Resumos
Aceria lantanae é um ácaro fitófago indutor de galhas em folhas de Lantana camara. O estudo comparativo de caracteres histológicos e histométricos durante a ontogênese foliar e das galhas visa determinar quais eventos da morfogênese dos tecidos sadios são alterados pelo galhador. A ontogênese foliar de L. camara segue os padrões descritos na literatura. A indução de galhas provoca hiperplasia da epiderme e do sistema fundamental. No estágio de crescimento e desenvolvimento, a invaginação da lâmina foliar origina a câmara ninfal, onde os eriofídeos se reproduzem. O revestimento interno dessa câmara constitui o tecido nutritivo, no qual os indutores se alimentam, estimulando as divisões celulares. No estágio de maturação, o aumento no tamanho da estrutura é acompanhado pelo aumento no número de indivíduos de A. lantanae. O revestimento externo da galha apresenta alta densidade de tricomas tectores, cujo morfotipo é particular às galhas. A diferenciação de emergências e a neoformação de feixes vasculares promove o aporte de nutrientes aos indutores. Divisões celulares em diversos planos alteram o padrão laminar da folha resultando em galhas verrucosas. O arranjo dos tecidos antes direcionados à fotossíntese passa a garantir um microambiente adequado e fonte nutricional para a colônia de A. lantanae. No estágio de senescência, a suberização do tecido nutritivo indica o fim da atividade alimentar dos indutores. O fim dos ciclos celulares tem lugar com a suberização do tecido nutritivo, evento que pode ser relacionado à morte da fêmea deutogina, ou ao limite imposto pela idade da folha hospedeira de L. camara.
Aceria; anatomia foliar; desenvolvimento; galha; Lantana
Aceria lantanae is a phytophagous mite commonly observed inducing galls in Lantana camara leaves. The comparative study of histological and histometric characteristics, during the ontogenesis of leaves and galls, aims to determine which of the healthy tissues morphogenetic events are altered by the galling herbivore. Leaf ontogenetical events of L. camara followed the pattern described in literature. Gall induction causes hyperplasia of epidermis and ground system. At growth and development stage, leaf lamina invagination gives rise to the nymphal chamber, where eriophids reproduce. The cell layer limiting this chamber constitutes the nutritive tissue, where inducers feed, and stimulate cell divisions. At the maturation stage, gall increase in size is followed by an increase in the number of A. lantanae individuals. Gall external covering is characterized by a high density of non-glandular trichomes whose morphotype is particular to the galls. The differentiation of emergencies and neoformation of vascular bundles promotes an increase in the flux of food resources to the inducers. Cell divisions in diverse angles alter the laminar pattern of the leaf firstly related to photosynthesis, and result in verrucous galls which guarantee an adequate microenvironment and nutrition source to A. lantanae colony. At senescent stage, nutritive tissue suberization occurs, indicating the end of the inducers feeding activity. The suberization of nutritive tissue indicates the end of cell cycles, an event that may be related to the death of the deutogyne female, or to the limits imposed by the age of L. camara host leaf.
Aceria; development; Lantana; leaf anatomy; plant gall
ARTIGOS
Ontogênese da folha e das galhas induzidas por Aceria lantanae Cook (Acarina:Eriophyidae) em Lantana camara L. (Verbenaceae)
Ontogenesis of the leaf and leaf galls induced by Aceria lantanae Cook (Acarina:Eriophyidae) in Lantana camara L. (Verbenaceae)
Maria Zabelê Dantas MouraI, Geraldo Luiz Gonçalvez SoaresII; Rosy Mary dos Santos IsaiasI,1
IUniversidade Federal de Minas Gerais, Instituto de Ciências Biológicas, Departamento de Botânica, Avenida Antônio Carlos, 6627, Campus Pampulha, 31270-901 Belo Horizonte, MG, Brasil.
IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Biociências, Departamento de Botânica, Rua Bento Gonçalves, 9500, Campus do Vale, 90501-970 Porto Alegre, RS, Brasil.
RESUMO
Aceria lantanae é um ácaro fitófago indutor de galhas em folhas de Lantana camara. O estudo comparativo de caracteres histológicos e histométricos durante a ontogênese foliar e das galhas visa determinar quais eventos da morfogênese dos tecidos sadios são alterados pelo galhador. A ontogênese foliar de L. camara segue os padrões descritos na literatura. A indução de galhas provoca hiperplasia da epiderme e do sistema fundamental. No estágio de crescimento e desenvolvimento, a invaginação da lâmina foliar origina a câmara ninfal, onde os eriofídeos se reproduzem. O revestimento interno dessa câmara constitui o tecido nutritivo, no qual os indutores se alimentam, estimulando as divisões celulares. No estágio de maturação, o aumento no tamanho da estrutura é acompanhado pelo aumento no número de indivíduos de A. lantanae. O revestimento externo da galha apresenta alta densidade de tricomas tectores, cujo morfotipo é particular às galhas. A diferenciação de emergências e a neoformação de feixes vasculares promove o aporte de nutrientes aos indutores. Divisões celulares em diversos planos alteram o padrão laminar da folha resultando em galhas verrucosas. O arranjo dos tecidos antes direcionados à fotossíntese passa a garantir um microambiente adequado e fonte nutricional para a colônia de A. lantanae. No estágio de senescência, a suberização do tecido nutritivo indica o fim da atividade alimentar dos indutores. O fim dos ciclos celulares tem lugar com a suberização do tecido nutritivo, evento que pode ser relacionado à morte da fêmea deutogina, ou ao limite imposto pela idade da folha hospedeira de L. camara.
Palavras-chave:Aceria, anatomia foliar, desenvolvimento, galha, Lantana
ABSTRACT
Aceria lantanae is a phytophagous mite commonly observed inducing galls in Lantana camara leaves. The comparative study of histological and histometric characteristics, during the ontogenesis of leaves and galls, aims to determine which of the healthy tissues morphogenetic events are altered by the galling herbivore. Leaf ontogenetical events of L. camara followed the pattern described in literature. Gall induction causes hyperplasia of epidermis and ground system. At growth and development stage, leaf lamina invagination gives rise to the nymphal chamber, where eriophids reproduce. The cell layer limiting this chamber constitutes the nutritive tissue, where inducers feed, and stimulate cell divisions. At the maturation stage, gall increase in size is followed by an increase in the number of A. lantanae individuals. Gall external covering is characterized by a high density of non-glandular trichomes whose morphotype is particular to the galls. The differentiation of emergencies and neoformation of vascular bundles promotes an increase in the flux of food resources to the inducers. Cell divisions in diverse angles alter the laminar pattern of the leaf firstly related to photosynthesis, and result in verrucous galls which guarantee an adequate microenvironment and nutrition source to A. lantanae colony. At senescent stage, nutritive tissue suberization occurs, indicating the end of the inducers feeding activity. The suberization of nutritive tissue indicates the end of cell cycles, an event that may be related to the death of the deutogyne female, or to the limits imposed by the age of L. camara host leaf.
Key words:Aceria, development, Lantana, leaf anatomy, plant gall
Introdução
O crescimento e desenvolvimento normal das plantas são controlados por uma série de processos genéticos e fisiológicos integrados e interdependentes. Por outro lado, fatores ambientais, bióticos ou abióticos, alteram os padrões de divisão celular, crescimento e diferenciação (Mani 1992). Organismos indutores de galhas representam um desses fatores bióticos e, deste modo, modificam o crescimento normal do vegetal, através de alterações nos padrões morfogenéticos (Mani 1992).
Estudos envolvendo a anatomia e a ontogênese de galhas (Arduin & Kraus 1995, Kraus et al. 1996, Kane et al. 1997, Souza et al. 2000, Kraus et al. 2002, Kraus et al. 2003, Oliveira et al. 2006) confirmam que os padrões de alteração da morfogênese são complexos e evidenciam uma interação espécie-específica.
Os eriofídeos (Acarina: Eriophyidae) são ácaros exclusivamente fitófagos, formadores de galhas ou de vida livre (Boczek & Griffths 1994). Possuem apenas dois pares de patas em todos os estágios do seu ciclo de vida e apresentam tamanho corporal reduzido (0,1-0,3 mm), fatores que parecem ser uma adaptação ancestral à sobrevivência em microambientes vegetais (Westphal 1992, Lindquist & Oldfield 1996).
Os danos provocados pelos eriofídeos em suas hospedeiras são causados pela secreção salivar (Lindquist & Oldfield 1996) e pela ação mecânica de alimentação, uma vez que eles inserem suas quelíceras na parede celular para sugar o suco das células epidérmicas. No caso das galhas, a natureza do estímulo de indução não é bem conhecida, mas sabe-se que ao ser recebido pela planta, ele desencadeia os eventos que levam à cecidogênese (Westphal 1992).
Galhas foliares induzidas por eriofídeos, geralmente, apresentam-se como malformações localizadas que abrigam colônias de indivíduos. O seu desenvolvimento começa quando uma fêmea madura se alimenta do tecido vegetal (Oldfield 2005). Embora apresentem uma grande diversidade estrutural e morfológica, alguns fatores parecem ser comuns durante a formação dessas galhas como, por exemplo, a produção de tricomas em excesso ao redor do sítio de indução (Westphal 1992, Boczek & Griffiths 1994).
Lantana camara L. (Verbenaceae), conhecida popularmente como lantana, cambará, camará e chumbinho (Brito et al. 2004), é uma espécie ruderal que se propaga rapidamente, sendo capaz de prosperar em condições adversas de solo e temperatura (Sharma et al. 1988), podendo causar impacto negativo a certos ambientes (Morton 1994).
A acarofauna associada à L. camara parece ser bastante rica. Dentre os eriofídeos associados a essa espécie, Aceria lantanae Cook forma galhas nas folhas e nas inflorescências de populações distintas (Palmer & Pullen 1995, Craemer 1996, Walter 1999, De La Torre & Almaguel 2004) e já foi considerado um agente promissor para o controle biológico desta espécie vegetal (Craemer 1996).
Tendo em vista que a ação do galhador altera o desenvolvimento dos tecidos de um determinado órgão vegetal, o estudo da ontogênese do órgão sadio, em comparação com o galhado, permite determinar quais eventos da morfogênese dos tecidos são alterados pelo galhador, levando à formação da galha.
Material e métodos
Folhas sadias e com galhas em diferentes estágios de desenvolvimento foram coletadas de indivíduos de Lantana camara L. situados no loteamento do Condomínio Pasárgada, município de Nova Lima, extremo sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte, MG.
Cinqüenta galhas, escolhidas aleatoriamente, foram medidas com paquímetro e, de acordo com a medida do maior diâmetro, agrupadas em quatro classes de tamanho, que caracterizam os estágios de indução, crescimento e desenvolvimento, maturação e senescência. Dez galhas de cada estágio foram diafanizadas em solução de hidróxido de potássio 10% (Kraus & Arduin 1997), maceradas individualmente entre lâmina e lamínula contendo uma gota de glicerina e levadas ao microscópio de luz para a contagem do número de indutores. O índice de correlação entre o tamanho da galha e o número de indutores foi calculado utilizando o software JMP 5.0 (SAS Institute Inc. 2002).
Registros em Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) foram feitos com amostras fixadas em glutaraldeído 2,5% em tampão fosfato 0,1 M (pH 7,2), pós-fixadas em tetróxido de ósmio 1% por 2 horas, desidratadas em série acetônica (O'Brien & McCully 1981), secas em aparelho de ponto crítico e metalizadas com ouro. A análise e captura das imagens foi feita em microscópio eletrônico de varredura (Jeol JEM 6060).
Para as análises anatômicas, amostras de folhas sadias do primeiro ao quarto nó abaixo do ápice e das galhas foliares nos quatro estágios de desenvolvimento foram fixadas em FAA com etanol 50% (Johansen 1940). O material foi desidratado em série butílica terciária e incluído em Paraplast® (Kraus & Arduin 1997). Seções transversais à folha foram submetidas à coloração com mistura de safranina e azul de astra 1%, 2:8 (Kraus & Arduin 1997) e montadas com Entellan®. Seções obtidas à mão livre foram submetidas à reação com solução saturada de vermelho B de Sudan (Jensen 1962) para verificar a presença de substâncias lipídicas.
Para quantificar as principais diferenças anatômicas foram feitas medidas, utilizando o software Motic Images 2000 (M-O IGCorp, 1999-2000), dos seguintes caracteres para folhas sadias: espessura total da lâmina foliar, das células epidérmicas da face adaxial, do parênquima clorofiliano e das células epidérmicas da face abaxial. Cada item foi medido em cinco secções de seis folhas diferentes para cada nó. Para as galhas foram medidas: espessura total da galha, das células epidérmicas da face adaxial, do tecido parenquimático e das células epidérmicas da face abaxial de seis galhas diferentes para cada classe de tamanho. Diferenças significativas entre os dados obtidos foram verificadas através do teste de Tukey (P < 0,05), utilizando o software JMP 5.0 91 (Sas Institute Inc. 2002).
Resultados
As galhas causadas por Aceria lantanae Cook em Lantana camara L. apresentam-se distribuídas aleatoriamente sobre a folha (figura 1), formando projeções irregulares e esbranquiçadas que se projetam para ambas as faces (figura 2).
A folha sadia no primeiro nó apresenta-se densamente coberta por tricomas tectores e glandulares. Em vista frontal, percebe-se a irregularidade da face adaxial devido à presença de sulcos formados sobre as nervuras (figura 3). Em seção transversal, a protoderme é formada por uma camada de células básicas de citoplasma denso, núcleo e nucléolo distintos. O meristema fundamental, na região internervural, possui quatro camadas de células semelhantes às da protoderme (figura 4). As nervuras de primeira e segunda ordem formam protuberâncias cilíndricas na face abaxial da folha e apresentam cordões de procâmbio de formato circular que ocupam a metade superior da nervura. Na face abaxial, três camadas de células de meristema fundamental formam o córtex (figura 5).
No segundo nó, em vista frontal, observa-se que os tricomas ainda apresentam-se densamente distribuídos e as células básicas apresentam paredes anticlinais retilíneas. Os tricomas tectores consistem em uma célula alongada de parede ornamentada em cuja base se dispõem, radialmente, quatro a oito células que o projetam levemente acima das demais células epidérmicas (figura 6). Em seção transversal, as células protodérmicas comuns apresentam-se maiores na face adaxial (figura 7). As células que formam a primeira camada de meristema fundamental, adjacente à protoderme da face adaxial, apresentam-se alongadas anticlinalmente (figura 7), provocando um aumento significativo na espessura do mesofilo, bem como, na espessura total da folha (tabela 1). Nas nervuras de primeira e segunda ordem, o cordão procambial adquire a forma de arco e as células corticais se dividem originando 6 a 7 camadas (figura 8).
Nas folhas do terceiro nó, em vista frontal, os estômatos e tricomas apresentam-se diferenciados e com distribuição menos densa (figura 9). Em seção transversal, as células protodérmicas básicas apresentam citoplasma hialino e núcleos inconspícuos, sendo que na face adaxial apresentam as paredes mais alongadas no sentido periclinal (figura 10). A camada de células do meristema fundamental adjacente à epiderme da face adaxial divide-se periclinalmente, originando o parênquima paliçádico com duas camadas de células alongadas justapostas. Logo abaixo dessas camadas, é possível distinguir a presença de idioblastos e entre as três camadas de meristema fundamental restantes, estão os feixes procambiais em diferenciação, circundados pela endoderme (figura 10). A espessura do meristema fundamental aumentou significativamente, assim como, a espessura total da folha (tabela 1). Nas nervuras de primeira e segunda ordem, há um aumento do calibre do feixe e o córtex mantémse semelhante àquele das folhas de segundo nó (figura 11).
No quarto nó, em vista frontal, as células básicas apresentam paredes anticlinais sinuosas (figura 12). Estômatos estão presentes em ambas as faces da folha, porém são mais numerosos e mais visíveis na face abaxial (figura 13). Em seção transversal, as células básicas apresentam dimensões homogêneas (figura 14). O mesofilo é dorsiventral e as duas camadas de células de parênquima paliçádico mostram-se levemente mais alongadas em relação ao terceiro nó. As outras três camadas formam o parênquima esponjoso. A espessura do mesofilo atinge sua dimensão máxima, sendo significativamente maior que o observado nas folhas do terceiro nó (tabela 1). Feixes colaterais, posicionados logo abaixo do parênquima paliçádico estão envolvidos pela endoderme (figura 14).
O primeiro estágio de desenvolvimento da galha, a indução, inicia-se quando Aceria lantanae se aloja em um dos sulcos formados sobre as nervuras levando a um intumescimento ao redor do ponto de indução (figura 15). Nesse ponto, as células epidérmicas da face adaxial apresentam paredes anticlinais alongadas e divisões celulares nos sentidos anti e periclinal (figura 16), a espessura desta camada torna-se significativamente maior que a espessura da epiderme de uma folha sadia (tabela 1). O sistema fundamental apresenta-se indiferenciado, como resultado da hiperplasia das células parenquimáticas que se dividiram em diversos planos (figura 17). A espessura do sistema fundamental torna-se significativamente maior do que o observado na folha sadia (tabela 1).
A fase de crescimento e desenvolvimento, relativa ao segundo estágio da galha, é caracterizada pela formação de uma câmara ninfal (figura 18) revestida internamente pelo tecido nutritivo originado da hiperplasia da epiderme da face adaxial. Na epiderme da face abaxial, em seção transversal, observa-se hiperplasia (figura 19) e o aumento significativo em espessura em relação à folha sadia (tabela 1). As células que formam a base dos tricomas tectores também apresentam hiperplasia (figura 19), tornando esses tricomas mais proeminentes. O sistema fundamental apresenta-se homogêneo (figura 18) e sua espessura, bem como a espessura total da estrutura, aumenta significativamente (tabela 1). Feixes vasculares neoformados são observados entre as células do sistema fundamental (figura 20).
Na fase de maturação ou terceiro estágio, a epiderme adaxial apresenta uma grande densidade de tricomas tectores (figura 21), muitos deles multicelulares devido à hiperplasia da célula apical (figura 22). Em seção transversal, o tecido nutritivo apresenta emergências formadas pela hiperplasia da epiderme e do sistema fundamental adjacente, entre as quais indivíduos de A. lantanae se alimentam (figura 23). As células que compõem o sistema fundamental homogêneo apresentam poucos cloroplastos e não há diferenciação dos idioblastos secretores. A face abaxial da galha apresenta numerosas emergências de dimensões variadas (figura 24). A espessura do sistema fundamental, assim como a espessura total da galha aumenta e chega a dobrar em relação à fase de indução e triplicar em relação à folha sadia (tabela 1). No sistema vascular da nervura atacada, bem como naquele das nervuras proximais, nota-se alteração na disposição dos tecidos que deixam de apresentar arranjo circular ou em arco (figura 25).
A fase de senescência, ou quarto estágio de desenvolvimento da galha, representa a amplitude máxima de reação. O tecido nutritivo possui regiões de cicatrização caracterizadas pelo acúmulo de suberina nas paredes periclinais externas (figura 26) e a espessura desse tecido torna-se reduzida em relação à fase de indução (tabela 1). Tanto a espessura do sistema fundamental quanto a espessura total da estrutura apresentam proporções significativamente maiores do que no estágio de maturação (tabela 1).
A contagem do número de indutores por galha mostrou que o aumento em diâmetro da galha a cada estágio de desenvolvimento, é acompanhado pelo aumento no número médio de indutores por câmara ninfal (tabela 2) e o coeficiente de correlação entre esses dados é alto (0,99).
Discussão
A ontogênese foliar de Lantana camara L. é similar aos padrões descritos na literatura para folhas simples (Fahn 1990, Glover 2000).
O sistema de revestimento da folha sadia é constituído por uma camada de células em todos os estágios de desenvolvimento. Nessas células, as divisões ocorrem sempre no sentido anticlinal e cessam a partir do terceiro nó, quando começa a expansão e a diferenciação. Inicialmente, essas células possuem paredes anticlinais retas e após a expansão, esta face parietal torna-se sinuosa, refletindo uma adaptação à expansão foliar em diversas direções e permitindo o aumento da superfície de contato entre as células (Glover 2000).
Tricomas tectores e glandulares apresentam-se densamente dispostos no primeiro nó, e sua densidade vai diminuindo com a expansão e diferenciação das células básicas. Segundo Fahn (1990) e Glover (2000), a diferenciação dos tricomas ocorre enquanto as células básicas ainda estão em processo de divisão e antes da diferenciação dos demais sistemas de tecidos, o que explica sua maior densidade em folhas jovens. Ainda segundo estes autores, a epiderme é um tecido multifuncional, com importante papel nas relações hídricas, defesa e atração de polinizadores. Tais funções são desempenhadas por diferentes células especializadas que atuam simultaneamente e que se diferenciam cedo na protoderme, em padrões e freqüências significativas do ponto de vista adaptativo (Glover 2000).
Os sistemas fundamental e vascular de L. camara se desenvolvem a partir de quatro camadas de células meristemáticas, cujo arranjo estratificado e regular permite traçar a origem do parênquima clorofiliano paliçádico e esponjoso e das iniciais procambiais. A histogênese da folha de L. camara segue o padrão descrito por Foster (1936) para Nicotiana tabacum L., onde a camada adaxial do meristema fundamental origina o parênquima paliçádico, as camadas medianas originam o procâmbio e o parênquima esponjoso mediano, e a camada abaxial origina o parênquima esponjoso abaxial. É importante ressaltar que no terceiro nó observa-se a diferenciação de idioblastos a partir do meristema fundamental, originando estruturas secretoras de terpenóides cuja origem ontogenética e possível relação com herbivoria foram descritas por Moura et al. (2005).
Em L. camara, tal como no modelo proposto para N. tabacum, cordões de procâmbio se desenvolvem logo abaixo da camada adaxial e originam os feixes vasculares (Fahn 1990). O sistema vascular se diferencia primeiramente na nervura de primeira ordem e sua forma muda de semicircular para arco com o aumento do número de camadas.
As modificações estruturais decorrentes da formação das galhas causadas por Acerialantanae Cook em folhas de L.camara assemelham-se às descrições de galhas causadas por outros eriofídeos (Arnold 1968, Westphal 1992, Boczek & Griffths 1994, Kane et al. 1997, Rancic & Petanovic 2002).
A indução ocorre com o alojamento do indutor no sulco formado sobre as nervuras, na face adaxial da folha. Arnold (1968) e Rancic & Petanovic (2002) descrevem galhas causadas por Aceria malherbae sobre a nervura de primeira ordem em folhas de Convolvulus arvensis L., e por eriofídeos não identificados em Urtica ferox G. Forst., respectivamente, também com o ostíolo voltado para a face adaxial. Tais observações sugerem que a indução ocorreria comumente na face adaxial das folhas atacadas, contrariando o proposto por Edwards & Wratten (1980), segundo os quais é na superfície abaxial da folha que se encontram condições microclimáticas menos estressantes, sendo esta a preferida pelos indutores de galhas como local de indução. De fato, muitos autores descrevem a indução de galhas nesta face, tanto causadas por eriofídeos (Kane et al. 1997, Rancic & Petanovic 2002) como por insetos (Kraus et al. 1996, Souza et al. 2000).
As folhas de L.camara apresentam tricomas tectores desde os primórdios foliares até a fase total de expansão em ambas as faces, deste modo, as condições microclimáticas são similares tanto na face adaxial como na abaxial. Uma vez que os sulcos são formados sobre as nervuras na face adaxial das folhas, pressupõe-se que estes favoreçam o estabelecimento do ácaro.
O início do desenvolvimento das galhas caracterizase por uma sucessão de sistemas de reconhecimento entre o herbívoro e a planta hospedeira (Rohfritsch 1992), e este reconhecimento se dá inicialmente na superfície da planta. Muito embora os tricomas tectores sejam interpretados como uma defesa mecânica contra herbivoria (Levin 1973, Johnson 1975, Fernandes 1994, Lucas et al. 2000), é provável que a pubescência tenha grande importância na escolha da planta hospedeira e no estabelecimento do galhador. Altas densidades de tricomas tectores atuam na manutenção de um micro-ambiente úmido, prevenindo a perda excessiva de água e refletindo a luz solar (Johnson 1975). Além do favorecimento garantido pelos tricomas, é provável que nos sulcos formados sobre as nervuras das folhas de L. camara, o microclima seja ainda menos estressante, o que propicia o alojamento do indutor A. lantanae cujas dimensões corporais são diminutas, como apontado por Oldfield (2005).
O grau de diferenciação dos tecidos foliares também é um fator que influencia a indução das galhas causadas por eriofídeos. Boczek & Griffths (1994) afirmam que a indução de galhas por este táxon ocorre exclusivamente nos tecidos embrionários das plantas, mas para Westphal (1992), a formação dessas galhas ocorre em tecidos imaturos, mas com células já determinadas e assim como outros indutores, os eriofídeos promovem a redeterminação destas células. Galhas em fase de indução são observadas em folhas de L. camara cujos tecidos já se apresentam diferenciados, o que não impede que alterações celulares determinantes para o início da formação das galhas tais como hiperplasia e desdiferenciação ocorram. Alterações nos sistemas de tecidos da folha são primeiramente observadas na epiderme da face adaxial, cujas células se tornam significativamente mais altas que aquelas da folha sadia e onde ocorre um aumento nas divisões anticlinais e ainda esparsas divisões no sentido periclinal. A ação direta do galhador sobre a epiderme adaxial provoca hiperplasia, mas o plano de divisão predominante, na resposta cecidogênica, é similar ao padrão normal de diferenciação foliar.
Embora não sofra a ação direta do galhador, a epiderme da face abaxial mantém o mesmo padrão de resposta, provavelmente devido à continuidade deste tecido no corpo vegetal (Fahn 1990). Após a indução, tem-se a formação de um amplo campo cecidogênico onde a ação do galhador gera uma resposta no tecido como um todo (Mani 1964).
Diferentemente do sistema de revestimento, o sistema fundamental da galha apresenta divisões em diferentes planos. Na folha sadia, as divisões celulares ocorrem apenas no sentido anticlinal com exceção da camada adaxial que se divide periclinalmente no terceiro nó. Deste modo, a ação do galhador sobre o sistema fundamental interrompe as divisões em ângulo reto com a superfície da folha apontadas por Steeves & Sussex (1989) como predominantes. Além disso, o parênquima da galha é homogêneo, com poucos cloroplastos, originado de divisões periclinais e anticlinais dos parênquimas paliçádico e lacunoso, o que resulta inicialmente na formação de pequenas proeminências ao redor da nervura atacada, envolvendo o indutor. Posteriormente, o sistema fundamental torna-se constituído por um tecido de proteção para os indutores e sua prole presentes na câmara ninfal. Isto indica que houve também uma mudança funcional deste tecido que deixa de exercer sua função primordial, a fotossíntese (Mani 1964, Rohfritsch 1992).
Na fase de desenvolvimento e crescimento das galhas, observa-se o aumento significativo da espessura total da estrutura; nessa região o mesofilo atinge mais que o dobro em comparação à folha sadia. Este aumento da espessura do mesofilo também foi observado por Rancic & Petanovic (2002) para galhas de Aceria malherbae em folhas de Convolvulus arvensis. A hiperplasia e hipertrofia do mesofilo e da epiderme levam à formação da câmara ninfal devido ao dobramento da lâmina foliar. O mesofilo indiferenciado é permeado pelos feixes vasculares preexistentes e por feixes neoformados a partir da desdiferenciação e rediferenciação de células do sistema fundamental, indicando aumento no aporte de nutrientes (McCrea et al. 1985, Larson & Whitham 1997).
A câmara ninfal é revestida internamente pelo tecido nutritivo, formado por células com características meristemáticas, típicas em galhas causadas por eriofídeos (Arnold 1968, Westphal 1992, Boczek & Griffiths 1994, Kane et al. 1997, Rancic & Petanovic 2002). Embora Arnold (1968) tenha sugerido que tecido nutritivo não seja o nome mais apropriado para essa camada de células pouco diferenciadas, o fato de os eriofídeos se alimentarem de seu conteúdo torna coerente tal denominação sensu Westphal et al. (1981).
Na fase de maturação, observa-se uma ampliação da galha em relação ao ponto inicial de indução. O número de eriofídeos aumenta, em relação ao estágio de indução, devido à reprodução dos indivíduos no interior da galha, deste modo é possível observar ovos, ninfas e adultos em uma mesma câmara ninfal (Westphal 1992, Boczek & Griffiths 1994). O alto grau de hiperplasia leva à formação de emergências que se projetam para a câmara ninfal, onde indutores, em diferentes fases de desenvolvimento se alimentam, numa ampliação do tecido nutritivo. A diferenciação das emergências é tanto maior quanto mais próximo aos sítios de alimentação dos eriofídeos, denotando a ação de diversos campos cecidogênicos (Mani 1964).
O revestimento externo da galha, em fase de maturação, é caracterizado por alterações na densidade e no tipo morfogênico dos tricomas tectores. Tal fato se deve, provavelmente, à não expansão das células básicas, que se mantêm com características meristemáticas, e à formação de novos tricoblastos. O estímulo à formação de tricomas é uma característica marcante nas galhas causadas por eriofídeos, cujo revestimento é comumente referido na literatura com o nome de erinea (Westphal 1992, Boczek & Griffiths 1994). A alteração no tipo morfogênico se dá do simples não glandular para o unisseriado ou ramificado pluricelular confirmando as observações de Moura et al. (2008).
As nervuras preexistentes na folha sofreram a ação do campo cecidogênico e perderam o padrão de organização do xilema e floema devido à hiperplasia das células do parênquima vascular, corroborando o observado por Moura et al. (2008) tanto para galhas de A. lantanae como para aquelas de Schismatodiplosis lantanae, um Diptera. Somados às nervuras preexistentes, os feixes neoformados contribuem para a expansão do sistema vascular da galha que, conectado ao sistema vascular do restante da folha, permite um maior aporte de nutrientes para a estrutura, sendo de vital importância para a manutenção do indutor (McCrea et al. 1985, Larson & Whitham 1997) e do tecido nutritivo (Bronner 1992).
A presença de um tecido de cicatrização na região do tecido nutritivo das galhas de A. lantanae indica a fase de senescência, sugerindo que, após a galha ter atingido certo grau de desenvolvimento, os indutores cessam sua atividade alimentar e, provavelmente, vão sair e infestar novas folhas, como sugere Westphal (1992). A deposição de suberina nas paredes celulares não é uma característica presente na folha sadia de L. camara, e neste caso, indica uma resposta de impermeabilização do tecido atacado, visando à proteção contra a entrada de fungos ou outros patógenos, ou ainda o fim da atividade alimentar dos indutores (Moura et al. 2008). A deposição de suberina nas paredes celulares, comum nos processos de cicatrização celular (Fahn 1990), também pode ser um indício de estresse oxidativo como apontado por Razem & Bernards (2003).
O crescente número de eriofídeos desde o estágio de indução até a senescência, bem como o aumento da espessura total da estrutura, indica uma relação direta entre o número de indutores e o tamanho da galha. O principal fator envolvido na indução das galhas causadas por eriofídeos é a ação mecânica de alimentação, e após este estímulo a sucessão de alterações leva à formação das galhas (Westphal 1992). Moura et al. (2008) relatam a ocorrência de transformações celulares em sítios dispersos, causando diversos graus de intumescência. Desta forma, é provável que o grau de desenvolvimento da galha também esteja relacionado com o número de indivíduos no interior da câmara, já que muitos indivíduos se alimentando ao mesmo tempo, em pontos diferentes, geram a ação de vários campos cecidogênicos.
O morfotipo das galhas causadas por A. lantanae em L. camara é simples, sem grandes especializações quando comparado a outros sistemas galhador-planta, como aqueles de Cecidomyiidae e Cynipidae. O acompanhamento ontogenético dessas alterações mostrou divergência em relação aos eventos da ontogênese de uma folha sadia, indicando que o galhador estimula a potencialidade das células nos três sistemas de tecidos. A morfogênese da estrutura foliar laminar é alterada pelas divisões celulares em diversos planos, resultando no formato verrucoso da galha. O arranjo dos tecidos antes direcionados à função de fotossíntese passa a atuar na garantia de um microambiente adequado e de fonte nutricional para os indivíduos de A. lantanae.
O fim dos ciclos celulares estimulados pela ação alimentar do indutor tem lugar com a suberização do tecido nutritivo, evento que segundo Oldfield (2005) coincide em alguns casos com a morte da fêmea deutogina, ou como observado em campo em virtude do limite imposto pela idade da folha hospedeira de L. camara.
(recebido: 24 de maio de 2007; aceito: 05 de março de 2009)
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
25 Ago 2009 -
Data do Fascículo
Jun 2009
Histórico
-
Aceito
05 Mar 2009 -
Recebido
24 Maio 2007