Open-access Educação Física escolar pós pandemia e governo Bolsonaro: desafios e perspectivas

School Physical Education after the pandemic and Bolsonaro government: challenges and perspectives

La Educación Física escolar después de la pandemia y el gobierno de Bolsonaro: desafíos y perspectivas

RESUMO

Encontramo-nos em um momento crucial da história do nosso país, quando a tarefa urgente é de reagir aos ataques sofridos ao longo dos últimos anos. No âmbito da Educação, precisamos reverter medidas que culminaram na promulgação da Base Nacional Curricular Comum e a Reforma do Novo Ensino Médio. No contexto da Educação Física, é urgente barrar as ações que fragilizam a sua permanência no currículo escolar. O presente artigo busca apontar desafios para a Educação Física nas escolas públicas brasileiras, a partir da análise dos acontecimentos vividos desde o Golpe de 2016 até o momento atual, em diálogo com referencial teórico do campo crítico da educação física nacional.

Palavras-chave:  Educação Física; Democracia; Formação política; Emancipação

ABSTRACT

We are at a crucial moment in our country's history, when the urgent task is to react to the attacks suffered over the last few years. In the field of Education, we need to reverse measures that culminated in the enactment of the National Common Curriculum Base and the Reform of the New Secondary School. In the context of Physical Education, it is urgent to stop actions that weaken its permanence in the school curriculum. This article seeks to point out challenges for Physical Education in Brazilian public schools, based on the analysis of the events experienced since the 2016 Coup until the present moment, in dialogue with the theoretical framework of the critical field of national physical education.

Keywords:  Physical Education; Democracy; Political formation; Emancipation

RESUMEN

Estamos en un momento crucial de la historia de nuestro país, cuando la tarea urgente es reaccionar ante los ataques sufridos en los últimos años. En el campo de la Educación, necesitamos revertir medidas que culminaron con la promulgación de la Base Nacional Curricular Común y la Reforma de la Nueva Escuela Secundaria. En el contexto de la Educación Física, es urgente frenar las acciones que debilitan su permanencia en el currículo escolar. Este artículo busca señalar desafíos para la Educación Física en las escuelas públicas brasileñas, a partir del análisis de los hechos vividos desde el Golpe de Estado de 2016 hasta el momento actual, en diálogo con el referencial teórico del campo crítico de la educación física nacional.

Palabras-clave:  Educación Física; Democracia; Formación política; Emancipación

INTRODUÇÃO

O ano de 2023 iniciou, com a tarefa de reagir aos ataques sofridos, desde o Golpe de 2016 até os acontecimentos do dia 08 de janeiro de 2023, quando um novo golpe foi forjado por fascistas, que buscavam reverter o resultado democrático das urnas eleitorais de outubro de 2022. Vivemos as consequências de uma crise conjuntural, aprofundada pela pandemia do Covid-19, caracterizada por medidas de expropriação dos trabalhadores, cortes e redução de salários, flexibilização de direitos trabalhistas, privatização, terceirização e outros mecanismos de transferência de fundos públicos para os cofres das empresas privadas (Saviani, 2018). Na esteira desses acontecimentos a Escola Básica foi “brindada” com a homologação, em 2017, da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e, em 2021, ainda em meio a pandemia, com a Reforma do Novo Ensino Médio (NEM).

Estes dois documentos representam um avanço importante para os “reformadores empresariais da educação” (Freitas, 2012). Segundo o autor, o campo educacional aberto às empresas do mercado de consultoria, materiais didáticos, avaliação, venda de tecnologia, entre outras, aumenta o grau de controle do capital sobre as redes escolares e os processos educativos. Diante da escassez de mão de obra barata, a preocupação do alto empresariado é liberar mais conhecimento para as camadas populares, sem renunciar ao controle ideológico da escola ou deixar espaço para as teorias pedagógicas de viés crítico. Desta forma, as classes populares são impulsionadas à Escola Básica, submetendo-as a uma preparação alienante para o mercado de trabalho. Os “reformadores empresariais” passam a disputar a agenda da educação nacional (Freitas, 2012).

A elaboração dos dois documentos supracitados, que convulsionaram a Educação Básica brasileira nos últimos seis anos, foi coordenada pela Organização Não Governamental (OnG), Todos pela Educação (TPE). Nascida durante a gestão do então Ministro de Educação, Fernando Haddad, em conjunto com o alto empresariado nacional, trata-se de um conglomerado de empresas sociais, ligadas a grandes corporações e instituições financeiras (Itaú, Gerdau, Pão de Açúcar, Ifood, B3 etc.) Tais empresas investem em programas sociais educativos, sem se preocupar com o retorno financeiro, pois mais importante é a imagem da empresa, o controle efetivo da formação de mão de obra barata para o mercado de trabalho e a capacidade de exercer influência para mudar leis e aprovar políticas (Catini, 2022).

No bojo deste contexto, está a disciplina Educação Física escolar (EFe), cuja permanência no currículo tem sido ameaçada (especialmente no âmbito do Ensino Médio) ficando sua identidade didático-pedagógica fragilizada. Na escola, a Educação Física (EF) ainda oscila entre o tecnicismo esportivista, as correntes críticas e o viés da saúde. Nozaki (2004) já alertava que as tentativas de sua exclusão nos documentos norteadores da educação nacional, representam evidências de sua desvalorização no projeto político-pedagógico na escola. Sadi (2003) acrescenta que antes de questionar se a sociedade reconhece a EF, devemos nos perguntar se ela conhece o que ela é e sua importância para a formação humana.

Paralelamente seus professores lidam de forma controversa com o Conselho Federal/ Regional de Educação Física (Confef/Cref). Faria et al. (1996) explicam que se trata de um grupo sem representatividade, que passou por cima de toda a categoria e, na defesa da regulamentação da profissão, através de desconhecidas articulações políticas, impuseram um projeto sem discuti-lo com seus pares, no interior das entidades representativas da EF brasileira. O Confef/Cref é composto por grandes empresários de redes de academias e de Instituições de Ensino Superior (IES) que cumprem a tarefa de propagar o discurso da empregabilidade sobre a categoria dos trabalhadores da EF e das práticas da cultura corporal (Sousa et al., 2011) interferindo direta e indiretamente no contexto escolar.

Neste sentido, este artigo busca apontar os desafios para a EFe nas escolas públicas brasileiras, a partir da análise dos acontecimentos vividos desde o Golpe de 2016 até o momento atual. Para isso, foi desenvolvida a análise dos documentos que compõem a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a Reforma do Novo Ensino Médio (NEM), em diálogo com referencial teórico do campo crítico da EF nacional, mediante a apreensão de fenômenos que se constituem graves problemas para os professores de EF na Educação Básica.

PANDEMIA DA COVID E A EDUCAÇÃO

O contexto que descrevemos ao longo deste artigo inicia em 2016, com o processo do impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Após o golpe político-jurídico-midiático (Singer et al., 2016), no período entre 2016 e 2018, foram arquitetadas “reformas” que implicaram em redução de salários, retomada das privatizações, desmonte da política de gestão do petróleo e entrega de grandes parcelas do orçamento público às corporações das áreas da educação e saúde. Já eleito, o governo do presidente Bolsonaro, caracteriza-se pelo esfacelamento das políticas sociais e retirada de direitos básicos da população. Passamos a conviver com a defesa repugnante da ditadura e da tortura, bem como de pautas inconstitucionais como o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e da “intervenção constitucional” das Forças Armadas (Oliveira, 2017)

Granemann (2021) recorda que a classe trabalhadora brasileira viu, no início de 2020, a pandemia se disseminar, desprotegida, sem direitos e sem empregos. As desigualdades entre as classes sociais foram agudizadas no curso da pandemia, por meio de restrições dos instrumentos de democracia. Vivemos um genocídio e os responsáveis pareciam não se incomodar com a letalidade da doença e de seu acelerado curso. A democracia foi posta em xeque e direitos foram subtraídos em um cenário desolador.

Nas escolas a pandemia apenas acelerou tendências que já estavam postas. A modalidade EAD, indicada como solução pragmática para o momento da crise pandêmica, colaborou com a ampliação das desigualdades de acesso à educação. Para aqueles estudantes que tiveram à disposição as tecnologias de informação e comunicação (TICs) adequadas, além de condições materiais e de apoio familiar, esta solução pode ter sido menos sofrida. Porém, para a maior parte dos estudantes de escolas públicas, a realidade foi/é muito mais cruel. O necessário fechamento das escolas durante a pandemia, afetou a vida das crianças e adolescentes, privando-os de um espaço público social de extrema relevância, que, para além do aprendizado, complementa a vida dos estudantes com a garantia de direitos básicos.

Souza e Neira (2022) lembram que para a EF, os efeitos do Ensino Remoto Emergencial (ERE) foram ainda mais deletérios. Além de se tratar de um componente curricular conhecido por aulas baseadas em vivências corporais, sua viabilidade foi questionada em tempos de pandemia. Soma-se a isto o fato do CONFEF, ter estimulado os professores a prescreverem séries de exercícios físicos por meio das aulas remotas, priorizando a mera movimentação com vistas à manutenção da saúde, o que contraria os principais objetivos e propostas da EFe. Em que pese o fato de os benefícios da prática regular e bem orientada de exercícios físicos serem comprovados pela ciência, essa não é a função da EFe. Para os autores, a disciplina deve proporcionar experiências formativas que qualifiquem a leitura da ocorrência social das práticas corporais e sua reprodução em diferentes contextos, refutando o paradigma da aptidão física, defendido pelo CONFEF, “assim como a melhoria do desempenho motor, do ensino esportivo e da instrumentalização com vistas a aprimorar os domínios cognitivo e afetivo-social” (p. 4)

A EFe já enfrentava dificuldades para se sustentar no currículo escolar, carecendo de aprofundamento da reflexão (e autorreflexão) crítica para ser capaz de justificar sua permanência. Durante a pandemia a dicotomia corpo-mente, não superada no discurso dos professores de EF, é reforçada pelo senso comum, transformando-se no foco principal das justificativas de sua exclusão das atividades durante o ERE. Sendo desenvolvida exclusivamente através do movimento corporal, encontrava dificuldades para ser ministrada através de uma tela de computador, para turmas de estudantes que sequer abriam as câmeras. A despeito das orientações do Sistema Confef/Cref, muitos professores repensaram suas práticas pedagógicas, visando superar a preocupação exclusiva com o movimento corporal. Foi necessário buscar a humanização dos conteúdos, provocando nos estudantes um olhar mais crítico da realidade, para conhecer os mitos e falácias que enganam e que ajudam a manter a realidade da estrutura dominante.

Sobre o cenário da formação dos professores de EF e seus impactos no currículo desta disciplina na escola básica, Nozaki (2004) ressalta que o referido conselho instaurou um currículo especialista, determinado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para os Cursos Superiores de EF, homologada pela Resolução 07/04 (CES/CNE), direcionando o perfil do profissional/professor a ser formado às leis do mercado, impedindo a autonomia das Instituições de Ensino Superior (IES) para definirem o perfil da formação inicial. As novas DCNs, dividem a formação do professor de EF em dois cursos, licenciatura e bacharelado, trazendo problemas de ordem epistemológica e política, porque implica na seleção de conteúdos e procedimentos que fragmentam o conhecimento e desqualificam o trabalhador no processo de formação humana (Nozaki, 2004).

Com a fragmentação da formação, as IES privadas aumentam seus lucros, na medida em que passam a ofertar dois cursos para a formação de professores de EF. Boa parte dos egressos das universidades públicas, para não terem que realizar novamente o Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM), também passam a recorrer às instituições particulares para alcançar a dupla formação. Por outro lado, a formação aligeirada de professores “bacharéis” para atuação em espaço não escolar, atende com muita eficácia a demanda do mercado fitness. De acordo com Sousa et al. (2011) esse processo visa garantir o modelo de formação adequado aos anseios do grupo que compõe o sistema Confef/Crefs: os proprietários de academias e grandes empresários do ramo do fitness e das IES privadas. Sadi (2003, p. 20) complementa que, este processo ameaça as conquistas históricas dos professores de EF, além de rotular como regalias. Alinhado com a doutrina neoliberal, o Sistema Confef/Crefs objetiva uma formação na qual o profissional de EF “[...] seja proprietário de sua força de trabalho, transitando no mercado da empregabilidade que supõe, ora a venda do serviço em condições ótimas de retorno econômico, ora a escassez da procura”.

Ao longo das últimas décadas, foi se materializando o novo papel dado à educação em tempos de avanço da crise de reprodutibilidade do capital (Penna et al., 2021). O empresariado avançou no estabelecimento da financeirização da formação docente, impactando diretamente na formação de professores para a educação básica (Evangelista et al., 2017). Desse processo, emerge a aprovação da Resolução CNE/CES Nº 06/2018, a qual institui as novas DCNs/EF, e na sequência as novas DCNs para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica que instituiu a Base Nacional Curricular Formação/BNC-Formação, via aprovação da Resolução CNE/CP nº 2/2019. Penna et al. (2021) alertam que, nestes moldes, os professores de EF, formados nos cursos de licenciatura, serão estimulados à efetivação de suas funções enquanto operadores de uma nova subjetividade, devendo se adequar às condições do desemprego, da informalidade e da superexploração, as quais se expressam na instabilidade dos postos de trabalho e no desalento. Com as reformas educacionais, BNCC e NEM, essa mesma subjetividade passa a ser ensinada às crianças e jovens, estudantes da rede básica de ensino, futuros trabalhadores-desempregados, modulados por uma materialidade que tem produzido expectativas alienadas, minimalistas e fragmentadas acerca do mundo do trabalho.

Os autores vislumbram, como consequência desta formação precarizada dos professores de EF, a constituição de uma classe trabalhadora adaptada, que naturaliza o recrudescimento do individualismo, da imprevisibilidade, do efêmero, do pragmatismo, do empresariamento de si mesmo, favorecendo o processo de apassivamento da classe trabalhadora junto às condições de extrema exploração do capital sobre o trabalho na contemporaneidade (Penna et al., 2021).

ATUAL CENÁRIO SOCIOPOLÍTICO ECONÔMICO E A EDUCAÇÃO

A pandemia da Covid-19 deixou um rastro de destruição semelhante ao das últimas guerras vividas pela humanidade, alastrou-se entre homens e mulheres da classe trabalhadora já desprovidos dos direitos sociais minimamente construídos na Carta Constitucional de 1988 (Granemann, 2021). O Brasil foi fortemente golpeado. Estamos imersos numa crise econômica, política, sanitária e ética de proporções gigantescas. E a educação escolar, um direito social conquistado a duras penas, não se manteve ileso.

No bojo dos retrocessos conservadores, iniciados na década de 90 e aprofundados desde então, surge a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), cuja aprovação em 2017, na esteira das ações golpistas do governo Michel Temer, negligencia o cumprimento das metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação - Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014 (PNE) e reduz o currículo escolar à formação de mão de obra barata para o mercado de trabalho. Para Andrade e Motta (2020) a BNCC é um documento de caráter normativo que estabelece um conjunto de competências e habilidades essenciais, que garante o direito de todos os estudantes a aprender. A sua elaboração foi marcada por tensões, sendo que duas versões completas foram redigidas no governo de Dilma Rousseff (em 2015 e 2016), com forte protagonismo dos empresários organizados no Movimento Pela Base Nacional Comum (MPB) e no Todos Pela Educação (TPE). Desta forma, garantiram a direção política e ideológica do processo, com apoio de instituições internacionais e participação ativa de uma “comissão de especialistas”, composta por professores universitários e organizações educacionais. Já no governo Temer, a BNCC foi reformulada e cindida: a BNCC da educação infantil e do ensino fundamental foi aprovada em 2017, e a do ensino médio em 2018.

Ponce e Araújo (2021) advertem que o direito à educação foi deslocado para o que a BNCC chama de direito à aprendizagem, pautada pela política de responsabilização dos sujeitos e na meritocracia, que individualizam o fracasso e o êxito nos moldes da sociedade competitiva capitalista, em que vencedores têm direitos garantidos e perdedores vivem naturalmente à margem da sociedade. A BNCC nega a diversidade e contraria os princípios democráticos da educação nacional, na medida em que valoriza determinados conhecimentos em prejuízo da pluralidade cultural do país, pois subtrai saberes e culturas, legitimando e validando a produção hegemônica monocultural (Prietto e Souza, 2020).

Andrade e Motta (2020) explicam que o NEM, foi uma das primeiras ações do ministro da educação do governo Michel Temer, Mendonça Filho. A partir da divulgação dos resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), ainda em 2016, anuncia a possibilidade da Reforma do NEM ser editada por medida provisória. Quinze dias após este anúncio a MP nº 746/2016 foi aprovada, provocando uma série de reações contrárias, como protestos por todo o país e ocupação das escolas pelos estudantes. A MP foi sancionada como lei nº 13.415/2017 (Brasil, 2017b) em fevereiro de 2017, em abril foi apresentada a primeira reformulação da BNCC, somente para a educação infantil e ensino fundamental e em dezembro do mesmo ano, uma versão semelhante foi aprovada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). Toda resistência inicial foi recrudescida, o NEM foi aprovado via MP e a BNCC para todas as etapas da educação básica, sufocando o diálogo com os profissionais da educação, retomando a pedagogia das competências e retroagindo conquistas democráticas do conjunto dos trabalhadores/as da educação nacional.

A BNCC do Ensino Médio foi aprovada um ano depois, em dezembro de 2018, diferindo radicalmente do documento aprovado em 2017, prevendo competências e habilidades específicas, apenas para os componentes curriculares português e matemática. É importante explicar que a BNCC-EM se constitui na parte curricular do NEM, que é complementado com reforma na carga horária do ensino médio, instituída pelo programa Ensino Médio em Tempo Integral (EMTI). Com a aprovação da BNCC, foi finalizada a tramitação legal da reforma do ensino médio, que prevê como disciplinas obrigatórias, somente português, matemática e inglês. No caso da disciplina EF (junto com artes, sociologia e filosofia), a MP retirou da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB/1996) a obrigatoriedade e passou a determinar que “A Base Nacional Comum Curricular referente ao ensino médio incluirá obrigatoriamente estudos e práticas de educação física, arte, sociologia e filosofia.” (Brasil, 2017a, art. 35-A).

Segundo Prietto e Souza (2020), a elaboração da BNCC e a Reforma do NEM representam um abalo à permanência da EFe no currículo da educação básica. A EF na BNCC foi inserida na Área das Linguagens e é conceituada como componente curricular que tematiza as práticas corporais. O NEM prevê a obrigatoriedade dos estudos e práticas da EF, mas não especifica um tempo pedagógico para suas aulas, reduzindo-a como atividade, podendo ser oferecida dentro de outros conteúdos ou disciplinas. Permite o “notório saber” como requisito para ministrar aulas e desconsidera o professor com formação específica para atuar na docência. No EM, a EF deveria oferecer o máximo de oportunidades ao estudante para que ele estabeleça uma relação qualificada com a cultura corporal de movimento, discutindo temas como o direito às práticas corporais pela comunidade, a relação das práticas corporais com a saúde, o lazer e o tempo livre.

Vinculada à BNCC, a Reforma do NEM (Lei N° 13.415, de 16 de fevereiro de 2017) altera o currículo e o projeto de formação humana para os alunos desta etapa da educação básica. Representa uma manobra para reduzir (ou aniquilar) os componentes curriculares que tratam da estética, da intuição, da liberdade, do movimento e da corporeidade. Impõe-se uma formação tecnicista, em detrimento de uma formação ético-política, reduzindo a capacidade de reflexão crítica dos estudantes e os obriga a uma formação com foco no mercado de trabalho altamente precarizado. Nesta perspectiva, a educação perde seu status de direito fundamental e volta a ser privilégio de alguns, nos impondo um retrocesso histórico.

Além disso, tanto o NEM como a BNCC, exigem a reformulação de todos os materiais didáticos e avaliativos; abrem espaço à educação à distância no ensino médio, exigem a reformulação da formação de professores, admitem profissionais de “notório saber”. De acordo com Andrade e Motta (2020), tais reformas refletem a revitalização e o aprofundamento da dependência capitalista. Estas medidas reformistas da educação básica nacional apresentam a face contraditória, antidemocrática e retrógrada, próprias do capitalismo dependente.

DESAFIOS PARA A EDUCAÇÃO E EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

Chegamos em 2023, com a pandemia controlada e um novo governo federal, resultado da derrota, nas urnas, do candidato Jair Bolsonaro. Granemann (2021) enfatiza que nossas vitórias não devem ser desprezadas, contudo ainda são insuficientes para conter o extermínio que vem se produzindo contra a classe trabalhadora. É urgente defender de forma irrestrita a educação pública, gratuita, laica, democrática, inclusiva e de qualidade social, com a universalização do acesso, a ampliação da jornada escolar e a garantia da permanência bem-sucedida de crianças, jovens e adultos, em todas as etapas e modalidades da Educação Básica. A única certeza que temos é que o cenário sociopolítico econômico nos impõe muitas lutas no horizonte próximo.

A luta pelo direito à educação é uma construção histórica, uma educação que promova a valorização das diferenças, a igualdade de condições e oportunidades, respeitando as especificidades regionais. Desta forma, somos convocados a lutar por um projeto de educação e de sociedade que se contraponha ao vigente, priorizando e fortalecendo a cidadania plena dos sujeitos. Ao mesmo tempo, precisamos formar novos lutadores (os atuais estudantes da escola básica) que se unam na construção de um grande movimento popular, que vá na contramão do projeto educacional hegemônico e na direção da defesa da educação democrática em prol de uma sociedade mais justa e igualitária (Ponce e Araújo, 2021).

Precisamos lutar pela revogação da BNCC e da Reforma do EM, enquanto medidas reacionárias, características dos governos golpista e ultraconservador dos últimos 6 anos. Em que pese o fato de o atual governo resistir à revogação dessas medidas, não podemos retroceder ou aceitar remendos. Na contramão do projeto educacional hegemônico, perpetrado nos governos passados e continuado pelo atual governo, defende-se uma educação que paute conhecimentos sobre direitos (civis, políticos, sociais, humanos) (Ponce e Araújo, 2021). No âmbito da EFe, pensamos nos seguintes desafios iniciais:

  1. Pleitear a revogação da BNCC, com imediata convocação de um debate ampliado sobre currículo escolar, incluindo não somente os profissionais da educação, mas também representações estudantis da educação básica.

  2. Barrar a implantação do NEM, forçando a sua revogação, impedindo que a educação dos estudantes das classes populares seja voltada exclusivamente para a formação de mão de obra barata voltada ao mercado de trabalho.

  3. Organizar a luta contra o Sistema Confef/Cref e a reversão das medidas, que culminaram com a fragmentação e enfraquecimento da formação dos professores de EF.

  4. Construir o currículo da EF a partir de discussões realizadas no interior das escolas, não somente com os professores da disciplina, mas também com os/as estudantes e a comunidade escolar, promovendo um fortalecimento da sua identidade e sua inserção inequívoca no projeto político-pedagógico.

Saviani (2018) impõe à educação duas tarefas desafiadoras. Resistir, exercendo o direito de desobediência civil, e lutar para transformar a situação atual e assegurar às novas gerações uma formação sólida, possibilitando o pleno exercício da cidadania. No âmbito da EFe estas duas tarefas representam a permanência da disciplina no currículo da escola básica voltado para a formação integral e humana, passando pelo rompimento com o ensino fragmentado, tecnicista e disciplinar.

Precisamos defender de forma irrestrita um currículo que reconheça a pluralidade cultural da sociedade, valorize as diferenças e fortaleça a construção coletiva. O currículo da escola básica deve articular os conhecimentos científicos e saberes populares a partir de uma relação horizontal, fazendo emergir saberes que fortaleçam a luta contra a dominação e opressão. Sendo assim, os estudantes devem ser estimulados a analisar os diferentes conhecimentos de forma crítica, debater democraticamente todas as ações e decisões que envolvam a sua vida (dentro e fora da escola).

É urgente resgatar conhecimentos que nasceram da luta contra o capitalismo e autoritarismo, instrumentos de resistência que representam novas possibilidades de ampliação do olhar humano para a vida e que defendem uma sociedade democrática, sustentada por uma perspectiva ampliada de direitos que promovam a emancipação e a justiça social.

CONSIDERAÇÕES

A escola pós-pandemia e, no caso do Brasil, pós governo Bolsonaro deve ser uma escola que prepara os estudantes para a luta contra a exploração da força de trabalho, contra o fascismo, contra o patriarcado, contra o colonialismo que invisibilizam saberes e outras formas de estar no mundo, dificultando os processos emancipatórios. É necessário lutar com e por aqueles que não têm ou nunca tiveram seus direitos reconhecidos. Mais do que nunca, cabe à educação a tarefa de fortalecimento da participação popular no sentido da emancipação política e humana, ampliando a convivência democrática no interior e para além das escolas.

Apesar da derrota, nas urnas, do fascismo e do ultraconservadorismo, as políticas neoliberais e a educação pautada pelos empresários capitalistas permanecem como princípios do atual governo. Precisamos manter posição irredutível no sentido da revogação da BNCC e da Reforma do NEM, mesmo sem espaço para esse debate no novo governo, que acena somente com a possibilidade de ajustes nos referidos documentos. Não é possível aceitar migalhas na educação!

A redução/retirada das disciplinas que fomentam a formação crítica do currículo da Educação Básica é inaceitável e a luta pelo retorno destas disciplinas e abertura de debate para a construção de novas propostas curriculares deve ser organizada dentro das escolas com as comunidades escolares, através de uma educação libertadora de fato. Neste sentido, devemos recorrer às experiências de educação para emancipação e para as lutas sociais, vividas anteriormente que trazem elementos indispensáveis para fortalecer a luta por uma escola pública, laica, gratuita, de qualidade e livre das ingerências privadas balizadas pelos interesses do mercado.

FINANCIAMENTO

  • O presente trabalho não contou com apoio financeiro de nenhuma natureza para sua realização.

REFERÊNCIAS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    06 Mar 2023
  • Aceito
    29 Maio 2023
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