Open-access Caracterização da curva da frequência cardíaca durante teste incremental máximo em esteira

Characterization of the heart rate curve during a maximum incremental test on a treadmill

Resumos

O propósito deste estudo foi analisar o comportamento da frequência cardíaca (FC) versus a carga de trabalho crescente (CTC) em teste de esteira, utilizando três modelos matemáticos (linear, linear com dois segmentos de reta e sigmóide) e verificar qual o melhor modelo que possibilita a identificação de um limiar de FC que pudesse servir de preditor para os limiares ventilatórios (LV1 e LV2). Vinte e dois homens realizaram um teste incremental (re-teste: n=12), com velocidade inicial de 5,5 km.h-1 e incrementos de 0,5 km.h-1 a cada minuto, até a exaustão. Medidas contínuas de FC e trocas gasosas foram convertidas para médias de 5 e 20 segundos. Somatória dos resíduos quadrados e quadrado médio do erro foram usados para verificar o melhor ajuste. A relação FC/CTC foi melhor representada pelo modelo Lin2 no grupo teste e re-teste (p<0,05). Foi possível identificar um ponto de deflexão de FC, utilizando o modelo Lin2 (limiar de FC) em todos os indivíduos no teste (164 ± 16,6 bpm; 83,6% FC MÁX) e no re-teste (162 ± 20,0 bpm; 83,9% FC MÁX). O limiar de FC (Lin2PDFC) ocorreu a 9,2 ± 1,3 km.h-1 (67,9% VelMÁX) e foi menor que o LV2 (LV2= 10,6 ± 1,5 km.h-1; 77,3% VelMÁX; p< 0,05), mas não diferente de LV1 (8,4 ± 1,2 km.h-1; 61,6% VelMÁX; p> 0,05). Durante teste incremental em esteira, a relação FC/CTC parece ser bem descrita por uma função linear com 2 segmentos de reta, a qual permite a determinação de um limiar de FC que se aproxima do LV1.

Ajuste sigmóide de Boltzmann; Ergometria; Teste de esteira rolante; Esforço físico; Frequência cardíaca


The objective of this study was to analyze the heart rate (HR) profile plotted against incremental workloads (IWL) during a treadmill test using three mathematical models [linear, linear with 2 segments (Lin2), and sigmoidal], and to determine the best model for the identification of the HR threshold that could be used as a predictor of ventilatory thresholds (VT1 and VT2). Twenty-two men underwent a treadmill incremental test (retest group: n=12) at an initial speed of 5.5 km.h-1, with increments of 0.5 km.h-1 at 1-min intervals until exhaustion. HR and gas exchange were continuously measured and subsequently converted to 5-s and 20-s averages, respectively. The best model was chosen based on residual sum of squares and mean square error. The HR/IWL ratio was better fitted with the Lin2 model in the test and retest groups (p<0.05). The Lin2 model permitted the identification of the HR threshold (Lin2HRDP) in all subjects of the test (164 ± 16.6 bpm; 83.6% HR MAX) and retest groups (162 ± 20.0 bpm; 83.9% HR MAX). Lin2HRDP (9.2 ± 1.3 km.h-1; 67.9% speedMAX) was lower than VT2 (10.6 ± 1.5 km.h-1, 77.3% speedMAX; p<0.05), but did not differ from VT1 (8.4 ± 1.2 km.h-1, 61.6% speedMAX; p>0.05). During a treadmill incremental test, the HR/IWL ratio seems to be better fitted with a Lin2 model, which permits to determine the HR threshold that coincides with VT1.

Boltzmann sigmoidal model; Ergometry; Exercise test; Physical exertion; Heart rate


ARTIGO ORIGINAL

Caracterização da curva da frequência cardíaca durante teste incremental máximo em esteira

Characterization of the heart rate curve during a maximum incremental test on a treadmill

Eduardo Marcel Fernandes NascimentoI; Adriano Eduardo Lima SilvaII; Rômulo Cássio Moraes BertuzziIII; Maria Augusta Pedutti Dal'Molin KissI; Flavio de Oliveira PiresI

IEsporte da Universidade de São Paulo. Escola de Educação Física e Esporte. Laboratório do Desempenho Esportivo. São Paulo, SP. Brasil

IIUniversidade Federal de Alagoas. Faculdade de Nutrição. Grupo de Pesquisa em Ciências do Esporte. Maceió, AL, Brasil

IIIUniversidade de São Paulo. Escola de Educação Física e Esporte. Grupo de Estudo em Desempenho Aeróbio. São Paulo, SP. Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Eduardo Marcel Fernandes Nascimento Rua Isabel de Castela, 478, apto 23. Vila Beatriz, CEP 05445-010 - São Paulo,SP. Brasil E-mail: eduardomarcel@usp.br

RESUMO

O propósito deste estudo foi analisar o comportamento da frequência cardíaca (FC) versus a carga de trabalho crescente (CTC) em teste de esteira, utilizando três modelos matemáticos (linear, linear com dois segmentos de reta e sigmóide) e verificar qual o melhor modelo que possibilita a identificação de um limiar de FC que pudesse servir de preditor para os limiares ventilatórios (LV1 e LV2). Vinte e dois homens realizaram um teste incremental (re-teste: n=12), com velocidade inicial de 5,5 km.h-1 e incrementos de 0,5 km.h-1 a cada minuto, até a exaustão. Medidas contínuas de FC e trocas gasosas foram convertidas para médias de 5 e 20 segundos. Somatória dos resíduos quadrados e quadrado médio do erro foram usados para verificar o melhor ajuste. A relação FC/CTC foi melhor representada pelo modelo Lin2 no grupo teste e re-teste (p<0,05). Foi possível identificar um ponto de deflexão de FC, utilizando o modelo Lin2 (limiar de FC) em todos os indivíduos no teste (164 ± 16,6 bpm; 83,6% FCMÁX) e no re-teste (162 ± 20,0 bpm; 83,9% FCMÁX). O limiar de FC (Lin2PDFC) ocorreu a 9,2 ± 1,3 km.h-1 (67,9% VelMÁX) e foi menor que o LV2 (LV2= 10,6 ± 1,5 km.h-1; 77,3% VelMÁX; p< 0,05), mas não diferente de LV1 (8,4 ± 1,2 km.h-1; 61,6% VelMÁX; p> 0,05). Durante teste incremental em esteira, a relação FC/CTC parece ser bem descrita por uma função linear com 2 segmentos de reta, a qual permite a determinação de um limiar de FC que se aproxima do LV1.

Palavras-chave: Ajuste sigmóide de Boltzmann; Ergometria; Teste de esteira rolante; Esforço físico; Frequência cardíaca

ABSTRACT

The objective of this study was to analyze the heart rate (HR) profile plotted against incremental workloads (IWL) during a treadmill test using three mathematical models [linear, linear with 2 segments (Lin2), and sigmoidal], and to determine the best model for the identification of the HR threshold that could be used as a predictor of ventilatory thresholds (VT1 and VT2). Twenty-two men underwent a treadmill incremental test (retest group: n=12) at an initial speed of 5.5 km.h-1, with increments of 0.5 km.h-1 at 1-min intervals until exhaustion. HR and gas exchange were continuously measured and subsequently converted to 5-s and 20-s averages, respectively. The best model was chosen based on residual sum of squares and mean square error. The HR/IWL ratio was better fitted with the Lin2 model in the test and retest groups (p<0.05). The Lin2 model permitted the identification of the HR threshold (Lin2HRDP) in all subjects of the test (164 ± 16.6 bpm; 83.6% HRMAX) and retest groups (162 ± 20.0 bpm; 83.9% HRMAX). Lin2HRDP (9.2 ± 1.3 km.h-1; 67.9% speedMAX) was lower than VT2 (10.6 ± 1.5 km.h-1, 77.3% speedMAX; p<0.05), but did not differ from VT1 (8.4 ± 1.2 km.h-1, 61.6% speedMAX; p>0.05). During a treadmill incremental test, the HR/IWL ratio seems to be better fitted with a Lin2 model, which permits to determine the HR threshold that coincides with VT1.

Key words: Boltzmann sigmoidal model; Ergometry; Exercise test; Physical exertion; Heart rate.

INTRODUÇÃO

Modelos lineares para descrição da relação frequência cardíaca (FC) e carga de trabalho crescente (CTC) têm sido formulados desde o século passado1. Mesmo diante de trabalhos que demonstraram as limitações do modelo linear2,3, sua fácil aplicação e a possibilidade da predição da capacidade máxima aeróbia parecem ter sido os principais fatores que explicam a preferência desta função quando da descrição da relação FC/CTC4.

Evidências iniciais das limitações do modelo linear foram observadas por Conconi et al.2 , analisando a parte superior da curva da FC em teste incremental. Foi identificado um aumento não linear da relação FC/CTC, com a presença de um ponto de deflexão da FC (PDFC), posteriormente, associado ao segundo limiar de lactato5. Por apresentar um baixo custo e não requerer técnicas invasivas6,7, o PDFC, frequentemente identificado de forma visual, passou a ser amplamente utilizado por técnicos e treinadores para estimativa do segundo limiar de transição metabólica8. Evidências também foram descritas quando analisada a porção inferior da curva FC/CTC9,10. Pfeiffer & Steyer9, e Crowhurst et al.10 sugeriram a existência de um ponto de mudança na parte inferior da curva FC/CTC, o ponto de inflexão da FC.

Quando confrontados os resultados dos trabalhos que descreveram a relação FC/CTC em sua parte inferior9,10, com os da parte superior2, fica a sugestão de que essa relação possa ser descrita por uma função sigmóide, em forma de "S". De fato, Lima3 sugeriu a utilização do ajuste sigmóide de Boltzmann para caracterizar o comportamento da FC durante teste progressivo máximo em cicloergômetro. Outros estudos têm comparado a aplicabilidade do modelo linear em relação ao sigmóide11,12, demonstrando que o ajuste sigmóide pode caracterizar melhor a relação FC/CTC.

No entanto, todos estes estudos utilizaram cicloergômetro de membros inferiores para a comparação dos modelos linear e sigmóide, restando dúvidas se um comportamento sigmóide também seria a melhor caracterização desta relação em outros tipos de ergômetros. Diferentemente da bicicleta, há um ponto claro de modificação da eficiência metabólica13, durante testes incrementais em esteira14. Após as fases inicias de um teste em esteira, existe um momento de transição entre a caminhada e a corrida, durante o qual há uma diminuição da eficiência mecânica, resultando em aumento da demanda energética envolvida na tarefa15. Desta forma, seria razoável supor que esta perda de eficiência mecânica na transição caminhada-corrida possa gerar uma maior taxa de aumento da FC entre as partes inicial e central da curva FC/CTC, mudando o padrão sigmóide da relação FC/CTC observada em cicloergômetro.

Um ponto importante a ser considerado é o caráter aplicado da curva da FC. O PDFC tem se mostrado útil para a determinação do nível de aptidão aeróbia e prescrição de treinamento4, pois permite a identificação de um limiar de transição metabólica5. Primeiramente, contudo, ele é baseado num comportamento não linear da curva FC/CTC2. Em adição, estudos mostram que o PDFC pode variar de acordo com o método empregado. Por exemplo, como o método visual apresenta limitações16, estudos propuseram modelos matemáticos para melhorar a acurácia da sua identificação17. Portanto, além de verificar qual função descreve melhor a relação FC/CTC em esteira, é necessário saber qual o melhor ajuste que possibilitaria a identificação de um limiar de transição metabólica, com alguma dependência do método usado.

Desta forma, o objetivo deste estudo foi o de analisar o comportamento da relação FC/CTC durante teste máximo em esteira rolante, utilizando três ajustes matemáticos (linear, sigmóide e linear com dois segmentos de reta) para a identificação do limiar de transição metabólica.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Sujeitos

Vinte e dois homens saudáveis (25,0 ± 2,9 anos; 175,3 ± 6 cm; 74,9 ± 8,6 kg), sem qualquer restrição clínica, fizeram parte do estudo. Os protocolos de intervenção foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de São Paulo, protocolo nº 75 (aprovado no CEP EEFE em 26/11/2004). Os sujeitos foram orientados a evitar atividades físicas extenuantes 24 horas antes dos testes, a consumir refeições leves duas horas antes e a não ingerir bebidas com conteúdo de cafeína ou álcool.

Teste incremental máximo em esteira

O teste incremental foi realizado em esteira (Sensormedics® Vmax 2000), com um protocolo adaptado de Conconi2. Após 3 minutos em 5,5 km.h-1, a velocidade (Vel.) foi aumentada em 0,5 km.h-1 a cada minuto, até a exaustão. A esteira foi mantida com 1% de inclinação durante todo o teste. Todo o procedimento experimental foi repetido em 12 dos 22 sujeitos da amostra (grupo reteste = GR; 24,75 ± 3,7 anos; 176,33 ± 6,42 cm; 74,77 ± 9,9 kg). A FC foi mensurada durante o teste (Polar Vantage NV), e a média dos 5 segundos finais de cada estágio foi registrada. As trocas gasosas foram registradas continuamente, através de um analisador de gases de circuito aberto (Sensormedics®, Yorba Linda, Califórnia, USA), calibrado antes de cada teste, seguindo as instruções do fabricante. Uma seringa de três litros e cilindros com gases de composição conhecida foram utilizados para calibrar o sensor de fluxo e os analisadores de O2 e CO2.

Ajuste das curvas

Os dados da FC foram plotados em função do tempo, para construção dos seguintes modelos matemáticos:

onde, y é o valor predito da FC, a é o intercepto, b representa a inclinação da reta e x é a velocidade (Figura 1A);


Segmentada de 2 retas (Lin2): descreve o comportamento em forma de uma reta segmentada em duas fases (Figura 1B), com um ponto de quebra na linearidade (intersecção):

onde, y é o valor predito da FC, a é o intercepto de cada segmento, α é o ponto tangencial entre os segmentos 1 e 2, empregado para obter o intercepto do 2º segmento, b2 representa a inclinação de cada segmento, e x é a velocidade. Alguns critérios foram considerados nos cálculos deste modelo: 1) o ponto de intersecção entre as duas retas foi obtido, testando-se todas as possíveis combinações com um mínimo de três pontos para cada segmento; 2) o intercepto que gerou o ajuste com maior valor de r2 e menor erro padrão de estimativa foi adotado.

Sigmóide (Sig): descreve o comportamento em forma de "S" (Figura 1C), segundo a seguinte equação (c):

onde o y é o valor predito de FC, x é o valor da carga de trabalho (km.h-1), A1 e A2 correspondem à linha de base e superior de FC, respectivamente, x0 é o valor central da curva obtido pela primeira derivada da função, e dx é a constante de crescimento da curva.

Análise residual

A análise da qualidade dos ajustes das curvas foi obtida pela somatória dos resíduos quadrados (SRQ) e o quadrado médio do erro (QME) dos resíduos. A SQR foi obtida pela soma do quadrado da diferença entre os valores medidos e preditos da FC, o QME foi obtido pela SRQ corrigida pela diferença entre o número de pontos contidos em cada curva individual e o número de parâmetros de cada função matemática18,19. Quando necessário, adotou-se o princípio da parcimônia para estabelecer o melhor ajuste. Este princípio prevê que o ajuste mais simples seja adotado, quando da ausência de diferença significante nos resíduos gerados pelos ajustes.

Identificação dos limiares de FC

Após determinar a melhor função matemática que descreveu o comportamento da relação FC/CTC, três diferentes métodos foram empregados nos valores estimados de FC para a determinação do PDFC (Figura 1): 1) Visual (VisualPDFC): identificado visualmente (mediana de três avaliadores), no último ponto antes de ocorrer aumento abrupto na FC; 2) Distância máxima (DmáxPDFC): a maior distância encontrada entre os valores de FC estimados pela melhor função matemática e uma equação linear obtida a partir do primeiro valor de FC >140 bpm e o último valor da curva17; 3) Linear com dois segmentos de reta (Lin2PDFC): identificado na intersecção entre os dois segmentos do ajuste Lin2. Todos os valores referentes ao PDFC identificado pelos diferentes métodos foram expressos em valores absolutos [Vel (km.h-1), FC (bpm) e VO2 (ml.kg-1.min-1)] e relativos aos valores máximos (%VelMÁX %FCMÁX e %VO2PICO).

Identificação dos limiares ventilatórios

Análises dos equivalentes ventilatórios de O2 (VE/VO2) e CO2 (VE/VCO2) identificaram o primeiro (LV1) e segundo limiar ventilatório (LV2)20. Após conversão dos dados brutos para médias de 20 segundos, a inspeção visual (mediana de três avaliadores) das curvas de VE/VO2 e VE/VCO2 foi utilizada para identificar LV1 e LV2, respectivamente. Quando os dados dos VE/VO2 e VE/VCO2 não apresentaram nitidez para a identificação dos limiares ventilatórios, as frações expiradas de oxigênio (LV1) e dióxido de carbono (LV2) foram utilizadas. Valores absolutos [Vel (km.h-1), FC (bpm) e VO2 (ml.kg-1.min-1)] e relativos (%VelMÁX %FCMÁX e %VO2PICO) foram utilizados para expressar LV1 e LV2. O VO2 de pico (VO2PICO) foi estabelecido pela média dos três maiores valores alcançados.

Análise estatística

Os dados são expressos em média e desvio padrão (± dp). A distribuição dos dados foi verificada pelo teste de Shapiro-Wilk. ANOVA de Friedman, acompanhada por post hoc de Wilcoxon, foi utilizada para verificar as diferenças na SRQ e QME entre os três modelos matemáticos. O coeficiente de correlação de Pearson foi utilizado para expressar o nível de correlação entre os valores medidos e preditos por cada ajuste matemático. ANOVA One-way e post hoc de Bonferroni foram utilizados para verificar as diferenças entre o PDFC identificado pelos diferentes métodos e os limiares ventilatórios. O coeficiente de correlação intraclasse (CCI) foi utilizado para testar o nível de reprodutibilidade das variáveis obtidas para o GT e GR. Um nível de significância de 5% foi adotado (p<0,05).

RESULTADOS

Os valores alcançados de FCMÁX, VEMÁX, VelMÁX, VO2PICO absoluto e VO2PICO relativo foram 196 ± 8,5 bpm, 126,7 ± 17,9 L.min-1, 13,6 ± 1,4 km.h-1, 3,74 ± 0,6 L.min-1 e 49,9 ± 6,3 ml.kg-1.min-1, respectivamente.

Ajuste das curvas

A figura 2 representa a plotagem dos valores da SRQ para os diferentes tipos de ajuste, com as suas respectivas linhas de tendência dos resíduos.


No GT, o ajuste Lin apresentou valores de SRQ maiores (p < 0,05) do que os ajustes Sig e Lin2 (Tabela 1). No entanto, não houve diferença nos valores dos SQR e QME entre os ajustes Lin2 e Sig (p > 0,05). Resultados idênticos foram encontrados no GR, já que SRQ e QME também foram maiores no ajuste Lin. Altos níveis de reprodutibilidade foram encontrados para os ajustes Lin (SRQ: CCI= 0,84; p<0,01; QME: CCI= 0,85; p<0,01), Lin2 (SRQ: CCI= 0,49; p=0,13; QME: CCI= 0,55; p=0,09) e Sig (SRQ: CCI= 0,77; p<0,01; QME: CCI= 0,71; p<0,05).

PDFC e limiares ventilatórios

O PDFC identificado pelos diferentes métodos e os limiares ventilatórios são apresentados na tabela 2. O modelo Lin2 foi adotado como o ajuste que melhor descreveu a curva FC/CTC. Os valores de FC ajustados por esta função possibilitaram a identificação de um limiar pelos métodos Lin2PDFC e VisualPDFC em todos os sujeitos do GT e do GR. No entanto, não foi possível identificar o PDFC pelo método Dmáx (DmáxPDFC) em dois sujeitos do GT e em um sujeito do GR.

Não foi observada diferença no PDFC identificado pelos diferentes métodos, expressos em valores absolutos ou relativos (p < 0,05). Significantes níveis de CCI foram observados para o método Lin2PDFC (CCI= 0,84; p<0,01), VisualPDFC (CCI= 0,87; p<0,01), mas não para o método DmáxPDFC (CCI= 0,00; p>0,05).

Quando comparados aos limiares ventilatórios, o PDFC foi menor que o LV2, quando expressos em função da velocidade absoluta ou em %VelMÁX (p< 0,05). Contudo, quando os limiares foram expressos em valores absolutos de FC e em valores relativos à %FCMAX, o PDFC foi maior que o LV1 (p< 0,05). Estes resultados estão apresentados na tabela 2.

A figura 3 mostra a representação gráfica da demanda metabólica expressa pelos valores individuais da relação VO2relativo/Vel.


DISCUSSÃO

O presente estudo testou a utilização de três ajustes matemáticos para caracterizar a relação FC/CTC em teste incremental em esteira. Os principais resultados corroboram estudos anteriores conduzidos em cicloergômetro de membros inferiores11,3, demonstrando que o modelo linear não descreve bem o comportamento da FC também durante teste em esteira. Por outro lado, diferentemente daqueles estudos anteriores, a presente investigação incluiu um terceiro ajuste, o ajuste segmentado de 2 retas. A hipótese de que o ajuste sigmóide pudesse descrever melhor o comportamento da relação FC/CTC não foi confirmada, uma vez que o Lin2 foi aceito como o melhor ajuste, baseado no princípio da parcimônia. Outro resultado importante foi a possibilidade de identificação do PDFC em esteira a partir dos valores de FC preditos pelo ajuste Lin2PDFC.

Ajustes das curvas da FC

Não foram encontrados estudos que descrevessem o comportamento da FC durante teste progressivo máximo em esteira, com o emprego de três diferentes modelos matemáticos. Estudos anteriores propuseram um padrão sigmóide da FC durante teste incremental em cicloergômetro, após comparação com o ajuste linear11,3,12. No presente estudo, o ajuste sigmóide também se mostrou melhor do que o ajuste Lin, quando analisados o SRQ ou o QME.

Como o ajuste Lin2 foi adotado como o melhor ajuste, baseado no princípio da parcimônia (mais simples), pressupõe que o ajuste Sig não conseguiu melhorar a descrição da relação FC/CTC em teste em esteira, mesmo com a inclusão de mais parâmetros matemáticos. Isto poderia estar relacionado à perda da eficiência mecânica durante a fase de transição entre caminhada e corrida, em esteira14,15. De fato, análise adicional dos dados do presente estudo pode reforçar este argumento, uma vez que a relação VO2/carga de trabalho (expresso em VO2relativo/km.h-1), nas velocidades entre 6 e 8 km.h-1, foi significantemente maior do que nas velocidades maiores (Figura 3). Entretanto, como o ajuste Lin2 não foi investigado nos estudos anteriores3,11,12, não é possível saber se o padrão encontrado na relação FC/CTC em esteira poderia ser encontrado também em bicicleta.

Análise da dispersão residual mostrou que o ajuste Lin superestima os valores de FC nos momentos iniciais e finais do teste, com tendência à subestimação dos valores da parte central da curva (Figura 2). Esses valores se distanciaram razoavelmente dos valores medidos (4,1% da FCMÁX). O ajuste Lin2 apresentou um padrão de dispersão mais aleatório, principalmente na grande parte central da curva, com menor dispersão (1,8% da FCMÁX). O ajuste Sig tendeu a um padrão de dispersão similar ao Lin2, porém com dispersão maior para os momentos iniciais e finais do teste. Estes resultados poderiam ser interpretados como uma evidência de que o comportamento da FC durante teste incremental em esteira parece ser bem caracterizado pelos ajustes Lin2 e Sig, sendo que o primeiro, mais simples, utiliza menos parâmetros para a estimativa dos valores de FC.

Métodos de identificação dos limiares

Os resultados do presente estudo mostram que a relação FC/CTC apresenta um aumento bastante próximo de uma função linear nas velocidades compreendidas entre o início e ~70% da velocidade máxima atingida. Deste ponto em diante, há uma redução na taxa de elevação da FC, o que possibilita a identificação de um PDFC. Como ressaltado anteriormente, este comportamento poderia estar associado à perda de eficiência mecânica em esteira, nas velocidades intermediárias. De fato, o PDFC identificado pelo Lin2PDFC se situou em torno de 9,2 km.h -1, acima das velocidades normalmente envolvidas na transição entre a caminhada e a corrida (6,5 - 7,5 km.h-1)14.

O ajuste Lin2 pôde fornecer um PDFC em todos os sujeitos do GT e do GR, quando identificado matematicamente na intersecção dos dois segmentos de reta (Lin2PDFC). Este ajuste foi obtido testando todas as possíveis intersecções entre as duas retas, tendo como critério um número mínimo de três pontos para cada segmento. Além disso, toda a amplitude da curva FC/CTC foi analisada. Este detalhe metodológico difere do empregado por outros estudos, os quais descartavam os valores iniciais de FC, inferiores à 140bpm17.

De outro lado, também foi utilizado um método que empregava apenas valores de FC > 140 bpm, para a identificação do PDFC (Dmáx). Diferentemente do ajuste polinomial de terceira ordem utilizado por Kara et al.17, usamos os valores de FC obtidos pelo melhor ajuste matemático, o Lin2. Os resultados do PDFC obtidos por este método, no presente estudo, estão em torno de 83%FCMÁX, abaixo dos valores em torno de 90%FCMÁX encontrados por Kara et al.17 e Ribeiro et al.5. Em adição, estes estudos encontraram um PDFC coincidente com o segundo limiar de transição metabólica, enquanto o PDFC encontrado no presente estudo foi coincidente com o LV1 (expresso em km.h-1). Juntos, estes resultados podem sugerir que a coincidência do PDFC com a primeira ou a segunda zona de transição metabólica pode depender do ajuste empregado antes da aplicação do método.

Os resultados do presente estudo revelaram não haver diferenças significantes entre os limiares identificados pelos métodos Lin2PDFC, DmáxPDFC e VisualPDFC. Em adição, com a exceção do método DmáxPDFC, todos apresentaram alto nível de reprodutibilidade no re-teste. Levando-se em consideração que estes métodos não foram diferentes do LV1, torna-se sugestivo que eles sirvam de aproximação da intensidade da primeira zona de transição metabólica, em testes máximos conduzidos em esteira. No entanto, devemos ressaltar que quando estes limiares de FC foram expressos em valores percentuais ao VO2PICO, eles se distanciaram do LV1. De certa forma, isto poderia condicionar a utilização destes limiares de FC como aproximação de LV1 em esteira, apenas quando expressos em função da velocidade.

CONCLUSÃO

A FC parece ser melhor descrita por um ajuste Lin2, quando comparada aos ajustes linear e sigmóide de Boltzmann, durante teste incremental máximo em esteira. O ponto de intersecção entre as duas retas deste ajuste (Lin2PDFC) parece ser uma razoável aproximação do primeiro limiar de transição metabólica, identificado pelo LV1. Futuros estudos devem ser desenhados para responder se a caracterização da relação FC/CTC encontrada em esteira está, de fato, ligada à queda da eficiência mecânica na transição entre caminhada e corrida.

Recebido em 22/10/10

Revisado em 09/01/11

Aprovado em 27/02/11

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  • Endereço para correspondência:
    Eduardo Marcel Fernandes Nascimento
    Rua Isabel de Castela, 478, apto 23. Vila Beatriz,
    CEP 05445-010 - São Paulo,SP. Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Aceito
      27 Fev 2011
    • Revisado
      09 Jan 2011
    • Recebido
      22 Out 2010
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