Resumos
O objetivo do estudo foi verificar a relação entre a prática desportiva e o sucesso escolar de jovens que frequentavam o ensino secundário. Foram inquiridos por meio de um questionário anônimo 490 moças (59%) e 341 rapazes (41%) da Madeira, Portugal, isto é, 9,5% do universo. Os resultados revelam que as moças têm maior sucesso escolar do que os rapazes e as que praticam desporto têm taxas de retenção significativamente inferiores às dos rapazes, particularmente no setor federado. O sucesso escolar dos jovens que praticam desporto na escola não é diferente daqueles que praticam no setor federado. As modalidades mais praticadas pelos alunos foram o futebol, o basquetebol e o voleibol, porém não se verificou que a modalidade estivesse associada ao sucesso escolar.
Prática desportiva; Sucesso escolar; Gênero; Ensino secundário
The objective of the study was to identify the relationship between sport and academic success of young attending secondary school. A sample of 831 (9.5%) students were surveyed through a questionnaire, 490 girls (59%) and 341 boys (41%) of Madeira, Portugal. In general, the results show that girls have a higher academic achievement than boys. Female athletes have school failure rates significantly lower than boys, particularly at the federated sector. The academic success of young that play sports in school sector is no different from students who play sports in federated sector. The sports most practiced by young students were football, basketball and volleyball. However, the sport was not a variable that was associated with the change in rates of academic success of students.
Sport practice; Academic success; Gender; High school
El objetivo del estudio fue investigar la relación entre el deporte y el éxito académico de los jóvenes que asisten a la escuela secundaria. Fueron encuestados a través deun cuestionario 490 niñas (59%) y 341 niños (41%) de Madeira, Portugal, 9,5% del universo. Losresultados revelaron que las niñas tienen mejor rendimiento académico que los y las que prac-tican deportes tienen tasas de fracaso escolar significativamente más bajos que de los niños,particularmente en el sector federado. El éxito académico de los jóvenes que practican deportes en la escuela no es diferente de los que practican en el sector federado. Las modalidadespracticados por los estudiantes eran de fútbol, baloncesto y voleibol, pero no verificaron quela modalidad se asocia con el éxito académico.
Práctica deportiva; Éxito escolar; Género; Enseñanza secundaria
Introdução
Alguns estudos têm comprovado o efeito positivo da prática desportiva no sucesso escolar e destacado a contribuição dessa para a diminuição de comportamentos desviantes e para a aquisição de valores socialmente aceitos (Barber et al., 2001; Crosnoe, 2001; Guest e Schneider, 2003). As teorias mais robustas que enquadram os efeitos do desporto como um elemento socializador e cultural revelam que esse favorece o desenvolvimento do autoconceito, da autoestima e da aquisição de competências de socialização e autogestão e contribui com resultados profícuos para o próprio aluno, para a escola e para a comunidade (Bailey et al., 2009). Na mesma linha, Hartmann (2008) refere que muitas razões têm sido frequentemente apresentadas para justificar a forte relação que existe entre a prática desportiva e o sucesso escolar. Todavia, as considerações que prevalecem apontam o desporto como um meio de sociabilização e cultura e uma atividade que ajuda os alunos a acreditarem em si próprios, a desenvolverem o caráter e a serem disciplinados.
De um modo geral, são vários os estudos que apresentam argumentos nos quais a participação desportiva e as aspirações educacionais podem ser positivamente relacionadas. Os primeiros estudos clássicos da relação entre a atividade desportiva e o desempenho escolar foram feitos na França por volta de 1950. Nesses, os pesquisadores reduziram o tempo de currículo acadêmico em 26% e o substituíram por atividades desportivas. Os resultados acadêmicos dos alunos não pioraram e havia menos problemas de disciplina, uma maior atenção e menos absenteísmo (Bailey, 2005). Outros trabalhos similares foram feitos por Hanks e Eckland (apud Bailey, 2006). Chegou-se à conclusão de que o desporto podia ser usado para desenvolver e reforçar as metas do sucesso educativo, para desenvolver as relações e as redes sociais, para facilitar a aquisição de conhecimentos e habilidades e para promover a autoconfiança. Uma revisão das pesquisas nessa área demonstrou que a participação desportiva geralmente estabelece uma relação positiva com o desempenho acadêmico e as aspirações educacionais (Bailey et al., 2009; Coakley, 1993).
No entanto, segundo Mesquita (2009), os efeitos da prática desportiva nos jovens está dependente do modelo de ensino que confere elevado protagonismo ao aluno no processo ensino-aprendizagem. A aquisição de competências sociais e escolares depende do envolvimento ativo do aluno na persecução dos objetivos de aprendizagem e da relação positiva que se estabelece entre as tarefas desportivas e as escolares. Já o modelo de educação desportiva proposto por Siedentop (1994) veio trazer uma nova perspectiva de abordagem do desporto na escola, pois veio dar ênfase à organização da competição desportiva enquanto valor de educação do jovem e de melhoria das suas competências, bem como um papel mais ativo do aluno nas responsabilidades de organização e orientação das atividades desportivas. O modelo foi concebido para proporcionar experiências ricas no âmbito educacional e para ajudar os estudantes a tornarem-se participantes qualificados e indivíduos com valores humanos (Schendel, 2006). Siedentop (1998) advogava que no modelo proposto os alunos participavam em épocas que muitas vezes são duas a três vezes mais longas do que a típica unidade de educação física e abordavam uma modalidade desportiva de forma intensa e estruturada. Os alunos tornam-se membros das equipes e isso permite que os estudantes que se filiam ao plano possam praticar e competir juntos, bem como beneficiar de todas as oportunidades de desenvolvimento social que acompanham a participação do grupo. Por meio do desporto educativo os estudantes têm diversas oportunidades de socialização durante a aula, com particular ênfase sobre o desenvolvimento de trabalho em equipe e cooperação (Carlson e Hastie, 1997). Ainda sobre a afiliação e a prática desportiva, Hastie (1998) revelou que manter uma equipe em conjunto durante pelo menos uma temporada pode contribuir para acomodar os alunos mais problemáticos.
A participação desportiva dos rapazes e das moças no desporto em ambiente educativo tem gerado também interesse na investigação, no sentido de aferir a influência do gênero nas motivações e nos benefícios educativos e sociais da prática desportiva. Os estudos feitos parecem indicar, no geral, que as moças apresentam melhores resultados, apresentam-se mais tranquilas e disciplinadas nas suas tarefas e valorizam a interação social e a construção de amizades por meio do desporto (Azzarito e Solmon, 2009; Daley e O’Gara, 1998). Por outro lado, os rapazes evidenciam menores taxas de aprovação, preferem a competição desportiva como um fim em si mesmo e tendem a valorizar os desportos de confrontação direta e o status (Gonçalves et al., 2007; Scraton, 1990). Também Pageorgiou et al. (2008) comprovou um efeito moderador e positivo da presença das moças e representou uma vantagem para o processo de socialização e disciplina escolar dos rapazes.
Nessa linha teórica, resolvemos explorar a relação entre a prática desportiva e o sucesso escolar de moças e rapazes do ensino secundário. Entenda-se o conceito de sucesso escolar como o indicador de aproveitamento dos alunos no fim do ano de escolaridade, expresso pela aprovação ou não aprovação no respectivo ano (Arroteia, 2008). A opção do grupo de participantes do ensino secundário deve-se ao fato de nessa fase da adolescência os efeitos do gênero no desenvolvimento socioafetivo, no domínio da personalidade e das relações sociais serem muito mais patentes e relevantes. Por outro lado, considera-se a prática desportiva como um conceito amplo, no qual tanto se pode incluir um aluno que desenvolve uma atividade regular e estruturada em contexto escolar (ex: desporto escolar) como um aluno que treina uma modalidade (individual ou coletiva) no âmbito do setor federado, independentemente do nível competitivo, que poderá ir desde o nível regional ao internacional (alta competição). Assim, o desporto escolar consubstancia-se numa prática desportiva extracurricular mais eclética e universal, pois rejeita a seletividade e todos os alunos poderão participar livremente de acordo com as suas motivações e independentemente das suas aptidões. Nesse setor, as atividades/modalidades assentam num modelo baseado em treinos (duas vezes por semana) e competições circunstanciais entre escolas. O principal objetivo é cultivar, nos alunos, o gosto pela prática desportiva e incutir valores éticos que facilitem a integração social do aluno.
Já o desporto federado, apesar de preconizar igualmente a formação integral do praticante, evidencia uma maior preocupação com os resultados desportivos (o querer superar os outros e alcançar a vitória), com um aumento dos treinos semanais (três a cinco vezes por semana) e uma competição regular (semanal ou quinzenal), e por isso torna-se mais seletivo. O envolvimento do praticante nesse setor torna-se mais intenso do que no desporto escolar, porquanto tanto os treinos como as competições são mais exigentes, sistemáticas e de maior intensidade. A depender do nível competitivo do atleta (regional, nacional ou internacional), os treinos e as competições poderão ser mais ou menos exigentes, quer do ponto de vista físico e emocional quer do dispêndio de tempo.
Após essa breve definição dos principais conceitos do estudo, apresentam-se os seguintes objetivos específicos:
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Verificar se existe uma associação entre a taxa de reprovação no ensino secundário e a variável gênero;
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Averiguar se a taxa de reprovação de rapazes e moças estabelece alguma relação com o fato de estarem ligados a uma prática desportiva;
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Verificar se o setor de prática desportiva (escolar ou federado) estabelece alguma associação com o sucesso escolar de rapazes e moças;
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Verificar se existe uma relação entre o sucesso escolar e as diferentes modalidades praticadas pelos alunos do ensino secundário.
Materiais e métodos
Participantes
A amostra do estudo foi selecionada a partir da população de alunos que frequentavam o ensino secundário de todas as escolas públicas e privadas da Região Autônoma da Madeira (RAM), Portugal, no ano letivo 2008-2009 (8.724 alunos). Com o uso de um processo de amostragem estratificada por região, escola e ano de escolaridade, foi definida, inicialmente, uma amostra representativa de 944 alunos (10,8%), para uma probabilidade de erro de 5%. Refira-se que após a entrega e o recolhimento dos questionários se contou com a participação de 831 alunos, mais concretamente 341 rapazes (41%) e 490 moças (59%) entre 15 e 19 anos. Os alunos encontravam-se distribuídos pelos três anos do ensino secundário da seguinte forma: 10° ano (39,8%); 11° ano (30,9%); 12° ano (29,3%).
Procedimentos
Para o recolhimento de dados foi usado um questionário anônimo e individual, caracterizado essencialmente por questões fechadas e submetido a um processo de validação de conteúdo (Quivy e Campenhdout, 2003) que contou com a colaboração de um painel de quatro experts com investigação e publicações na área das ciências da educação e desporto. Posteriormente, foi testado com 28 participantes típicos da amostra em estudo. Para a aplicação e recolhimento dos questionários, foi mobilizada uma equipe de intervenção constituída por quatro mestrandos do Curso de Atividade Física e Desporto da Universidade da Madeira, apoiada pela Secretaria Regional da Educação e Cultura, que, para além de todo o apoio logístico, sensibilizou as escolas para a participação no estudo.
Os dados foram tratados por meio do software SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versão 17.0 para o Windows e o programa Microsoft Office Excel versão 11.0.
A estatística descritiva é apresentada em tabelas com valores absolutos e relativos. No que se refere à estatística inferencial, dada a natureza das variáveis em estudo (nominais e dicotômicas), usou-se o teste de independência do qui-quadrado com uma probabilidade de erro de 0,05 para comparação de grupos.
Resultados
Aprovação e reprovação das moças e rapazes no ensino secundário
Dos 831 alunos do ensino secundário participantes do estudo, 506 (61,6%) nunca repetiram qualquer ano. Pelo contrário, 315 já foram reprovados pelo menos em um ano e representam 38,4%. Entre os alunos com sucesso escolar (nunca foram reprovados), observamos que 23,3% são do gênero masculino e 38,4% do feminino. Como nos participantes do estudo há maior percentagem de moças, procurou-se verificar se existe homogeneidade de distribuição nos dois grupos. O nível de significância associado ao teste foi inferior a 0,05, logo existe uma associação entre o gênero e a taxa de aprovação. Verificou-se que as moças têm uma taxa de aprovação significativamente superior à dos rapazes (p=0,007), com 95% de confiança (tabela 1).
Sucesso escolar dos alunos praticantes e não praticantes de desporto segundo o gênero
No geral, e para os alunos não praticantes de desporto, os resultados indicam que a probabilidade para a aprovação escolar no gênero feminino é de 58,1% e de 54,8% no masculino. O insucesso é tendencialmente maior para o gênero masculino (45,2%) comparativamente com o feminino (41,9%). Desse modo, podemos verificar que o sucesso escolar é ligeiramente superior para o gênero feminino comparativamente com o masculino.
Para os alunos participantes do estudo que praticam desporto, verificamos que 60,6% do gênero feminino nunca foram reprovados, ao passo que no gênero masculino os valores são de 39%. Situação semelhante também foi verificada para o grupo de alunos que foi reprovado pelo menos uma vez, ou seja, os valores são significativamente superiores para os rapazes (55,8%) e mais baixos para as moças (44,2%). Perante esses dados podemos verificar que na realidade são as alunas que demonstram maior sucesso escolar comparativamente com os alunos.
Entre os rapazes que praticam algum desporto, 39% nunca foram reprovados. Esse valor é significativamente inferior ao observado no grupo de alunos que já foram reprovados no mínimo em um ano escolar (55,8%), pois o nível de significância do teste de qui-quadrado é inferior a 0,05. Desse modo, para o gênero masculino e praticantes desportivos a probabilidade de ser reprovado no mínimo em um ano escolar é superior à probabilidade de não ser reprovado.
De um modo geral, para os alunos praticantes de desporto, os resultados indicam que a probabilidade para o sucesso escolar no gênero feminino é de 66,4% e de 50,2% no masculino. O insucesso é maior para o gênero masculino (49,8%) comparativamente com o feminino (33,6%).
Se compararmos o sucesso escolar entre praticantes e não praticantes de desporto por gênero podemos verificar que o sucesso escolar no grupo dos rapazes que não praticam desporto é superior (58,1%) relativamente ao grupo dos praticantes de desporto (50,2%). Para o gênero feminino a situação é inversa, ou seja, as moças que praticam desporto apresentam maior sucesso escolar (66,4%) comparativamente com o grupo de moças que não praticam desporto (58,1%). Desse modo, os resultados alcançados neste estudo evidenciam que os efeitos positivos da prática da atividade desportiva sobre o sucesso escolar se destacam para o gênero feminino (tabela 2).
Relação entre o sucesso escolar de rapazes e moças e o setor de prática desportiva
Os alunos que participaram no estudo desenvolviam a sua prática desportiva em três níveis: desporto escolar, desporto federado e misto (escolar e federado simultaneamente). Nesse sentido, procurou-se verificar se o setor de prática estabelecia alguma relação com o sucesso escolar dos rapazes e moças. Os resultados mostram (tabela 3) que não existe associação entre o setor desportivo e o aproveitamento escolar. Todavia, numa análise individualizada, por setor, e comparativa entre gêneros, foram encontradas diferenças significativas no setor federado (p=0,001), as moças praticantes são aquelas que têm menor propensão para ser reprovadas.
Apesar de não haver relação entre o sucesso escolar dos rapazes e moças no setor escolar e no setor misto (escolar e federado), a estatística descritiva mostra que são igualmente as moças que assumem menores taxas de reprovação.
Sucesso escolar de alunos em função da modalidade desportiva praticada
No que concerne às modalidades mais praticadas pelos alunos do ensino secundário, o futebol (27%), seguido do basquetebol (13%) e do voleibol (10%), foi aquela que mereceu maior destaque (figura 1). Numa análise comparativa, procurou-se então saber se existiam diferenças no sucesso escolar dos alunos que praticavam cada uma dessas três modalidades e as restantes.
Por meio do teste de independência do qui-quadrado, verificou-se que não existe associação entre as modalidades futebol, basquetebol, voleibol e restantes e o sucesso escolar dos alunos do ensino secundário (p=0,086). Portanto, a modalidade desportiva não assume qualquer relação com a taxa de reprovação dos alunos.
Todavia, a estatística descritiva mostra que o futebol é a modalidade na qual os alunos acumulam mais reprovações (tabela 4).
Discussão
Os resultados do nosso estudo revelaram que os indicadores de sucesso escolar são mais frequentes nas moças do que nos rapazes no ensino secundário e vão de encontro ao estudo de Mendonça (2007) e Soares et al. (2010), nos quais se evidencia uma supremacia dos indicadores de aprovação do gênero feminino nas escolas madeirenses. Segundo Mendonça (2007), a motivação para a frequência escolar é mais incidente no gênero feminino, visto que os rapazes preferem o ingresso precoce no mundo do trabalho à permanência na escola. Provavelmente, desprovidos de habilitações acadêmicas, acabam por exercer trabalhos de caráter geralmente precário, nos quais a dispensa de qualquer qualificação profissional é consonante com a remuneração auferida. Resultados de vários estudos (Lehr et al., 2003) verificaram que as reprovações em anos escolares mais avançados têm sido consideradas um fator contributivo para o abandono escolar, o qual tem sido até a atualidade superior para o gênero masculino (maior facilidade na procura do primeiro emprego). Desse modo, à medida que os alunos vão abandonando a escola, as alunas, por sua vez, tendem a persistir nos estudos mesmo após algumas reprovações. Esse fator pode também ajudar a explicar o fato de o número de moças ser superior ao de rapazes nesse ciclo de ensino (as moças persistem e os rapazes tendem a abandonar).
Outros estudos têm evidenciado que as moças são mais sensíveis e preferem as atividades ligadas às artes, às línguas, à leitura e ao convívio e à interação social do que os rapazes, que preferem atividades mais dirigidas para as ciências, o desporto e a matemática (Meece et al., 2006; Sit e Lindner, 2007).
No que respeita à prática versus não prática desportiva (para os alunos praticantes de desporto), a probabilidade de aproveitamento escolar das moças foi significativamente superior (p<0,05) ao aproveitamento escolar observado no grupo dos rapazes. Desse modo, o sucesso escolar parece estar mais ligado ao gênero feminino do grupo dos alunos praticantes. Será que esses resultados podem explicar-se à luz das teorias que identificam e diferenciam as próprias características da personalidade dos rapazes e das moças? De um modo genérico, a investigação científica sugere que as moças apresentam vantagens no âmbito escolar porque são mais tranquilas, disciplinadas, ordenadas e valorizam mais a motivação intrínseca (Daley e O’Gara, 1998), enquanto os rapazes têm mais dificuldade de cumprir esses modelos e tendem a valorizar mais a competição desportiva e o status desportivo (Gonçalves et al., 2007).
Na mesma linha de análise, as moças que praticam desporto apresentaram maior taxa de aprovação escolar comparativamente com o grupo de moças que não praticam desporto. Desse modo, os resultados alcançados neste estudo evidenciam efeitos positivos da prática da atividade desportiva na relação com o sucesso escolar e para o gênero feminino. Os dados apurados estão em consonância com os resultados dos estudos de Bailey (2006), de Hartmann (2008) e de Bailey et al. (2009) ao comprovarem a existência de uma relação direta e positiva entre a prática desportiva e os resultados acadêmicos. Provavelmente, o desporto nos jovens estimula o desenvolvimento de habilidades cognitivas, melhora os níveis de atenção, o desempenho acadêmico, a predisposição e o entusiasmo para aprender. Seria esperável que também nos rapazes houvesse essa associação entre a prática desportiva e o sucesso escolar, contudo o estudo considera apenas a taxa de reprovação/aprovação como indicador do sucesso e não contempla, por exemplo, a melhoria do desempenho acadêmico dos alunos, ilustrado pelas classificações obtidas nas várias disciplinas a partir do momento em que iniciaram uma prática desportiva. Assim, para que se possa inferir acerca do efeito da prática desportiva no sucesso escolar dos rapazes, será necessário analisar mais indicadores relacionados com o seu desempenho escolar.
O objetivo de procurar analisar o sucesso escolar dos alunos sob a perspectiva do setor desportivo em que se enquadram advém das várias diferenças que existem entre o desporto escolar e o federado e que é importante refletir. Após uma análise inferencial dos dados constatou-se que o setor de prática desportiva, por si só, não contribui para um melhor ou pior desempenho escolar, visto que não foi encontrada associação entre os três grupos, setor escolar, setor federado ou misto (ambos), e a reprovação dos alunos. Esse resultado sugere que as diferenças estruturais e organizacionais dos dois setores de prática não parecem estar associadas aos indicadores do sucesso escolar dos alunos. Contudo, foi possível verificar que no setor federado as moças têm um aproveitamento escolar mais significativo, o que vai de encontro aos resultados encontrados por Gonçalves et al. (2007). Os treinos e as competições são mais frequentes no setor federado e levam os alunos a despender mais tempo com a prática desportiva e talvez pelo fato de as moças serem mais organizadas, metódicas e responsáveis (Mendonça, 2007; Kilpatric et al., 2005) consigam obter melhores resultados escolares do que os rapazes.
No que concerne às modalidades mais praticadas pelos alunos, surge o futebol como atividade maior, seguindo-se o basquetebol e o voleibol. Esse resultado não nos causa qualquer estranheza, visto que em Portugal o futebol é uma modalidade que se sobrepõe a todas as outras, quer pelo número de praticantes, quer pelos resultados desportivos alcançados, quer pelo protagonismo que merece nos meios de comunicação social. Uma comparação entre o sucesso escolar dos alunos por modalidade praticada permitiu verificar que não existem diferenças estaticamente significativas. Os estudos de Lee et al. (2000) e Gonçalves et al. (2007) revelaram que os alunos praticantes de modalidades individuais tendem a ser mais organizados, metódicos e disciplinados com os estudos, comparativamente com os alunos que praticam desportos coletivos, porquanto esses são menos autodisciplinados e mais interessados na competição. Talvez a razão supracitada venha a apoiar os resultados observados, porquanto as três modalidades mais praticadas são coletivas.
Conclusões
O estudo relacionou as variáveis sucesso escolar, gênero, prática desportiva, setor desportivo e modalidade desportiva e permitiu tirar as seguintes conclusões:
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- No que concerne ao sucesso escolar, verificou-se que existe uma relação com o gênero, sendo os rapazes a apresentar menor aproveitamento escolar;
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- Não se registou nenhuma associação entre o sucesso escolar e o gênero dos não praticantes desportivos. Porém, relativamente aos praticantes, foi possível verificar que as moças têm uma taxa de sucesso escolar significativamente superior à dos rapazes;
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- Apenas nas moças se verificou uma associação entre a prática desportiva e o sucesso escolar e foram as praticantes as que obtiverem melhores resultados;
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- Quando comparado o sucesso escolar dos alunos por setor de prática desportiva verificou-se que não existe relação entre as duas variáveis. Todavia, ao nível do setor federado as moças têm uma taxa de reprovação significativamente inferior à dos rapazes;
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- O futebol foi a modalidade que mais se destacou quanto ao número de praticantes, seguindo-se o basquetebol e o voleibol. No entanto, não foi encontrada associação entre o sucesso escolar dos alunos e a modalidade desportiva praticada, apesar de haver maior número de reprovações nos praticantes de futebol.
O desporto pode ser um valiosíssimo auxiliar na formação e responsabilização dos deveres escolares e sociais dos jovens, desde que seja estruturado e organizado com intensidade e adequabilidade. Várias experiências desportivas têm sido feitas no âmbito da unidade curricular de educação física com base nas premissas do modelo de educação desportiva de Siedentop (1994) que coloca em evidência benefícios interessantes no nível da aprendizagem para o desporto, da corresponsabilização dos alunos em tarefas de gestão e treino (Siedentop, 1998; Hastie, 1996; Siedentop, 2002) e do espírito de grupo e da afinidade de equipe (Macphail et al., 2004).
Contudo, mais estudos são necessários para explicar as causas que determinam melhores resultados entre as moças do que entre os rapazes. É igualmente pertinente evidenciar as alterações e os efeitos sociais, educativos e escolares dos jovens que praticam desporto de forma estruturada e regular.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jan-Mar 2015
Histórico
-
Recebido
31 Maio 2011 -
Aceito
28 Jul 2013