RESUMO
Este ensaio busca analisar o contexto de implicações didáticas entre imagens do ser humano, compreensão de educação, compreensão de movimento e concepções de movimentos no ensino e aprendizagem. Para tanto, apresenta os conceitos esportivo, crítico-emancipatório e histórico-materialista, vinculando-os aos entendimentos subjacentes de esporte, homem e ensino do movimento e consequências no processo de aprendizagem e autonomia.
Palavras-chave:
Didática; Movimento; Educação; Educação Física
ABSTRACT
This essay seeks to analyze the context of the didactic implications between images of the human being, the understanding of education, the understanding of movement, and conceptions of movements in teaching and learning. To this end, it presents the concepts of sport, critical-emancipatory and historical-materialist, linking them to the underlying conceptions of sport, man and the teaching of movement and their consequences in the process of learning and autonomy.
Keywords:
Didactics; Movement; Education; Physical Education
RESUMEN
Este ensayo busca analizar el contexto de las implicaciones didácticas entre las imágenes del ser humano, la comprensión de la educación, la comprensión del movimiento y las concepciones de los movimientos en la enseñanza y el aprendizaje. Para ello, presenta los conceptos deportivo, crítico-emancipatorio e histórico-materialista, vinculándolos a las concepciones subyacentes del deporte, el hombre y la enseñanza del movimiento y sus consecuencias en el proceso de aprendizaje y autonomía.
Palabras-clave:
Didáctica; Movimiento; Educación; Educación Fisica
APRESENTAÇÃO
Na discussão didática do esporte escolar distinguem-se três conceitos didáticos: a) o conceito esportivo, b) o conceito de uma pedagogia crítico-emancipatória1 1 Consideramos neste o conceito didático de “Aulas abertas às experiências” (Hildebrandt-Stramann, 2011) como parte do conceito de didática crítico-emancipativa. (Hildebrandt-Stramann, 2011Hildebrandt-Stramann R. Concepções abertas no ensino da Educação Física. Rio de Janeiro: Imperial Novo Milênio, 2011.) e c) o conceito de uma cultura de movimento histórico-materialista (Kunz, 2010a, pKunz E. Apresentação. Pedagogia do Esporte, do Movimento Humano ou da Educação Física? In: Kunz E, Trebels AH, organizadores. Educação Física Critico- Emancipatória. Ijui: Editora UNIJUI; 2010a. p. 11-22.. 11-22; b, p. 18-30). O conceito desportivo visa transmitir o desporto com as suas formas desportivas de movimento e as dimensões de significado associadas de sobrepujança e comparação objetiva. O conceito de pedagogia crítica emancipatória toma como ponto de partida a pessoa se movimentando, que deve aprender a envolver-se crítica e comunicativamente com o mundo do movimento, assim como reunir diversas experiências de movimento neste processo de envolvimento com o mundo. O conceito de cultura de movimento histórico-materialista (Soares et al., 1991Soares CL, Taffarel CNZ, Varjal MEMP, Castellani L, Escobar MO, Bracht V. Metodologia do ensino de educação física. São Paulo: Cortez; 1991.) visa contribuir para a conscientização das pessoas sobre a sua dependência material numa sociedade capitalista, com o objetivo de auxiliar no processo de emancipação cultural e subserviência capital.
Cada um destes conceitos é moldado em nível epistemológico por uma imagem específica do ser humano, uma compreensão específica da educação e do movimento e, vinculados a esses conceitos, por uma compreensão específica do ensino, que se caracteriza por diferentes modelos de ensino e aprendizagem. O que é epistemologicamente interessante é que estas categorias estão relacionadas entre si conceitualmente de forma específica. Na discussão da teoria didática, essa conexão é chamada de contexto de implicação das decisões didáticas (Hildebrandt-Stramann, 2016Hildebrandt-Stramann R. Encenação em Aulas de Movimento na Escola três exemplos de aulas. In: Kunz E, organizador. Didática da Educação Física. Educação Física e Esportes na Escola. Ijui: Editora UNIJUI; 2016. p. 49-66., pp. 50-51). Isto, didaticamente, significa que se partirmos de uma compreensão da educação como educação para a autoeducação e, portanto, como educação para nos tornarmos uma pessoa crítica e independente, então teremos consequências correspondentes ao nível das demais dimensões. Este objetivo educativo implica em uma compreensão relacional do movimento dialógico e em uma compreensão da experiência que corresponde a todas as imagens de forma relacional do ser humano2 2 Em seu livro “Educação Física ciência”, Bracht (1999, pp. 91-98) discute a questão da „interdisciplinaridade” e da “intradisciplinaridade”. O teorema da conexão de implicação baseia-se na "intradisciplinaridade" porque as decisões didáticas nos respectivos níveis implicam decisões subsequentes, que são naturalmente moldadas por fundamentos teórico-científicos muito diferentes que não podem ser misturados entre si na didática (também entendida como ciência). Na medida em que a didática é entendida como uma ciência sobre a configuração do ensino, ela não é livre de valores, mas uma ciência normativa. (Bracht, 1999Bracht V. Educação Física ciência. Cenas de um casamento (in)feliz. Ijui: Editora UNIJUI; 1999., pp. 91-98).
Este contexto de implicações também tem impacto no ensino real. No nível do ensino concreto, tais compreensões implicam em objetivos pedagógicos correspondentes como, por exemplo na compreensão da educação como autoeducação, a participação dos alunos na constituição do sentido do próprio ensino, conteúdos em forma de temas abertos de movimento ou problemas de movimento, e em nível de métodos, diferenciando situações de experiência, estruturada de maneira genética (Beckmann; Hildebrandt-Stramann e Wichmann, 2009Beckmann H, Hildebrandt-Stramann R, Wichmann K. Aprender diante de problemas. In: Hildebrandt-Stramann R, organizador. Educação Fisica aberta às experiências. Uma concepção didática em discussão. Rio de Janeiro: Imperial Novo Milênio; 2009. p. 31-44., pp. 31-44)3 3 O ensino e a aprendizagem genética é uma abordagem metodológica da concepção didática de “ensino aberto à experiência” (Beckmann et al., 2009, pp. 31-44; Hildebrandt-Stramann et al., 2020, p. 167). A aprendizagem genética tem três princípios: 1. Os aprendizes trabalham num problema e desenvolvem, autonomamente, soluções; 2. O professor apoia e guia o processo independente da solução do problema dos aprendizes, dando impulsos, por meio de perguntas específicas (denominamos este procedimento como um procedimento socrático); 3. A aprendizagem se realiza em tais exemplos selecionados, pelos quais podem ser adquiridos conhecimentos básicos (denominamos este passo de procedimento exemplificado). . Tanto do ponto de vista epistemológico como didático, não é possível alternar à vontade entre as categorias individuais4 4 No contexto da formação didática dos futuros professores de Educação Física, o teorema da conexão implícita pretende deixar claro que a decisão no nível alvo da aula (por exemplo, "autoeducação") resulta sempre em decisões correspondentes no nível do conteúdo e no nível do método. Nesse aspecto, o exemplo de Bracht (1999, p. 36) sobre o método de ensino do Voleibol é mal compreendido. Em conexão com a discussão sobre a divisão da ciência do esporte em diferentes disciplinas científicas, ele questiona qual método é adequado para o ensino do voleibol? "O método sintético ou método analítico?" Sua resposta é: “Se escudo as pesquisas da aprendizagem motora posso ter uma resposta, hipotética, de que é o método analítico” (p. 36). A resposta, tendo em conta o teorema da implicação, deve ser mais diferenciada: Se o objetivo da educação é ensinar o voleibol como desporto, isto é, como um jogo desportivo padronizado no qual o aluno deve estar adaptado às normas do jogo, então esse objetivo implica um método analítico de ensino do jogo. Contudo, se o objetivo é que os alunos desenvolvam um jogo de voleibol de forma autônoma, então este objetivo de “autoeducação” implica um método sintético de ensino, tal como o método de aprendizagem genética, orientada na resolução de problemas. . Se, didaticamente, proclamamos o objetivo educativo da autoeducação, então não posso defender aulas em que todas as decisões didáticas sejam tomadas pelo professor, sendo o aluno apenas o receptor da informação. A forma como os professores da Educação Básica e da Educação Superior compreendem e realizam a sua tarefa didática é, normalmente, determinada pelos padrões que utilizam para interpretar os seus alunos e, em última análise, eles próprios. O problema é que os seus padrões de interpretação muitas vezes levam a uma atuação sem reconhecimento e nem conseguem provocar estímulos cognoscitivos mais significativos, mesmo ocorrendo nas formas de interação mediadora (Kunz, 2010b, pKunz, E. Transformação Didático Pedagógica do Esporte. Ijui: Editora UNIJUI; 2010b.. 127).
Partindo dessas premissas, temos como objetivo deste artigo explicar a teoria didática da conexão implícita, tanto no nível teórico quanto no nível de ensino e, assim, contribuir para uma discussão sobre a didática baseada na educação do movimento. Os conceitos didáticos mencionados acima serão analisados e apresentados tendo por base a teoria da conexão implícita.
Do ponto de vista metodológico, descrevemos a nossa abordagem como uma abordagem hermenêutica: no primeiro momento descrevemos as características de cada conceito didático. No segundo momento, examinamos os conceitos didáticos individuais de acordo com a sua compreensão subjacente de educação, da compreensão do movimento e da compreensão associada da aprendizagem do movimento.
AS CARATERÍSTICAS DO CONCEITO DIDÁTICO DO ESPORTE
Como o próprio conceito sugere, trata-se de ensinar esporte. O esporte oferece uma resposta específica ao problema de movimento do ser humano. Contudo, o mundo do ser humano é complexo e apresenta vários níveis. As possibilidades de vivência de movimento dos seres humanos no seu mundo são, portanto, complexas e têm vários níveis. O sistema do esporte, entretanto, reduz estas complexas possibilidades de movimento5 5 Quando falamos de esporte como sistema, estamos nos referindo à teoria de sistemas de Luhmann (1971). Segundo Luhmann, a realidade social consiste em sistemas. O objetivo de um sistema é reduzir a complexidade desta realidade social e, assim, torná-la administrável. A maneira de efetivar essa redução da complexidade é dirigida por meio do “sentido no sistema social”. (Luhmann, 1971Luhmann N. Sinn als Grundbegriff der Soziologie. In: Luhmann N, Habermas J. Theorie der Gesellschaft oder Sozialtechnologie. Was leistet die Systemforschung?. Frankfurt, a.M.: Suhrkamp; 1971. p. 25-100.). A forma de reduzir a complexidade é dirigida pelo sentido. Assim, precisamos perguntar: Segundo qual sentido e princípios é reduzida no sistema do esporte a inimaginável complexidade das ações de movimento? Quais são as regras superiores (gerais) que o sistema do esporte segue e que tornam clara a lógica intrínseca desse sistema?
O sistema do esporte se caracteriza por duas regras básicas (que são as superiores) e por determinados princípios:
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A regra do sobrepujar (no sentido de vencer)
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A regra da comparação objetiva (Kunz, 2010b, pKunz, E. Transformação Didático Pedagógica do Esporte. Ijui: Editora UNIJUI; 2010b.. 22).
A típica redução da complexidade que produz o sistema do esporte torna-se clara somente no inter-relacionamento destas duas regras. Para podermos comparar objetivamente os rendimentos, as condições sob quais os rendimentos deverão ser conseguidos, eles precisam ser padronizados. Esta padronização interfere – como veremos – o ensino específico da educação física. Podemos constatar: “O conceito de esporte que se vincula hoje à Educação Física é um conceito restrito, pois se refere apenas ao esporte que tem como conteúdo o movimento esportivo-técnico, o treino, a competição, o atleta e o rendimento esportivo” (Kunz, 2010b, pKunz, E. Transformação Didático Pedagógica do Esporte. Ijui: Editora UNIJUI; 2010b.. 63).
A COMPREENSÃO DA EDUCAÇÃO NO CONCEITO DO ESPORTE.
Diferenciamos entre uma compreensão da “educação para o esporte” e da “educação através do esporte”. O conceito esportivo representa uma educação para o esporte. Esse conceito trata de educar crianças e jovens para que se tornem capazes de atuar no esporte. Neste entendimento, a capacidade de agir significa poder participar no esporte e aceitar os seus valores, regras e normas sociais. A atenção didática está voltada para o objeto, o esporte, e para a adaptação dos alunos às modalidades esportivas (Bracht, 2019, pBracht V. A Educação Física Escolar no Brasil. O que ela vem sendo e o que pode ser. Ijui: Editora UNIJUI; 2019.. 90). Que compreensão de movimento fica por detrás desta compreensão da educação?
A COMPREENSÃO DE MOVIMENTO NO CONCEITO DO ESPORTE
Segundo Buytendijk (1956)Buytendijk FJJ. Allgemeine Theorie der menschlichen Haltung und Bewegung. Berlin: Springer; 1956. http://doi.org/10.1007/978-3-642-85548-1.
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, na teoria de movimento são identificados dois paradigmas:
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O das Ciências Naturais;
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O da Reflexão Fenomenológica de Movimento (Trebels, 1992Trebels AH. Plaidoyer para um diálogo entre teorias do Movimento humano e teorias do movimento no esporte. Rev Bras Ciênc Esporte. 1992;13(3):338-44., pp. 338-344).
O conceito esportivo é baseado na compreensão das ciências naturais do movimento. A reflexão científica natural do movimento define o movimento como o deslocamento de um corpo físico no espaço e no tempo. O movimento é visto no aspecto externo de sua execução visível e passível de descrição analítica. O aspecto interno do movimento não é considerado, justamente porque esse aspecto não pode ser pesquisado de forma empírico-analítica (Trentin, 2007, pTrentin DT. Experiências de movimento e concepções de Educação Física: algumas implicações possíveis. Motriv [Internet]. 2007 [citado 2024 Mar 15];18(28):139-53. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/motrivivencia/article/view/7654
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. 141). Nesse paradigma é diferenciada uma análise morfológica e biomecânica do movimento. Do ponto de vista de Meinel e Schnabel (1984), aMeinel K, Schnabel G. Motricidade I. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico; 1984. análise morfológica tem um status pré-científico em função da falta de objetividade das pesquisas sobre movimento. Na compreensão biomecânica, resolve-se o problema da falta de objetividade. Nessa mesma perspectiva, realizam-se esforços para conseguir pesquisar movimentos esportivos de forma empírico-analítica, assim como para adquirir sua descrição objetiva. Desse modo, se segue pesquisando, com a ajuda das teorias mecânicas da física e dos conhecimentos sobre o sistema biológico do homem, as particularidades do movimento e questões relacionadas com a sua otimização, conforme as predeterminações do sistema esportivo.
O conceito didático esportivo tem como base essa visão científica natural de movimento. Essa visão contém implicações normativas que gostaríamos de ressaltar:
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1ª) Essa visão de movimento tem um pré-conhecimento do que é um “movimento correto”. Esse pré-conhecimento, por um lado, depende das predeterminações dos desportos, por outro lado, é produzido pela própria teoria que segue o objetivo estipulado para a otimização do movimento (como minimização do tempo e a maximização da distância). O modelo desses movimentos “corretos” é encontrado nos movimentos dos esportistas de alto nível.
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2ª) O auxílio para cada pessoa no processo de aprendizagem motora prende-se ao objetivo de capacitá-la a chegar bem perto daqueles modelos de movimento legitimados biomecanicamente. Nessa implicação, o movimento é reduzido à sua perspectiva científico natural apreensível.
A individualidade de cada um, como pessoa, não existe. O homem aparece na perspectiva biomecânica como corpo físico, com músculos, tendões, ligamentos e articulações ideais. Ele manifesta-se como sistema biológico, cujas conduções e funções são determinadas por meio de regras fisiológicas (Trebels, 1992, pTrebels AH. Plaidoyer para um diálogo entre teorias do Movimento humano e teorias do movimento no esporte. Rev Bras Ciênc Esporte. 1992;13(3):338-44.. 339; Kunz, 1991, pKunz, E. Educação Física: ensino e mudanças. Ijui: Editora UNIJUI; 1991.. 174). Também o mundo de movimento se reduz ao mundo do espaço e dos aparelhos que são objetivados fisicamente. Nessa visão, o sentido de movimento, conforme o significado configurado pelo homem, não é discutido.
A COMPREENSÃO DE APRENDIZAGEM NO CONCEITO ESPORTIVO
Quem entende o movimento humano como o “deslocamento, do corpo e membros, produzido como consequência do padrão espacial e temporal da contração muscular” (Tani et al., 1988, pTani G, Manoel EJ, Kokubun E. Educação Física Escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista. São Paulo: E.P.U., 1988.. 8) deve se perguntar como se faz para o corpo se mover? O conceito de desporto, que, como foi demonstrado, segue esta compreensão físico-mecânica do movimento, dá uma resposta a esta questão que acompanha o fisicalismo. Quem entende o movimento como um comportamento predeterminado e imposto, deve construir situações como estímulos, que trazem seus alunos do estado de repouso para o movimento. Nessa posição, monólogos são preferidos em função do possível controle. Um diálogo não é necessário, pois o professor, baseado no seu conhecimento biomecânico, dá aos seus alunos o movimento ideal como um objetivo. Neste sentido “os professores de Educação Física passam a ser vistos como técnicos esportivos e os alunos como (futuros) atletas” (Bracht, 2019, pBracht V. A Educação Física Escolar no Brasil. O que ela vem sendo e o que pode ser. Ijui: Editora UNIJUI; 2019.. 90).
Esta compreensão fisicamente mecanicista é particularmente evidente na forma como o próprio processo de aprendizagem é explicado. A base para isso é o modelo explicativo da cibernética. O modelo básico desta cibernética é o "modelo de circuito de controle", que também se baseia nas teorias behavioristas da aprendizagem.
COMO É EXPLICADA A APRENDIZAGEM DO MOVIMENTO DE ACORDO COM O MODELO DE CIRCUITO FECHADO/ MODELO CIRCULAR?
Na aprendizagem de movimento, esse modelo circular de controle também é conhecido como modelo de processamento de informações (aprendizagem motora) Neste modelo, o aprendiz é referido como um “sistema adaptador de informações”. Ele recebe e absorve continuamente informações do ambiente e de seu próprio corpo por meio dos seus canais receptores (órgãos do sentido e da visão), realiza interpretações e análises complexos em nível neurológico para, na sequência, selecionar e apresentar uma ação motora apropriada para responder (Oliveira et al., 2021Oliveira AAB, Santana DMG, Souza VFM. O movimento como porta de acesso para a aprendizagem. Retos. 2021;41:834-43. http://doi.org/10.47197/retos.v41i0.84287.
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).
Meinel e Schnabel (1984)Meinel K, Schnabel G. Motricidade I. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico; 1984. explicam o modelo circular de controle motor da seguinte forma: O ponto de partida de todo movimento é a definição de um objetivo de ação concreto. Por exemplo, um jogador de futebol deve decidir se chuta a gol ou passa a bola para um companheiro de equipe mais bem posicionado. Ao fazê-lo, leva em consideração informações sobre as condições iniciais que são importantes para a execução do movimento. Se ele decidir chutar para o gol, a sequência de movimentos será programada neurologicamente. Para fazer isso, ele utiliza as experiências de movimento originárias de ações motoras anteriores e que estão armazenadas na memória motora. A informação para controlar e regular o movimento é enviada aos músculos por meio das vias neurológicas eferentes que, em decorrência dos estímulos, executam o movimento programado. Contudo, algumas situações podem afetar a sequência do movimento. Se um adversário bloquear a passagem e/ou o chute, ou ainda se o adversário desequilibrar o jogador com um forte deslocamento para longe, ele não conseguirá chutar a bola com precisão para o gol e não conseguirá realizar o movimento conforme planejado. A informação sobre a execução real do movimento é transmitida ao cérebro por estímulos nervosos por meio das vias aferentes. Os estímulos que contêm informações corporais e acionam uma resposta corporal são chamados de eferentes, os estímulos que coletam informações ambientais são chamados de aferentes. Os eferentes são atribuídos a um modelo circular/ uma rede neural de controle interno, os aferentes a um modelo circular/ uma rede neural de controle externo. O loop interno captura informações dentro do corpo usando a percepção cinestésica. Por exemplo, percebe-se a postura corporal usando receptores para medir a tensão muscular e as posições das articulações. Mais detalhadamente podemos analisar o caso do jogador de futebol. Ele recebe as informações sobre seu movimento de chute ao chutar a gol. Ao executar o chute ele pode perceber e sentir se a posição do pé está adequada ou não. O circuito de controle externo inclui informações relacionadas ao meio ambiente. O jogador chuta e vê se marca gol ou se a bola é bloqueada pelo goleiro. Esta informação é recebida, processada e analisada neurologicamente. Ao executar um movimento, o atleta absorve uma ampla gama de informações, que são transmitidas ao cérebro por meio de sinais afetivos e ali processadas. Fala-se de síntese de aferências. O feedback sobre o movimento realizado é analisado e avaliado com o envolvimento da memória motora. O movimento realizado pelo atleta é comparado objetivamente ao movimento previamente programado como modelo. O resultado, incluindo os fatores de influência, abastece a memória motora, é armazenado como experiência e pode ser usado no futuro para realizar novos chutes a gol.
A comparação do valor real e do valor do ponto de ajuste ajuda a descobrir possíveis erros na sequência de movimento e permite medidas corretivas apropriadas. Como o processo do circuito de controle descrito é contínuo e fornece feedback, o atleta também pode tomar medidas corretivas enquanto o movimento está sendo executado.
O processo real de aprendizagem do movimento de acordo com este modelo de circuito fechado é que o movimento a ser aprendido pode ser realizado de uma forma mais coordenada devido ao feedback e à experiência de movimento acumulada através de mudanças nos processos motores subjacentes. Os desvios entre o movimento pretendido e o movimento efetivamente realizado tornam-se cada vez menores. Desenvolvem-se alterações na percepção do movimento e nos processos motores, que são armazenados como conteúdo da memória.
Os representantes desta teoria da aprendizagem assumem que o conhecimento dos princípios da aprendizagem motora ajuda a apoiar especificamente os processos de aprendizagem. Por um lado, com a ajuda de feedback verbal e visual e de condições externas de aprendizagem com auxílios, podem ser criadas situações que prometem otimizar o processo de aprendizagem. Todos conhecemos as chamadas séries de exercícios metódicos, que contêm etapas de aprendizagem relacionadas que levam a um movimento alvo com a ajuda de simplificações iniciais. Os professores de Educação Física podem apoiar esse processo de aprendizagem oferecendo um feedback utilizando repetições dos exercícios com correções apropriadas dos movimentos, de forma verbal e visual.
Uma das tarefas do professor é a de oferecer, continuamente a seus alunos, correções sobre os movimentos que estão fazendo durante o processo de aprendizagem do movimento. No jargão técnico, o termo feedback é muito usado para isso. Do ponto de vista científico, a palavra pertence ao inventário conceitual da cibernética. O professor, portanto, precisa de conhecimento corretivo sobre as questões de quando, com que frequência e de que forma o feedback é útil para os aprendizes. O termo feedback é tão comum que é difícil perceber que não se trata apenas de uma palavra, mas de um termo conceitual utilizado neste contexto de aprendizagem. Mesmo a compreensão ingênua da palavra, considerada um tanto mais fundamentalmente, suscita questionamentos. Sabemos o que é feedback: Uma Informação em forma de mensagem. Assim podemos entender que o professor, falando de forma neutra, faz um comunicado ao aluno. Mas porque se chama feedback e não conselho, informação ou pedido? O professor não pediu primeiro ao aluno que se movesse desta ou daquela maneira e, portanto, o professor não deveria controlar principalmente se o aluno realizou a tarefa corretamente ou incorretamente? Então, o feedback não é apenas uma fórmula eufemística destinada a esconder o que realmente é, ou seja, o controle e não um anúncio livre de domínio, neutro e factual.
A IMAGEM DO SER HUMANO NO CONCEITO DIDÁTICO DO ESPORTE
No exemplo descrito, acreditamos que fica claro o entendimento do ser humano como uma máquina. A gente já pode perceber pela história que o fascínio das imagens de máquinas para os seres humanos sempre foi grande. A exemplificação por meio da ideia de máquinas é particularmente importante para a compreensão do movimento humano. Desde a famosa divisão do homem em res cogitans e res extensa, que remonta a Descartes (Muñoz, 2015Muñoz RN. Filosofía y ciencia en el pensamiento de René Descartes. Erfurt: Editora Grin; 2015.), corpo e movimento têm sido considerados a epítome do "estendido", algo sujeito à lei da natureza e da mecânica, que também pode ser examinado e tratado neste sentido. Na medida em que o ser humano é um “corpo” e se move, trata-se de considerar o seu “material” e as leis do movimento da física. Hoje, a metáfora do computador serve como modelo explicativo. Imagens de máquinas ou imagens de computador prometem informações objetivas sobre como funciona o ser humano e seu movimento. Isso ocorre porque as máquinas fazem algo que os seres humanos também podem fazer. Contudo, se ainda é plausível ver algo humano na máquina porque foi um ser humano que o fez, então a conclusão inversa não é permitida, de que o ser humano realmente funciona e é construído da mesma maneira que a máquina, apenas porque produz resultados iguais ou semelhantes alcançados. Os conhecimentos sobre o funcionamento do movimento humano e a aprendizagem do movimento humano que surgem no decurso da analogia da máquina são adquiridos ao preço de distorções e falsificações que questionam o que é reconhecido ou mesmo o fazem parecer um erro. Isso também pode ser percebido no fato de que a visão dualista da humanidade que Descartes formulou a partir do espírito de sua época diante das máquinas que conhecia não apenas polariza corpo e mente, corpo e alma, mas também desqualifica o corpo. Portanto, tornou-se uma região inferior e sem alma. Ele teve que ser controlado, levado a uma disciplina rigorosa e às vezes - até mesmo por educadores - submetido a regras inflexíveis ou tratado e reprimido como algo insensível (cf. Freire, 1980Freire P. Cuidado escola. São Paulo: Brasiliense; 1980.; Foucault, 2009Foucault M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Rio de Janeiro: Vozes; 2009.; Brighente e Mesquida, 2020Brighente MF, Mesquida P. Michel Foucault. Corpos dóceis e disciplinados nas instituições escolares [Internet]. Curitiba: Editora Universitária Champagnat; 2020 [citado 2020 Dez 26]. Disponível em: https://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2011/4342_2638.pdf
https://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2...
; Hildebrandt-Stramann et al., 2022, pHildebrandt-Stramann R, Hatje M, Palma L, de Oliveira AA. Considerações Curriculares Para a Formação Universitária dos Estudantes de Educação Física. Ijui: Editora UNIJUI; 2022. p. 27-42.. 36). O que aparece como mecanização nas imagens de máquina do ser humano carrega consigo o legado da opressão do corpo e não se pode descartar que esse legado se expresse nas ações didáticas sem que os professores de educação física, por exemplo, tomem consciência disso.
A imagem que exemplificamos do ser humano é a de uma máquina. As imagens das máquinas concentram-se no corpo humano de uma forma substancial (Tamboer, 1994, pTamboer J. Philosophie der Bewegungswissenschaften. Butzbach: Afra; 1994.. 31; Kunz, 2010b, pKunz, E. Transformação Didático Pedagógica do Esporte. Ijui: Editora UNIJUI; 2010b.. 88). Nesta designação, o termo “substancial” refere-se ao termo “substância”, que sempre desempenhou um papel central no pensamento greco-ocidental. Significa que algo consiste em si mesmo, que pode ser isolado, que pode ser entendido como algo fechado em si mesmo. O que é característico de uma visão substancial e que se é, em princípio, capaz de traçar uma linha entre o que não pertence a esse algo e o que lhe pertence. A fronteira é então a linha divisória entre “dentro” e “fora”. Com uma imagem corporal substancial estamos perante uma interpretação segundo a qual o corpo deve ser entendido como uma entidade fechada em si mesmo. Esta entidade mantém uma relação externa com o que é referido na teoria da Gestalt como um "mundo interior psíquico" e um "mundo exterior físico e sociocultural" (Tholey, 1987, pTholey P. Prinzipien des Lehrens und Lernens sportlicher Handlungen aus gestalttheoretischer Sicht. In: Janssen JP, Schlicht W, Strang H, editors. Handlungskontrolle und soziale Prozesse im Sport. Köln: bps-Editora; 1987. p. 95-106.. 96). Pensar em termos de “mundo interior e exterior” – ou mais amplamente: uma separação entre ser humano e mundo – está, como tal, diretamente ligado a esta imagem corporal. O que é típico de uma imagem corporal substancial é a visão atomística de suas partes. A anatomia ou fisiologia são os melhores exemplos de uma visão anatômica do corpo. Aqui, suas partes individuais são consideradas e explicadas isoladamente. Quando falamos de conexões, estamos falando de explicações causais, isto é, das chamadas relações "se - então": Como mostramos anteriormente, na teoria físico-mecânica da aprendizagem do movimento (Meinel e Schnabel, 1984Meinel K, Schnabel G. Motricidade I. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico; 1984.), estes são separados entre os aspectos de sensibilidade (dos analisadores) e motores (os centros motrizes efetores), que estão apenas - se é que estão - em uma conexão causal entre si. Parece compreensível que, face a este paradigma de aprendizagem e corpo, se manifestem vozes que gostariam de ver a didática relegada a uma imagem diferente de ser humano. Esta imagem diferente encontramos no conceito da pedagogia crítico-emancipatória.
AS CARATERÍSTICAS DO CONCEITO CRÍTICO-EMANCIPATÓRIO DA EDUCAÇÃO FÍSICA
Segundo Kunz (2010b)Kunz, E. Transformação Didático Pedagógica do Esporte. Ijui: Editora UNIJUI; 2010b., um dos principais representantes da pedagogia esportiva crítica no Brasil, o objetivo de uma didática crítico-emancipatória da Educação Física é examinar criticamente o conceito de esporte e, assim, permitir que os alunos configurem seu mundo de movimento de forma independente.
Assim, ao induzir a autorreflexão, a pedagogia crítico emancipatória deverá oportunizar aos alunos perceberem a coerção autoimposta de que padecem, conseguindo, com isto, dissolver poder ou a objetividade dessa coerção, assumindo um estado de maior liberdade e conhecimento de seus verdadeiros interesses, ou seja, esclarecimento e emancipação. (Kunz, 2010b, pKunz, E. Transformação Didático Pedagógica do Esporte. Ijui: Editora UNIJUI; 2010b.. 36).
Esclarecimento e emancipação são os termos-chave para uma educação que deveria de fato valer para toda a formação escolar e universitária. Os representantes deste conceito (Kunz, 2010aKunz E. Apresentação. Pedagogia do Esporte, do Movimento Humano ou da Educação Física? In: Kunz E, Trebels AH, organizadores. Educação Física Critico- Emancipatória. Ijui: Editora UNIJUI; 2010a. p. 11-22., bKunz, E. Transformação Didático Pedagógica do Esporte. Ijui: Editora UNIJUI; 2010b.; Hildebrandt-Stramann, 2014Hildebrandt-Stramann R. Textos pedagógicos sobre o ensino da Educação Física. 4. ed. Ijui: Editora UNIJUI; 2014.) legitimam as suas ideias com os conceitos de uma teoria social crítica de Habermas (1987)Habermas J. Conhecimento e interesse. Rio de Janeiro: Guanabara; 1987., que trata, em última análise, de uma “transição social”. Para que este conceito permaneça lógico na sua argumentação, a posterior argumentação e justificação devem refletir-se numa compreensão crítico-relacional da educação, na compreensão do movimento e num ser humano relacional.
A compreensão da educação no conceito crítico-emancipatório da Educação Física
O conceito crítico-emancipatório representa claramente a compreensão da educação por meio do movimento. Educação é uma parte da socialização geral, isto é, aquele setor de interações conscientes e socialmente regulamentadas, nas quais o jovem, no seu processo de desenvolvimento, é qualificado a aprender maneiras culturais de uma sociedade e prosseguir no seu desenvolvimento e nesse processo de qualificação tornar-se uma pessoa independente e responsável.
Essa apresentação nos possibilita descrevê-la em duas dimensões relacionadas:
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como processo da socialização, pelo qual crianças e jovens se desenvolvem como seres sociais
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como processo da individualização, pelo qual crianças e jovens se desenvolvem como indivíduos únicos e inconfundíveis.
No contexto dessa socialização geral, a educação representa um campo organizado, planejado, sistematizado e intencional, pelo qual, na nossa sociedade, agências sociais e instituições específicas, como, por exemplo, a família ou a escola, são as responsáveis pela construção cotidiana.
Como ideia básica, temos o desenvolvimento da capacidade de ação, considerando que a educação visa sempre ao indivíduo, ao educando. O seu interesse, entretanto, não pode ser reduzido a uma concepção individualista, mas, sim, deve permanecer claro o seu sentido histórico social, sem, contudo, renunciarmos ao seu aspecto individual. A educação deve ser colocada na amplitude normativa que vai da autorrealização individual à emancipação da sociedade. Esses aspectos fundamentam o ideal pedagógico de um sujeito capaz de se tornar atuante por intermédio da educação; um indivíduo que pode atuar nos diversos setores existentes da sociedade, mas, ao mesmo tempo, está interessado no desenvolvimento de uma sociedade democrática e é capaz de participar racionalmente dessa mudança. Participação crítica na sociedade como ela é, a problematização das suas estruturas enrijecidas e suas novas perspectivas, constituem as duas dimensões dialeticamente limitadas de um conceito pedagógico de capacidade de ação.
A educação, que esta interessada em um indivíduo capaz de atuar, realiza-se como uma ação comunicativa (Kunz, 2010b, pKunz, E. Transformação Didático Pedagógica do Esporte. Ijui: Editora UNIJUI; 2010b.. 40-45). Com isso, entende-se uma ação que não tem por objetivo transmitir significado, mas sim visa muito mais à compreensão das diretrizes e objetivos de ação. Mediante a atuação na prática e a reflexão, deve ser possibilitada ao educando uma compreensão do “seu mundo” e da realidade social, uma conscientização das condições, possibilidades e consequências de seu agir - explicação e reflexão próprias, em vez da manipulação. Para isso é necessário encarar seriamente as crianças e os jovens como sujeitos que são capazes de agir no seu mundo.
Educar, em princípio, deveria significar promover a autoeducação. Autoeducação nos designa o cerne do modo de entender a educação (Hildebrandt-Stramann, 2004, pHildebrandt-Stramann R. Quais os rumos da educação física? In: Kunz E, Hildebrandt-Stramann R, organizadores. Intercâmbios científicos internacionais em educação física e esportes. Ijui: Editora UNIJUI; 2004. p. 71-84.. 72). “Significa dizer que o jovem se relaciona com pessoas, coisas, termos e acontecimentos, disposto a mudanças, na pretensão de ampliar sua vida” (Hildebrandt-Stramann, 2004, pHildebrandt-Stramann R. Quais os rumos da educação física? In: Kunz E, Hildebrandt-Stramann R, organizadores. Intercâmbios científicos internacionais em educação física e esportes. Ijui: Editora UNIJUI; 2004. p. 71-84.. 72). Este objetivo não vale somente para as aulas da Educação Física nas escolas, mas sim para a formação universitária também. Na formação universitária os estudantes precisam de certa liberdade para organizar e realizar seus estudos. A diferença, porém, em relação à escola na Educação Básica é que o estudante deve aprender certa atitude perante o objetivo da autoeducação. Para que a capacidade da autoeducação possa se desenvolver, além da atitude é necessário um “meio ambiente” educativo correspondente. Pelo “meio ambiente” entende-se as relações pessoais entre aluno/estudante e professor baseadas na compreensão e no método de ensino, que é determinado por meio da intermediação entre aluno/ estudante e a matéria.
Somente numa relação crítica com o mundo o objetivo educacional de uma pessoa emancipada pode ser realizado. O aspecto do relacionamento também está em primeiro plano na compreensão do movimento e da aprendizagem, que será discutido a seguir.
A compreensão de movimento no conceito crítico-emancipatório da Educação Física
Uma concepção de movimento contraditória é apresentada pelo paradigma fenomenológico de movimento. O núcleo dessa visão é que, quando nós, por exemplo, observamos crianças numa aula de educação física, não podemos observar movimentos, mas, sim, pessoas se movimentando. Não podemos observar um salto, mas, sim, pessoas saltando. Temos aqui um sujeito que se movimenta e um mundo (uma situação) com o qual esse movimento está relacionado. Gordijn, pedagogo holandês, compreende movimento como uma metáfora. Ele diz: “O movimento humano é um diálogo entre homem e mundo” (citado por Tamboer, 1979, pTamboer J. Sich Bewegen–ein Dialog zwischen Mensch und Welt. Sportpädagogik. 1979;3(2):14-9.. 14)6 6 Tamboer chama esta concepção do corpo como “relacional” (Ver Trebels, 1992, p. 341). . Com isso, Gordijn quer dizer: cada homem dialoga com seu mundo e, nesse caso, sua forma de comunicação é o movimento.
O conceito crítico-emancipatório envolve-se na crítica bem fundamentada sobre uma concepção didática, que tem o esporte como prática hegemônica (Kunz, 2010a, pKunz E. Apresentação. Pedagogia do Esporte, do Movimento Humano ou da Educação Física? In: Kunz E, Trebels AH, organizadores. Educação Física Critico- Emancipatória. Ijui: Editora UNIJUI; 2010a. p. 11-22.. 19). Em contraste com a introdução ao mundo do esporte, como pretende o conceito esportivo, o conceito crítico-emancipatório trata do ser humano em movimento, ou melhor, do se-movimentar humano (Kunz, 2010a, pKunz E. Apresentação. Pedagogia do Esporte, do Movimento Humano ou da Educação Física? In: Kunz E, Trebels AH, organizadores. Educação Física Critico- Emancipatória. Ijui: Editora UNIJUI; 2010a. p. 11-22.. 20). “O movimento humano, com um “se-movimentar” é um fenômeno relacional de “Ser Humano-Mundo”, e se concretiza, sempre, como uma forma de “diálogo”” (Kunz, 2010a, pKunz E. Apresentação. Pedagogia do Esporte, do Movimento Humano ou da Educação Física? In: Kunz E, Trebels AH, organizadores. Educação Física Critico- Emancipatória. Ijui: Editora UNIJUI; 2010a. p. 11-22.. 21). O homem coloca, enquanto se movimenta, perguntas de movimento para seu mundo e recebe respostas de movimento. Mundo não é somente meio ambiente (no sentido físico), mas, também os outros homens. O homem se relaciona com as coisas ou com os homens pelo movimento. O movimento, portando, é compreendido como não sendo do homem e nem do mundo, mas, sim, somente do seu relacionamento. Com isso, Gordijn quer expressar que ele não aceita uma separação das instâncias diferentes dentro do acontecimento; por exemplo, uma separação do corpo e do espírito, do motriz e da intenção. A intenção, o sentido, que pré-configuramos em relação à avaliação do resultado final, não pode e não deve ser separada do que acontece nas modificações da posição do corpo pelo movimento.
Neste sentido, o se-movimentar humano é um meio de conhecimento pelo qual as pessoas adquirem “conhecimento de movimento” do e sobre o mundo. Aqui fica clara o contexto da implicação de uma compreensão da “educação por meio do movimento”. Essa compreensão relacional da educação requer uma compreensão relacional do movimento e vice-versa. Este contexto nos instiga a apresentar, na sequência, a “compreensão da aprendizagem do movimento”.
A compreensão da aprendizagem do movimento no conceito crítico-emancipatório da Educação Física
Assim como o paradigma científico-natural tem suas consequências na configuração do ensino, o paradigma fenomenológico também tem suas consequências. O processo de aprendizagem de equilíbrio por exemplo mostra a condição para a experiência do movimento como exata, como certa, baseia-se num jogo dialético conjunto entre forças estimuladas e forças ativadas. Essas forças determinam as possibilidades e os limites da ação correta. “Manter o equilíbrio” só pode ser aprendido se o aprendiz experimentar situações de equilíbrio de dificuldades variadas. O aprendiz pode construir estas situações com o professor ou de forma independente e alterá-las continuamente. O método de “trabalho de oficina” (Hildebrandt-Stramann e Taffarel, 2017Hildebrandt-Stramann R, Taffarel CZ. Formação de Professores e Trabalho Educativo na Educação Física. Ijui: Editora UNIJUI; 2017., pp. 51-65) é adequado para isso.
A forma especial de movimento configura-se somente no processo dialógico com as coisas no mundo. A forma nunca está presente, mas, resulta do processo desse diálogo. No processo de aprendizagem, isto é, no desenvolvimento de uma forma adequada, desenvolve-se um sentido para uma execução de movimento correto ou errado. Entendemos que nós, como professores de Educação Física, temos a tarefa de tornar nossos estudantes na universidade e nossos alunos nas escolas responsáveis pela procura de informações que só podem ser encontradas mediante a experimentação. Eles devem buscar características de movimentos que são determinadas pelas sensações.
A partir da teoria da aprendizagem de movimento, que se fundamenta na teoria da Gestalt ou na teoria da percepção, sabemos que ninguém pode tirar dos aprendizes a procura por esse tipo de informação. Exatamente aqui se encontra a fundamentação teórica do movimento para uma aula aberta às experiências de educação física (Hildebrandt-Stramann, 2011Hildebrandt-Stramann R. Concepções abertas no ensino da Educação Física. Rio de Janeiro: Imperial Novo Milênio, 2011.).
Essas teorias não se orientam na configuração de processos de ensino-aprendizagem em uma estrutura técnica objetiva de movimento, mas, sim, consideram a estrutura subjetiva de ação e a relação de troca entre os seres humanos e o meio ambiente. Chamamos a essa concepção de “global” ou “total”, porque relaciona o homem com o mundo e vice-versa. Isso é um fundamento caraterístico da existência humana, que Merleau-Ponty (1966)Merleau-Ponty M. Phänomenologie der Wahrnehmung. Berlin: Gruyere; 1966. http://doi.org/10.1515/9783110871470.
http://doi.org/10.1515/9783110871470...
chama de “estar para o mundo”.
Também encontramos essa relação indissolúvel no modelo circular da Gestalt (Weizsäcker, 1966Weizsäcker VV. Der Gestaltkreis. Frankfurt, a.M.: Suhrkamp; 1966.), no qual perceber e movimentar é uma unidade. Na teoria morfológica de movimento de Meinel e Schnabel (1984)Meinel K, Schnabel G. Motricidade I. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico; 1984., existe uma separação entre aspectos sensitivos (dos analisadores) e motores (os centros motrizes efetores). Segundo Meinel & Schnabel, os dois estão num contexto causal (Trebels, 1992, pTrebels AH. Plaidoyer para um diálogo entre teorias do Movimento humano e teorias do movimento no esporte. Rev Bras Ciênc Esporte. 1992;13(3):338-44.. 340). Em contraposição a isso, a teoria da Gestalt não fala em um contexto causal do sistema sensitivo e do sistema motor, mas, sim, de uma coincidência. Coincidência significa - e isso é o que caracteriza a Gestalt - que o perceber acontece ao mesmo tempo em que ocorre o movimentar e vice-versa. O perceber influencia o movimentar e vice-versa.
Essa unidade de movimentar e perceber corresponde, no processo de treinamento, ao contexto significativo do “sentir” e “conseguir”. Na teoria de aprendizagem motora fala-se hoje de uma "aprendizagem de movimento controlado por efeito". De acordo com isso, as chamadas “stimulus-response-effect-relations” (estímulo-resposta-efeito-relações) são a base do controle motor e da aprendizagem motora (Scherer, 2018, pScherer H-G. Brückenschläge. Interdisziplinäre Forschung zwischen Sportpädagogik und Bewegungswissenschaft. Baltmannsweiler: Schneider; 2018.. 197). Na combinação do sentir e conseguir será evidenciada a relação do contexto interno com o externo do sujeito, do movimento nas suas percepções e da situação de movimento na sua própria ação de movimento. O problema da aprendizagem motora consiste em aprender o “se sentir” na execução do movimento, crescentemente, da forma mais diferenciada e em relação à situação, iniciando o processo de movimentação de modo que o excesso e a falta de energia possam ser equilibrados passo a passo. Para um melhor esclarecimento sobre as consequências do movimento indicamos exemplos apresentados nos materiais de Hildebrandt-Stramann et al. (2020Hildebrandt-Stramann, R, Hatje M, Palma L, de Oliveiro AA. Currículo modularizado à formação inicial em educação física: uma proposta em discussão. Ijui: Editora UNIJUI; 2020., pp. 168-208), com o tema do salto com vara e também Oliveira et al. (2021, pOliveira AAB, Santana DMG, Souza VFM. O movimento como porta de acesso para a aprendizagem. Retos. 2021;41:834-43. http://doi.org/10.47197/retos.v41i0.84287.
http://doi.org/10.47197/retos.v41i0.8428...
. 840) com o tema saltar na Educação Física Escolar.
Por fim, é importante frisar que é imprescindível o professor possibilitar condições de “coparticipação” no processo ensino-aprendizagem, para que as experiências possam ser vivenciadas plenamente. Os estudantes de educação física devem aprender, durante sua formação acadêmica, que o mundo de movimento nas aulas de educação física não pode ser reduzido à reprodução de modelos motores pré-configurados. A criança, no seu processo de desenvolvimento, necessita de estímulos motores aos quais possa “dedicar-se valorativamente” e, nesse processo, transferir os conhecimentos e experiências para o seu mundo diário.
A imagem do ser humano no conceito crítico- emancipatório da Educação Física
Diferentemente do conceito de esporte, no conceito crítico emancipatório estamos lidando com uma imagem relacional do ser humano (Tamboer, 1994, pTamboer J. Philosophie der Bewegungswissenschaften. Butzbach: Afra; 1994.. 31). Em sua “Fenomenologia da Percepção” (1966), Merleau-Ponty aponta que nós, seres humanos, não temos corpo, mas que somos corpo. Isto significa que já estamos intencionalmente envolvidos com um mundo que é significativo para nós num nível pré-consciente. Como sujeitos corporais, vivenciamos uma relação com o mundo que se concretiza em nossas ações. E ao fazermos isso não temos consciência do corpo como objeto, que é transcendido sem problemas. O facto de também podermos ter o nosso corpo e experimentá-lo como uma coisa é um modo de experiência possível, mas apenas secundário, que só se torna aparente assim que a ação se torna problemática (o que pode ser o caso, por exemplo, da doença). Esta relação inerente ao ser humano implica que se assuma uma ligação entre o ser humano e o mundo. Na sua relação, que também pode ser esclarecida com o conceito de intencionalidade, o mundo não se revela um mundo neutro, independente do ser humano, mas como um mundo "para estar", para sentir, para olhar para algo, para lançar uma bola em uma cesta ou chutar para um gol ou salto com vara – saltar para longe ou para o alto com a intenção de voar. Estas são relações de significado. O fato do ser humano ser um ser corporal significa que ele está intencionalmente relacionado com o mundo e, assim, cria relações de significado. Este ato de criar relações de significado é uma atividade dinâmica que só pode ser capturada linguisticamente usando palavras que caracterizem e/ou identifiquem a atividade. É por isso que também falamos de uma pessoa se movimentando. Vemos pessoas que se movimentam, que entendem o mundo por meio do movimento. Tamboer (1994, pTamboer J. Philosophie der Bewegungswissenschaften. Butzbach: Afra; 1994.. 35) cita, neste sentido “compreender o mundo em ação”. De qualquer forma, vemos aqui uma imagem holística do ser humano que é compatível com a compreensão relacional de educação e movimento.
AS CARATERÍSTICAS DO CONCEITO DIDÁTICO DE UMA CULTURA DE MOVIMENTO HISTÓRICO-MATERIALISTA
Para o Bracht o conceito da cultura de movimento histórico-materialista se relaciona ao conceito crítico-emancipatório (e a outros) em uma proposta pedagógica da Educação Física Pós-Movimento Renovador (Bracht, 2019, pBracht V. A Educação Física Escolar no Brasil. O que ela vem sendo e o que pode ser. Ijui: Editora UNIJUI; 2019.. 182). Neste sentido, para Soares, Taffarel, Varjal, Castellani, Escobar e Bracht (1991Soares CL, Taffarel CNZ, Varjal MEMP, Castellani L, Escobar MO, Bracht V. Metodologia do ensino de educação física. São Paulo: Cortez; 1991., pp. 71-72), o conceito de esporte é uma prática social de origem histórico cultural definida e que precisa ser questionado como conteúdo pedagógico, especialmente em relação às “suas normas, suas condições de adaptação à realidade social e cultural da comunidade que o pratica, cria e recria”. Para tanto é necessário no contexto escolar “desmitificá-lo”, por meio de conhecimentos que permitem aos alunos, “criticá-lo dentro de um determinado contexto socioeconômico-politico-cultural”. O mesmo conhecimento deverá, também, capacitar os alunos para a compreensão “de que a prática esportiva deve ter o significado de valores e normas que assegurem o direito á prática do esporte”.
A compreensão da educação no conceito do histórico materialista
A caracterização deixa clara a exigência educativa para atuação crítica em relação ao esporte. A ação crítica em relação ao desporto significa duas coisas: por um lado, os alunos devem ser capacitados para se libertarem crítica e reflexivamente dos constrangimentos do desporto com os seus objetivos globais (ver as explicações sobre o conceito de desporto), e por outro lado, devem ser capazes de ajudar a moldar/criar a sua própria participação no mundo do movimento. A este respeito, poder-se-ia partir de uma compreensão crítica da educação, à qual anteriormente nos referimos como uma compreensão relacional da educação. Em última análise, tal objetivo pode ser verificado pelas afirmações sobre o conceito de movimento e a imagem da humanidade.
A compreensão do movimento no conceito histórico materialista
Os autores dessa concepção propõem que o conteúdo da Educação Física é o conhecimento de uma área que denominam de “Cultura Corporal”, em que se incluem, entre outras práticas, o jogo, o esporte, a ginástica e a dança (Soares, Taffarel, Varjal, Castellani, Escobar e Bracht,, 1991Soares CL, Taffarel CNZ, Varjal MEMP, Castellani L, Escobar MO, Bracht V. Metodologia do ensino de educação física. São Paulo: Cortez; 1991., pp. 61-62). Kunz (2010b, pKunz, E. Transformação Didático Pedagógica do Esporte. Ijui: Editora UNIJUI; 2010b.. 21) analisou esse conteúdo com mais detalhes. Por exemplo, para o atletismo ele conclui que os autores do conceito histórico-materialista chegam ao mesmo conteúdo dos representantes do conceito esportivo.
O conteúdo a ser transmitido dentro desses elementos também obedece a uma velha classificação, qual seja:
Corridas: de resistência, de velocidade (com ou sem obstáculo); de campo-cross country; pedestrianismo (de rua) e de revezamento.
Saltos: de extensão, triplo, altura e com vara.
Arremesso: de peso
Lançamentos: de disco, dardo e martelo.
Mas pode-se supor que estes esportes precisam ser transformados didaticamente para que os objetivos educacionais críticos possam ser alcançados nas aulas de Educação Física. Contudo, não há declarações sobre isso neste conceito. Em vez disso, encontraremos informações metodológicas, como a descrição de séries metódicas de exercícios, que se referem a métodos analíticos de aprendizagem de técnicas esportivas. Isto está claramente ligado a um conceito de aprendizagem mecânica. Podemos constata que no centro deste conceito está o ensino do desporto no sentido de desporto competitivo. Como será mostrado, isto está ligado a uma imagem substancial do ser humano.
A compreensão de ser humano no conceito do histórico materialista.
Para Kunz (2010b, pKunz, E. Transformação Didático Pedagógica do Esporte. Ijui: Editora UNIJUI; 2010b.. 19), o termo “Cultura Corporal” como “área de conhecimento” específica da Educação Física é revelador do ponto de vista epistemológico porque os autores o utilizam para reforçar o dualismo entre corpo e mente. Ele escreve: “Porém com toda certeza esses autores sabem que, pela concepção dualista de homem, se existe uma cultura humana que é apenas corporal, devem existir outras que não são, que devem ser então mentais ou espirituais e, certamente não incluíram a cultura “corporal” do jogo, do esporte, da ginástica e da dança como cultura “corporal” na concepção dualista” (Kunz, 2010b, pKunz, E. Transformação Didático Pedagógica do Esporte. Ijui: Editora UNIJUI; 2010b.. 20). Concordamos com o autor quando ele escreve que se trata de um “conceito tautológico”, “porque não pode existir nenhuma atividade culturalmente produzida pelo homem que não seja corporal”.
Basicamente, não é apenas um conceito tautológico, mas também um conceito ideológico. A ideologia é que – segundo dos autores - o desporto deve ser criticado, mas a crítica não é feita de forma construtiva. Ou seja, as propostas didáticas dos conteúdos da Educação Física e suas transformações metodológicas permanecem no conceito de esporte. O que deve ser criticado (o esporte) se manifesta através da consideração do conteúdo e da implementação metódica.
Gostaríamos de reforçar esta intenção ideológica com mais um argumento da teoria da ciência. O vínculo marxista deste conceito sugere que, com a ajuda deste conceito didático, pode ser criado um ponto de partida igual para todos os alunos. De acordo com o princípio desenvolvido por Marx, segundo o qual “o ser determina a consciência”, todos os alunos deveriam ter oportunidades educacionais iguais. É por isso que deveria haver ensino (desportivo) de maior qualidade para todos os alunos em todos os tipos de escolas. A ideologia é que a superestrutura marxista exige uma igualdade entre as pessoas, o que não está presente no desporto. Pelo contrário. O desporto baseia-se fundamentalmente na desigualdade e na exclusão. Na compreensão tradicional de desporto a referência de rendimento é sempre orientada numa norma social, no rendimento dos outros. Diante de si próprio e para os outros é bem-sucedido quem for melhor do que os demais. A orientação de sucesso é individual e dirigida de maneira egocêntrica, à custa dos outros (por exemplo, a derrota deles). Para que isso funcione e o comparar e ganhar de fato sejam atrativos, tem de acontecer entre pessoas de igual rendimento (com chances iguais). Para este fim homogeneizar é a pequena diferença, então, é desvendada novamente com diferença igualitária.
Portanto, na concepção histórico materialista, há uma mistura de imagens substanciais e relacionais do ser humano, o que acaba por expor o conceito como um conceito socialmente afirmativo. Esta mistura dos diferentes níveis expõe o conceito histórico materialista à suspeita ideológica. Com uma estrutura de ensino dominada pelo professor, com a compreensão associada do papel do aluno como receptor de informação, cumpre-se o conceito de uma “educação bancária” descrito por Freire (1970), oFreire P. Pedagogia do oprimido. Rio de janeiro: Paz e Terra; 1970. que contrasta fortemente com o objetivo educacional declarado de uma autoeducação. O objetivo não é a libertação das algemas capitalistas, mas sim a subordinação ao domínio externo, que neste caso provém do sistema desportivo. Neste aspecto, o conceito não contribui para a libertação, mas sim para a consolidação de condições sociais desiguais. Não é apenas um conceito socialmente afirmativo, mas um conceito que obscurece as verdadeiras condições sociais, uma ideologia. É surpreendente que um conceito didático influenciado ideologicamente tenha ocupado a discussão didática até o nível governamental por meio das políticas públicas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Se tomarmos o contexto de implicação das decisões didáticas como critério para a consistência de um conceito didático, então poderemos chegar à conclusão de que tanto o “conceito de esporte” quanto o “conceito de movimento crítico-emancipatório” são inicialmente consistentes internamente. O conceito de desporto é geralmente caracterizado por um paradigma científico substantivo, enquanto o conceito crítico-emancipatório é determinado por um paradigma científico relacional.
Ao mesmo tempo, a análise deixa claro que não é possível misturar os dois conceitos, por exemplo, quando se concebem aulas de educação física pedagogicamente responsáveis. O objetivo educacional da autoeducação não pode ser alcançado com aulas em que o aprendizado das técnicas esportivas se baseie em séries metódicas de exercícios pré-determinados pelo professor. Os alunos só podem adotar uma atitude crítica se estiverem envolvidos na configuração do seu percurso de aprendizagem e se conseguirem conceber as suas situações de aprendizagem da forma mais autónoma possível. Também foi demonstrado que as teorias modernas de aprendizagem veem o diálogo do movimento do aluno com o mundo como a base para os movimentos de aprendizagem.
O conceito didático histórico-materialista exige um exame crítico da sociedade capitalista e, portanto, também uma atitude crítica em relação ao desporto como agente de um sistema capitalista. No entanto, foi demonstrado que o conceito tende a obscurecer o capitalismo e o desporto porque mistura visões de mundo substanciais com as exigências relacionais da crítica social. A este respeito, o conceito histórico-materialista tem de aceitar ser visto como altamente ideológico.
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1
Consideramos neste o conceito didático de “Aulas abertas às experiências” (Hildebrandt-Stramann, 2011) como parte do conceito de didática crítico-emancipativa.
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Em seu livro “Educação Física ciência”, Bracht (1999Bracht V. Educação Física ciência. Cenas de um casamento (in)feliz. Ijui: Editora UNIJUI; 1999., pp. 91-98) discute a questão da „interdisciplinaridade” e da “intradisciplinaridade”. O teorema da conexão de implicação baseia-se na "intradisciplinaridade" porque as decisões didáticas nos respectivos níveis implicam decisões subsequentes, que são naturalmente moldadas por fundamentos teórico-científicos muito diferentes que não podem ser misturados entre si na didática (também entendida como ciência). Na medida em que a didática é entendida como uma ciência sobre a configuração do ensino, ela não é livre de valores, mas uma ciência normativa.
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O ensino e a aprendizagem genética é uma abordagem metodológica da concepção didática de “ensino aberto à experiência” (Beckmann et al., 2009Beckmann H, Hildebrandt-Stramann R, Wichmann K. Aprender diante de problemas. In: Hildebrandt-Stramann R, organizador. Educação Fisica aberta às experiências. Uma concepção didática em discussão. Rio de Janeiro: Imperial Novo Milênio; 2009. p. 31-44., pp. 31-44; Hildebrandt-Stramann et al., 2020, pHildebrandt-Stramann, R, Hatje M, Palma L, de Oliveiro AA. Currículo modularizado à formação inicial em educação física: uma proposta em discussão. Ijui: Editora UNIJUI; 2020.. 167). A aprendizagem genética tem três princípios: 1. Os aprendizes trabalham num problema e desenvolvem, autonomamente, soluções; 2. O professor apoia e guia o processo independente da solução do problema dos aprendizes, dando impulsos, por meio de perguntas específicas (denominamos este procedimento como um procedimento socrático); 3. A aprendizagem se realiza em tais exemplos selecionados, pelos quais podem ser adquiridos conhecimentos básicos (denominamos este passo de procedimento exemplificado).
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4
No contexto da formação didática dos futuros professores de Educação Física, o teorema da conexão implícita pretende deixar claro que a decisão no nível alvo da aula (por exemplo, "autoeducação") resulta sempre em decisões correspondentes no nível do conteúdo e no nível do método. Nesse aspecto, o exemplo de Bracht (1999, pBracht V. Educação Física ciência. Cenas de um casamento (in)feliz. Ijui: Editora UNIJUI; 1999.. 36) sobre o método de ensino do Voleibol é mal compreendido. Em conexão com a discussão sobre a divisão da ciência do esporte em diferentes disciplinas científicas, ele questiona qual método é adequado para o ensino do voleibol? "O método sintético ou método analítico?" Sua resposta é: “Se escudo as pesquisas da aprendizagem motora posso ter uma resposta, hipotética, de que é o método analítico” (p. 36). A resposta, tendo em conta o teorema da implicação, deve ser mais diferenciada: Se o objetivo da educação é ensinar o voleibol como desporto, isto é, como um jogo desportivo padronizado no qual o aluno deve estar adaptado às normas do jogo, então esse objetivo implica um método analítico de ensino do jogo. Contudo, se o objetivo é que os alunos desenvolvam um jogo de voleibol de forma autônoma, então este objetivo de “autoeducação” implica um método sintético de ensino, tal como o método de aprendizagem genética, orientada na resolução de problemas.
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Quando falamos de esporte como sistema, estamos nos referindo à teoria de sistemas de Luhmann (1971)Luhmann N. Sinn als Grundbegriff der Soziologie. In: Luhmann N, Habermas J. Theorie der Gesellschaft oder Sozialtechnologie. Was leistet die Systemforschung?. Frankfurt, a.M.: Suhrkamp; 1971. p. 25-100.. Segundo Luhmann, a realidade social consiste em sistemas. O objetivo de um sistema é reduzir a complexidade desta realidade social e, assim, torná-la administrável. A maneira de efetivar essa redução da complexidade é dirigida por meio do “sentido no sistema social”.
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Tamboer chama esta concepção do corpo como “relacional” (Ver Trebels, 1992, pTrebels AH. Plaidoyer para um diálogo entre teorias do Movimento humano e teorias do movimento no esporte. Rev Bras Ciênc Esporte. 1992;13(3):338-44.. 341).
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FINANCIAMENTO
Material se aporte financeiro
REFERÊNCIAS
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
13 Set 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
06 Jun 2024 -
Aceito
01 Jul 2024