EDITORIAL
Disfunção cognitiva pós-operatória
As alterações cognitivas potencialmente relacionadas ao ato operatório e/ou anestésico têm preocupado diversos grupos de pesquisadores em todo o mundo.
As principais dificuldades para analisar os resultados observados advêm dos múltiplos fatores que podem contribuir ou interferir com eles.
Aparentemente a idade, o tipo de intervenção cirúrgica, a ansiedade pré-operatória, o tipo de anestesia são alguns dos fatores que interferem com o aparecimento desta complicação pós-operatória 1.
Em 2002, um grupo de pesquisadores da Alemanha, publicou trabalho sobre disfunção cognitiva após anestesia geral, estudando a concentração sérica da proteína S-100 e da enolase neuronal específica (ENE) como indicador desta alteração 2. O racional dessa pesquisa tinha como base o uso da proteína S-100 em cirurgia cardíaca, trauma e acidentes vasculares encefálicos como indicador de isquemia encefálica. A proteína S-100 é encontrada em astrocitos e células de Schwann e a enolase neuronal específica no citoplasma de neurônios e células neuroendócrinas. Suas concentrações séricas se alteram após lesão do sistema nervoso central bem como quando há disfunção da barreira hematoencefálica. Os pacientes foram submetidos a testes para avaliar percepção, atenção, memória associativa, coordenação visual e motora. A conclusão do estudo indicou que a enolase neuronal específica não mostrou diferença entre os pacientes que apresentavam ou não disfunção cognitiva pós-operatória e que a proteína S-100 tinha um valor limitado pela fraca especificidade e possível contaminação extra-encefálica, já que também é produzida em outros tecidos do organismo.
Assim a perspectiva de um indicador objetivo enfraqueceu e restaram aos pesquisadores os difíceis meandros dos parâmetros subjetivos.
À cada nova pesquisa sobre esse assunto muitas dúvidas surgem: qual é a definição de disfunção cognitiva significativa? Os testes neuropsicométricos são aprendidos pelos pacientes durante as múltiplas avaliações? Quais testes devem ser empregados 3? A anestesia regional é preferível à anestesia geral 4?
Não há respostas simples, nem fórmulas pré-estabelecidas, mas há que continuar pesquisando...
Nesse número da revista um grupo brasileiro acrescenta uma contribuição a esse assunto estudando prevalência e fatores associados à disfunção cognitiva pós-operatória. Convido os leitores a pensar sobre o assunto. A população do Brasil envelhece e o atendimento cirúrgico de pacientes idosos é uma realidade. Criar evidências que contribuam com as diretrizes da prática clínica é uma necessidade.
Entretanto é importante refletir que nem só a população idosa pode exibir essas alterações, a hospitalização e a anestesia ou intervenção cirúrgica podem também contribuir para alterações de desenvolvimento cognitivo, emocional e sócio-comportamental em crianças 5.
Dra. Judymara Lauzi Gozzani, TSA
Editor Chefe da Revista Brasileira de Anestesiologia
REFERÊNCIAS
01. Canet J, Raeder J, Rasmussen LS et al - Cognitive dysfunction after minor surgery in the elderly. Acta Anaesthesiol Scand, 2003;47:1204-1210.
02. Linstedt U, Meyer O, Kropp P et al - Serum concentration of S-100 protein in assessment of cognitive dysfunction after general anesthesia in different types of surgery. Acta Anaesthesiol Scand, 2002;46:384-389.
03. Heyer EJ, Connolly ES - Serum concentration of S-100 protein in assessment of cognitive dysfunction after general anesthesia in different types of surgery. Acta Anaesthesiol Scand, 2003;47:911-912.
04. Wu CL, Hsu W, Richman JM et al - Postoperative cognitive function as an outcome of regional anesthesia and analgesia. Reg Anesth Pain Med, 2004;29:257-268.
05. Caldas JC, Pais-Ribeiro JL, Carneiro SR - General anesthesia, surgery and hospitalization in children and their effects upon cognitive, academic, emotional and sociobehavioral development - a review. Paediatr Anaesth, 2004;14:910-915.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
13 Fev 2006 -
Data do Fascículo
Out 2005