Open-access Treinamento funcional: uma atualização conceitual

Resumo

O treinamento funcional (TF) tem crescido em popularidade, porém tal crescimento ainda ocorre de forma desorganizada e multifacetada. Assim, uma atualização conceitual se faz necessário, especialmente, baseado na maneira como o TF tem sido aplicado na maioria das pesquisas. Nesse contexto, o TF tem sido compreendido como aquele que objetiva o aprimoramento sinérgico, integrado e equilibrado de diferentes capacidades físicas para garantir eficiência e segurança durante o desempenho de tarefas cotidianas, sendo baseado nos princípios do treinamento, sobretudo, no princípio da especificidade. As sessões de TF devem focar no aprimoramento de padrões básicos de movimento, estimular adequadamente a força em diversas situações, a potência muscular e a capacidade cardiorrespiratória, ativar frequentemente músculos estabilizadores e incluir atividades complexas, respeitando critérios de segurança e eficácia.

Palavras-chave Atividades diárias; Qualidade de vida; Sedentarismo; Treinamento resistido

Abstract

Functional training (FT) has grown in popularity; however, such growth is still disorganized and multifaceted. Thus, a conceptual “update” is necessary, especially based on how FT has been applied in most research. In this context, FT has been understood as the synergistic, integrated and balanced improvement of different physical capacities to ensure efficiency and safety during the daily tasks performance, based on the principles of training, and above all, on the principle of specificity. FT sessions should focus on improving basic movement patterns, adequately stimulating strength in various situations, muscle power, and cardiorespiratory capacity, frequently activating the stabilizing muscles and including complex activities, respecting safety and effectiveness criteria.

Key words Sedentary lifestyle; Resistance training; Daily activities; Quality of life

INTRODUÇÃO

TREINAMENTO FUNCIONAL: REVENDO O CONCEITO

Desde a publicação do posto de vista “Treinamento funcional: para que e para quem?”1, muitos avanços foram demonstrados em pesquisas envolvendo o treinamento funcional (TF) e novos conceitos foram se solidificando. Definido no referido ponto de vista como a aplicação de exercícios que se assemelham a movimentos realizados no dia-a-dia e que visam o aprimoramento integrado de valências físicas, a fim de garantir autonomia durante o desempenho das funções cotidianas, o TF vem se popularizando, porém de uma maneira ainda bastante multifacetada.

Considerando esse crescimento desordenado na popularização e aplicação do TF, tanto nas pesquisas, como na atuação prática de profissionais de Educação Física e Fisioterapeutas, nosso grupo tem investido esforços na construção de estudos de revisão e opinião que compilem informações relativas ao real conceito do TF, da forma como tem sido abordado na maioria das publicações científicas. Sob essa perspectiva, em publicações mais recentes2-4, definimos o TF como aquele que objetiva o aprimoramento sinérgico, integrado e equilibrado de diferentes capacidades físicas no intuito de garantir eficiência e segurança durante o desempenho de tarefas cotidianas, laborais e/ou esportivas, sendo baseado nos princípios biológicos e metodológicos do treinamento, especialmente, no princípio da especificidade. Para esse objetivo, diferentes ferramentas têm sido utilizadas, mas a literatura destaca o treinamento de força (e técnicas associadas) como ferramenta base5, porém com uma abordagem que enfatiza adaptações multissistêmicas (aprimoramento integrado da força, equilíbrio, coordenação, potência, entre outras) através do uso da complexidade como estratégia primária de progressão4.

Assim, apesar da literatura mostrar claramente que todo tipo de treinamento físico gera adaptações funcionais, nem todo programa de treinamento físico pode ser classificado como “treinamento funcional”, uma vez que TF é um conceito de treino mais amplo (vide parágrafo anterior) e que não se limita, simplesmente, à promoção de adaptação funcional.

Sob nossa ótica, esse tipo de “reforço” conceitual se faz necessário, pois, paralelamente ao crescimento do TF nas pesquisas, cresce também o número de trabalhos que exploram outros tipos de treinamento que podem, em algum momento, ser confundidos com o TF, como o treinamento multicomponente (TMC) e o treinamento multimodal (TMM).

Ambos, TMC e TMM, são tipos de treinamento que objetivam o aprimoramento do condicionamento físico geral através de sessões de treino que combinam estímulos direcionados a diferentes capacidades físicas6-8. No entanto, diferente do TF, na maior parte dos estudos que envolvem TMC e TMM, modelos mais tradicionais de treino, especialmente, de força (uso de máquinas; exercícios uniplanares, uniarticulares, cíclicos, cadenciados, estáveis) são aplicados, o que confere pouca especificidade. Já no TF, o treinamento de força é aplicado considerando as características das tarefas cotidianas (peso do corpo e pesos livres; exercícios multiplanares, multiarticulares, acíclicos, em alta velocidade, instáveis), ou seja, com elevada especificidade. Assim, sob nossa ótica, todo programa de TF é, por natureza, multicomponente e multimodal, mas nem todo programa de TMC e TMM pode ser classificado como “treinamento funcional”.

TREINAMENTO FUNCIONAL: PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS

Como já mencionado, apesar do TF se utilizar de diversas ferramentas, o treinamento de força se apresenta como uma das principais, senão a principal, em grande parte da literatura. Assim, a princípio, pode-se considerar que qualquer intervenção baseada em treinamento de força pode ser considerada TF. Entretanto, a maioria dos protocolos de treinamento de força tradicionais são baseados, predominantemente, em exercícios analíticos com trabalho neuromuscular isolado, tendo como premissa básica a melhora da força máxima e da hipertrofia muscular por meio do estresse em grupos musculares específicos.

Para ser considerado “funcional”, o treinamento deve focar no aprimoramento de padrões de movimentos que, segundo Cook et al.9, são combinações intencionais de segmentos estáveis e móveis trabalhando em harmonia coordenada para produzir sequências de movimentos eficientes. Nessa perspectiva, os exercícios de força devem contemplar padrões de agachar, puxar, empurrar e carregar, sempre com semelhante especificidade neuromuscular e metabólica com as ações diárias do praticante10. Cabe destacar que essa especificidade está relacionada à necessidade de se empregar força nas mais diversas situações do dia-a-dia que, em sua maioria, são instáveis e assimétricas, reforçando a demanda multissistêmica.

Por exemplo, uma simples caminhada depende do uso da força em uma situação que demanda certo nível de equilíbrio dinâmico, coordenação motora, flexibilidade e estabilidade postural. Caso mantida por um longo período, resistência muscular e cardiorrespiratória se somam aos componentes anteriormente mencionados. Já em caso de execução rápida (atravessar uma rua), potência, velocidade e agilidade são acrescentadas à demanda11.

Considerando essa perspectiva, Distefano et al.12, a partir de uma intervenção de dois meses, concluíram que programas de treinamento de força que incorporam exercícios com elevada demanda de flexibilidade, agilidade, equilíbrio, estabilidade central e potência foram mais eficazes que o treinamento tradicional na melhora de medidas de desempenho funcional em adultos jovens. Outros estudos com intervenções semelhantes (elevada demanda simultânea de várias capacidades físicas) também demonstraram melhores resultados desse tipo de intervenção em relação ao treinamento tradicional em idosos 13,14.

Assim, com base na análise das características presentes em diversos estudos, sintetizamos no Quadro 1 as estratégias que podem ser utilizadas nos exercícios de força aplicados no TF com o objetivo de aumentar a demanda simultânea de outras capacidades físicas4.

Quadro 1
Estratégias aplicadas aos exercícios de força com o objetivo de elevar a demanda de outras capacidades físicas

TREINAMENTO FUNCIONAL: ESTRUTURA DA SESSÃO DE TREINO

Como o TF tem um enfoque sobre os padrões de movimento e o estímulo simultâneo a diferentes valências físicas, a preparação para o movimento ganha posição de destaque nesse tipo de treino, tanto para garantir o máximo de proveito dos estímulos, como para assegurar integridade física dos praticantes durante a realização de tarefas mais complexas com ou sem a mobilização de sobrecargas (treinamento de força).

Ademais, como o condicionamento cardiorrespiratório apresenta íntima relação com a aptidão física geral e com diversos parâmetros de saúde, as sessões de TF também objetivam estimular essa capacidade em níveis maiores do que os habitualmente observados em sessões tradicionais de treinamento de força.

Assim, considerando as necessidades e características supramencionadas, nosso grupo de pesquisas desenvolveu um modelo estrutural de sessões de TF que vem sendo aplicado em diversos estudos (figura 1). Na nossa visão, esse modelo pode auxiliar profissionais e pesquisadores na elaboração de programas de TF, uma vez que demonstrou resultados interessantes relacionados a adaptações multisistêmicas em vários estudos publicados14,15.

Figura 1
Modelo estrutural de sessão de treinamento funcional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O termo treinamento funcional parece sugestivo e adequado para uma sistematização que objetiva o aprimoramento sinérgico, integrado e equilibrado de diferentes capacidades físicas no intuito de garantir eficiência e segurança durante o desempenho de tarefas cotidianas, laborais e/ou esportivas, sendo baseado nos princípios biológicos e metodológicos do treinamento, notadamente, no princípio da especificidade. Ademais, as sessões devem focar no aprimoramento de padrões básicos de movimento, estimular adequadamente a força em situações instáveis e assimétricas, a potência muscular e a capacidade cardiorrespiratória, ativar frequentemente músculos estabilizadores e incluir atividades complexas, respeitando critérios de segurança e eficácia.

CONFORMIDADE COM PADRÕES ÉTICOS

  • Financiamento
    Essa pesquisa não recebeu nenhum tipo de financiamento. Os autores financiaram essa pesquisa.
  • Aprovação Ética
    A pesquisa foi escrita conforme as recomendações da Declaração de Helsinki

Como citar esse artigo

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    11 Jan 2020
  • Aceito
    19 Abr 2020
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