Open-access O impacto do tamanho do grupo no desenvolvimento do potencial social da Ginástica para Todos: uma análise a partir da Praxiologia Motriz

The impact of group size on the development of the social elements in Gymnastics for All: an analysis based on Motor Praxeology

El impacto del tamaño del grupo en el desarrollo del potencial social de la Gimnasia para Todos: un análisis basado en la Praxiología Motriz

RESUMO

Neste estudo, investigou-se a relação entre o tamanho de grupo (quantidade de integrantes) e o desenvolvimento de quatro variáveis da dimensão social da Ginástica para Todos: relações de amizade, habilidades sociais, participação ativa e encontros sociais. A pesquisa é quantitativa, com uso de questionário online e participação de 378 integrantes de 22 grupos brasileiros. Em síntese, os resultados indicam que grupos pequenos (≤19 integrantes) tem níveis maiores de amizade, habilidades sociais e participação ativa do que grupos grandes (≥20 integrantes). Conclui-se que a prática da Ginástica para Todos e as relações sociais dela derivadas mostram coerência com a teoria praxiológica (sistêmica), tornando-se mais complexa à medida em que a quantidade de sujeitos aumenta no interior dos grupos (maior complexidade informacional-relacional).

Palavras-chave:  Teoria da ação motriz; Sociometria; Habilidades sociais; Amizade

ABSTRACT

This study aimed to analyse the relationship between group size (number of gymnasts) and the development of four variables of the social dimension of Gymnastics for All: friendship, social skills, active participation, and social activities. Regarding the methods, the study is quantitative, and a questionnaire was applied to 378 members of 22 Brazilian GfA groups. The results indicate that small groups (≤19 participants) have higher levels of friendship, social skills and active participation than large groups (≥20 participants). It is concluded that the GfA activities and the social relations derived from it show coherence with the Motor Praxeology theory (systemic), becoming more complex as the number of participants increases within the groups (greater informational-relational complexity).

Keywords:  Motor action theory; Sociometry; Social skills; Friendship

RESUMEN

En este estudio se investigó la relación entre el tamaño del grupo (número de miembros) y el desarrollo de cuatro variables de la dimensión social de la Gimnasia para Todos: relaciones de amistad, habilidades sociales, participación activa y reuniones sociales. El estudio es cuantitativo y se aplicó un cuestionario a 378 miembros de 22 grupos brasileños. Los resultados indican que los grupos pequeños (≤19 miembros) tienen mayores niveles de amistad, habilidades sociales y participación activa que los grupos grandes (≥20 participants). Se concluye que la práctica de la Gimnasia para Todos y las relaciones sociales que de ella se derivan muestran coherencia con la teoría praxiológica (sistémica), volviéndose más complejas a medida que aumenta el número de sujetos dentro de los grupos (mayor complejidad informacional-relacional).

Palabras clave:  Teoría de la acción motriz; Sociometria; Habilidades sociales; Amistad

INTRODUÇÃO

A Ginástica para Todos (GPT) caracteriza-se como uma prática gímnica em grupo cuja principal forma de manifestação é a apresentação de composições coreográficas em festivais ginásticos (Patricio e Carbinatto, 2023), o que revela a importância de sua dimensão artístico-expressiva (Menegaldo et al., 2023). Quando estudada a partir da perspectiva praxiológica (Parlebas, 2020, 2001), observamos uma prática composta fundamentalmente por situações sociomotrizes de cooperação (em grupo, sem a presença de adversários), predominantemente praticada em espaços estáveis. A conformação dos grupos (quantidade de integrantes), os espaços de prática e a utilização de implementos (que são permitidos, mas não são obrigatórios) não são regulamentados institucionalmente, uma vez que não existe um código gestual (Código de Pontuação) como acontece com as modalidades esportivizadas de ginástica (Silva et al., 2021). Em síntese, a prática da GPT permite a emergência de múltiplas lógicas internas, isto é, diferentes maneiras de combinar os elementos sistêmicos (Menegaldo et al., 2023).

Estas características contribuem para a constituição de uma prática inclusiva e recorrentemente associada à participação massiva e ao lazer (Domingues e Tsukamoto, 2021), sem prévia categorização (faixa etária, nível técnico, gênero, níveis de performance). Com isso, a dimensão social da GPT, materializada nas relações construídas entre os integrantes de cada grupo, vem ganhando destaque em diferentes pesquisas, nacional e internacionalmente (Batista et al., 2020; Menegaldo, 2022; Patrício, 2021; Silva et al., 2022; Wichmann, 2014; Wichmann et al., 2023). Com efeito, o estudo sistemático da práxis destes grupos – incluindo suas concepções e estratégias metodológicas e pedagógicas – parece ser um caminho profícuo para melhor compreender e desenvolver os potenciais da referida prática no que se refere ao desenvolvimento individual e coletivo de seus praticantes.

Neste contexto, a relação entre a prática da GPT e o desenvolvimento de elementos relacionais (sociais) como amizade, sentimento de pertencimento, reconhecimento e habilidades sociais, ganharam protagonismo. A atual conjuntura social é notadamente marcada pela fragilização das relações sociais, pelos engendramentos do neoliberalismo e sua racionalidade do cuidado de si e pela ressignificação do uso do tempo em nossas vidas cotidianas (Dardot e Laval, 2016; Rosa, 2019; Sennett, 2019, 2012), o que dá relevância para os elementos relacionais e sociais acima citados. Para contribuir com o debate, o objetivo deste estudo é analisar a relação entre o tamanho do grupo (quantidade de integrantes – elemento de lógica interna) e o desenvolvimento de quatro variáveis da dimensão social da prática da GPT (relações de amizade, habilidades sociais, participação ativa e encontros sociais – elementos de lógica externa), comparando o comportamento destas variáveis em grupos grandes e pequenos.

MÉTODO

Caracterização do estudo

A pesquisa é de caráter quantitativo, com abordagem exploratória e delineamento transversal (Gil, 2019). As variáveis exploradas estão fundamentadas, por um lado, na teoria da Ação Motriz (Parlebas, 2020) – tanto no uso de proposições metodológicas como a sociometria e a teoria dos grafos, quanto no seu aporte sistêmico que coloca em evidência a natureza relacional (ou não) das diferentes práticas motrizes –, e, por outro, em uma literatura diversa que perpassa desde as dimensões participativa, pedagógica e educativa da prática gímnica estudada até obras situadas nas ciências sociais que discutem, direta ou indiretamente, as condições para cultivo e manutenção de relações em diferentes campos sociais na sociedade contemporânea.

Participantes e aspectos éticos

Participaram da pesquisa 378 integrantes adultos de 22 grupos brasileiros de GPT provenientes das cinco regiões do Brasil. Os grupos participantes atenderam aos seguintes critérios de inclusão de grupos: a) grupo ativo no momento da coleta de dados; b) mínimo três anos de atividades regulares; c) participação em, no mínimo, um dos festivais de GPT elencados pelos pesquisadores nos últimos cinco anos – World Gymnaestrada, Fórum Internacional de Ginástica para Todos, Congresso Brasileiro de Ginástica para Todos e GymBrasil; d) grupos constituídos majoritariamente por maiores de idade. O contato com os integrantes foi mediado pelos coordenadores dos grupos, os quais disponibilizaram uma listagem dos membros ativos e com participação de, no mínimo, seis meses – critérios de inclusão de integrantes. Abaixo, na Tabela 1, é possível observar dados de perfil dos grupos participantes do estudo.

Tabela 1
Dados de perfil dos grupos participantes da pesquisa.

Os integrantes foram convidados a participar do estudo por intermédio dos coordenadores de seus respectivos grupos, contato que permitiu a personalização do instrumento de coleta de dados, o qual será descrito a seguir. Ao acessar o questionário, todos preencheram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), como previsto no projeto aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) (n° CAAE 13426719.3.0000.5404).

Instrumento e procedimentos

Para a coleta de dados, foi utilizado um questionário online (Faleiros et al., 2016; Russell et al., 2010), construído e veiculado por meio da plataforma Google Forms, com perguntas majoritariamente fechadas, subsidiadas pelas premissas do método sociométrico (Moreno, 1992).

Social network analysis methods permit researchers to explore social relations between team members and their individual-level qualities simultaneously. As such, social network analysis can be seen as augmenting existing approaches for the examination of intra–group relations among teams and provide detail of team members’ informal connections to others within the team. Social network analysis is useful in addressing the issue of interdependencies in the data inherent in team structures (Lusher et al., 2010, p. 111).

O questionário foi elaborado especificamente para um estudo de doutorado já finalizado (Menegaldo, 2022), que incluiu estudos pilotos conduzidos com diferentes grupos de GPT não incluídos na amostra final da pesquisa (Bailer et al., 2011). Os pilotos, portanto, constituíram um processo de elaboração do instrumento. Neste processo foram explorados diferentes formatos, escalas (binária e não-binária), questões de validação interna, redação de enunciados e outros aspectos.

Para as variáveis relativas às relações de amizade e habilidades sociais, as questões foram fechadas, em formato inspirado na sociometria (com escala de 0 a 3), em que os participantes classificaram os demais colegas do grupo. Para estas variáveis, 0 (zero) significava a inexistência de relação de amizade e de habilidades sociais e 3 (três) significava a existência de uma relação de amizade forte e o reconhecimento de altas habilidades sociais no contexto das atividades do grupo (cooperação, comunicação, respeito e empatia). Nas questões sobre participação ativa, os integrantes classificaram a sua própria atuação nas atividades do grupo e a atuação do coordenador, e para isso utilizaram uma escala em que 0 (zero) significava “não participa/não interfere nas atividades” e 5 (cinco) “participa/interfere totalmente nas atividades”. Quanto aos encontros sociais, os integrantes tinham que indicar se o grupo possuía atividades sociais fora do contexto de ensaios/treinos (resposta binária, positiva ou negativa). Foram considerados “Grupos pequenos” os com ≤19 integrantes, enquanto “Grupos grandes” com ≥20 integrantes, categorias que foram propostas com base nas diretrizes para participação no World Gym for Life Challenge – concurso de GPT promovido pela FIG, que prevê uma divisão dos grupos participantes e de suas respectivas coreografias de acordo com o número de ginastas.

Análise de dados

A análise dos dados, considerando o recorte deste artigo, foi realizada por meio da Estatística Descritiva e Inferencial (Bussab e Morettin, 2017). Para as análises que se seguem foi utilizado o programa GraphPad Prism. A respeito dos procedimentos, a normalidade dos dados foi analisada pelo teste de Shapiro-Wilk. Na comparação das categorias, utilizamos o teste T para amostras independentes quando os dados apresentavam uma distribuição normal e o teste de Mann-Whitney quando não encontramos normalidade. Analisamos a significância dos resultados utilizando p<0,05. Porém, na medida em que reconhecemos os limites da rigidez desse critério estatístico, adotamos um olhar flexível aos resultados encontrados nessas análises, incluindo também em nossas discussões valores que avançaram essa significância. Nesse sentido, utilizamos complementarmente o tamanho de efeito Cohen’s D para analisar a magnitude da diferença entre os grupos (considerando 0,2 uma diferença pequena, 0,5 uma diferença média e acima de 0,8 uma diferença grande).

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Os dados serão apresentados e discutidos a seguir em dois momentos distintos. Primeiro, em uma perspectiva descritiva, figuram os dados, por grupo, das quatro variáveis exploradas. No Gráfico 1 e 2, organizamos as médias de relações de amizade e habilidades sociais e as médias relativas à participação ativa (ambas, de coordenadores e integrantes), respectivamente. Na sequência, o Gráfico 3 revela o percentual referente à variável dos encontros sociais. Após algumas considerações, são apresentados os cruzamentos advindos da análise inferencial, complementados pela discussão dos achados mais significativos.

Gráfico 1
Médias por grupo das variáveis de relações de amizade e habilidades sociais. Fonte: autoria dos pesquisadores.
Gráfico 3
Percentual de integrantes que indicam encontros sociais frequentes fora do contexto de prática. Fonte: autoria dos pesquisadores.

Ambas as variáveis apresentadas no Gráfico 1 foram exploradas no questionário com questões sociométricas. Porém, diferentemente de grande parte dos estudos recentes na área do esporte que utiliza esse método (Görmez et al., 2022; Hollett et al., 2020; Raluca et al., 2019; Sabin et al., 2014; Sopa e Pomohaci, 2018), nossa intenção foi não apenas identificar quem eram os agentes com maiores ou menores scores a respeito de ambas as variáveis, mas sim estabelecer para cada um dos grupos uma espécie de matriz composta por todos os integrantes. Isso possibilitou visualizar uma rede de relações de amizade e de identificação de habilidades sociais, permitindo não apenas a comparação entre os 22 grupos, de forma a identificar o comportamento destes elementos da dimensão social de forma isolada, mas também em função de outras variáveis, como o que veremos mais adiante em relação ao tamanho dos grupos.

Para além das amizades, questionamos os participantes acerca das habilidades sociais na tentativa de inferir como eles percebem o desenvolvimento de habilidades como cooperação, comunicação, empatia e respeito por parte de seus companheiros de prática. Uma leitura que merece destaque do Gráfico 1 é com relação à diferença entre as duas variáveis, uma vez que a média dos grupos em relação a habilidades sociais (2,5) é significativamente maior do que a média de relações de amizade (2,1). Entendemos que essa variável das habilidades não está só associada às relações já constituídas entre os integrantes, mas também à percepção que se pode ter de um companheiro de prática. É possível inferir que um integrante do grupo possui facilidade em se comunicar e cooperar com os demais colegas, que respeita os praticantes e é empático em diferentes situações cotidianas do grupo, ou até mesmo identificar que ele é um integrante “querido” por muitos companheiros. No entanto, essa percepção não está condicionada a uma relação: não é necessário que eu possua uma relação de amizade com um determinado sujeito para que eu possa identificar todas essas características mencionadas acima.

A variável de habilidades sociais relaciona-se não apenas com as amizades, mas também com as possibilidades de participação ativa, especialmente dos integrantes do grupo. Nesse sentido, o Gráfico 2 apresenta as médias de percepção de participação ativa, tanto no que concerne à atuação dos integrantes como à atuação dos coordenadores de grupo.

Gráfico 2
Médias por grupo das variáveis de participação ativa dos integrantes e dos coordenadores. Fonte: autoria dos pesquisadores.

Uma das razões pelas quais entendemos que a compreensão do potencial coletivo da GPT se faz importante entre os esforços acadêmicos-científicos é justamente pelos inúmeros relatos pedagógicos e pesquisas que anunciam não apenas a possibilidade, mas os benefícios da utilização de metodologias mais horizontalizadas e dialógicas, para utilizar os termos de Sennett (2012), o que ao nosso ver, é uma escolha que converge com as particularidades da prática. Essas proposições metodológicas – que possuem um alcance expressivo entre os grupos brasileiros desta prática gímnica – sugerem que, principalmente no que se refere a composições coreográficas, a GPT é um espaço que permite a participação ativa dos integrantes na construção das produções do grupo (Carbinatto e Furtado, 2019; Graner et al., 2017; Lopes et al., 2020), processo conhecido pelos pares como “construção coletiva de coreografias” (Soares et al., 2016).

Apesar disso, destacamos que a ideia de uma construção coletiva, na realidade, pode se restringir a uma metodologia para elaboração de composições coreográficas, como também pode avançar e permear várias outras atividades ordinárias de um grupo. A questão é que, seja de forma pontual – para algumas dinâmicas específicas como a elaboração de coreografias – ou de forma mais extensiva – atravessando diferentes tipos de tomada de decisão –, a construção coletiva só acontece em espaços em que é permitida a participação ativa dos envolvidos com a prática ou, mais especificamente no caso de nossa pesquisa, dos integrantes do grupo.

Com os dados do Gráfico 2, mais do que abordar o quantitativo de grupos nos quais impera uma participação maior do coordenador ou dos integrantes, é interessante notar que apenas em três grupos os participantes classificaram sua participação abaixo de 3,5, o que sugere que, para a maioria dos coletivos estudados, há um entendimento de que existe, de fato, uma participação ativa dos integrantes nas atividades cotidianas. Outro dado importante é que uma elevada participação ativa dos integrantes não necessariamente determina uma participação diminuída dos coordenadores, ou vice-versa, com apenas algumas exceções (G7, G14 e G22). Isso possibilita pensarmos que a forma como a participação ativa desses agentes se instala (ou não) nas engrenagens do grupo, conformando dinâmicas mais horizontalizadas ou verticalizadas entre os integrantes, depende de características e das formas de mediação/condução de cada coletivo. Ao considerar que estes grupos são heterogêneos, esse dado corrobora a diversidade na organização interna dos grupos.

Entre as várias formas que buscamos para acessar informações sobre o desenvolvimento das relações no interior dos grupos, uma das questões teve o objetivo de inferir o quanto os grupos extrapolam a convivência do contexto dos ensaios/treinos. Para isso, foi perguntado aos praticantes se é comum/frequente em seus respectivos grupos que eles se organizem para encontros fora do ambiente de prática, com intuito de confraternizações. A justificativa para a investigação desta variável está situada na indicação de outros estudos que revelam que um dos aspectos sociais mencionados pelos praticantes de GPT acerca das experiências com a prática é a possibilidade de criação de vínculos que transcendem o espaço dos treinos, sendo comum o encontro entre os integrantes em outros contextos (Almeida, 2016; Lopes et al., 2020; Silva et al., 2022).

Sobre isto, o que inferimos do gráfico acima é que os dados corroboram a literatura que menciona essa convivência entre os integrantes em espaços sociais fora do contexto de prática. Em 19 grupos, 50% ou mais dos integrantes indicam que é comum que o grupo se organize para estes momentos. Este dado mostra que as interações prescritas para a prática não se restringem ao cotidiano de atividades regulares do grupo e se desdobram em relações que ocupam outras dimensões da vida social dos praticantes. No caso destes grupos, portanto, parece coerente afirmar que a prática da ginástica assume um papel para além da prática motriz (Parlebas, 2020), ou mais especificamente, de sua dimensão instrumental, associada à técnica gímnica, às habilidades motoras, às composições coreográficas. Na medida em que os companheiros de prática se tornam também pessoas com quem se cultiva relacionamentos pertencentes a outros espaços-momentos de suas vidas, “praticar ginástica” adquire outros significados que não somente aqueles associados à manutenção da atividade física por si, de modo que se associam a dimensões afetivas e sociais — que, inclusive, reconfiguram as motivações para a prática (Bortoleto et al., 2019, 2023) e, consequentemente, para permanência de longa duração nestes grupos (Menegaldo, 2022).

Ao compararmos os dados destas variáveis sociais entre grupos pequenos (n=16) e grupos grandes (n=6), dispostos na Tabela 2, identificamos os seguintes resultados: a) no que trata das relações de amizade, grupos pequenos (2,2±0,3) têm níveis de amizade mais expressivos do que os grupos grandes (1,9±0,2) (p=0,0683, Cohens’D=1,17); b) de maneira similar, os integrantes dos grupos pequenos (2,6±0,2) também reconhecem maiores habilidades sociais de seus colegas do que nos grupos grandes (2,3±0,2) (p=0,0011, Cohens’D=1,50); c) a variável de participação ativa dos integrantes mostrou-se mais expressiva em grupos pequenos (4,0±0,4) do que em grupos grandes (3,6±0,5) (p=0,0449, Cohens’D=0,88), enquanto a participação ativa do(a) coordenador(a) não apresentou diferença significativa entre grupos de tamanhos distintos (p=0,5885); d) não houve diferença significativa entre os grupos (p=0,7870) quanto aos encontros sociais.

Tabela 2
Comparação das variáveis sociais entre grupos grandes e grupos pequenos.

Estes resultados sugerem que o tamanho do grupo interfere significativamente nas variáveis amizade, habilidades sociais e participação ativa dos sujeitos, e apresentam nestes casos uma influência inversamente proporcional. No caso das relações de amizade, os grupos que apresentam scores mais altos são justamente os grupos constituídos por um menor número de participantes. Desde a lente praxiológica proposta neste estudo (Parlebas, 2001), parece ser que que grupos de GPT com menor quantidade de integrantes e que, portanto, conformam sistemas menos complexos (com menor rede de interações) tendem a estabilizar e adensar os vínculos sociais e afetivos entre os integrantes com maior facilidade. Notamos nesta variável, então, uma relação interdependente entre lógica interna e lógica externa.

A mesma tendência foi observada no caso das habilidades sociais. Os grupos menores apresentam maior reconhecimento destas habilidades entre os integrantes. As análises ainda sugerem que essas duas variáveis sociais (relações de amizade e habilidades sociais) são dependentes, ou seja, os grupos que reconhecem fortes habilidades sociais são majoritariamente os grupos com maiores índices de amizade. Com efeito, ao pensar as habilidades sociais nos termos propostos por Sennett (2012), coletivos menores permitem que integrantes interajam de maneira mais recorrente com os mesmos companheiros, o que faz com que a rede, embora menor na quantidade de sujeitos, possa ser mais frequente e densa do que em grupos com uma quantidade grande de participantes. Dessa forma, as interações provocadas pela própria lógica sociomotriz da GPT, que já são de natureza cooperativa-comunicativa, transformam-se em relações afetivas e habilidades sociais para além da prática (lógica externa) com maior facilidade em coletivos menores.

Quando analisamos a participação ativa dos integrantes nas dinâmicas, processos e atividades dos grupos (Graner et al., 2017), as considerações anteriores ganham ainda mais coerência, na medida em que nos grupos menores os integrantes afirmam participar de forma mais significativa nas atividades e tomadas de decisão do grupo. Essa leitura mostra-se coerente ao pensarmos que a participação ativa é uma variável que está relacionada a sentir-se confortável e incentivado para se envolver com as demandas do grupo, o que a coloca em relação direta também com a identificação de boas habilidades dos companheiros e, inclusive, a existência de relações de amizade. Dizemos isto porque participar ativamente significa, com frequência, expor opiniões, dialogar, discordar e se opor a ideias dos demais colegas. Portanto, ser ativo, neste sentido, parece ser algo que ocorre com maior frequência em ambientes em que os próprios sujeitos identificam que os companheiros detêm habilidades para gerir estas “participações”, isto é, os diálogos, as opiniões, as discordâncias e, por vezes, os conflitos1.

Em certa medida, vale mencionar que o estudo das possíveis relações entre lógica interna e externa, nesse caso entre o tamanho dos grupos de GPT e variáveis relativas à dimensão social da prática, tem origem no debate sobre a leitura de “contrato social” proposta por Parlebas (2001). Ao revisar a definição de “contrato lúdico” na teoria praxiológica (Parlebas, 2001, p. 96), vemos que o autor faz alusão às regras do jogo e, portanto, ao pacto – muitas vezes forjado e ajustado pelos participantes – que permite que a prática ocorra de maneira a evitar “condutas contrárias ao espírito do jogo”. O que os dados acima indicam é que dialogicamente o exercício recorrente da lógica interna de uma determinada prática motriz e, logo, o contrato ali construído e “instalado” – que inclui, por exemplo, a quantidade de sujeitos constituintes de um grupo – pode, de fato, produzir diferentes comportamentos que influenciam diretamente variáveis de lógica externa.

Em suma, há indícios que indicam que as experiências desenvolvidas nos coletivos de GPT, embora mediadas por distintos contratos sociais (Menegaldo et al., 2023) em função de suas múltiplas lógicas internas, mantém uma tendência lógica: a da sociomotricidade. Em outras palavras, a prática da GPT fomenta o aprimoramento da cooperação e da comunicação para que os grupos funcionem de forma otimizada (atendam à sua lógica interna) ao mesmo tempo em que impactam a vida social de seus integrantes, para além do contexto instrumental, da performance, do ensaio-apresentação. A partir dos dados analisados, é possível afirmar que essa dinâmica, incluindo o estabelecimento do contrato social que conforma as atividades do grupo, mesmo que tacitamente, ocorre de forma mais intensa em grupos com menor quantidade de participantes. Nas ocasiões em que os grupos possuem mais integrantes, a complexidade sistêmica se vê ampliada, o que exige maiores esforços na mediação para que, tanto a operacionalização da lógica interna, como as relações sociais entre os integrantes (aspecto da lógica externa) possam desenvolver-se de forma adequada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As análises indicam que a prática da Ginástica para Todos, ainda que se situe no domínio das situações sociomotrizes de cooperação (Parlebas, 2020), pode variar significativamente em termos de complexidade quando se trata da quantidade de sujeitos que conformam cada grupo. O número de integrantes do grupo modifica não apenas as interações instrumentais, de lógica interna, mas especialmente a qualidade das variáveis relacionais, de lógica externa, como as que foram aqui analisadas – amizade, habilidades sociais, participação ativa e encontros sociais. Complementarmente, destacamos o desenho metodológico inspirado no método sociométrico, escolha inovadora no campo de estudos da GPT, e que pareceu ser um caminho de produção de dados que se soma aos esforços de outros pesquisadores e, portanto, de outras possibilidades metodológicas utilizadas na área.

Nossa intenção com esse estudo é incentivar um olhar consciente e atento para a dimensão social da GPT, que permeie as escolhas pedagógicas e metodológicas adotadas nestes grupos e que possibilite compreender que o desenvolvimento do potencial coletivo desta prática gímnica depende de diversos fatores, os quais devem ser pensados e intencionalmente modulados na construção do contrato lúdico de cada coletivo. Para além disso, essa investigação busca reforçar o protagonismo da construção e manutenção de relações humanas no contexto desta prática gímnica, o que pode contribuir para a minimização e, quem sabe, para a resistência à lógica hegemônica referente à fragilização das formas solidárias e afetivas de convivência na sociedade contemporânea.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos aos grupos de Ginástica para Todos que fizeram parte de nosso estudo, e, à Profa. Dra. Júlia Barreira, pelo suporte cuidadoso e constante com a análise dos dados.

  • 1
    No contexto desta pesquisa, se justifica o olhar para estas variáveis de participação ativa uma vez que ambas dependem das possibilidades criadas por cada coletivo para que se possa participar ativamente, o que está diretamente relacionado à quantidade de pessoas envolvidas nas ações do grupo. Desde a perspectiva teórica adotada (Parlebas, 2001), grupos com maior quantitativo de integrantes possuem maior complexidade informacional. Logo, pela lente praxiológica, são também mais complexos para o exercício de habilidades sociais e realização de dinâmicas metodológicas que tenham como protagonista a construção coletiva e, logo, a participação ativa dos integrantes. Nesse sentido, entendendo que a atuação do coordenador também interfere no comportamento dos integrantes do grupo, o olhar para sua participação também se faz importante nesse contexto, já que o tamanho do grupo pode influenciar e determinar diferentes condutas por parte do coordenador.
  • FINANCIAMENTO
    O presente trabalho contou com financiamento parcial do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio de bolsa concedida pelo Programa de Bolsas de Pós-graduação (CNPq-GD n° 140497/2019-6).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    05 Dez 2023
  • Aceito
    15 Abr 2024
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