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Tratamento de enxertos de veia safena com stents farmacológicos: resultados talvez não tão satisfatórios como em vasos nativos

EDITORIAL

Tratamento de enxertos de veia safena com stents farmacológicos - resultados talvez não tão satisfatórios como em vasos nativos

Stephen G. EllisI; Henrique B. RibeiroII

IDepartamento de Cardiologia - Cleveland Clinic - Cleveland, Estados Unidos

IIInstituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor/HCFMUSP) - São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Stephen G. Ellis Cleveland Clinic 9500 Euclid Avenue Cleveland, OH, USA - 44195 E-mail: Elliss@ccf.org

Desde que Floyd Loop, na Cleveland Clinic (Estados Unidos), adotou a artéria mamária interna como enxerto arterial para fazer derivações na artéria descendente anterior, esse procedimento tornou-se o padrão de referência para a realização de revascularização miocárdica, principalmente porque, no seguimento a longo prazo, demonstrou seu potente benefício em aumentar a sobrevida.1 Entretanto, pacientes com doença em múltiplos vasos submetidos a revascularização ainda necessitam de enxertos de veia safena (EVS) para artérias coronárias que não a artéria descendente anterior, e, ao contrário das taxas de durabilidade e permeabilidade extremamente altas verificadas com os enxertos de artéria mamária interna esquerda, 50% dos EVS desenvolvem doença grave ou oclusão em dez anos.

Nas últimas décadas, a intervenção coronária percutânea (ICP) tem sido uma alternativa de revascularização menos invasiva, quando comparada com a revascularização cirúrgica, particularmente em pacientes com doença arterial coronária menos extensa. A cardiologia intervencionista progrediu rapidamente, com melhora evidente da técnica, o que permitiu o uso de stents em mais de 95% dos procedimentos, inclusive no tratamento de estenoses mais complexas, como lesões longas, em pequenos vasos, em múltiplos vasos e em EVS.2-5

Atualmente, a ICP em EVS representa cerca de 10% de todos os procedimentos em muitos centros6 e está associada a maior risco de infarto do miocárdio (IM) associado a embolização distal durante a intervenção e de reestenose, apesar dos avanços da terapêutica farmacológica e dos dispositivos.7 Assim, embora os stents farmacológicos (SF), comparativamente aos stents não-farmacológicos (SNF), tenham mostrado melhores resultados no tratamento de doença arterial coronária em vasos nativos,5 a maioria dos principais estudos excluiu ou incluiu poucos pacientes com lesões em EVS. Estudos comparando SF e SNF em EVS demonstraram resultados conflitantes, além de a maioria deles não ter seguimento a longo prazo.2,7-10

O artigo de Collet et al.11, publicado nesta edição da Revista Brasileira de Cardiologia Invasiva, fornece uma visão adicional sobre a comparação entre SF e SNF no tratamento de EVS, usando dados de um Registro que incluiu pacientes consecutivos recrutados e divididos de acordo com o tipo de stent implantado (209 com SF e 99 com SNF). A base lógica desse estudo é a falta de grandes estudos com seguimento a longo prazo (mais de um ano). Os autores verificaram que, durante a hospitalização, a tendência de eventos cardíacos adversos maiores (ECAM) foi maior no grupo SF quando comparado ao grupo SNF (12% vs. 5,1%, respectivamente; P = 0,056). Entretanto, após 24 meses de seguimento, a taxa de ECAM foi equivalente em ambos os grupos (17,2% vs. 18,2%, respectivamente; P = 0,87), assim como a trombose definitiva/provável do stent (2,3% vs. 2%, respectivamente; P = 0,94). Em conclusão, nessa série de pacientes complexos do mundo real, os autores não encontraram preocupações com a segurança a longo prazo relacionada ao uso dos SF no tratamento de lesões em EVS, com taxas semelhantes de morte cardíaca/IM/trombose do stent em ambos os grupos, mas sem benefícios demonstráveis na redução de revascularização subsequente. Com base nos resultados observados nesse estudo e em decorrência de sua natureza retrospectiva e do pequeno número de pacientes, pode ser difícil tirar conclusões consistentes a partir dessa análise, sendo necessários estudos maiores e randomizados sobre o tema.

Recentemente, metanálise combinando estudos randomizados e observacionais sugeriu benefício dos SF em relação aos SNF no tratamento de lesões em EVS.2,7-10,12 Hakeem et al.9 demonstraram taxa mais baixa de ECAM (19% vs. 28%, respectivamente; P < 0,00001), decorrente de menores taxas de óbito (P = 0,02), IM (P = 0,007) e revascularização do vaso-alvo (RVA) (P = 0,0002). Não houve diferença entre os grupos em relação à trombose do stent (1% vs. 1,7%, respectivamente; P = 0,08). Embora a redução de RVA seja plausível, pode-se questionar de que forma o uso de SF em vez de SNF pode reduzir o óbito e o IM, deixando aberta a discussão de que o resultado talvez tenha decorrido do tratamento medicamentoso concomitante ou de que os SF tenham sido usados em pacientes com menos comorbidades. Por outro lado, Lee et al.12 demonstraram que a RVA foi menor em EVS tratados com SF [odds ratio (OR) 0,59, intervalo de confiança (IC) de 95% 0,49 a 0,72], com taxa também menor de IM (OR 0,69, IC 95% 0,49 a 0,99), mas sem diferença quanto à trombose do stent ou ao óbito entre os grupos. Assim, ambos os estudos demonstraram taxas menores de RVA.

Outro fenômeno interessante observado em alguns ensaios clínicos com seguimento tardio é o chamado late catch-up. Isso porque o benefício inicial observado nos primeiros anos em relação à RVA não é mantido no seguimento a longo prazo.10 A RVA após intervenção em EVS ocorre mais comumente em locais não-tratados e não no local da lesão-alvo, após o primeiro ano.8 Essa progressão da doença em EVS em locais que não a lesão-alvo pode ser responsável pela maioria dos casos de RVA tardia.

Outra razão importante para a falta de benefício dos SF no tratamento de EVS é que a fisiopatologia da aterosclerose é diferente em veias e artérias. Os enxertos venosos estão sujeitos a mecanismos únicos de falha do enxerto, como lesões em anastomoses e dobras. A ausência de benefícios dos SF em lesões de EVS a longo prazo provavelmente está relacionada ao processo de degeneração progressiva, que não é necessariamente interrompido por tratamento focal ou segmentar com o implante de stents. Quando os EVS começam a degenerar, ocorre alta taxa de falha do enxerto e progressão muito mais rápida da doença que em vasos nativos.7,8

O ensaio clínico ISAR-CABG, o maior e mais importante estudo randomizado sobre esse tema, recentemente apresentado, demonstrou, em seguimento de um ano, que o grupo SF teve incidência 35% mais baixa do desfecho combinado primário (morte, IM e RLA), quando comparado ao grupo SNF (16,5% vs. 22,1%; P = 0,028).13 Não causa surpresa o fato de essa diferença ter decorrido principalmente da diminuição de RLA (7,2% vs. 12,9%; P = 0,020), com pequena diferença nos outros fatores que compõem o ECAM. O tempo mais longo de seguimento desse estudo deve trazer melhores respostas à questão dos exatos benefícios dos SF no tratamento de EVS.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 5/6/2011

Aceito em: 6/6/2011

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  • Correspondência:

    Stephen G. Ellis
    Cleveland Clinic
    9500 Euclid Avenue
    Cleveland, OH, USA - 44195
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2011
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