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Bloqueio do gânglio esfenopalatino para cefaleia pós-punção dural em contexto de ambulatório

Resumo

Justificativa e objetivos:

Cefaleia pós-punção dural (CPPD) é uma complicação comum após bloqueio subaracnoideo e sua incidência varia de acordo com o tamanho e desenho da agulha usada. Geralmente, a terapia de apoio é a abordagem inicial. O tampão sanguíneo peridural (TSP) é o padrão de terapia quando a terapia de apoio falha, mas tem riscos significativos associados. O bloqueio do gânglio esfenopalatino (BGEP) pode ser uma opção mais segura.

Relato de caso:

Atendemos uma paciente de 41 anos, com CPPD após bloqueio subaracnoideo uma semana antes. Administramos cristaloides (1 L), dexametasona (4 mg), parecoxib (40 mg), acetaminofeno (1 g) e cafeína (500 mg), sem alívio significativo após 2 horas. Fizemos um bloqueio bilateral do gânglio esfenopalatino, com um aplicador com ponta de algodão saturada com levobupivacaína a 0,5% sob monitoração padrão ASA. O alívio dos sintomas foi relatado 5 minutos após o bloqueio. A paciente foi monitorada por uma hora e depois recebeu alta com prescrição de acetaminofeno (1 g) e ibuprofeno (400 mg) a cada 8 horas para os dois dias seguintes. A paciente foi contatada no dia seguinte e novamente após uma semana e, em ambos os contatos, relatou não sentir dor.

Conclusões:

O BGEP pode ter atenuado a vasodilatação cerebral induzida pelo estímulo parassimpático transmitido através dos neurônios que têm sinapses no gânglio esfenopalatino. Esse mecanismo estaria de acordo com o conceito de Monro-Kellie e explicaria por que a cafeína e o sumatriptano podem ter algum efeito no tratamento da CPPD.

Aparentemente, o BGEP tem um início mais rápido do que o do TSP, com um melhor perfil de segurança. Sugerimos que os pacientes que se apresentam com CPPD devam ser considerados primeiro para BGEP. Os pacientes podem ser submetidos a um TSP de resgate, caso necessário.

PALAVRAS-CHAVE
Bloqueio do gânglio esfenopalatino; Cefaleia pós-punção dural

Abstract

Background and objectives:

Postdural puncture headache (PDPH) is a common complication following subarachnoid blockade and its incidence varies with the size of the needle used and the needle design. Suportive therapy is the usual initial approach. Epidural blood patch (EBP) is the gold-standard when supportive therapy fails but has significant risks associated. Sphenopalatine ganglion block (SPGB) may be a safer alternative.

Case report:

We observed a 41 year-old female patient presenting with PDPH after a subarachnoid blockade a week before. We administrated 1 l of crystalloids, Dexamethasone 4 mg, parecoxib 40 mg, acetaminophen 1 g and caffeine 500 mg without significant relief after 2 hours. We performed a bilateral SPGB with a cotton-tipped applicator saturated with 0.5% Levobupivacaine under standard ASA monitoring. Symptoms relief was reported 5 minutes after the block. The patient was monitored for an hour after which she was discharged and prescribed acetaminophen 1 g and ibuprofen 400 mg every 8 hours for the following 2 days. She was contacted on the next day and again after a week reporting no pain in both situation.

Conclusions:

SPGB may attenuate cerebral vasodilation induced by parasympathetic stimulation transmitted through neurons that have synapses in the sphenopalatine ganglion. This would be in agreement with the Monro-Kellie concept and would explain why caffeine and sumatriptan can have some effect in the treatment of PDPH.

Apparently, SPGB has a faster onset than EBP with better safety profile. We suggest that patients presenting with PDPH should be considered primarily for SPGB. Patients may have a rescue EBP if needed.

KEYWORDS
Sphenopalatine ganglion block; Postdural puncture headache

Justificativa e objetivos

Cefaleia pós-punção dural (CPPD) é uma complicação comum após o bloqueio subaracnoideo. Sua incidência varia muito de acordo com o tamanho e desenho da agulha usada. Geralmente, manifesta-se como intensa cefaleia frontal e occipital, mas outras áreas também podem ser afetadas.11 Turnbull DK, Shepherd DB. Post-dural puncture headache: pathogenesis, prevention and treatment. Br J Anaesth. 2003;91:718-29. A dor é exacerbada pela posição ereta e aliviada em repouso, a característica distintiva.22 Weir EC. The sharp end of the dural puncture. Br Med J. 2000;320:127-8. Outros sintomas também foram relatados e incluem náusea, vômito, vertigem, perda de audição e distúrbios visuais. Embora 90% dos casos de CPPD aconteçam nos primeiros três dias após uma punção dural, seu início pode ser adiado por quase duas semanas.11 Turnbull DK, Shepherd DB. Post-dural puncture headache: pathogenesis, prevention and treatment. Br J Anaesth. 2003;91:718-29.

A agulha subaraquinoidea Quincke é uma das mais usadas em todo o mundo e tem um bisel adelgaçado e cortante. A incidência de CPPD com o uso de agulhas Quincke pode variar de 0,4% a 36%, depende de seu tamanho. As agulhas com bisel em ponta de lápis podem resultar em menor incidência de CPPD.11 Turnbull DK, Shepherd DB. Post-dural puncture headache: pathogenesis, prevention and treatment. Br J Anaesth. 2003;91:718-29. Reidratação, anti-inflamatórios não esteroides, acetaminofeno, corticosteroides em dose baixa, cafeína e sumatriptano, todos fazem parte da terapia de apoio, o que pode dispensar a necessidade de uma terapia mais agressiva, apesar do alívio incompleto.33 Flaatten H, Rodt S, Rosland J, et al. Postoperative headache in young patients after spinal anaesthesia. Anaesthesia. 1987;42:202-5.

Tampão sanguíneo peridural (TSP) é atualmente o tratamento padrão após terapias farmacológicas malsucedidas, mas não está isento de riscos significativos (meningite, convulsões, déficits motores e sensoriais etc.).44 Kardash K, Morrow F, Beique F. Seizures after epidural blood patch with undiagnosed subdural hematoma. Reg Anesth Pain Med. 2002;27:433-6. Há alguns relatos de bloqueio do gânglio esfenopalatino (BGEP) transnasal para o tratamento de CPPD.55 Cohen S, Sakr A, Katyal S, et al. Sphenopalatine ganglion block for postdural puncture headache. Anaesthesia. 2009;64:574-5.

Relato de caso

Observamos uma paciente de 41 anos que apresentou CPPD após o bloqueio subaracnoideo com uma agulha Quincke de calibre 27G para cirurgia com fita vaginal transobturatória sem tensão (Sling) uma semana antes. A intensa dor de cabeça holocraniana teve início na noite da cirurgia, com pioria ao levantar-se e alívio ao deitar-se. A paciente também se queixou de náusea e vômito durante a última semana. Não observamos rigidez cervical. Propusemos uma tomografia computadorizada (TC) do cérebro, que a paciente recusou por ter um bebê em casa e não se sentir confortável em separar-se dele.

Administramos um litro de cristaloides, 4 mg de dexametasona, 40 mg de parecoxib, 1 g de paracetamol e 500 mg de cafeína sem alívio significativo após duas horas (h). Após discutir com a paciente e obter seu consentimento, fizemos um BGEP bilateral com dois aplicadores com as pontas de algodão embebidas com levobupivacaína a 0,5%, sem adjuvantes ou vasoconstritores, sob monitoração ASA padrão. Os aplicadores com ponta de algodão (um para cada narina) foram introduzidos paralelamente ao assoalho do nariz e avançados até que a resistência fosse sentida. Essa resistência representa o contato com a parede posterior da nasofaringe. Cada aplicador com ponta de algodão foi deixado no local durante aproximadamente 5 minutos (min). O alívio dos sintomas foi relatado 5 min após a retirada dos aplicadores com ponta de algodão. A paciente foi monitorada durante uma hora e, em seguida, dispensada com prescrição de 1 g de acetaminofeno e 400 mg de ibuprofeno a cada 8 h durante os dois dias seguintes. A paciente foi contatada no dia seguinte e novamente após uma semana e não relatou dor em ambos os contatos.

Conclusão

Embora a CPPD geralmente seja um diagnóstico claro a partir da história de uma punção dural e dos achados clínicos, outros diagnósticos devem ser considerados, variam de enxaqueca a meningite, hemorragia intracraniana, trombose venosa central ou tumor cerebral.11 Turnbull DK, Shepherd DB. Post-dural puncture headache: pathogenesis, prevention and treatment. Br J Anaesth. 2003;91:718-29. Não havia história prévia de enxaqueca. O aparecimento e a ausência de progressão de sintomas neurológicos desfavoreceram o diagnóstico de meningite e uma hemorragia intracraniana provavelmente apresentaria características mais dramáticas. Propusemos uma TC cerebral para excluir por outras causas, mas nossa paciente recusou.

O conceito de Monro-Kellie afirma que o volume intracraniano deve permanecer inalterado. Portanto, se houver um vazamento de líquido cefalorraquidiano devido à punção dural, os outros constituintes intracranianos (sangue e tecido cerebral) precisariam aumentar seu volume para que a pressão intracraniana e a pressão de perfusão cerebral permanecessem dentro da variação normal. Como o tecido cerebral é um constituinte sólido, com baixa capacidade para expandir seu volume de forma aguda, a possibilidade restante é que o volume sanguíneo intracraniano aumente, secundário à vasodilatação.11 Turnbull DK, Shepherd DB. Post-dural puncture headache: pathogenesis, prevention and treatment. Br J Anaesth. 2003;91:718-29.

Uma hipótese é que o BGEP pode atenuar a vasodilatação cerebral induzida pela estimulação parassimpática transmitida através de neurônios que têm sinapses no gânglio esfenopalatino. Isso estaria de acordo com o conceito de Monro-Kellie e também explicaria por que a cafeína e o sumatriptano podem ter algum efeito no tratamento da CPPD.

Em relação ao que já foi descrito em outros estudos,44 Kardash K, Morrow F, Beique F. Seizures after epidural blood patch with undiagnosed subdural hematoma. Reg Anesth Pain Med. 2002;27:433-6.,55 Cohen S, Sakr A, Katyal S, et al. Sphenopalatine ganglion block for postdural puncture headache. Anaesthesia. 2009;64:574-5. BGEP aparentemente tem um início mais rápido do que TSP com melhor perfil de segurança. Apesar da contraindicação óbvia em pacientes com fraturas de crânio basilar, podemos argumentar que BGEP pode superar as muitas contraindicações para EPD. Além disso, por ser uma técnica não invasiva, as preocupações são poucas em caso de pirexia, hiperleucemia ou infecção conhecida em qualquer outro lugar que não seja a nasofaringe.

Sugerimos que os pacientes com CPPD devem ser considerados principalmente para BGEP, devido à segurança do procedimento. Os pacientes podem ser submetidos ao TSP de resgate, caso necessário.

References

  • 1
    Turnbull DK, Shepherd DB. Post-dural puncture headache: pathogenesis, prevention and treatment. Br J Anaesth. 2003;91:718-29.
  • 2
    Weir EC. The sharp end of the dural puncture. Br Med J. 2000;320:127-8.
  • 3
    Flaatten H, Rodt S, Rosland J, et al. Postoperative headache in young patients after spinal anaesthesia. Anaesthesia. 1987;42:202-5.
  • 4
    Kardash K, Morrow F, Beique F. Seizures after epidural blood patch with undiagnosed subdural hematoma. Reg Anesth Pain Med. 2002;27:433-6.
  • 5
    Cohen S, Sakr A, Katyal S, et al. Sphenopalatine ganglion block for postdural puncture headache. Anaesthesia. 2009;64:574-5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    07 Jul 2016
  • Aceito
    12 Set 2016
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