliacção da ansiedade foi realizada na enfermaria pelo anestesiologista investigador antes da transferência para o centro cirúrgico (CC) e após a separação dos pais no CC, antes da indução. O nível de ansiedade do paciente foi avaliado com a Escala de Ansiedade Pré-operatória de Yale modificada (mYPAS) 1111 . Kain ZN, Mayes LC, Cicchetti DV, et al. The Yale Preoperative Anxiety Scale: how does it compare with a "gold standard"? Anesth Analg. 1997;85:783-8.. Essa escala inclui 22 itens divididos em cinco categorias (atividade, expressividade emocional, estado de excitação, vocalização e uso dos pais). O nível de comportamento mais alto que pode ser observado em cada uma das cinco categorias da mYPAS é o escore para essa categoria. O escore mais alto possível é 22 (agitação extrema). O escore possui boa confiabilidade tanto interobservador quanto intraobservador, foi validado para a populacção pediátrica e pode ser concluído em menos de um minuto.1111 . Kain ZN, Mayes LC, Cicchetti DV, et al. The Yale Preoperative Anxiety Scale: how does it compare with a "gold standard"? Anesth Analg. 1997;85:783-8. Os escores foram categorizados em leve (5-10), moderado (1115) e grave (16-22).

Monitoramento padrão foi realizado com eletrocardiograma (ECG), pressão arterial não-invasiva (PANI) e saturação de oxigênio (SpO2). Um fluxo de gás fresco estimado em três vezes o volume expiratório minuto do paciente (50% de oxigênio em óxido nitroso) com sevoflurano a 8% em um circuito Mapleson F foi administrado por 2 min antes da indução anestésica. A máscara para anestesia foi então aplicada ao final de uma expiração normal. Após a perda do reflexo ciliar e o paciente estar em profundidade adequada de anestesia, um cateter intravenoso foi inserido. Registramos a ocorrência de qualquer complicacão durante a indução ou anestesia, incluindo tosse, suspensão da respiração, laringoespasmo, broncoes-pasmo, arritmias, hipotensão, hipertensão e movimentos anormais. A técnica escolhida para o manejo da via aérea ficou a critério do anestesiologista. As crianças que precisaram de intubação traqueal receberam ventilação com pressão positiva intermitente, enquanto aquelas que precisaram de máscara laríngea ou facial foram mantidas em respiracão espontânea, exceto aquelas com herniorrafia umbilical e supraumbilical. A anestesia foi então mantida com sevoflurano (concentracção ajustada conforme necessário pelo anestesiologista assistente) em 50% de oxigênio com óxido nitroso. Todos os analgésicos administrados no período intraoperatório também foram registrados, como petidina, diclofenaco, paracetamol ou anestésicos locais.

Os procedimentos cirúrgicos realizados foram categorizados em um dos três grupos, com base na extensão da cirurgia, bem como na intensidade prevista da dor no período pós-operatório, como descrito na tabela 1. No final do procedimento, sevoflurano foi descontinuado e o paciente transferido para a sala de recuperacão pós-anestesia (SRPA), desde que a respiração estivesse bem estabelecida, a saturação do ar ambiente satisfatória e houvesse estabilidade cardiovascular. A duracção da anestesia foi definida como o tempo desde a indução até o momento de interrupção de sevoflurano. Também registramos o tempo para despertar, considerado como o intervalo entre a interrupção de sevoflurano e a abertura dos olhos ou movimento proposital dos membros (o primeiro a aparecer). Durante a recuperação, um observador treinado (enfermeiro ou pesquisador da SRPA), cegado para o escore de ansiedade no pré-operatório, registrou todos os comportamentos ao despertar usando a escala de cinco pontos de Cravero a cada 5 min (tabela 2) até que o paciente estivesse acordado, calmo e recebesse alta.7. Bajwa SA, Costi D, Cyna AM. A comparison of emergence delirium scales following general anesthesia in children. Paediatr Anaesth. 2010;20:704-11. A presença e duração de DD foram documentadas. Delírio ao despertar foi definido como: agitação com movimento não intencional, inquietacão ou debatimento; incoerência; inconsolabilidade e não responsivo à enfermagem e à subsequente presença dos pais. Delírio ao despertar não foi considerado em criançcas com evidência clínica sugestiva de dor, como a localização e analgesia inadequada aparente. Em tais casos, a analgesia foi administrada e o paciente reavaliado. Os sinais vitais (frequência cardíaca, SpO2 e frequência respiratória) foram registrados em intervalos de 5 min. Também foram registradas todas as intervençcões farmacológicas e não-farmacológicas (decididas pelo enfermeiro da SRPA e anestesiologista atribuído à lista) e eventos adversos. O tempo de recuperação foi definido como o tempo desde a admissão em SRPA até o paciente estar completamente acordado, apropriadamente ágil e cooperativo, com grau três ou menor na Escala de Agitação de Cravero. Os critérios de alta estavam em conformidade com a prática habitual e incluíram: paciente acordado, orientado, com ótima analgesia e sinais vitais estáveis.

Tabela 1
Descricão das categorias de grau cirúrgico
Tabela 2
Escala de Agitação de Cravero7. Bajwa SA, Costi D, Cyna AM. A comparison of emergence delirium scales following general anesthesia in children. Paediatr Anaesth. 2010;20:704-11.

O tamanho da amostra foi calculado usando um único método proporcional. Esse cálculo teve como base a incidência prevista de 30% (de acordo com revisão da literatura) e a detecção de uma diferença de 10% entre as populações. A população da amostra de 145 pacientes foi necessária para produzir um poder de 80% e um intervalo de confiança de 95% (IC95). Os dados foram analisados com o Programa Estatístico para Ciências Sociais versão 12.0 (IBM SPSS Statistics, Chicago, IL). Os dados paramétricos foram apresentados como média ± desvio-padrão (DP) e comparadas usando o teste t de Student não-pareado. Os testes do qui-quadrado e exato de Fisher foram usados para comparar os dados não paramétricos. Valores p <0,05 foram considerados significativos. Obtivemos a aprovação do Comitê de Ética da UWI Faculty of Medical Sciences e do Órgão de Saúde local.

Resultados

Demografia

No total, 145 pacientes foram incluídos no estudo, 86 (59%) dos quais eram do sexo feminino. A média de idade foi de 6,3 ± 2,3 anos, com mediana e moda de 6,0 e intervalo interquartil (IQR) de 4 anos (fig. 1). Os procedimentos cirúrgicos realizados incluíram herniorrafias inguinais, redução e fixação de fraturas, orquidopexias, remoção de cistos, exames sob anestesia e extraçcões dentárias. A maioria dos procedimentos (61%) foi de cirurgias gerais, como herniorra-fias, classificadas como Grau 2 (tabela 3). Dos 145 pacientes, 115 eram ASA I (79%) e 30 ASA II (21%). Doenças crônicas foram incomuns e incluíram asma, traço falciforme (HBAs) e sinusite.

Figura 1
Distribuição por idade em anos.
Tabela 3
Características dos pacientes

Pré-operatório

A maioria dos pacientes (98%) do estudo não foi prémedicada. Apenas um paciente recebeu midazolam e dois pacientes receberam prometazina (Fenergan). Os escores da mYPAS na enfermaria foram significativamente menores que os apresentados logo antes da indução anestésica. Ansiedade leve (escore 5-10) foi observada em 91% dos pacientes no pré-operatório na enfermaria, em comparação com 65% antes da indução. Ansiedade grave (mYPAS 16-22) foi observada em apenas 2% dos pacientes na enfermaria, mas aumentou para 14% logo antes da indução (tabela 3).

Intraoperatório

Máscara laríngea (ML) foi usada na maioria dos pacientes (90%), intubação traqueal foi usada em sete pacientes (5%) e oito pacientes (5%) usaram apenas máscara facial. A complicação observada mais frequente foi a suspensão da respiracção, o que ocorreu em 9% dos pacientes, seguido de tosse em 6% dos pacientes (tabela 4). A duração da anestesia variou entre 6-185 min (média ajustada de 40,0 ± 17,1, mediana de 37 min, IQR de 19 min). O tempo para despertar variou de 1 a 50 min (média de 19,5± 11,7 min, mediana de 19 min, IQR de 20 min). Para analgesia, acetaminofeno retal foi administrado a 86% dos pacientes, petidina intravenosa (meperidina) a 96%, e 72% receberam infiltração local de bupivacaína a 0,25%.

Tabela 4
Frequência de complicações durante a anestesia

Período de recuperação e DD

O tempo de recuperação variou de 5 a 76 min (média 33,5 ± 13,4 min). DD foi observado em 28 (19,3%) pacientes e variou de 1 a 37 min (média de 6,9 ± 7,8 min). A maioria dos casos de DD (64%) durou 5 min ou menos. Treze dos pacientes com DD (46%) precisaram de tratamento farmacológico com petidina (meperidina); midazolam ou cetamina foi administrada a cinco desses pacientes. Os episódios de DD foram associados ao tempo de recuperação prolongado de 49,4 ± 11,9 min, em comparação com 29,7 ± 10,8 min para crianças sem agitação (p <0,001). No grupo DD, uma criança (4%) removeu a linha IV, três crianças (11%) apresentaram aumento de sangramento no local da cirurgia e uma criança (4%) removeu o curativo cirúrgico.

Fatores associados à agitação ao despertar

Houve uma relação significativa entre a idade e o desenvolvimento de DD: 26% dos pacientes com idade entre 3-6 anos apresentaram agitação, em comparacção com 10% dos pacientes com idade entre 7-10 anos (p = 0,01, OR 3,3; IC95 1.2-8,6). A média de idade dos pacientes que desenvolveram DD foi de 4,8 ± 1,5 anos, em comparação com a média de idade de 6,7 ± 2,3 anos para aqueles que não apresentaram agitação (p <0,001).

Os pacientes que apresentaram ansiedade moderada e grave logo antes da indução foram mais propensos a desenvolver DD no período pós-operatório (p < 0,001, OR 5,6; IC95 2.3-13,0). Apenas 10% dos pacientes com ansiedade leve desenvolveram DD, em comparação com 37% dos pacientes com ansiedade moderada ou grave. Essa associação não foi observada com os escores da mYPAS avaliados na enfermaria no período pré-operatório.

Não houve associação entre sexo (p = 1,0), duração da anestesia (p = 0,167), tempo para despertar (p = 0,220), grau do procedimento cirúrgico (p = 0,686), doença crónica (p = 0,105), dose de opiáceo para analgesia administrada no intraoperatório (p = 0,938) ou uso de infiltração da ferida (p = 0,613) (tabela 5).

Tabela 5
Fatores associados ao delírio ao despertar

Discussão

A incidência registrada de DD neste estudo foi de 19,3% na população cirúrgica pediátrica (3-10 anos) submetida à anestesia geral com sevoflurano no BHC, Jamaica, com idade tenra e ansiedade pré-operatória após a separação dos pais como indicadores significativos. Relatos na literatura internacional mostram incidência de DD variando entre 10-80%4. Vlajkovic GP, Sindjelic RP. Emergence delirium in children: many questions, few answers. Anesth Analg. 2007;104:84-91. em crianças sob anestesia com sevoflurano; contudo, os protocolos variados e as diferentes definicões de DD nesses estudos dificultam a comparação absoluta dos resultados. Um estudo de sevoflurano para anestesia em crianças de 37 anos, que também usou uma definição semelhante a esse estudo relatou incidência de 18%.8. Voepel-Lewis T, Malviya S, Tait AR. A prospective cohort study of emergence agitation in the pediatric postanesthesia care unit. Anesth Analg. 2003;96:1625-30.

Outros estudos também corroboram nossas descobertas de incidência maior em crianças mais jovens. Os pacientes com idades entre 3-5 anos, submetidos à anestesia com sevoflurano apresentaram incidência de DD de 40%, comparado a 11, 5% das crianças na faixa etária de 6-10 anos e à incidência global de 26,7%.1212 . Aono J, Ueda W, Mamiya K, et al. Greater incidence of delirium during recovery from sevoflurane anesthesia in preschool boys. Anesthesiology. 1997;87:1298-300. Em um estudo realizado na Tailândia,1313 . Saringcarinkul A, Manchupong S, Punjasawadwong Y. Incidence and risk factors of emergence agitation in pediatric patients after general anesthesia. J Med Assoc Thai. 2008;91:1226-31. a incidência de DD foi significativamente maior no grupo de crianças na faixa etária de 2-5 anos que no grupo de 6-9 anos (66,7% versus 45,8%, p = 0,002). Depois de categorizar nossos pacientes em grupos de diferentes faixas etárias, verificamos que 26% das crianças de 3-6 anos apresentaram DD, em comparação com 10% entre as crianças de 7-10 anos.

Com frequência, o período perioperatório é extremamente angustiante para as crianças, e observamos um claro aumento da ansiedade após a separação dos pais. A relação observada entre ansiedade pré-operatória e DD também foi observada em outros estudos. A chance de apresentar sintomas de DD aumentou em aproximadamente 10% quando os escores da mYPAS indicaram aumento de 10 pontos.1414 . Kain ZN, Caldwell-Andrews AA, Maranets I, et al. Preoperative anxiety and emergence delirium and postoperative maladaptive behaviors. Anesth Analg. 2004;99:1648-54. Relatou-se que a ansiedade pré-operatória é maior em crianças com DD grave que requer tratamento farmacológico (p = 0,032).1515 . Weldon BC, Bell M, Craddock T. The effect of caudal analgesia on emergence agitation in children after sevoflurane versus halothane anesthesia. Anesth Analg. 2004;98:321-6. Delírio ao despertar ocorreu mais frequentemente em crianças que apresentaram comportamento difícil de separação parental que naqueles que não apresentaram (44,4% versus 18,3%).1313 . Saringcarinkul A, Manchupong S, Punjasawadwong Y. Incidence and risk factors of emergence agitation in pediatric patients after general anesthesia. J Med Assoc Thai. 2008;91:1226-31.

Embora a dor tenha sido identificada como contribuinte do desenvolvimento de DD, uma relação clara não foi estabelecida. A administração de cetorolaco ou fentanil mostrou reduzir a agitação associada à anestesia com sevoflurano em pacientes submetidos à cirurgia otorrinolaringológica, sugerindo que a analgesia adequada pode reduzir a incidência de DD.4. Vlajkovic GP, Sindjelic RP. Emergence delirium in children: many questions, few answers. Anesth Analg. 2007;104:84-91. A incidência de DD descoberta neste estudo entre os pacientes de 3-6 anos de idade é comparável àquela de estudos envolvendo procedimentos indolores (como RNM) ou usando anestesia regional adequada.1212 . Aono J, Ueda W, Mamiya K, et al. Greater incidence of delirium during recovery from sevoflurane anesthesia in preschool boys. Anesthesiology. 1997;87:1298-300.,1515 . Weldon BC, Bell M, Craddock T. The effect of caudal analgesia on emergence agitation in children after sevoflurane versus halothane anesthesia. Anesth Analg. 2004;98:321-6.1717 . Cravero J, Surgenor S, Whalen K. Emergence agitation in paediatric patients after sevoflurane anaesthesia and no surgery: a comparison with halothane. Paediatr Anaesth. 2000;10:419-24. Porém, é difícil diferenciar a dor do DD verdadeiro porque os sinais são muito semelhantes, especialmente em pacientes mais jovens.1818 . Manworren RC, Paulos CL, Pop R. Treating children for acute agitation in the PACU: differentiating pain and emergence delirium. J Perianesth Nurs. 2004;19:183-93. Tentamos excluir a presencça de dor localizada ao fazer o diagnóstico de DD.

Semelhante a outros estudos,8. Voepel-Lewis T, Malviya S, Tait AR. A prospective cohort study of emergence agitation in the pediatric postanesthesia care unit. Anesth Analg. 2003;96:1625-30.,1212 . Aono J, Ueda W, Mamiya K, et al. Greater incidence of delirium during recovery from sevoflurane anesthesia in preschool boys. Anesthesiology. 1997;87:1298-300.,1515 . Weldon BC, Bell M, Craddock T. The effect of caudal analgesia on emergence agitation in children after sevoflurane versus halothane anesthesia. Anesth Analg. 2004;98:321-6.,1616 . Abu-Shahwan I. Effect of propofol on emergence behavior in children after sevoflurane general anesthesia. Paediatr Anaesth. 2008;18:55-9.,1919 . Davis PJ, Greenberg JA, Gendelman M, et al. Recovery characteristics of sevoflurane and halothane in preschool-aged children undergoing bilateral myringotomy and pressure equalization tube insertion. Anesth Analg. 1999;88:34-8. o tempo de recuperação foi prolongado nos pacientes que desenvolveram DD. O tempo de recuperação prolongado provavelmente resultou do tratamento farmacológico com sedativo adicional e de outras terapias de apoio necessárias para controlar esse fenômeno. O processo de recuperação prolongado e o adiamento da alta também podem ter sido influenciados pelas complicacções decorrentes do período de agitação, como o aumento de sangramento e o deslocamento de linhas e drenos intravenosos.8. Voepel-Lewis T, Malviya S, Tait AR. A prospective cohort study of emergence agitation in the pediatric postanesthesia care unit. Anesth Analg. 2003;96:1625-30.

As limitacções deste estudo incluíram a falta de padronização da concentração de sevoflurano e as doses e o momento do uso de medicamentos adjuvantes que poderiam ter impacto sobre a incidência de DD. É possível que também tenha havido viés do observador, pois os observadores, embora cegados para os níveis de ansiedade no pré-operatório, estavam cientes da técnica anestésica e dos procedimentos cirúrgicos.

Conclusão

Nossos resultados indicam que o DD associado à administração de sevoflurano ocorre em crianças no BHC em taxas e duracções similares àquelas observadas em outros estudos. Identificamos a idade mais jovem (3-6 anos) e a ansiedade de moderada a grave no período pré-operatório após a separação dos pais como preditivos positivos do DD. No BHC, bem como em outros hospitais da Jamaica, a separação precoce dos pais continua a ser praticada. A mudança dessa política pode ter impacto significativo sobre a incidência de DD em nossa prática. O escore da mYPAS pode ser uma valiosa ferramenta para identificar criancças em risco de desenvolver delírio ao despertar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    31 Jul 2013
  • Aceito
    24 Set 2013
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