Open-access Uma nova e moderna sociedade? O esporte no teatro de Arthur Azevedo

Resumos

Esse artigo tem por objetivo discutir como um dos mais importantes dramaturgos brasileiros, Arthur Azevedo, ao lançar olhares sobre a sociedade do seu tempo (final do século XIX), incorporou o esporte em sua produção teatral. Considerando o destaque da presença do tema nas obras, analisamos "O Bilontra" (1885), "O Tribofe" (1892) e "A Capital Federal" (1897). Conclui-se que a representação da prática nessas peças expressa tanto a força da sua presença social quanto a sua capacidade de dramatizar as contradições do processo de modernização em marcha no Brasil daquele momento.

História do esporte; Teatro; Arthur Azevedo; Modernidade


In this article we consider how Arthur Azevedo, one of the most important Brazilian playwrights, while casting his glance over contemporary society (late 19th century), has incorporated the theme sport in his plays. As sport is a topic that featured in several plays of Azevedo, we have analyzed "O Bilontra" (1885), "O Tribofe" (1892) and "A Capital Federal" (1897). We conclude that the representation of sport in those plays expresses both the strength of the sport's presence at the society and its capacity to dramatize the contradictions of the modernization process that was ongoing in Brazil at the emergence of the 20th century.

Sport history; Theater; Arthur Azevedo; Modernity


Este artículo pretende discutir cómo uno de los más importantes dramaturgos de Brasil, Arthur Azevedo, al lanzar miradas sobre la sociedad de su tiempo, insertó el deporte en su producción teatral. Considerando el destaque de la presencia del tema en las obras, se analizó "O Bilontra" (1885), "O Tribofe" (1892) e "A Capital Federal" (1897). Llegamos a la conclusión de que la representación del deporte en estas obras expresa tanto la fuerza de su presencia social cuanto su capacidad de dramatizar las contradicciones del proceso de modernización en marcha en Brasil a finales del siglo.

Historia del deporte; Teatro; Arthur Azevedo; Modernidad


Introdução

No quartel final do século XIX, o Rio de Janeiro, na época a capital do país, passou por rápidas transformações, relacionadas a um processo de sintonização com o quadro de mudanças que caracterizavam a construção do ideário e imaginário da modernidade.

No âmbito socioeconômico, o país abolia a escravatura (1888) e dava os primeiros passos de seu processo de industrialização, mas ainda mantinha a opção pela vocação agroexportadora. Politicamente, em meio a muitos conflitos, transitava-se de um regime monárquico constitucional para uma república presidencialista (1889). Culturalmente era clara a influência europeia, especialmente perceptível na avidez por incorporar as "novidades do progresso".

Tratou-se de um período de grande efervescência, marcado por tensões de distintas naturezas, observadas entre diferentes grupos sociais. Não surpreendentemente Needell (1993) o define como uma Belle Époque Tropical, pelas similaridades que havia com o contexto europeu, mas também pelas particularidades típicas de uma urbe que se constituía em um país periférico.

Nesse quadro, estruturam-se os primórdios de uma indústria do entretenimento, que gestará uma vocação para a diversão pública que vai marcar a construção identitária do habitante do Rio de Janeiro até os dias de hoje. A capital, vislumbrada como modelo de modernidade e progresso, terá a sua "vida divertida" considerada como um dos aspectos mais ressaltados e valorizados (Marzano e Melo, 2010).

Como comprovam os estudos de Mencarelli (1999) e Melo (2001), naquele momento o esporte e o teatro estavam entre as principais práticas de lazer da população da capital, espaços nos quais a sociedade desfilava e dramatizava suas tensões e diferenças sociais.

Partindo dessas considerações iniciais, esse artigo tem por objetivo discutir como um dos mais importantes dramaturgos brasileiros, Arthur Azevedo, ao lançar olhares sobre a sociedade do seu tempo, incorporou o esporte em sua obra teatral, nos dias de hoje valorizada não por ser uma expressão exata do que ocorreu no passado, mas sim uma interpretação de uma dada realidade, a partir de uma olhar irônico, típico das artes da comedia. Trabalhamos, portanto, com representações construídas por um informante privilegiado, um personagem atento a seu momento histórico.

Estima-se que Azevedo tenha escrito mais de 200 peças, de gêneros distintos. Referências à prática esportiva estão presentes em algumas dessas obras. Considerando o destaque da presença do tema na trama, analisamos "O Bilontra" (1885), "O Tribofe" (1892) e "A Capital Federal" (1897).

Arthur Azevedo e o teatro do século XIX

Arthur Nabantino Gonçalves de Azevedo (1855-1908) foi um dos mais populares escritores brasileiros das décadas finais do século XIX. Jornalista, poeta, contista, dramaturgo, ao contrário de outros literatos de seu tempo, dizia preferir escrever para o povo em geral, não para os mais ricos, nem tampouco para os intelectuais.

Em 1874, quando adapta para o português a opereta francesa La Fille de Madame Angot, passa a fazer parte do primeiro time do teatro brasileiro. Para Prado (1997, p. 49), Arthur Azevedo:

foi o eixo em torno do qual girou o teatro brasileiro. Como crítico, êmulo do francês Francisque Sarcey, teve do mesmo modo bom domínio da prática teatral. E como autor, admirador de Molière, de quem verteu para o português algumas peças, frequentou de preferência o gênero cômico, que percorreu de alto a baixo (...) Participante ativo da vida teatral brasileira, a par do que se fazia em teatro na França e na Itália, pode-se dizer que, embora fosse jornalista e empregado público graduado, viveu do e para o teatro.

Apesar de também ser reconhecido por sua produção jornalística e literária (destacando-se por suas crônicas e contos), a obra teatral de Arthur Azevedo costuma ser considerada o seu melhor:

A parte de seu repertório que menos envelheceu, reaparecendo bem em encenações modernas, não foram os textos mais caprichados e literários. As suas qualidades estavam na escrita teatral, feita para o palco, não para a folha impressa, contando de antemão com o rendimento cênico proporcionado pelo jogo cômico dos atores (Prado, 1999, p. 147).

No Brasil daquele fin de siècle, a produção teatral europeia era a principal referência. Majoritariamente faziam sucesso no Rio de Janeiro os estilos franceses, especialmente o realismo e o romantismo, que em Paris tinham como palco principal o sisudo Gymnase Dramatique.

Havia, contudo, uma peculiaridade na obra de Azevedo, uma das dimensões responsáveis por tê-la tornado uma das preferidas da plateia do Rio de Janeiro: sua influência principal era o teatro francês do Alcazar, mais sintonizado com uma dinâmica social cada vez mais intensa. As peças eram marcadas pela presença de números musicais, mágicas, corpos à mostra, humor explícito. Esse modelo de espetáculo também foi apreciado na capital brasileira, ainda que sempre cercado de polêmicas e preocupações com o pudor e os bons costumes (Aguiar, 1997; Prado, 1999).

Mesmo que influenciado pelos franceses, Azevedo criou um estilo próprio, que dialogava claramente com as particularidades nacionais. Inclusive graças às suas peças, paulatinamente o teatro de revista passou a dominar a cena carioca. Com seus espetáculos cheios de música, dança e humor, o dramaturgo levou grande publico às salas teatrais (Aguiar, 1997).

Uma das características da obra teatral de Azevedo é abordar os fatos mais relevantes do contexto nacional: o cotidiano, os costumes, as tensões sociais e políticas. Suas peças simultaneamente representavam um jeito de encarar a sociedade e fortaleciam determinados pontos de vista.

Defensor de ideais republicanos e abolicionistas, Azevedo tornou-se uma espécie de porta-voz das contradições e ambiguidades de um país que desejava deixar para trás seu passado colonial. O dramaturgo, assim, construiu um mapa social que também contribuiu para que a população tomasse consciência do conjunto de mudanças pelo qual passava a cidade, enquanto ria de tudo e de si mesmo (Sussekind, 1986).

O Bilontra (1885)

O termo "bilontra", na peça que Azevedo escreveu em parceria com Moreira Sampaio, se referia a um tipo comum representado por um dos personagens, um farsante que vendera a um comerciante português, rico e ingênuo, um título de nobreza, um caso real que chegou aos tribunais brasileiros.

Tendo como pano de fundo o hábito e o gosto pelos jogos de azar, o dramaturgo tece uma série de bem-humoradas críticas às muitas espertezas que existiam na sociedade brasileira. Azevedo dramatiza as contradições das promessas que cercavam a construção de uma nova ordem social a partir da ideia de progresso.

O turfe, esporte que pioneiramente se conformou no Rio de Janeiro (Melo, 2001), é o cenário no qual desfilam as desonestidades da política e da economia brasileira. A hipocrisia maior seria o fato de que os dirigentes afirmavam que o seu intuito era nobre, quando estavam mesmo interessados nos lucros.

O terceiro ato da peça se passa integralmente no Derby Club, uma agremiação que expressava bem a transição de uma sociedade mais aristocrática, cuja elite se reunia no Jockey Club, para outra com características mais burguesas, cujos líderes futuramente se reuniriam nos clubes de remo, ciclismo e atletismo (Melo, 2001). Essa diferença da natureza das sociedades esportivas fica explícita logo de início:1

1° SPORTMAN — Deixem lá! É o mais bonito dos prados!

2° SPORTMAN — Eu prefiro o Clube Atlético Fluminense, que também se inaugurou este ano.

1° SPORTMAN — Pelo amor de Deus, Senhor Xavier, não confunda as coisas. Clube é clube, e prado é prado.

2° SPORTMAN — Isso sei eu; não me dá novidade.

1° SPORTMAN — E lá quanto a corridas, antes quero as de animais. Isto de burrinhos sem cauda não é comigo.

É no Derby Club que os personagens Comendador (o português enganado pelo bilontra), seu sobrinho Alexandre e sua filha Carolina vão se divertir não só com as corridas em si, como também com o desfile da "fina nata da sociedade" que desejava ver e ser vista:

COMENDADOR — Vamos para as arquibancadas.

CAROLINA — Ainda é cedo, papai; deixe a gente ver isto cá em baixo.

COMENDADOR — Então esperem um pouco... Vou comprar uma pule... Eu sou liberal da velha guarda, mas confesso que de vez em quando gosto de arriscar meus dez mil réis na pata de um cavalo... De resto, o esporte nada tem com as opiniões políticas do cidadão.

ALEXANDRE — Oh! Certamente!

COMENDADOR — E depois, o melhoramento da raça cavalar... resultante do cruzamento dos burros franceses e ingleses com os burros brasileiros, que não são poucos, deve merecer a atenção dos patriotas como eu, quanto mais não seja por espírito de classe. — Qual é o teu palpite, Alexandre?

O Comendador, que se dizia "liberal da velha guarda", mas que no final da peça se assumirá como conservador, buscava justificativas para o ato de apostar, como parte da elite brasileira procurava desculpas para práticas moralmente contestáveis. O argumento do "melhoramento da raça cavalar" era muito utilizado para justificar a relevância do turfe para o país (Melo, 2001). A citação desse aspecto na obra de Azevedo é mais uma ironia às hipocrisias dos setores dirigentes, às estratégias que usavam para mascarar seus reais interesses.

Na peça, o turfe é apresentado como uma moda que envolve todos os estratos da população, iludindo os pobres incautos que tinham o sonho de enriquecer. Por trás do glamour e da simulação de ser uma prática europeia, a personagem Jogatina lembra o verdadeiro intuito de grande parte do público que ia aos hipódromos:

FAUSTINO — (Confidencialmente.) — Mas, afinal, que queres tu que eu faça?

JOGATINA — Aposta na Regalia, que é a égua que eu vou montar.

FAUSTINO — Mas olha o que fazes... Restam-me apenas uns magros cobres...

JOGATINA — Não tenhas medo: com o poder misterioso de que disponho, faço a égua ganhar pela certa.

FAUSTINO — Então jogo?

JOGATINA — Tudo. E se achares apostas por fora, sem casar o cobre, pega em todas. Vem comprar as pules.

FAUSTINO — Vamos lá (Saem.)

Ao final, reinam a confusão e o prejuízo, que põem abaixo qualquer tentativa de simular uma "ordem civilizada":

FAUSTINO (Entrando, desorientado.) — Lá se foi tudo!

FAUSTINO (À Jogatina.) — Tu és a minha perdição!

JOGATINA — Que queres? O maldito tinha asas nas patas! Tiraremos a desforra! (Desaparece.)

UM APOSTADOR (Indo a Faustino, que está no fundo.) — Os cem mil réis?

FAUSTINO — Que cem mil réis?

APOSTADOR — Os cem mil réis que perdeu!

VOZES — Pague! Pague! Perdeu! Perdeu!

Nesse cenário, o dramaturgo apresenta as arquibancadas dos hipódromos como espaços em que se observa uma nova sociabilidade, local em que se tornaram comuns os encontros entre homens e mulheres, inclusive com a presença de "senhoritas de índole suspeita":

CAROLINA — Estou muito triste, primo Xandico! Seu Faustino não me sai da cabeça... Mas você conhece aquela moça? Quem é? Que posição tem?

ALEXANDRE — Tem uma posição... horizontal.

CAROLINA — Horizontal o que é?

ALEXANDRE — Costureira... cose para o arsenal...

CAROLINA — Oh! E sustenta aquele luxo todo?!

ALEXANDRE — Ora! Ela até sustenta... que é uma senhora respeitável! — Mas mudemos de conversa...

CAROLINA — Para falar de quê?

ALEXANDRE — Do meu amor!

CAROLINA — Pois até aqui?

ALEXANDRE — Aqui, como em toda a parte. Olhe, estou pronto para o casório; só me falta o seu consentimento e uns cobres para o enxoval...

CAROLINA — Esse pouco!

ALEXANDRE — Tenho um bom emprego, e os patrões já me prometeram interesse na casa. Esqueça de vez aquele patife, que é indigno de você.

CAROLINA (Meio resolvida.) — Pois sim; espere mais alguns dias... Hei de fazer a diligência para me curar, e então...

ALEXANDRE (Contente.) — Ah!...

É interessante lembrar que Azevedo, em outras oportunidades toca no tema, só que tendo as regatas como pano de fundo. Por exemplo, no conto "A filha do patrão", narra a história de um pai que ficou indignado com um jovem que pedira sua filha em casamento:

Quem é aquele pelintra?

Chama-se Borges.

De onde o conhece você?

Do Clube Guanabarense... Daquela noite em que papai me levou...

Ele em que se emprega? Que faz ele?

Faz versos.

E você não tem vergonha de gostar de um homem que faz versos?2

Azevedo percebe que as atividades esportivas tornaram-se uma expressão de uma nova permissividade social, típica dos espaços urbanos modernos, que incomodava, ainda que fascinasse, os defensores dos "bons costumes". Vejamos o que fala D. Maria, uma das personagens da opereta "Os noivos" (1880):

Pois será possível que eu não ache marido? Eu que tenho quarenta apólices da dívida pública e uma casa assobradada na vila, afora o que ainda pode vir de minha irmã das Laranjeiras? (...) Não hei de faltar aos bailes, espetáculos, consertos, touradas, corridas e regatas! Regatas, então! Não sei o que é, nunca vi, mas parece-me que hei de ser muito regateira!3

Em "O Bilontra", esse incômodo fica claro nas posturas do Comendador. Ele apreciava as corridas de cavalos, mas odiava outra prática moderna, os banhos de mar, que trazia ao seu redor uma nova modalidade esportiva: o remo, preferido pela nova burguesia urbana que estava envolvida com os movimentos de modernização da sociedade brasileira. Uma vez mais vemos os choques que caracterizavam uma sociedade em mudanças. Vejamos duas cenas:

(É alvorecer. Durante todo o quadro passam indivíduos, que vão ou voltam do banho. Algumas senhoras de cabelos soltos e toalhas nos ombros, etc..)

COMENDADOR (Entrando apressado e atravessando a cena.) — Vamos, são horas, o sol está quase sai-não-sai, e banho de mar com sol não é comigo.

COMENDADOR — Desapareceu, dizem, sei lá! Pelo sim, pelo não, o filho de meu pai não volta ao banho! E não se trata só da tintureira: patifes há que se apresentam na paria indecentemente trajados, e escandalizam as famílias! Eu sou liberal de princípios; mas façam-me subdelegado desta freguesia, e verão! — Vamos para casa.

Essa nova prática também foi ironizada por Azevedo na crônica "Banhos de mar" (Costa, 1993), na qual narra a história de um homem velho e rico que se casa com uma mulher mais nova, obrigada a abandonar um namorado que muito amava por pressão e interesse familiar. A jovem, no entanto, não conseguia engravidar, o que deixava o marido idoso decepcionado. Procurando um médico, esse afirma não ver muitas opções, sugerindo os banhos de mar:

O médico aduziu, para animá-lo:

- Todavia, Verrier, se não me engano,

Diz que os banhos salgados

Dão belos resultados...

Experimente o oceano!

Pode-se identificar como o mar era visto como uma alternativa médica, muitas vezes um remédio para todos os males, algo que semeou as condições para que o remo fosse considerado um benefício.

Seguindo a recomendação, o casal alugou uma casa de praia e por lá ficou por três meses, até que a senhora engravidou de gêmeos:

- Viva o banho de mar! Ditoso banho!

Dizia, ardendo em júbilo, o marido.

- Eu pedia-lhe um filho, e dois apanho!

Doutor, meu bom doutor, agradecido!

Azevedo não estava fazendo, na verdade, uma apologia aos banhos de mar, mas sim criticando a crença exacerbada em seus benefícios. Mais à frente, afirma que o antigo namorado alugara uma casa perto do casal durante a estada na praia, insinuando ter ocorrido uma traição. Inclusive lembra que depois que o velho morreu, casou-se com a viúva e demonstrava amor jamais visto pelos enteados.

A ideia de que as práticas ditas modernas, na verdade, mascaravam velhos hábitos, tão bem trabalhadas em "O Bilontra", é retomada alguns anos depois em "O Tribofe".

O Tribofe (1892)

Tribofe era a gíria utilizada para designar as fraudes nos resultados esportivos, especialmente observadas nas corridas de cavalos. Azevedo resume bem o significado do termo:4

Sabichão que se estafe e se esbofe,

Desejoso de tudo saber,

O novíssimo termo tribofe

- Em nenhum dicionário há de ver.

Com gíria de sport aplicá-lo

Tenho visto, e somente indicar

A corrida em que perde o cavalo

Que por força devia ganhar;

Mas a tudo se aplica a palavra,

Pois em tudo o tribofe se vê;

Qual moléstia epidêmica lavra,

E não há quem remédio lhe dê.

Na política há muito tribofe,

Muito herói que não sente o que diz,

E o que quer é fazer regabofe,

Muito embora padeça o país.

Quem república ao povo promete

E, mostrando-se pouco sagaz,

No poder velhos áulicos mete,

Faz tribofe, outra coisa não faz.

(...)

No comércio, nas letras, nas artes,

Há tribofe, tribofe haverá,

Que o tribofe por todas as partes

E por todas as classes irá!

Mas nenhum sabichão que se esbofe,

Desejoso de tudo saber,

O novíssimo termo - tribofe

- Em nenhum dicionário há de ver.

Como de costume, Arthur Azevedo fazia uma crítica ao cenário nacional: trapaças na política, na economia, nas instituições em geral. Aliás, retirado da linguagem do turfe, na ocasião o termo "encilhamento" foi utilizado para designar uma proposta econômica em vigor no final do século XIX, quando o governo concedeu aos bancos o direito de emitir moeda sem lastro, o que gerou uma grande febre especulativa:

A palavra, que obteve imediata consagração, foi tomada do jargão dos hipódromos e significava a colocação da sela antes do tiro de largada. E, para os empresários, financistas, especuladores da praça, assim como burocratas e intermediários que tinham acesso a informações privilegiadas, foi mesmo um bom páreo. No entanto, para membros da elite tradicional, a ressaca foi terrível. Sofreram prejuízos pesados, e o surgimento de novos-ricos provocou ressentimentos. O Encilhamento passou à memória da elite, e daí para o público em geral, como uma época de desenvolvimento quimérico e especulação frenética em empresas de integridade duvidosa (Needell, 1993, p. 31).

O encilhamento marca presença na peça de Azevedo, nos diálogos entre os personagens "Tribofe" e "Frivolina", e principalmente na definição de "Pinheiro":

PINHEIRO — Vocês do Encilhamento têm a esmola fácil, bem sei... mas... que diabo! guarda o teu dinheiro, e não o dês a quem to não pede. Fico apenas com os cinco mil réis que te emprestei com muita boa vontade e sem juros. Quando precisares deles, vem buscá-los. Cá ficam.

A história do personagem Tribofe é curiosa. De um estrangeiro cientista, graças à perspicácia de Frivolina, ele vira sinônimo de trapaça. Na representação de Azevedo, há costumes nacionais tão arraigados que dificilmente se consegue fugir de tais determinantes:

TRIBOFE — Estava examinando umas pedras encontradas aqui no Morro de Santo Antônio... Parece-me que descobri uma mina de ouro...

FRIVOLINA — Não é o primeiro que diz que há neste morro uma mina... Mas vejo que não me enganei; o senhor é um naturalista...

TRIBOFE — Naturalista viajante... Não é por me gabar, mas olhe que sou um sábio como não os há muitos na Rússia.

FRIVOLINA — Ah! É russo? Nesse caso deve ter um nome acabado em off?

TRIBOFE — Efetivamente. Chamo-me Triboff.

FRIVOLINA — Triboff? Com dous ff?

TRIBOFE — Sim, senhora.

FRIVOLINA — Pois vai perder um.

TRIBOFE — Um quê?

FRIVOLINA — Um f. Vai perder um f e ganhar um e. O seu nome será Tribofe. T r; i, tri, b, o, bo, f, e, fe.

TRIBOFE — Ora essa! E por quê?

FRIVOLINA — Porque assim o quero. Deixarás de ser um sábio naturalista, e tomarás sucessivamente todas as fisionomias e personalidades do tribofe.

Assim, Tribofe e Frivolina logo aparecem vestidos de jogadores de pelota, um esporte semelhante à pelota basca que se tornou muito popular no Rio de Janeiro do século XIX, alguns anos depois proibido por estar muito relacionado a apostas e tumultos (Melo, 2009a). Como fizera com o turfe, a modalidade é por Azevedo mobilizada para expor o quanto as falcatruas se espraiam por todos os estratos sociais. O diálogo dos personagens, no Frontão Fluminense, um dos mais importantes espaços para a prática, é esclarecedor:

TRIBOFE — Tantos, quinielas e pelotares! Temos um vocabulário novo!

FRIVOLINA — Entre os joguinhos mais populares, nenhum agrada tanto ao Zé Povo!

AMBOS — No entanto, é bom muita cautela ter no jogar, pois no Fronton ganha a quiniela que quer ganhar!

TRIBOFE — É verdade! Um joguinho esplêndido para o tribofe! Com uma pelota chamba um delantero pode arranjar uma boa maquia! Não há receio de que o zagueiro faça uma boléia! Que jogão! Mas desconfio que a Polícia qualquer dia mete o bedelho na cancha, e acaba com tudo aquilo!

FRIVOLINA — Pois que acabe! Não nos há de faltar com que empregar a nova atividade!

Como em "O Bilontra", o frenesi dos hipódromos, uma vez mais o Derby Club está representado. Nas arquibancadas, uma jovem de uma família do interior, uma das personagens centrais da trama, aprecia as corridas de cavalo, sem deixar de observar os "riscos" da grande cidade:

QUINOTA — Como tudo isto é bonito! Que vida tão diversa da vida da roça! Entretanto, não quero viver aqui depois de casada.

GOUVEIA — Por quê?

QUINOTA — A vida fluminense é cheia de sobressaltos para as verdadeiras mães de família. Olhe papai, um homem de quarenta e tantos anos, e que teve até agora tanto juízo... Respirou o ar desta terra e perdeu a cabeça...

GOUVEIA — Apanhou o micróbio da pândega!

QUINOTA — Aqui há muita liberdade e pouco escrúpulo... Faz-se ostentação do vício e das grandezas... como se faz ostentação da caridade. Uma senhora ouve dictérios e impertinências em toda a parte aonde vai. Não se respeita ninguém. Seu Gouveia, esta sociedade está muito mal constituída!

GOUVEIA — Não a supunha tão observadora nem tão instruída.

QUINOTA — Eu sou roceira, mas não tão tola que não veja o mal onde ele se acha. O senhor, por exemplo... o senhor, se pensa que me engana, engana-se. Simpatizo muito com a sua pessoa, e tenho cá dentro um sentimento casto e desinteressado que julgo ser amor. Mas... conheço muito bem os seus defeitos, Seu Gouveia...

Azevedo uma vez mais não deixa de ironizar o fato de que as elites que compareciam aos hipódromos simulavam sentir-se europeizadas, recuperando até mesmo uma parte da fala da personagem Jogatina, de "O Bilontra":

Mim estar um jockey superfine Que aqui vem faz muita furor; Mim ganha cem libre esterline, Pois fica sempre vencedor! Lá no Ingliterre estar famose, E muito money mim ganhar, No haver jockey mais ditose, Mim dá bastante que falar! Ouve dizer que brasileira Tribofes mil gosta de faz... Mim não se presta a bandalheira Porque estar muito bom rapaz!

Ainda estava por vir a peça de Azevedo em que o esporte mais enfaticamente estaria presente: "Capital Federal".

Capital Federal (1897)

Recuperando personagens de outras obras, algo que não era incomum na sua trajetória, nessa peça Azevedo tematiza mais diretamente os choques que marcavam a capital naquele fin de siècle, acentuados pelos conflitos desencadeados pela Proclamação da República: o rural e o urbano, a aristocracia e a burguesia, os populares e as elites. O Rio de Janeiro é apresentado tanto como cenário principal das tensões e conflitos quanto como palco onde proliferam valores duvidosos que contaminam até mesmo os mais puros com o "micróbio da pândega".

A trama se passa majoritariamente em um hotel, que se apresenta como a mais pura expressão da modernidade. As atividades físicas são apresentadas como um dos privilégios oferecidos aos hóspedes:5

O GERENTE (Só) — Não há mãos a medir! Pudera! Se nunca houve no Rio de Janeiro um Hotel assim! Serviço elétrico de primeira ordem! Cozinha esplêndida, música de câmara durante as refeições da mesa-redonda! Um relógio pneumático em cada aposento! Banhos frios e quentes, duchas, sala de natação, ginástica e massagem!

Uma das peculiaridades da peça é a presença do ciclismo, uma novidade que chegava da Europa e rapidamente caía no gosto de certo estrato das elites, aquele ligado mais diretamente a uma cultura urbana em formação (Schetino, 2008; Melo, 2009b).

Azevedo não tece loas à nova prática, antes a ironiza: se parece ainda mais moderna do que o turfe, inclusive pelo uso do "maravilhoso" artefato tecnológico, a bicicleta, no fundo, ao seu redor, podem ser observados os mesmos "tribofes" de sempre. Seria uma metáfora da República? Não necessariamente, mas muito provavelmente.

A bicicleta era uma novidade que simultaneamente entusiasmava e assustava a população, que sequer conhecia bem os seus "mistérios":

BENVINDA — Sinhá? nhãnhã? nhô Juquinha? tudo tá bom?

EUSÉBIO — Tudo! Tudo tá bom!

BENVINDA — Nhô Juquinha eu vejo ele às vez passá na Rua do Lavradio... com outros menino...

EUSÉBIO — Tá aprendendo a andá no... n... nesse carro de duas roda, uma atrás outra adiante, que a gente trepa em cima e tem um nome esquisito...

Na peça manifesta-se a dúvida: o ciclismo era um novo hábito saudável, uma brincadeira infantil ou uma perda de tempo?

FORTUNATA — E Juquinha? Por onde anda aquele menino?

EUSÉBIO — Deixe, que o pequeno não se perde... Está lá no tal Belódromo, aprendendo a andá naquela coisa... Cumo chama?

QUINOTA — Bicicleta.

EUSÉBIO — É. — Diz que é bom pra desenvorvê os músquios!

FORTUNATA — Desenvorvê a vadiação, é que é!

QUINOTA — Ele é tão criança!

EUSÉBIO — Deixa o menino se adiverti. — Vão pra casa.

Havia um novo espaço de lazer na cidade: as pistas de ciclismo, que rapidamente passaram a competir com os hipódromos pela presença da população ávida por diversão, por se exibir, por, quem sabe, ganhar algum dinheiro. Em "A Capital Federal", um ato inteiro se passa no Velódromo Nacional. Assim diz o irônico coro de abertura:

Não há nada como

Vir ao Belódromo!

São estas corridas

Muito divertidas!

Desgraçadamente

Muito raramente

povo, coitado!

Não é cá roubado!

Vejamos que Azevedo retoma uma antiga representação: o que no fundo interessa mesmo aos frequentadores é o jogo, a possibilidade de apostar e ganhar algum dinheiro. Mais ainda, o dramaturgo narra as falcatruas existentes nas "fabricações" dos resultados. Enquanto o povo ingênuo acreditava na lisura das competições, alguns poucos privilegiados já sabiam exatamente em quem apostar:

LOURENÇO — O que está combinado?

S’IL-VOUS-PLAÎT — Ganha o Menelik.

LOURENÇO — O Félix Faure não corre?

S’IL-VOUS-PLAÎT — Corre.

LOURENÇO — Se tiver boa máquina, pode ganhar sem querer.

S’IL-VOUS-PLAÎT — Está combinado que ele cairá na quinta volta.

LOURENÇO — Quantas voltas são?

S’IL-VOUS-PLAÎT — Oito.

LOURENÇO - Quem mais corre?

S’IL-VOUS-PLAÎT — O Garibaldi, o Carnot e o Colibri.

LOURENÇO — Que Colibri é esse?

S’IL-VOUS-PLAÎT — É um pequenote... um bacamarte... não vale nada... nem eu o meti na combinação!

O velódromo também é o lugar de marcar as diferenças, de identificar quem domina os códigos da cidade que rapidamente crescia, de desfilar o prestígio e o status que define quem é quem no cenário social. Vejamos o diálogo entre os personagens Lola e Figueiredo (ambos da cidade) e Eusébio (que veio do interior):

LOLA — Há de passar. São efeitos do Chambertin! — Eusébio, onde... então?... vá comprar umas pules para tomar interesse pela corrida.

EUSÉBIO — Eu não entendo disso!

FIGUEIREDO — Escolha um nome daqueles. Olhe, ali, na pedra... Ligúria, Carnot, Menelik, Colibri e Félix Faure.

EUSÉBIO — Colibri! Eu quero Colibri!

FIGUEIREDO — Ouvi dizer que não vale nada... É o que aqui chamam um bacamarte... Não lhe sorri nenhum dos presidentes da República Francesa?

EUSÉBIO — Não sinhô, não quero outro! Colibri é o nome de um jumento que tenho lá na fazenda.

DOLORES, MERCEDES E BLANCHETTE (Ao mesmo tempo.) — Não faça isso! Se é bacamarte, não presta! É dinheiro deitado fora!

LOLA — Deixem-no lá! É um palpite! Vá comprar cinco pules naquele guichê.

EUSÉBIO — Naquele quê?

FIGUEIREDO — Naquele buraco.

EUSÉBIO — Canto custa?

FIGUEIREDO — Cinco pules são dez mil-réis.

EUSÉBIO — Mas como se faz?

FIGUEIREDO — Estenda o braço, meta o dinheiro dentro do buraco, abra a mão, e diga: "Colibri".

EUSÉBIO — Sim, sinhô. (Afasta-se.)

Benvinda, a criada que vem do interior e é seduzida por Lourenço, também acredita que a competição é séria e, não seguindo os conselhos de seu acompanhante, também aposta no Colibri:

LOURENÇO (Correndo.) — Correndo ainda apanho; mas olhe que o Menelik... (Desaparece.)

BENVINDA — Não sinhô, não sinhô! Não quero Menelik! Compre no que eu disse. (Só, no proscênio.) Não gosto deste home: tem cara de padre... é muito enjoado... Nem deste, nem de nenhum... Não gosto de ninguém... O que eu tenho a fazê de mió é vortá para casa e pedi perdão a sinhá véia. (Ouve-se o sinal do fechamento do jogo.)

PESSOAS DO POVO — Fechou! Fechou! Ora, e eu que não comprei (Dirigem-se todos para o fundo: vão assistir à corrida.)

LOURENÇO (Voltando.) — Sempre cheguei a tempo de comprar a pule! (Dando a pule a Benvinda.) Mas que lembrança a sua de jogar no Colibri!

BENVINDA — É porque é o nome de um burrinho que há numa fazenda onde eu fui passá uns tempo.

LOURENÇO — Ah! É cabula? (Ouve-se um toque de campanhia elétrica.) Se ele vencesse, você levava a casa das pules! (Ouve-se um tiro de revólver e um pouco de música.) Começou a corrida! Vamos ver! (Afastam-se para o fundo.)

Na sequência da cena, Azevedo exercita uma vez mais seu olhar surpreendente. Se na nova ordem social tudo parece combinado nos gabinetes, nem sempre as coisas ocorrem como esperado, há espaço para o inesperado, para aquilo que não estava previsto nos planos de quem dispõe de informações privilegiadas:

Oh! Quem diria

Que ganharia

O Colibri!

Ganhou à toa!

Pule tão boa

Eu nunca vi

Aqui!

Lourenço é a expressão da surpresa, afinal foi a escolha de Benvinda que preponderou:

LOURENÇO — Que desgraça!... O Félix Daure caiu de propósito, mas por cima do Félix Faure caiu o Menelik, por cima do Menelik o Ligúria, por cima do Ligúria, o Carnot, e o Colibri, que vinha na bagagem, não caiu por cima de ninguém e ganhou o páreo! Que palpite de mulata! Onde estará ela? Vou procurá-la. (Desaparece.).

Para Eusébio, o homem do interior que mesmo advertido apostou no azarão, a situação também é surpreendente, não só porque ganhara o Colibri, mas porque, ao fim, descobre a verdadeira identidade do ciclista:

FIGUEIREDO — Bravo! Foi um tiro, seu Eusébio, foi um tiro!... O Colibri vendeu apenas seis pules e o senhor tem cinco!

S’IL-VOUS-PLAÎT (Metendo-se na conversa, e abrigando-se no guarda-chuva de Eusébio.) — Dá mais de cem mil-réis cada pule!...

EUSÉBIO — Mais de cem mil-réis? Então? Eu não disse? Com aquele nome, o menino não podia perdê! O Colibri é um jumento de muita sorte! (A S’il-vous-plaît.) O sinhô conhece ele?

S’IL-VOUS-PLAÎT — Quem? O Colibri? Sim senhor!

EUSÉBIO — Vá chamá ele. Quero le dá uma lambuge!

S’IL-VOUS-PLAÎT — Nem de propósito! Ele aí vem. (Chamando Juquinha que aparece.) Ó Colibri! Está aqui um senhor que jogou cinco pules em você e quer dar-lhe uma gratificação.

JUQUINHA (Aproximando-se muito lampeiro.) — Aqui estou, quê dê o home?

EUSÉBIO — Era o Juquinha!

JUQUINHA — Papai (Deixa a correr e foge.)

EUSÉBIO — Ah! Tratante! O Colibri era ele! Alembrou-se do jumento!... E foge do pai! Ora espera lá! (Corre atrás do Juquinha e desaparece. A chuva cresce. O povo corre todo e abandona a cena.)

É mesmo arriscada a cidade para quem não a conhece. O esporte representa bem essa faceta da modernidade: fascinante sim, desde que se possa decifrá-la, algo que nem sempre está ao alcance de todos. Azevedo atualiza um diálogo de "O Bilontra" para expressar uma vez mais a ambiguidade dessa nova ordem social em construção:

FORTUNATA (Entrando apressada à frente de Gouveia e Quinota.) — Não! Não quero vê meu fio corrê na tá história!... E logo que acabá a corrida, levo ele pra casa, e aqui não vorta!... Que coisa!... Benvinda desaparece... Seu Eusébio desaparece... Juquinha não sai do Belódromo... Tou vendo quando Quinota me deixa!

QUINOTA — Oh! Mamãe! Não tenha esse receio!

FORTUNATA — Que terra! Eu bem não queria vi no Rio de Janeiro!

QUINOTA — Que vida tão diversa da vida da roça! (A Gouveia.) Não ficaremos aqui depois de casados.

GOUVEIA — Por quê?

QUINOTA — A vida fluminense é cheia de sobressaltos para as verdadeiras mães de família!

FORTUNATA — Olhe seu Eusébio, um home de cinquenta ano, que teve até agora tanto juízo! Arrespirou o á da Capitá Federá, e perdeu a cabeça!

GOUVEIA — Apanhou o micróbio da pândega!

QUINOTA — Aqui há muita liberdade e pouco escrúpulo... faz-se ostentação do vício... não se respeita ninguém... É uma sociedade mal constituída.

GOUVEIA — Não a supunha tão observadora.

QUINOTA — Eu sou roceira, mas não tola que não veja o mal onde se acha.

Conclusão

Sintonizado com as questões de seu momento histórico e crítico das hipocrisias que marcavam um país que declarava querer assumir a ideia de progresso, mas ainda mantinha muito de seu passado, Arthur Azevedo expunha as vísceras de uma sociedade em mudança, expondo as ambiguidades dos novos tempos.

A representação do esporte em algumas de suas obras teatrais expressa tanto a força da presença social dessa prática moderna quanto a sua capacidade de incorporar e dramatizar as contradições do processo em marcha. Fascinante e perigosa, excitante e decepcionante, expressão dos acordos de poucos, mas sempre aberta a imprevistos, exemplo claro dos choques entre o novo e o velho: trata-se a prática esportiva de uma boa metáfora para a democracia em construção.

Trata-se de um olhar marcado pela ambiguidade. Ao mesmo tempo em que expressava os desejos de modernidade em voga, escondia uma série de falcatruas mais afeitas a um antigo regime (pelo menos assim o eram representadas pelos que propugnavam uma nova ordem social). Se era um palco das novas sociabilidades urbanas, ao seu redor também se constituíam choques com os antigos costumes. Enfim, se era uma manifestação dos novos tempos, também expunha posições mais conservadoras. Trata-se de um retrato do país a partir do olhar crítico, cáustico e contundente de Arthur Azevedo.

O dramaturgo, assim, acaba por colocar o esporte no patamar das mais vibrantes manifestações dessa nova sociedade que está para emergir no século vindouro. E não como modelo de honestidade e saúde, não exatamente como exemplo de virtude, como tanto vão propugnar os dirigentes do campo esportivo.

Referências

  • Aguiar F. Antologia do teatro brasileiro - a aventura do teatro musicado. São Paulo: Senac; 1997.
  • Costa FM. Arthur Azevedo - Plebiscito e outros contos de humor. Rio de Janeiro: Revan; 1993.
  • Marzano A, Melo VA. Vida divertida: histórias do lazer no Rio de Janeiro (1830-1930). Rio de Janeiro: Apicuri; 2010.
  • Melo VA. Cidade Sportiva. Rio de Janeiro: Relume Dumará/Faperj;2001.
  • Melo VA. Das touradas às corridas de cavalo e regatas: primeiros momentos da configuração do campo esportivo no Brasil. In: Priore M, Melo VA, editors. História do esporte: do Império aos dias atuais. São Paulo: Unesp; 2009a. p. 35-69.
  • Melo VA. Corpos, bicicletas e automóveis: outros esportes na transição dos séculos XIX e XX. In: Priore M, Melo VA, editors. História do esporte: do Império aos dias atuais. São Paulo: Unesp; 2009b. p. 70-106.
  • Mencarelli F. Cena aberta. Campinas: Unicamp; 1999.
  • Needell JD. Belle Époque tropical. São Paulo: Companhia das Letras; 1993.
  • Prado DA. Seres, coisas, lugares. In: Do teatro ao futebol. São Paulo:Companhia das Letras; 1997.
  • Prado DA. A História concisa do teatro brasileiro. São Paulo: Edusp; 1999.
  • Schetino A. Pedalando na modernidade. Rio de Janeiro: Apicuri; 2008.
  • Sussekind F. As revistas de ano e a invenção do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Casa de Rui Barbosa; 1986.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    18 Jul 2011
  • Aceito
    14 Maio 2012
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